COMENTÁRIO:

Filosofia e filologia: o jogo entre gregos e alemães

 

Maicon Reus Engler[1]

 

 

Referência do artigo comentado: Lopes, André Pereira Leme. Heráclito, B52 DK: contribuição à semântica do jogo. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, vol. 44, n. 1, p. 10 –25, 2021.

 

O artigo de Lopes (2021) destaca-se pela ponderação de seus juízos. Aliado a uma erudição indispensável, ele disserta com propriedade sobre problemas cruciais que envolvem o famoso fragmento B52-DK de Heráclito e sustenta opiniões que se afastam de extremos nem sempre ancorados nos dados filológicos. Como o autor admite, todavia, o estudo permanece no umbral de uma interpretação filosófica mais ampla, preparando o terreno para considerações vindouras que possam tomar posição definitiva em relação aos problemas elencados.

Em seu tratamento dos dados histórico-linguísticos, ele mostra também como a filologia pode aliar-se beneficamente à filosofia. Gostaria de tecer alguns comentários sobre esse tema fundamental. Por um lado, a filologia permite que o filósofo aprofunde suas interpretações via detalhada exploração do vocabulário, do contexto histórico e da transmissão dos textos supérstites. As considerações do prof. Lopes sobre as conotações lúdicas do verbo metapíptō, usado no fragmento B88-DK, constituem exemplos desse fato. Por outro lado, ela amiúde limita o voo especulativo dos filósofos, especialmente ao assinalar onde a exegese viola o sentido originário visado pelos antigos. Exemplo disso são as discussões do prof. Lopes sobre os jogos de tabuleiro e sobre os termos basilēíē e pólis, as quais alertam o leitor sobre alguns problemas das interpretações cosmológicas do fragmento em apreço.

Essa intrincada relação com o saber filosófico fez-se presente desde o início da filologia enquanto ciência. Em várias etapas de sua história, ela serviu ora para expandir, ora para delimitar a reflexão dos filósofos. A redescoberta dos pré-socráticos encetada por Heidegger, por exemplo, foi devedora imediata do trabalho minucioso de Hermann Diels (1903), assim como o Idealismo Alemão, máxime em seu léxico e em seus anseios mais íntimos, hauriu poderosos estímulos da retomada da Gräzistik envidada por Winckelmann, pelos irmãos Schlegel e, mais precisamente, por Friedrich Schleiermacher e seu hercúleo trabalho de tradução e comentário dos Diálogos. Jamais os filósofos teriam falado em Idealismo, em pleno século XIX, e jamais teriam sentido a dolorida nostalgie de la Grèce[2], não fosse o meticuloso empenho dos filólogos que os precederam. Do mesmo modo, jamais a discussão dos pré-socráticos e do início da filosofia grega teria chegado ao patamar ao qual chegou, no século XX, sem a valiosa coletânea compilada por Diels.[3]

Não por acaso, esse fato toca diretamente a tradição alemã. Ela é o exemplo mais acabado de como as nuptiae entre filologia e filosofia podem produzir belos frutos, em que pesem seus inúmeros conflitos. Enquanto se pretendeu ingenuamente uma ciência rígida, a filologia esposou o método da objetividade e evidência factual, e torceu o nariz para as intepretações não raro “delirantes” (schwärmerisch) dos filósofos, como se fossem suposições criativas, porém carentes de base histórica. Nietzsche e Heidegger que o digam: as diatribes de Wilamowitz (2005) contra o Nascimento da Tragédia, tal como as invectivas filológicas de Paul Friedländer (1979) e Glenn Most (2002) contra os “Gregos de Heidegger” e seu conceito de alḗtheia, pois, exemplificam como tais relações podem ser conturbadas.

Por outro lado, isso também impediu à filologia que tomasse consciência de suas escolhas filosóficas prévias, algo que sempre foi objeto de crítica por parte dos filósofos. Por exemplo: hoje está fora de dúvida que o sistema de Hegel e suas Preleções sobre a História da Filosofia foram determinantes para a esplêndida descrição da filosofia grega elaborada por Zeller (1893), bem como para algumas decisões sobre o ordenamento dos fragmentos pré-socráticos feitas por Diels, sobretudo para o próprio termo “pré-socrático”[4]; outrossim, o positivismo e o fervor patriótico prussiano foram primordiais para Wilamowitz-Möllendorf, como se nota a partir de sua descrição da República de Platão (Vegetti, 2009, p. 114).

