A PLAUSIBILIDADE DA PÓS-HISTÓRIA NO SENTIDO ESTÉTICO
Rodrigo Duarte[1]
RESUMO: A ideia do “fi m da história”, subentendida no capítulo fi nal da Fenomenologia do espírito, serviu de base para o início de uma discussão, feita a partir das posições assumidas por Alexandre Kojève nos seus cursos sobre Hegel em Paris, na década de 1930, e em sua publicação no fi nal dos anos 1940 (com reedição em 1968), voltou à baila com o artigo de Francis Fukuyama, de 1989, sobre o “fi m da história”, no qual ele comemorava o fi m do “socialismo real” e a hegemonia mundial completa dos Estados Unidos da América. Passada a euforia sobre a “nova ordem mundial”, inclusive em virtude de sucessivas crises econômicas, é interessante recolocar a questão sobre as condições sob as quais são aceitáveis conceitos associados a esse tema, especialmente o substantivo “pós-história” e o adjetivo “pós-histórico”. A tese a ser defendida nesse artigo é a de que o campo da estética é um âmbito em que esses conceitos são defensáveis. Como exemplos de refl exões estéticas frutíferas que deles se valem, são consideradas a noção de “arte pós-histórica”, de Arthur Danto, e os desdobramentos estéticos do conceito de “pós-história”, tal como sustentado por Vilém Flusser.
PALAVRAS-CHAVE: Pop arte. Arte pós-histórica. Imagem técnica. Aparelhos.
É melhor dizer de uma vez: não se trata, aqui, de requentar uma discussão que recende fortemente à polêmica sobre a pós-modernidade, no fi nal dos anos 1970, e que parece – ainda bem – irreversivelmente superada. A recolocação do tema da “pós-história”, com toda a cautela que a matéria exige, tem por motivação a ideia de que a história propriamente dita parece estar reservada a momentos extremamente particulares de nossa experiência da contemporaneidade, estando como que excluída da nossa vivência mais cotidiana, imediata e prosaica.
Surge, então, a pergunta: que tipo de dimensão de temporalidade ocorre em nós, durante esse período muito mais alongado de nossa vida, no qual não estamos nem assistindo nem muito menos “fazendo” história? Uma resposta possível aponta para o fato de nossa consciência temporal contemporânea possuir uma enorme capacidade de coexistência de elementos históricos e nãohistóricos, sendo que aqueles representariam os momentos cruciais, capazes de revolucionar radical e duradouramente nossas vidas, e estes coincidem com nossa vivência mais “normal”, a qual tende a se repetir infi nitamente, mas é, por outro lado, o solo a partir do qual a cesura propriamente histórica pode se dar.
Mas, mesmo que admitamos essa coexistência de elementos históricos e não-históricos na nossa experiência em geral, temos ainda uma questão a resolver: se a história é entendida como clivagem essencialmente temporal que confi gura a particularidade de uma vivência específi ca, o que está fora dela só pode ser entendido ou como “pré-história” ou como “pós-história”. Ainda que não se exclua a priori a possibilidade de coexistência da história com essas duas outras dimensões da temporalidade prática simultaneamente, parece interessante testar, a princípio, a composição da consciência histórica com cada uma das suas contrapartes em separado.
A possibilidade de mescla de elementos pré-históricos, na vivência tida como majoritariamente histórica, não será discutida aqui, já que tem sido um elemento importante no pensamento crítico, desde Marx[2] até a Teoria Crítica da Sociedade[3], propriamente dita. Por outro lado, até mesmo tendo em vista essa inestimável contribuição do pensamento crítico e também a possibilidade concreta de uma vivência posterior à histórica, circunscreverei minha discussão no sentido de testar o potencial crítico do conceito de póshistória, tendo em vista o estabelecimento de uma sociedade em que os antagonismos da história teriam sido superados.
Esse procedimento encerra o grande perigo de se considerar, a partir de vivências bastante restritas e particulares, que a humanidade já estaria vivendo para além da história e dos seus confl itos. É exatamente por isso que, no meu entender, deve-se privilegiar as considerações de tipo estético como divisor de águas entre as posições que, antes, pretendem justifi car o status quo, e aquelas que adotam um ponto de vista radicalmente crítico diante do existente. As razões dessa eleição devem ser tornar mais claras ao longo da discussão efetuada neste artigo, mas a inspiração mais geral é a ideia, defendida por Theodor Adorno, de que a arte autêntica antecipa tendências de transformação radical do mundo, que ainda não se encontram disponíveis na sua vivência imediata4. O fato de que essa própria vivência imediata seja atualmente indelevelmente marcada por elementos estéticos parece ser igualmente uma confi rmação do acerto dessa escolha.
Como estratégia para a abordagem desse complexo tema, inicio a discussão com um lembrete sobre uma das mais importantes origens do conceito atual de “pós-história”: as refl exões de Alexandre Kojève sobre a Fenomenologia do Espírito de Hegel. Em seguida, chamo a atenção para a proposta de Arthur Danto, de consideração da arte contemporânea como essencialmente pós-histórica. Finalmente, exponho o ponto de vista de Vilém Flusser sobre a pós-história, o qual, mesmo sendo mais genérico do que o de Danto, é essencialmente perpassado pela dimensão estética. conteúdo social; sua invariância é somente um memento do quão pouco na história modifi cou o poder do universal, em que medida ela é ainda pré-história”
4 Dentre as inúmeras passagens da Teoria estética que abordam esse caráter antecipatório da arte, chama a atenção, de modo especial, o seguinte: “[...] somente por meio de sua absoluta negatividade a arte diz o indizível, a utopia. A essa imagem ajuntam-se todos os estigmas do chocante e do repugnante na arte nova. Por meio de uma irreconciliável recusa da aparência de reconciliação, ela mantém essa fi rme no meio do irreconciliado, consciência correta de uma época em que a possibilidade real da utopia – que a terra, de acordo com o estado das forças produtivas, agora, aqui, imediatamente, poderia ser o paraíso – se une agudamente com a possibilidade da catástrofe total. Na sua imagem – não afi guração, mas a cifra de um potencial – ressurge o traço mágico da mais longínqua pré-história da arte sob o feitiço total, como se ela quisesse evitar a catástrofe, conjurando por meio de sua imagem” (ADORNO, Theodor W. Ästhetische Theorie. In: Gesammelte Schriften 7. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986, p. 55-56).
Apesar da enorme infl uência exercida no mundo intelectual francês (e europeu), desde meados da década de 1930, Alexandre Kojève esteve praticamente esquecido por muito tempo, tendo o seu nome sido reposto em circulação somente no início dos anos 1990, em virtude da enfática menção ao seu livro mais conhecido – Introduction à la lecture de Hegel – no artigo de Francis Fukuyama, “Fim da história?”[4], sobre a derrocada do “socialismo real”, publicado apenas algumas semanas antes da queda do muro de Berlim. Digase, de passagem, que o momento da publicação do artigo de Fukuyama explica melhor sua enorme repercussão do que suas qualidades teóricas e/ou estilísticas.
Na verdade, o recurso de Fukuyama à tese de Kojève sobre o fi m da história esconde uma enorme heterogeneidade de objetivos, embora ambos os autores possam ser considerados “ideólogos”, ainda que em sentidos muito diferentes. Enquanto Fukuyama, então funcionário do Departamento de Estado Norte-Americano, refere-se ao fi m da história como alguém que celebra o fi m da incômoda presença soviética no cenário da geopolítica global, Kojève chegou à tese original – mimetizada por Fukuyama – a partir de uma interpretação muito própria, inspirada por uma posição marxista, da Fenomenologia do espírito, de Hegel, especialmente do seu capítulo fi nal, intitulado “O saber absoluto”.