Logo, a tensão de tais relações pode ser deveras prolífica. O artigo do prof. Lopes merece ser lido porque expõe os dados filológicos sem perder de vista seu possível sentido filosófico; ele consegue realizar delicado balanço entre essas duas opções fundamentais, conquanto não desenvolva completamente a interpretação filosófica. E o caso de Heráclito não poderia ser mais sintomático a esse respeito, pois o eremita de Éfeso foi desde sempre cortejado com avidez por grandes filósofos alemães. Enquanto sua lógica atenta aos opostos atraiu a Hegel[5], sua visão da gratuidade do devir encantou a Nietzsche (1978, p. 107) e sua descrição do ocultar-se da natureza serviu como uma luva à narrativa heideggeriana sobre o Ser (Nietzsche, 1978, p. 127). Não obstante na filosofia inteira de Nietzsche ressoem temas notavelmente heraclíticos – parece-me ser possível derivar grande parte de suas reflexões maduras, com efeito, da descrição de Heráclito em A filosofia da idade trágica dos gregos – Eugen Fink talvez seja o filósofo que uniu mais perfeitamente a discussão de Heráclito e o problema do jogo. Suas reflexões merecem, pois, alguma atenção.

Como é de conhecimento geral, Fink e Heidegger (1970) ministraram um curso sobre o “obscuro” em 1966/67. Trata-se do último curso de Heidegger em Freiburg, e ele exibe um diálogo memorável, pleno de respeito e amizade, entre os dois grandes pensadores e herdeiros de Husserl. A discussão do jogo, todavia, está ausente aqui; o fragmento B52-DK é preterido em prol do tratamento de problemas ontológicos à primeira vista mais abrangentes. No seminário de 1943, intitulado Der Anfang des abendländischen Denkens, Heidegger discutira Heráclito e aludira ao problema do jogo, citando a anedota relatada por Diógenes Laércio (IX, 3), segundo a qual o filósofo ter-se-ia retirado para o templo de Ártemis a fim de jogar com as crianças, ao invés de discutir política com os adultos. É curioso que o fragmento B52-DK não apareça aqui. Entre outras coisas, Heidegger pensa que a anedota mostra como Heráclito evita tomar parte nos assuntos humanos (politeúesthai) e prefere, ao contrário, manter-se próximo dos deuses e aberto ao sagrado. O jogo é visto como uma atividade própria de Ártemis e, portanto, mais divina do que humana: sua dinâmica revelaria o constante desabrochar da phýsis (Heidegger, 2018, p. 18ss). Em nenhum momento Heidegger cogita, como o prof. Lopes recorda oportunamente, que Heráclito possa estar usando o termo pólis para denominar um jogo da época.

O seminário de Heidegger e Fink foi imediatamente precedido pelo livro em que Fink discorreu sobre a ontologia do jogo: Spiel as Weltsymbol (1960). Apesar de já haver certa discussão anterior do tema, como o Homo ludens (1938) de Huizinga e o seminário de Heidegger exemplificam, é talvez a partir desse curso que o problema do jogo adquire estatuto filosófico no interior da tradição fenomenológico-hermenêutica.[6] No mesmo ano, Hans G. Gadamer, o qual fez a resenha do livro de Fink (Gadamer, 1961), utilizará o jogo para descrever o acontecimento da obra de arte, em Verdade e Método (Gadamer, 2015, p. 154), um tema depois retomado no clássico livro de 1974: A atualidade do Belo: arte como jogo, símbolo e festa (Gadamer, 2009).

No livro de Fink, o pensamento de Heráclito é discutido sob o viés da interpretação nietzschiana. Vale a pena ver seu comentário, a fim de entender melhor as afirmações acima sobre a tradição alemã. O trecho provém do texto Oase des Glücks, Gedanken zu einer Ontologie des Spiels, que teve grande repercussão, na época, por ser transmitido como preleção pela estação de rádio de Baden-Baden (1957). Ele integra o livro de 1960:

Das Phänomen des Spieles ist nun eine Erscheinung, die als solche schon durch den Grundzug symbolischer Repräsentanz ausgezeichnet ist. Wird vielleicht das Spiel zum gleichnishaften Schauspiel des Ganzen, zur erhellenden, spekulativen Weltmetapher? Dieser verwegene, kühne Gedanke ist wirklich gedacht worden. In der Morgenfrühe des europäischen Denkens stellt Heraklit den Spruch auf: „Der Weltlauf ist ein spielendes Kind, Brettsteine setzend — eine Königsherrschaft des Kindes” (Fragment 52, Diels). Und nach 25 Jahrhunderten der Denkgeschichte heißt es bei Nietzsche: „— ein Werden und Vergehen, ein Bauen und Zerstören, ohne jede moralische Zurechnung, in ewig gleicher Unschuld hat in dieser Welt allein das Spiel des Künstlers und des Kindes” — „die Welt ist das Spiel des Zeus [...]” (Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen). (FINK, 1957, p. 50-51).

 

Nessa passagem, destaca-se aquilo que o prof. Lopes denomina “interpretação cosmológica do jogo”. O jogo é entendido metaforicamente como a armação da própria realidade: esta organiza-se segundo regras, porém, é dotada de certa gratuidade e amoralidade, ao menos na versão de Nietzsche. Para Fink, Heráclito visa o fato de que abertura “jocosa” da existência humana (spielhafte Offentheit des menschlichen Daseins) ao fundamento “lúdico” do Ser de todos os entes (zum spielenden Seinsgrund) revela, pois, o privilégio de tal existência em relação ao Ser. Noutras palavras, o ser humano pode compreender o desvelar do mundo como jogo, porque consegue pôr sua existência em correspondência (entsprechen) com o Ser, de tal modo que é capaz de vê-lo em suas regras, objetivos, movimentos etc. (Fink, 1957, p. 51-52).

Essa interpretação é uma elucubração inspirada em Heráclito. Se se mantém em mente que a filosofia não está casada com rigidez de uma única ciência, mas, como uma Cármen, pode desfrutar da beleza de diversos métodos, não há problema em admitir a originalidade de Fink. O problema estaria em pensar que suas considerações, conforme apresentadas a partir do contexto contemporâneo, tenham sido exatamente o que Heráclito pretendia dizer. É a partir disso que se acende o conflito entre filologia e filosofia. O artigo do prof. Lopes tem o mérito de manter essas escolhas visíveis, sem ocultar as profundas consequências teóricas que acarretam.

Essas consequências nem sempre partem dos problemas em si, e muitas vezes pressupõem questões circunjacentes, as quais só se revelam com o tempo. A retomada dos pré-socráticos empreendida por Heidegger e seus discípulos, v.g., significou também um ferrenho comprometimento com a interpretação nietzschiana de Platão. Enquanto aqueles eram vistos como filósofos puros e ainda não metafísicos, este era concebido como a origem de toda a tradição filosófica e seus erros. Outras decisões motivavam esse movimento: ao preconizar o retorno aos pré-platônicos, Heidegger recusava o pensador que servia de modelo a seus colegas e adversários em Marburg, ou seja, ele se afastava assim do platonismo dos neokantianos (Natorp, Cohen e Cassirer). Isso teve como resultado uma visão bastante prejudicial de Platão, da qual Gadamer foi talvez o único a salvar-se, provavelmente por suas relações com Friedländer. Por exemplo, a abordagem fez com que tais pensadores subestimassem o fato altamente significativo de que Platão, na esteira dos sofistas e porventura de Heráclito[7], desenvolveu importantes reflexões sobre o jogo. Eis o tema com o qual gostaria de findar este breve comentário, limitando-me aqui a mencionar algumas dessas reflexões.

Na República, Platão afirma que as crianças devem aprender brincando (R. 537a), e também ressalta que toda a atividade mimética é um tipo de jogo ou brincadeira (paidiá) (R. 602b8). Ou seja, além de utilizar o jogo em sua pedagogia, ele descreve toda a arte, como Schiller e Gadamer farão, séculos mais tarde, como um tipo de jogo. Ademais, como a criação do mundo é feita de maneira mimética – o demiurgo plasma no mundo material as cópias das ideias (Tim. 29a) – não é ocioso concluir que Platão, como Heráclito, imaginou quiçá uma cosmologia do jogo. No Fedro, por sua vez, onde Platão reflete profundamente sobre tal tema (BARATIERI, 2014), ele concebe a retórica (Phdr. 262d, 265d) e toda a atividade de escrita (Phdr. 276d) como um jogo/brincadeira.

Em última instância, isso significa que ele pode ter compreendido sua tarefa de escritor como um jogo/brincadeira e, por isso, alguns intérpretes contemporâneos têm enfatizado os elementos de diversão dos Diálogos, os quais cumprem relevante papel pedagógico e protréptico. Até mesmo o senso de humor ter-lhe-ia sido fundamental na composição de sua obra (Altman, 2018). No Parmênides, por fim, os exercícios dialéticos realizados pelas personagens também são chamados de “jogo” (Parm. 137b), e seu caráter desportivo (Parm. 135d; 137a) é assinalado desde o início do diálogo.

Como no caso de Heráclito, trata-se de um exemplo da difícil relação entre filosofia e filologia. A perspectiva puramente filosófica, tal a dos pensadores alemães, é como que incapaz de explorar tais similaridades, pois que perfilhou de antemão a total incompatibilidade entre Platão e Heráclito postulada por Nietzsche. Noutras palavras, uma decisão simultaneamente teórica e política acaba por travar-lhes o caminho ao rico manancial de discussões gregas sobre o jogo. Por outro lado, a abordagem estritamente filológica tampouco garantiria maior correção à análise do problema. Embora pudesse reconhecer a origem e o parentesco das reflexões platônicas, ela não necessariamente entenderia a essência do jogar, o que só é possível através da elucidação conceitual que caracteriza o saber filosófico. Por tal motivo, Fink (2010, p. 231) já criticava a perspectiva meramente histórico-filológica, cuja concepção de jogo é ingênua e baseada tão-somente na familiaridade cotidiana com tal fenômeno.