Ainda assim, Kojève pode ser entendido como ideólogo, no sentido de que a mobilização de sua enorme energia intelectual para compreender Hegel não tem em vista uma interpretação acadêmica do obscuro texto da Fenomenologia, mas uma tentativa de torná-lo frutífero para a abordagem teórico-prática de fenômenos contemporâneos, tendo em vista um – menos conhecido – lado seu como fi lósofo político, autor de textos como La Notion de l’Autorité[5] e Esquisse d’une Phénomenologie du Droit[6], dentre outros. Um bom exemplo desse tipo de enfoque é o modo como Kojève atribui uma importância inusitada ao capítulo relativamente pequeno e de relevância aparentemente secundária da Fenomenologia do espírito, sobre a dialética do senhor e do escravo, fato que foi percebido com exatidão por James Nichols Junior:
Na Fenomenologia de Hegel, a brevemente apresentada dialética senhorescravo parece desempenhar um papel relativamente pequeno num livro grande e complexo. Kojève de modo famoso e notório tornou-a a chave de todo o sistema, como a abordagem básica da primeira emergência do humano a partir do animal e da força motriz subjazendo a história humana subseqüente. Ou, em outras palavras, Kojève tomou a dialética do senhor e do escravo para ser a fundação e o núcleo vital da antropologia fenomenológica de Hegel[7].
A referida emergência do humano ocorre pelo reconhecimento da especifi cidade do desejo, que, diferentemente do carecimento do animal, não visa apenas à subsistência física, mas tem no desejo do desejo a expectativa do reconhecimento de uma consciência por outra que lhe seja semelhante, porém radicalmente exterior[8]. Eis aí o início de uma luta de vida e morte, na qual a consciência que não teme perecer tornar-se-á o senhor, e, à outra, que se rende por temor pela própria vida, caberá o papel de escravo. A ênfase da análise de Kojève recai sobre a situação em que o isolamento do senhor – abastecido pelos meios físicos providos pelo escravo, mas privado do reconhecimento por parte de alguém que ele próprio reconheça – e a oportunidade de o escravo se formar mediante seu trabalho enquanto embate com a natureza, coincide com o início do decurso histórico, que deverá ter como fi m a cessação da luta pelo reconhecimento, já que o escravo conquista, pelo efeito formador do seu trabalho, a condição de ser reconhecido pelo senhor, o qual, por sua vez, nesse ato de reconhecer o (ex-) escravo, se livra do seu isolamento[9]. A efetivação – ainda que bastante remota – desse decurso, de acordo com a abordagem da Fenomenologia, contempla os momentos mais decisivos da autoposição do espírito, os quais, como se sabe, coincidem com pontos nodais da história política e intelectual do Ocidente, sendo que todo esse processo termina com o “Saber absoluto”, não por acaso o título do último capítulo dessa monumental obra de Hegel. É exatamente esse capítulo que, na interpretação de Kojève, coloca, de modo enfático, a questão do fi m da história:
Logo, só o cidadão do Estado perfeito pode realizar o saber absoluto. E vice-versa: já que Hegel supõe que todo homem é fi lósofo, isto é, feito para tomar consciência daquilo que ele é (pelo menos, Hegel só se interessa por esses homens e só se refere a eles), um cidadão do Estado perfeito acaba sempre por se compreender em e por um saber circular, isto é, absoluto. [§] Essa concepção acarreta uma consequência importantíssima: a sabedoria só pode ser realizada, segundo Hegel, no fi m da história. [§] Isso também é universalmente conhecido. Sempre se soube que, para Hegel, não apenas o advento da sabedoria completa a história, mas ainda que é somente no fi m da história que esse advento é possível. Sabe-se isso mas nem sempre se compreende o porquê. E não se compreenderá enquanto não se souber que o sábio deve necessariamente ser cidadão do Estado universal (isto é, não expansível) e homogêneo (isto é, não transformável)[10].
A expressão típica da interpretação kojèveana da Fenomenologia “Estado universal e homogêneo” – popularizada pelo artigo de Fukuyama – muito longe de designar simplesmente a pax americana, subsequente à derrocada do bloco soviético, coincidiria com uma sociedade formada por sujeitos autoconscientes, partícipes de uma sabedoria coletivamente compartilhada. Esta pressupõe necessariamente a reconciliação entre o público e o privado, assim como a entre o humano e o divino:
No fi m da história, no Estado universal e homogêneo, a vida coletiva ou pública (cultural, social, política) coincide completamente com a vida pessoal que, assim, deixa de ser puramente privada. Dessa maneira, a consciência de si fi losófi ca do cidadão desse Estado fi nal revela a totalidade da vida cultural e política real. Então, o excedente que poderia ser revelado por uma teologia já não existe: logo, o religioso deixa de ter razão de existir e desaparece. Mas essa destruição da Gegenständlíchkeit (condição de objeto-coisa), isto é, da realidade divina, é ao mesmo tempo a afi rmação da realidade humana; a realidade negada como divina e afi rmada como humana é a mesma. Nesse momento, o fi lósofo é um sábio, e a fi losofi a é sabedoria ou ciência. Essa ciência recria a realidade humana para a consciência-exterior [11].
Esse ponto de vista esclarece, por fi m, o topos do fi m da história como o desaparecimento não do homem no sentido literal, mas de sua errância nos descaminhos de sua luta histórica contra a natureza e pelo reconhecimento dos seus congêneres. É o que fi ca sugerido, por exemplo, na emblemática descrição – citada com destaque no artigo de Fukuyama – do fi m da história. Nela, Kojève afi rma:
O desaparecimento do homem no fi m da história não é portanto uma catástrofe cósmica: o mundo natural permanece o que foi desde sempre. E também não é uma catástrofe biológica: o homem continua vivo como animal que está de acordo com a natureza ou o Ser dado. O que desaparece é o homem propriamente dito, isto é, a ação negadora do dado e o erro, ou, em geral, o sujeito oposto ao objeto. De fato, o fi m do tempo humano ou da história, isto é, o aniquilamento defi nitivo do homem propriamente dito ou do individuo livre e histórico, signifi ca simplesmente a cessação da ação no sentido forte do termo. O que na prática quer dizer: o desaparecimento das guerras e das revoluções sanguinolentas. E também o desaparecimento da fi losofi a; pois se o próprio homem já não muda essencialmente, não há motivo para mudar os princípios (verdadeiros) que formam a base de seu conhecimento do mundo e de si. Mas todo o resto pode manter-se indefi nidamente: a arte, o amor, o jogo etc., em suma, tudo o que faz o homem feliz[12].
Em que pese o poder de sugestão dessa passagem lapidar, é preciso dizer que ela é provavelmente responsável pelo rosário de mal-entendidos associados à expressão “fi m da história”, a começar das abordagens posteriores que o próprio Kojève sobre ela realizou: numa nota à segunda edição da Introdução à leitura de Hegel, ele qualifi cou o texto de “[...] ambíguo, para não dizer contraditório”, pois se se admite que “[...] o que desaparece é o homem propriamente dito”, não se poderia dizer que “[...] todo o resto pode manterse indefi nidamente”. Para Kojève, um outro tipo de animalidade surgiria, a partir da humanidade não mais histórica, a qual, ainda que pacifi cada, não poderia mais, em última análise, ser considerada “sábia”: Seria preciso dizer que os animais pós-históricos da espécie Homo sapiens (que vão viver na abundância e em plena segurança) estarão contentes em função de seu comportamento artístico, erótico e lúdico, uma vez que, por defi nição, se contentarão com isso. Mas ainda há mais. “O aniquilamento defi nitivo do homem propriamente dito” signifi ca também o desaparecimento defi nitivo do discurso (Logos) humano em sentido próprio. Os animais da espécie Homo sapiens reagiriam por refl exos condicionados a sinais sonoros ou mímicos, e seus falsos “discursos” seriam semelhantes à pretensa linguagem das abelhas. O que desaparece então não é apenas a fi losofi a ou a busca da sabedoria discursiva, mas também a própria sabedoria. Pois já não haveria, nesses animais póshistóricos, “conhecimento [discursivo] do mundo e de si”[13].
Esse ponto de vista, tão fascinante quanto aparentemente errático, é, no entanto, ainda inofensivo, no que tange às consequências de se aceitar uma concepção de fi m da história com esse grau de generalidade, especialmente se o que está em questão é avaliar até que ponto a humanidade presente já estaria vivenciando – ou em vias de vivenciar – uma época efetivamente póshistórica. Nesse particular, os equívocos de Kojève parecem se multiplicar, já que ele afi rma, em 1948, que “[...] o fi m hegeliano-marxista da história não estava para vir, mas já é presente”: a efetivação do que ainda Hegel prenunciara ao interpretar o signifi cado da batalha de Iena como o fi m da história propriamente dita. Essa posição gera equívocos ainda maiores quando leva Kojève a afi rmar que “[...] os Estados Unidos já atingiram o estágio fi nal do ‘comunismo’ marxista, uma vez que, praticamente, todos os membros de uma ‘sociedade sem classes’ podem apropriar-se agora de tudo o que lhes aprouver, sem com isso terem de trabalhar mais do que desejam”[14]. Talvez exatamente em virtude de uma posição como essa, a qual certamente não faz jus ao calibre fi losófi co de Kojève, é que tenha sido possível a Fukuyama se apoiar nele para celebrar, no artigo de 1989, o então iminente fi m do “socialismo real”.
No entanto, a meu ver, é possível considerar ainda o poder crítico da tese do fi m da história, desde que não se pressuponha a possibilidade de sua realização imediata, ainda mais com o grau de generalidade proposto originariamente por Kojève, mas com sua aplicação restrita àquele âmbito supramencionado que, aliás, não parece de modo algum estranho à concepção do pensador russo: a esfera artística[15].
Nesse caso, podemos dispor do auxílio teórico de um fi lósofo interessado em outro tema crepuscular hegeliano – o “fi m da arte” –, o qual, como veremos, se valeu do pensamento de Kojève para suas indagações estéticas. Trata-se de Arthur Danto, que se notabilizou pela primeira abordagem fi losófi ca da pop art17, em meados dos anos 1960 e que, no começo da década de 1980, como um desenvolvimento ulterior dessa abordagem, iniciou uma refl exão seminal sobre as relações entre a arte contemporânea e o “fi m da arte”.
Nesse desenvolvimento, iniciado no seu artigo “The End of Art”18, Danto compreende o fi m da arte enquanto fi m da história da arte, o que pressupõe, por sua vez, uma concepção precisa de “história da arte”. A de Danto baseiase em alguns princípios fundamentais, dos quais se destaca o seguinte: deve existir um encadeamento entre antecedentes e consequentes, o qual leve a algo que possa ser claramente compreendido como um fi m, agora no sentido de propósito, de telos. Tendo em vista a eleição das artes visuais como objeto preferencial, a meta em questão foi, desde o Renascimento, o que Danto chama de “equivalência ótica” entre a representação pictórica e o que a retina registra na apreensão visual dos objetos dados à nossa percepção comum:
A distância decrescente entre a estimulação ótica real e a pictorial marca, então, o progresso na pintura e alguém poderia medir o quociente de progresso pelo grau em relação ao qual o olho nu nota a diferença. A história da arte demonstrou o avanço, na medida em que o olho nu poderia mais facilmente notar as diferenças no que Cimabue apresentou do que no que Ingres fez, de modo que a arte foi demonstravelmente progressiva no modo como a ciência esperava ser [...]19
A situação, no entanto, se complicou a partir do surgimento da arte moderna, no início do século XX, quando, provavelmente em virtude da invenção e da popularização de meios mecânicos de reprodução de imagens – como a fotografi a –, teria havido voluntariamente o abandono progressivo Romans de la Sagesse e Le dernier monde nouveau.
17 DANTO, Arthur. The Artworld. The Journal of Philosophy, v. LXI, n. 19, 15 out. 1964. Tradução de Rodrigo Duarte: O mundo da arte, Artefi losofi a, N. 1, 2006 (disponível em: http://www.raf.ifac.ufop. br/pdf/artefi losofi a_01/artefi losofi a_01_01_mundo_arte_arthur_danto.pdf - Acesso em: 17 fev. 11).
18 Idem. The End of Art. In: The Philosophical Disenfranchisement of Art. New York, Columbia University Press, 1986.
19 Ibidem, p. 86.da fi delidade aos objetos exteriores por parte dos artistas plásticos, o que já poderia ser entendido como um claro desafi o à noção de história da arte baseada no progresso da equivalência ótica.
Danto observa que essa situação tornou evidente a necessidade de uma nova teoria, que não se baseasse no princípio da equivalência ótica, para explicar os fenômenos das artes visuais e – se fosse o caso – também o encadeamento temporal entre eles. Dentre as tentativas nesse sentido, ele leva sucintamente em consideração o surgimento de uma teoria explicativa das artes baseada na expressão, a qual compreendia a abdicação do artista em ser um copiador de objetos da realidade exterior, na medida em que o seu objetivo agora seria a externação de sentimentos, a qual seria compatível com fi gurações de um tipo que antes poderia ser considerado por demais inusitado. Segundo Danto, deve “[...] ser creditado à estética o fato de que os seus praticantes responderam a isso com teorias que, mesmo inadequadas, reconheciam a necessidade; um bom exemplo de uma teoria pelo menos condizente era que os pintores não estavam tanto representando, mas expressando.”[16]
Sendo assim, cabe a seguinte pergunta: encontrar-nos-íamos numa situação em que, por um lado, não podemos mais confi ar na teoria da equivalência ótica, tanto porque ela se mostrou obsoleta com base em novos acontecimentos na história das artes visuais, quanto porque, ainda que isso não tivesse ocorrido, ela só seria aplicável a essas artes, deixando de fora, por exemplo, a literatura e a música? A questão se torna ainda mais candente quando constatamos que a teoria da expressão, que se candidatou a substituir o paradigma anterior, mimético, embora seja sufi cientemente ampla para comportar todas as artes, nem tem o mesmo poder explicativo que aquele, nem é compatível com uma noção de história da arte no sentido estrito, já que a expressão não coloca qualquer telos a ser atingido. Em certo sentido, ela se esgota em si mesma: não se pode dizer que a expressão pictórica de Georg Baselitz é mais avançada do que a de Henri Matisse, assim como seria um grande equívoco afi rmar que a expressão musical de Boulez é mais evoluída que a de Schönberg.