Vista sob esse ângulo, parece que a solução de tal problema é aquela que percorre sutilmente, sem menção explícita, o texto do prof. Lopes: a filosofia e a filologia precisam tornar-se conscientes de sua interdependência. Noutras palavras, se a tarefa de interpretação é mesmo tão árdua e intrincada quanto as temíveis cabeças de uma Hidra de Lerna, a filosofia deve tornar-se Hércules, e a filologia, Iolau. Dessa aliança prolífica pode então surgir, de forma ao mesmo tempo exata e originária, o fabuloso legado dos antigos.

 

Referências

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Recebido: 08/12/2020

Aceito: 13/12/2020


 

 



[1] Professor adjunto do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação (DTFE) e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFPR, Curitiba, PR – Brasil. Atualmente em estágio pós-doutoral na Universidade Federal de Minas Gerais. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6752-259X. E-mail: reusengler@gmail.com

[2] Sobre isso, conferir: TAMINIAUX, 1967; AMERIKS, 2005, p. 8; BUTLER, 1958; SAFRANSKI, 2010.

[3] Há vários exemplos dessa discussão, no interior da tradição alemã, sem mencionar as contribuições de Kahn, Mourelatos e Cordero. O auge da discussão dá-se com a coletânea organizada por Gadamer (1968) sobre o mundo conceitual (Begriffswelt) dos pré-socráticos, da qual participam eminentes estudiosos, como Jaeger, Stenzel, Snell, Hölscher, Fränkel, Reinhardt, Klein etc. O próprio Gadamer escreve mais tarde dois volumes sobre o início da filosofia (GADAMER, 1996) e do saber (GADAMER,1999), onde aborda os pré-socráticos. Do mesmo modo, o livro de Hölscher (1968) apresenta importantes considerações sobre Anaximandro, Parmênides e Heráclito. Essas discussões são, em parte, suscitadas pelo trabalho de Diels, pois ele tornou acessível, pela primeira vez, uma visão de conjunto desse período da filosofia. Antes de sua coletânea, alguns autores, como Nietzsche, Hegel e Schopenhauer, por exemplo, tinham de utilizar as fontes doxográficas originais, o que não lhes punha à mão a completude dos fragmentos (Gamader, 1996, p. 43-44).

[4] Desde a publicação da nova edição dos pré-socráticos organizada por Laks-Most (2016), iniciou-se verdadeira batalha sobre vários pontos antes assentes, como o nome “pré-socrático”. Laks e Most não aceitam esse termo e usam, em seu lugar, “Early Greek Philosophy”, além de incluírem os fragmentos sobre Sócrates em seus nove volumes. Assim, parte das decisões de Diels, inspiradas em Hegel e Zeller, está hoje sob forte ataque (Laks-Most, 2016, p. 6).

[5] “Assim esta filosofia não é passada; seu princípio é essencial e encontra-se em minha Lógica, no começo, logo depois do ser e do nada.” (Hegel, 1978, p. 93).

[6] Há ainda outros exemplos da discussão sobre o jogo. Como sabido, Schiller (1999) já utilizara, em seu clássico livro sobre A Educação estética do homem (1794), a ideia de impulso lúdico (Triebspiel) como forma de mediar o constante antagonismo entre o impulso sensível (sinnlicher Trieb) e o formal (Formtrieb). A arte inteira nasceria desse impulso, assim como a educação capaz de moralizar o homem. Como a influência do classicismo alemão sobre autores como Fink, Heidegger e Gadamer é notória, pode-se imaginar que Schiller os tenha inspirado a resgatar o tema do jogo, para pensar alguns problemas filosóficos contemporâneos. No século XX, um dos mais prolíficos usos da ideia, que pode também ter inspirado algo do debate alemão, é o conceito de jogos de linguagem proposto por Wittgenstein (1999, I, 7), em seu clássico Investigações Filosóficas (1953).

[7] Como a comparação da Apologia de Sócrates com a Apologia de Palamedes revela, Platão sofreu profunda influência de Górgias, cujas obras deve ter conhecido muito bem. De modo geral, toda a retórica protréptica e ilusionista (apátē) que há nos Diálogos encontra precedentes claros nos sofistas. Assim, estou convencido de que ele pode ter aprendido com Górgias – que considerava seu discurso sobre Helena (Hel. 21) uma “brincadeira” (paígnion) – que o elemento lúdico é fundamental para uma pedagogia eficiente. Do mesmo modo, alguns elementos dessa ideia já se faziam presentes em Trasímaco, o qual, além de ter sido magistralmente retratado por Platão, na República, teria escrito uma série de discursos intitulados “Discursos jocosos” (paígnia) (A1-DK; D2).