Desse modo, a ausência de um princípio que levasse a uma concepção inequívoca de história da arte inviabilizaria, consequentemente, uma noção de fi m da arte, já que, para Danto, como já se assinalou, este deve ser entendido como fi m da história da arte. É nesse momento que o recurso a Hegel afi gurase como um caminho interessante, pois, segundo ele, também a história da arte estaria inserida na dialética do espírito, a qual, como vimos na interpretação kojèveana, coincide com o desdobramento da própria história humana em geral e, como esta, tem o seu momento conclusivo. Por isso, de acordo com Danto,
[...] a teoria de Hegel satisfaz todas essas exigências. Seu pensamento requer que haja continuidade histórica genuína e até mesmo um tipo de progresso. O progresso em questão não é o de uma tecnologia de equivalência perceptual crescentemente refi nada. Em vez disso, há um tipo de progresso cognitivo, no qual está compreendido que a arte se aproxima progressivamente daquele tipo de cognição. Quando a cognição é alcançada, realmente não há mais nenhum argumento na – nenhuma necessidade da – arte.[17]
Depreende-se, desse trecho, que Danto se mostra não apenas plenamente disposto a recorrer à concepção hegeliana de história, como o faz, tendo em vista a ideia do fi m da história, tal como Kojève, em linhas gerais, o apresenta. Aliás, nesse ensaio sobre o fi m da arte, Danto transcreve o mesmo trecho lapidar de Kojève sobre o fi m da história que citei acima, o qual veio a ser citado, quase uma década depois, também por Francis Fukuyama. É interessante observar, no entanto, que, em seguida, Danto procede à especifi cação que ele considera imprescindível, a qual, na prática, “salva” a ideia de fi m da história, na medida em que a circunscreve ao âmbito da criação artística:
O fi m da história coincide com – e é, na verdade, idêntico a – o que Hegel designa como o advento do conhecimento absoluto. O conhecimento é absoluto quando não há qualquer lapso entre o conhecimento e o seu objeto, ou o conhecimento é o seu próprio objeto, portanto, sujeito e objeto de uma só vez. O parágrafo fi nal da Fenomenologia caracteriza apropriadamente a clausura fi losófi ca do sujeito do qual ele trata, dizendo que ele “consiste no perfeito conhecer de si mesmo, em conhecer o que ele é”. Nada agora está fora do conhecimento nem é opaco à luz da intuição cognitiva. Uma concepção de conhecimento como essa é, acredito, fatalmente falaciosa. Mas se algo se aproxima de sua exemplifi cação, é a arte em nosso tempo que o faz – porque o objeto no qual a obra de arte consiste é tão irradiado pela consciência teórica que a divisão entre objeto e sujeito está quase superada e não importa muito se a arte é fi losofi a em ação ou se a fi losofi a é a arte em pensamento22.
O trecho acima sugere qual é a essência da arte contemporânea: assim como Kojève concebera – ainda que muito problematicamente – uma espécie homo sapiens pós-histórico, i.e., posterior ao fi m da história tout court, Danto propõe que, não as pessoas, mas as obras de arte de nosso tempo são essencialmente pós-históricas, de maneira que, confeccionadas depois do fi m da arte, elas permitem um vislumbre completo da história da arte (naturalmente, depois do seu fi m), o qual revela sua própria essência:
Se algo como esse ponto de vista tem a mais remota chance de ser plausível, é possível supor que a arte chegou a um fi m. Obviamente, haverá ainda a fatura de arte, mas os fazedores de arte, vivendo no que gosto de chamar período “pós-histórico” da arte, trarão à existência obras que carecem da importância ou do signifi cado históricos que viemos a esperar delas desde muito tempo. O estágio histórico da arte está concluído quando é sabido o que a arte é e o que ela signifi ca.[18]
A menção ao “período ‘pós-histórico’ da arte” remete à continuidade, por parte de Danto, da discussão sobre o fi m da arte no livro Após o fi m da arte[19], mais de dez anos posterior à publicação do ensaio “O fi m da arte”. Nessa obra extensa e complexa, torna-se clara a diferenciação entre a arte moderna e a contemporânea, o que é fundamental para caracterizar essa última como “póshistórica”. Danto se vale, aqui, do ponto de vista de Clement Greenberg[20], segundo o qual o Modernismo não é um estilo que se sucedeu a um anterior, mas que é, antes de tudo, a consciência, manifesta no próprio fazer artístico, de que a refl exão é mais importante que a representação mimética. A partir dessa concepção greenberguiana de modernidade pictórica, Danto propõe sua concepção de arte contemporânea, que não é senão o aprofundamento da refl exividade inaugurada pelo Modernismo, numa direção em que a arte é liberada de limitações, ao mesmo tempo em que revela sua natureza essencialmente fi losófi ca:
Assim como “moderno” veio a denotar um estilo e mesmo um período e não exatamente arte recente, “contemporâneo” veio a designar algo mais do que simplesmente a arte do momento presente. Além disso, em minha visão, esse designa menos um período do que o que acontece depois que não há mais períodos em algumas narrativas-mestras da arte e menos um estilo de fazer arte do que um estilo de usar estilos[21].
É oportuno observar que Danto considera a designação
“contemporâneo” fraca para essa arte essencialmente pluralista, o que o leva a reafi rmar o termo, já utilizado no texto “O fi m da arte”, para qualifi car a arte contemporânea de “pós-histórica”. O que já tinha sido sugerido no texto de 1984, no sentido de que são agora os fi lósofos os principais responsáveis pela compreensão das obras e os artistas podem simplesmente usufruir da liberdade de estar para além da história27, é colocado no livro publicado em 1997, com toda a clareza. Essa situação leva, segundo Danto, à descoberta propriamente fi losófi ca do período pós-histórico de que não há uma arte mais verdadeira do que a outra e de que não há apenas um modo de a arte ser:
Uma vez que a questão foi trazida à consciência em certo instante no desdobramento histórico da arte, um novo nível de consciência fi losófi ca foi atingido. E isso signifi ca duas coisas: primeiro, que tendo trazido a si mesma a esse nível de consciência, a arte já não carrega a responsabilidade por sua própria defi nição fi losófi ca. Isso é, antes, tarefa para os fi lósofos da arte. Em segundo lugar, isso signifi ca que já não há um modo, segundo o qual as obras de arte têm que ser, já que uma defi nição fi losófi ca da arte deve ser compatível com todo tipo e ordem de arte [...][22]
Exatamente por isso, a passagem do “moderno” para o “contemporâneo” – ou “pós-histórico” – é diferente de outras sucessões na história da arte, pois, com base nessa posição associada à necessidade histórica do fi m do Modernismo, Danto chega à explicitação mais cristalina de sua posição a respeito do fi m da arte: este ocorre no momento em que o expressionismo abstrato nova-iorquino entra em crise e a pop art toma o seu lugar como corrente artística mais infl uente: “Eu me fi lio a uma narrativa da história da arte moderna na qual o pop desempenha o papel fi losofi camente central. Na minha narrativa, o pop marcou o fi m da grande narrativa da arte ocidental, trazendo à autoconsciência a verdade fi losófi ca da arte.”29
Com isso, fi ca confi gurado, em linhas gerais, o que Danto entende como regime pós-histórico de produção e recepção de obras de arte. Salta aos olhos que, ao contrário daquilo que em Kojève parece ser irônico – ou meramente provocativo – sobre a realidade do fi m da história, ou do período pós-histórico no sentido mais geral, pode ser constatado efetivamente não apenas como realizável, mas como em grande parte já realizado na esfera estética. Na prática, isso signifi ca nada mais, nada menos, que a existência concreta do que Danto entende como “pluralismo radical”, no que ele chama de “mundo da arte”, é um fato empiricamente observável num cenário em que parece ser totalmente anacrônico um métier artístico querer se sobrepor a outro, assim como uma determinada vertente estilística se apresentar como portadora da verdade artística defi nitiva. Qualquer construto proposto por um artista, por mais inusitado que seja, o qual, por alguma circunstância – até mesmo casual –, venha a ser aceito como obra de arte, passa a pertencer ao elenco, ao “panteão” da arte pós-histórica, e basta que se visite uma das monumentais exposições internacionais de arte, como a Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo ou a Documenta de Kassel, para que se entenda claramente o que Danto quer dizer com seu conceito de “pluralismo radical”.
Até aqui, nessa investigação sobre a plausibilidade do termo “póshistória” num sentido estético, relembrei a proposta de Alexandre Kojève sobre o fi m da história, rejeitando-a tanto em função de sua generalidade, quanto em virtude da afi rmação do fi lósofo russo, de que, mesmo em pleno capitalismo triunfante, a pós-história seria uma realidade concreta irrefutável. Em seguida, recapitulei o ponto de vista de Arthur Danto, mostrando sua preocupação em restringir o atributo de estar para além da história às obras de arte contemporâneas. No meu entender, isso torna sua posição infi nitamente mais aceitável do que a de Kojève, na medida em que, o que podemos conceder para a confecção de obras de arte – até mesmo como prenúncio de uma práxis melhor –, não é de modo algum lícito admitir para o estado geral do mundo, no momento presente.
Dando sequência à minha investigação, eu poderia dizer que, se minha exposição fosse um argumento dialético, teríamos a pós-história no sentido geral, de Kojève, como uma universalidade abstrata, descortinadora de um promissor horizonte de possibilidades, a qual teria, no entanto, se mostrado – no meu entender – essencialmente falsa e passado numa particularidade passível de se revelar verdadeira – o âmbito da arte pós-histórica, tal como construído por Danto. É interessante observar que o caráter de particularidade, aqui, manifestase no fato de que o fi lósofo norte-americano nunca se refere à pós-história como substantivo, mas sempre através do adjetivo “pós-histórica”, aplicável, como já se assinalou, à arte contemporânea. É digno de nota que Danto alimenta uma esperança, que não deixa de lembrar a de Adorno – supramencionada – quanto à excelência da criação, de que o âmbito da arte radicalmente plural seja o prenúncio de um estado paradisíaco, ainda sem precedentes no mundo “real”: “Em que medida minha predição está confi nada na atual prática da arte? Bem, olhe em torno de você. Quão maravilhoso seria acreditar que o mundo da arte pluralístico do presente é um arauto de coisas políticas que estão por vir!”[23].
A questão é: se essa dialética prossegue o seu curso no sentido do estabelecimento da pós-história enquanto universalidade concreta, deveria poder se tornar fi nalmente lícito o uso desse termo no sentido de um substantivo que não portasse o signo da falsidade radical e irrecuperável, uma vez que designasse uma realidade efetiva portadora, de fato, das características esperadas para esse estado de coisas.
Por um lado, pode-se dizer que essa é uma indagação cuja resposta deve fi car, por enquanto, em aberto, já que as condições concretas de vida, em todo mundo, não autorizam a adoção de uma postura segundo a qual a luta da humanidade pela sua mera sobrevivência física já estaria vencida. Essa posição, aliás, liga-se a um ponto de vista frequentemente atribuído a Theodor Adorno, o qual, na Dialética Negativa, adverte inúmeras vezes sobre o perigo das sínteses fi losófi cas precoces, uma vez que a realidade em si permanece mais irreconciliada do que nunca.
Por outro lado, nessa mesma obra, o fi lósofo frankfurtiano abre espaço para um vislumbre utópico de como seria essa síntese, tendo em vista a sugestão de que “é o possível, nunca o imediatamente real o que bloqueia o lugar à utopia”[24]. Nesse caso, é de interesse não apenas acompanhar, mas, eventualmente, até mesmo subscrever parcialmente visões fi losófi cas de uma pós-história, que, apesar do uso do termo no substantivo, apontam, antes, para tendências aparentemente irreversíveis do que para fatos consumados. Além disso, a credibilidade de visões desse tipo depende da manutenção de um núcleo de crítica radical ao existente, em vez de já considerá-lo como expressão de uma síntese fi nal.
Dentre as concepções candidatas a preencher tais exigências, considero a mais sedutora proposta de pós-história (no sentido substantivo) a de Vilém Flusser. Até certo ponto, pode ser vista como uma síntese das propostas de Kojève e de Danto, na medida em que Flusser tem em comum com aquele um background intelectual marcado por certa leitura da Fenomenologia do espírito e da ontologia fundamental de Heidegger. Além disso, Flusser pensa sua noção de pós-história com acentuado grau de generalidade, de um modo, até certo ponto, semelhante ao de Kojève. Por outro lado, o fi lósofo tcheco-brasileiro tem em comum com Danto, além da mencionada infl uência da Fenomenologia do espírito, o sobrepeso do aspecto estético em sua noção de pós-história, já que ela só se realiza onde se consolidou o que Flusser chama de “imagens técnicas”, as quais povoam nosso cotidiano mais imediato, estetizando-o de modo radical e irreversível. Além desse aspecto, Flusser toma, como Danto, o cuidado de não declarar a realidade imediata e completa da pós-história, mas apenas a forte tendência à sua realização a partir do alastramento da produção de imagens por meios técnicos, especialmente os digitais.
Roger Behrens, mesmo sem recorrer a um esquema dialético semelhante ao proposto neste artigo, percebeu bem em que medida a concepção de póshistória de Kojève, rejeitada, aqui, por sua generalidade abstrata e – em última análise –, por seu conservadorismo, pode ter repercutido na formação do ponto de vista de Flusser, ainda que este seja bem mais particularizado (no sentido estético) e, por outro lado, mais crítico:
A tese de uma história posterior (Nachgeschichte) ou pós-história (Posthistoire) (Alexandre Kojève) a princípio encontrou ressonância entre conservadores, se ligou rapidamente com o pessimismo cultural reacionário, em cujas sombras a idéia de decadência da civilização ocidental por meio da alienação e da cultura de massa fl oresceu continuamente. Mais tarde a tese certamente foi refl etida criticamente por esquerdistas radicais, com paralelos nítidos com relação ao debate sobre a pós-modernidade, como, por exemplo, em Peter Bruckner ou Vilém Flusser, que, no sentido da história posterior, entendeu a pós-modernidade como um tipo de “historiografi a corrigida”[25].
No que tange à concepção de “pós-história” de Vilém Flusser, é correto dizer que o termo predomina na sua fi losofi a dos media, desenvolvida desde meados da década de 1970, sendo que, no seu livro Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar[26], os traços fundamentais dessa situação são resumidos de modo exemplar. Dessas características, como já se anunciou, interessamnos especialmente os aspectos estéticos, os quais se encontram em diversos capítulos do mencionado livro e que serão, aqui, brevemente apresentados.
No capítulo “Nosso programa”, Flusser introduz a consideração fi losófi ca de uma noção que, atualmente é muito frequente no seu signifi cado comum, de software: o próprio programa. Flusser assevera que cada período histórico possui sua imagem característica, sua cosmologia, sua antropologia e sua etologia. Se considerarmos a civilização ocidental, poder-se-ia dizer que tais elementos na Antiguidade, juntamente com o Medievo, são da ordem da fi nalidade, ou seja, de uma noção de destino com a qual a humanidade tinha que se ver, em termos objetivos, se quisesse se emancipar. No tocante à Idade Moderna, os elementos se resumem na noção de causalidade, através da qual a humanidade corre o risco de ser mecanicamente determinada, e a possibilidade de sua redenção se dá principalmente por meio de uma liberdade de tipo subjetivo.
No que tange à contemporaneidade, que é caracterizada por Flusser exatamente como “pós-história”, o autor ressalta a noção de programa, de acordo com a qual se torna até mesmo difi cilmente formulável o problema clássico da liberdade humana, uma vez que o acaso que preside os processos que engendram essa situação não admite a previsão exata do que resultará das virtualidades contidas no programa: “Estruturas tão absurdamente improváveis como o é o cérebro humano surgem necessariamente ao longo do desenvolvimento do programa contido na informação genética, embora tenham sido inteiramente imprevisíveis na ameba, e surgem ao acaso em determinado momento”34.
Uma consequência interessante do predomínio dos programas é a necessidade da existência de aparelhos, i.e., de equipamentos que façam os programas funcionar, e isso ocorre pela ação dos funcionários – pessoas incumbidas de operar os aparelhos. Por outro lado, se há programas, também deve haver programadores, ou seja, aqueles que estabelecem o conjunto de virtualidades contidas nos programas que funcionam nos aparelhos, que, por sua vez, são operados pelos funcionários. Para Flusser, essa situação exemplifi ca bem porque os modos de compreensão fi nalístico e causal não se aplicam ao mundo dominado pela noção de programa: o programador, embora tenha mais poder do que o funcionário, que apenas opera o aparelho, está longe de ser onipotente, pois ele próprio é igualmente funcionário de um mega-aparelho, programado por um metaprograma, e assim por diante. Essa situação encerra um enorme perigo de desumanização, pois como antevira o fi lósofo, já num artigo dos anos 1960, o funcionário não é exatamente uma pessoa humana, mas “[...] um novo tipo de ser que está surgindo”[27]. No entanto, para Flusser, nem tudo está perdido se, a partir de uma exata compreensão da situação, aprendermos a lidar com o absurdo dos jogos propostos pelos programas:
Em suma: o que devemos aprender é assumir o absurdo, se quisermos emancipar-nos do funcionamento. A liberdade é concebível apenas enquanto jogo absurdo com os aparelhos. Enquanto jogo com programas. É concebível apenas depois de termos assumido a política, e a existência humana em geral, enquanto jogo absurdo. Depende de se aprenderemos em tempo de sermos tais jogadores, se continuarmos a sermos “homens”, ou se passaremos a ser robôs: se seremos jogadores ou peças de jogo36.
Noutro capítulo, intitulado “Nossa comunicação”, Flusser introduz uma das distinções mais importantes de sua fi losofi a dos media: aquela entre “discursos” e “diálogos”, sendo que os primeiros se originam numa concepção de conhecimento que almeja a objetividade e têm a função de difundir conhecimento, enquanto estes últimos têm como meta a intersubjetividade e funcionam como produtores de conhecimento novo. Para Flusser, os diálogos podem ser circulares (mesas redondas, parlamentos) ou em rede (sistema telefônico, opinião pública), ao passo que os discursos podem ser teatrais (aulas, concertos), piramidais (exércitos, igrejas), em árvore (ciência, artes) ou anfi teatrais (rádio, imprensa).
O lado perverso do que Flusser entende por “pós-história” é que, mesmo diante das amplas possibilidades de desenvolvimento dos diálogos, em virtude do enorme progresso nos meios eletrônicos de comunicação, nela predominam absolutamente os discursos sobre os diálogos, o que, para o autor, confi gura uma crise profunda na sociedade contemporânea: “Sob o domínio dos discursos o tecido social do Ocidente vai se decompondo”[28]. Nessa situação, o fi lósofo salienta que a única chance de saída dessa crise se daria mediante uma retomada radical da possibilidade dos diálogos: “Todo o espaço está ocupado pelas irradiações anfi teatrais e pelo diálogo em rede. [...] A crise atual da ciência deve ser pois vista no contexto da situação comunicológica da atualidade. Enquanto não houver espaço para a política, para diálogos circulares não elitários, a crise da ciência se apresenta insolúvel” [29].
No capítulo denominado “Nosso ritmo”, as implicações eminentemente estéticas da concepção de pós-história de Flusser tornam-se cada vez mais evidentes. Nesse capítulo, o fi lósofo esclarece a dimensão sócio-política do supramencionado predomínio dos discursos sobre os diálogos, descrevendo o percurso cíclico que as massas submetidas aos desígnios pós-históricos realizam como resultado de sua programação pelos aparelhos. Flusser lembra que, assim como, na Idade Média, o espaço que servia de mercado foi coberto com uma cúpula, originando a basílica, na atualidade, as duas funções da basílica – inicialmente de mercado, depois de templo – foram “recodifi cadas”, ainda que sua estrutura, composta de espaço coberto de cúpula, tenha se conservado. Flusser se refere aos modernos shopping centers, nos quais a função do mercado foi transposta para a do supermercado, e a função que o templo tinha originalmente transpôs-se para o cinema. É exatamente isso que determina o “nosso ritmo”: “O supermercado e o cinema formam as duas asas de um ventilador que insufl a na massa o movimento do progresso. No cinema a massa é programada para comportamento consumidor no supermercado, e do supermercado a massa é solta para reprogramar-se no cinema”[30].
Para o fi lósofo, essa transformação do mundo num mega-aparelho, do qual todas as pessoas são tendencialmente funcionários, consiste numa crise sem precedentes na humanidade, cuja solução passaria por um agudo processo de tomada de consciência dessa circunstância e da sua gravidade: “A única esperança em tal situação é a conscientização da estupidez absurda da rotação automática que nos propele. A conscientização do fato que, por detrás da rotação, não se ‘esconde’ literalmente nada. Que é a rotação absurda que é a realidade do mundo dos aparelhos”[31].
A menção ao cinema como tendencialmente tomando a função de reciclagem espiritual que o templo desempenhara no passado remete ao capítulo “Nossas imagens”, o qual demonstra com clareza, ainda, em que medida essa concepção de pós-história é perpassada por um elemento estético. Flusser inicia o capítulo chamando a atenção exatamente para o fato de que nosso cotidiano é dominado por imagens resplandecentes que irradiam mensagens. Salta à vista que são superfícies, i.e., objetos bidimensionais, que, em grande medida, determinam nossas vidas: “Planos como fotografi as, telas de cinema e da TV, vidros das vitrines, tornaram-se os portadores das informações que nos programam. São as imagens, e não mais os textos, que são os media dominantes”[32]. Essa colocação se liga a uma conhecida posição do fi lósofo, segundo a qual, a escrita, enquanto código linear (por exemplo, o alfabeto latino ou as cifras árabes), surgiu como revolta contra as imagens tradicionais – primeiro código fundante inventado pela humanidade –, na medida em que se constatou que essas não apenas orientavam, mas também iludiam e alienavam. Nesse momento, o texto dissolveu a bidimensionalidade do código plano numa unidimensionalidade, assim que passou a explicar as imagens. Para Flusser, a passagem do predomínio das imagens para a situação de dominância dos textos coincide mesmo com a superação da pré-história e o advento da história propriamente dita: “Para a consciência estruturada por imagens a realidade é situação: impõe a questão da relação entre os seus elementos. Tal consciência é mágica. Para a consciência estruturada por textos a realidade é devir: impõe a questão do evento. Tal consciência é histórica. Com a invenção da escrita a história se inicia”[33].
Mas se, por um lado, a revolução iconoclasta objetivava um esclarecimento tão completo quanto possível do mundo, por outro, ela não escapou da mesma “dialética interna” a que obedeciam também as imagens tradicionais: “Os textos, como as demais mediações [...] representam o mundo e encobrem o mundo, são instrumentos de orientação e formam paredes opacas de bibliotecas. Des-alienam e alienam o homem”[34]. Tal característica dos textos ocasiona, segundo Flusser, o surgimento de um novo tipo de imagem, que, diferentemente das tradicionais, não é produzida diretamente pela mão do homem, mas por aparelhos. Em outras palavras, a produção desse novo tipo de imagem – não tradicional – é mediatizada pelo emprego de códigos lineares (especialmente os expressos em linguagem matemática ou computacional). Assim como a noção de pré-história se liga ao surgimento das imagens tradicionais e a de história à invenção da escrita, esse novo tipo de código, que é uma espécie de síntese dos precedentes e é composto de imagens técnicas ou tecnoimagens, justifi ca a expressão “pós-história”:
Os textos se dirigiam, originalmente, contra-imagens, a fi m de torná-las transparentes para a vivência concreta, a fi m de libertar a humanidade da loucura alucinatória. Função comparável é a das tecnoimagens: dirigem-se contra os textos, a fi m de torná-los transparentes para a vivência concreta, a fi m de libertar a humanidade da loucura conceptual. O gesto de codifi car e decifrar tecnoimagens se passa em nível afastado de um passo do nível da escrita, e de dois passos do nível das imagens tradicionais. É o nível da consciência pós-histórica [35].
Naturalmente, a mesma ambiguidade das imagens tradicionais e da escrita ocorre igualmente nas tecnoimagens, uma vez que elas pretendem não ser simbólicas – como o são as imagens tradicionais –, mas sintomáticas, i.e., “objetivas”. A postulação de verdade das tecno-imagens não se sustenta, segundo o fi lósofo, porque os aparelhos, na realidade, transcodam sintomas em símbolos, na medida em que o progressivo “realismo” dos registros que fornecem do mundo exterior (num vídeo digital de alta defi nição, por exemplo) não impede que esses se submetam a um novo processo de simbolização. A esse respeito, Flusser salienta: “A mensagem das tecnoimagens deve ser decifrada e tal decodagem é ainda mais penosa que a das imagens tradicionais: é ainda mais ‘mascarada’”[36].
Nessa característica dos modernos meios de comunicação, reside o maior potencial de programação das pessoas – dos funcionários – do megaaparelho em que está se transformando o mundo, e todos os setores da realidade vão se amoldando ao seu modo de ser: “A história toda, política, arte, ciência, técnica, vai destarte sendo incentivada pelo aparelho, a fi m de ser transcodada no seu oposto: em programa televisionado”[37].
Outro forte indício do sobrepeso do elemento estético na concepção de pós-história de Flusser é o fato de que, nessa ambiência, a programação dos funcionários está diretamente ligada ao entretenimento, e a ele o fi lósofo dirige pesada crítica no capítulo “Nosso divertimento”. Essa crítica, à qual não falta um referência explícita à Fenomenologia do espírito[38], consiste no fato de que, na diversão, a oposição dialética entre eu e mundo é desviada para um “terreno intermediário”, o das sensações imediatas:
As sensações não são ainda nem eu nem mundo. “Eu” e “mundo” não passam de extrapolações abstratas da sensação concreta. A experiência da sensação faz esquecer “eu” e “mundo”. O fi lme, a TV, a notícia sensacional, o jogo de futebol divertem a consciência da tensão dialética “eu-mundo”, porque são anteriores a esses dois polos[39].
De fato, na constituição destes, é fundamental a existência de um eu , de uma interioridade, e nada há de semelhante onde falta totalmente a memória (no sentido humano, não maquinal): é ela que ajuda a “digerir” o que é engolido pelas massas. É exatamente por isso que a defi nição crítica de divertimento proposta por Flusser é a de vivência sensorial em que nada é conservado, sendo secretado por nosso organismo espiritual do mesmo modo que entrou nele:
Divertimento é acúmulo de sensações a serem eliminadas indigeridas. Uma vez posto entre parênteses mundo e Eu, a sensação passa sem obstáculo. Não há nem o que deve ser digerido, nem interioridade que possa digerilo. Não há intestino nem necessidade de intestino. O que resta são bocas para engolir a sensação, e ânus para eliminá-la. A sociedade de massa é sociedade de canais que são mais primitivos que os vermes: nos vermes há funções digestivas[40].
Na continuidade da discussão sobre o divertimento, e diretamente relacionado à preponderância do elemento estético na concepção de póshistória de Flusser, se encontra o capítulo intitulado “Nossa embriaguez”. Segundo o fi lósofo, motivações semelhantes às que nos levam à compulsão para o divertimento nos conduzem também à tendência ao uso de entorpecentes, os quais, aliás, não são exclusividade do Ocidente, nem da situação póshistórica, sendo encontráveis em todas as culturas, sem exceções históricas ou geográfi cas. Numa posição que recorda O mal-estar na cultura, de Freud, Flusser afi rma que a própria ambiguidade do termo “droga”, que signifi ca veneno e remédio, exprime a situação de que o fardo da cultura é pesado demais para que o indivíduo o consiga suportar sem um auxílio externo, de modo que os entorpecentes, “[...] do ponto de vista da cultura são ‘venenos’, do ponto de vista de quem os usa são ‘salva-vidas’”[41].
É de especial interesse, no tocante à dimensão estética da pós-história, a ideia de Flusser, segundo a qual a própria arte poderia ser considerada uma poderosíssima droga, já que possibilita certo tipo de experiência imediata através de sua mediação e, certamente, mais do que as drogas convencionais introduz um desafi o que pode ser quase insuperável para os aparelhos, na medida em que atinge em sua própria raiz a típica inconsciência do seu funcionamento, recorrendo, por outro lado, a meios que concorrem diretamente com a imediatez sensorial de suas ofertas de entretenimento:
A arte é o órgão sensorial da cultura, por intermédio do qual ela sorve o concreto imediato. A viscosidade ambivalente da arte está na raiz da viscosidade ambivalente da cultura toda. [...] Ao publicar o privado, ao “tornar consciente o inconsciente”, é ela mediação do imediato, feito de magia. Pois tal viscosidade ontológica não é vivenciada, pelo observador do gesto, como espetáculo repugnante, como o é nas demais drogas, mas como “beleza”. E a cultura não pode dispensar de tal magia: porque sem tal fonte de informação nova, embora ontologicamente suspeita, a cultura cairia em entropia[42].
É igualmente digno de nota, tendo em vista o aspecto estético da concepção fl usseriana de pós-história, que o “gesto mágico” operado pela arte pode se dar em todos os campos da experiência humana: na ciência, na técnica, na economia, na fi losofi a: “Em todos tais terrenos há os inebriados pela ‘arte’, isto é: os que publicam experiência privada e criam informação nova”52. O potencial libertador da arte reside no fato de que, mesmo que ela possua os seus momentos apolíticos, a sua resultante é essencialmente política. Segundo o fi lósofo, “[...] a rigor trata-se de único gesto político efi ciente”, isso porque os aparelhos necessitam da informação nova produzida pela arte, sob pena de perecerem sob o efeito da entropia. Por outro lado, tal informação nova contém, potencialmente, os elementos que poderiam nos ajudar a subverter a ação dos aparelhos e nisso reside nossa chance de emancipação, mesmo num cenário aparentemente tão desfavorável:
Publicar o privado é o único engajamento na república que efetivamente implica transformação da república, porque é o único que a informa. Na medida em que, pois, os aparelhos permitem tal gesto, põem eles em perigo sua função des-politizadora. [...] E nessa indecisão da situação atual reside a tênue esperança de podermos, em futuro imprevisível, e por catástrofe imprevisível, retomar em mãos os aparelhos[43].
Uma primeira conclusão a que se pode chegar, a partir da exposição do ponto de vista de Flusser, é que o conceito de pós-história pode ser – até mesmo extremamente – crítico em relação ao estado atual do mundo, como se depreende das posições assumidas pelo fi lósofo, especialmente nos capítulos “Nosso Ritmo” e “Nosso divertimento”. Em acréscimo, as concepções fl usserianas de aparelho, de programa, e de funcionário podem ser entendidas como críticas, na medida em que denunciam a situação presente como perigosamente desumanizadora.
É importante lembrar que, como se viu, a presença do elemento estético no conceito fl usseriano de pós-história tem uma enorme importância, a qual se desenvolve duplamente: em primeiro lugar, a característica mais visível da situação pós-histórica, segundo Flusser, é o acentuado predomínio das imagens técnicas sobre a escrita e sobre as imagens tradicionais. Esse predomínio coincide com uma estetização completa do cotidiano, especialmente naqueles lugares onde a tendência pós-histórica se encontra mais desenvolvida (ou seja, nas sociedades que já tiveram uma experiência histórica mais prolongada). Em segundo lugar, tal como apresentado no capítulo “Nossa embriaguez”, a arte se apresenta como praticamente único caminho através do qual o lado sombrio da pós-história pode se transmutar em promessa de um desenvolvimento livre e criativo das potencialidades humanas, depois de milênios de labuta, opressão e menoridade: nesse caso, a pós-história coincidiria com o que Adorno chama de “estado reconciliado”[44].
É importante ressaltar ainda que a mencionada centralidade do estético no conceito de pós-história de Flusser é um elemento fundamental na delimitação da sua validade, implicando, antes, tendências empiricamente (i.e., também esteticamente) comprováveis na realidade atual, sem afi rmar nem que esse estado já seja um fato consumado, nem que ele seja inexorável, em virtude de qualquer tipo de determinismo, mesmo porque, qualquer que fosse ele, já estaria invalidado pelos próprios pressupostos do ponto de vista fl usseriano. Tudo fala a favor de um aprofundamento nesse ponto de vista, principalmente no que tange à noção de pós-história e, especialmente, às relações desta com o pensamento crítico. Infelizmente, isso não pode ser feito aqui, mas a questão será certamente abordada em outras oportunidades.
ABSTRACT : The idea of the “end of history”, posited in the fi nal chapter of Hegel’s Phenomenology of Mind, grounded the beginning of a discussion unleashed by the position assumed by Alexandre Kojève in his courses on Hegel in Paris, in the 1930s, and by their publication at the end of the 1940s (being reedited in 1968). This point of view reappeared with Francis Fukuyama’s article on the “end of history”, published in 1989, in which he commemorated the end of the “real socialism” and the rise of The United States of America’s complete world hegemony. Now that the euphoria about the “new world order” subsided, also in virtue of successive major economic crisis, it is interesting to turn back to the question of the conditions under which concepts associated to that theme, especially the noun “post-history” and the adjective “post-historical” are acceptable. My point in this article is that aesthetics is a fi eld in which these concepts are defensible. As examples of fruitful aesthetic refl ections that take advantage of these concepts, I point out the notion of “post-historical art”, by Arthur Danto, and the aesthetic unfoldings of the “post-history” issue, just as sustained by Vilém Flusser.
KEYWORDS: Pop art. Post-historical art. Technical image. Apparatus.
[1] Com doutorado em Filosofi a na Universidade de Kassel (Alemanha) e pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), Rodrigo Duarte foi professor visitante na Universidade Bauhaus de Weimar e na Hochschule Mannheim (Alemanha) e é professor titular do Departamento de Filosofi a da UFMG. Desde maio de 2006, é presidente da Associação Brasileira de Estética (ABRE). Publicou, além de numerosos artigos e contribuições em coletâneas, no Brasil e no exterior, os seguintes livros: Marx e a natureza em “O capital” (Loyola, 1986), Mímesis e racionalidade (Loyola, 1993), Adornos. Nove ensaios sobre o fi lósofo frankfurtiano (Ed. UFMG, 1997), Adorno/Horkheimer & a Dialética do esclarecimento (Jorge Zahar, 2002), Teoria crítica da indústria cultural (Ed. UFMG, 2003), Dizer o que não se deixa dizer. Para uma fi losofi a da expressão (Ed. Argos, 2008); Deplatzierungen. Aufsätze zur Ästhetik und kritischen Theorie (Max Stein Verlag, 2009) e Indústria Cultural: uma introdução (Editora FGV, 2010).
[2] Ver, por exemplo, Karl Marx: Zur Kritik der politischen Ökonomie, In: Marx Engels Werke, vol. 13, p. 9: “As relações burguesas de produção são a última forma antagonística do processo social de produção, antagonística não no sentido do antagonismo individual, mas de um antagonismo advindo das condições sociais de vida dos indivíduos; mas as forças produtivas desenvolvidas no seio da sociedade burguesa criam, simultaneamente, as condições materiais para a resolução desse antagonismo. Com essa formação social conclui-se, portanto, a pré-história da sociedade humana”. A pré-história mencionada aqui não é, certamente, a idade da pedra, mas resquícios de relações arcaicas de dominação que coexistem temporariamente com o movimento propriamente histórico, até que sejam fi nalmente superados por esse último.
[3] Theodor Adorno (Negative Dialektik. In: Gesammelte Schriften 6. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, p. 303) é ainda mais explícito do que Marx, na medida em que avalia a história presente como estando eivada de elementos pré-históricos: “Elas [as infi ndáveis coerções do universal sobre o particular] são, antes, aquilo em vista do que a sociologia, de acordo com sua defi nição, raramente refl ete, pegadas do
[4] The National Interest, Summer 1989. Disponível em: http://www.wesjones.com/eoh.htm. Acesso em: 24 fev. 2011. Para uma atualizada e bem fundamentada discussão sobre o tema da história, em Hegel e em Marx , na qual não faltam agudas críticas a Francis Fukuyama, ver: SCHMIEDKOWARZIK, Wolfdietrich. Vom Sinn und Ende der Geschichte. Fragen an Hegel und an Marx angesichts des Exterminismus. In: Denken aus geschichtlicher Verantwortung: Wegbahnungen zur praktischen Philosophie. Würzburg: Königshausen und Neumann, 1999, p. 290 et seq.
[5] Paris: Editions Gallimard, 2004.
[6] Paris: Editions Gallimard, 1981.
[7] NICHOLS JUNIOR, James. Alexandre Kojève. Wisdom at the End of History. Lanham: Boulder; New York, Toronto e Plymouth: Rowman & Littlefi eld Publishers, 2007, p.23.
[8] Cf. HEGEL, G. W. F.. Phänomenologie des Geistes. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 2006, p. 127 et seq.
[9] Cf. Ibidem, p. 134 et seq. É interessante observar que, no texto de Hegel propriamente dito, o caráter eminentemente histórico desse processo é um pressuposto, o qual, especialmente na interpretação de Kojève, é tematizado e desenvolvido.
[10] KOJÈVE, Alexandre. Introduction à la lecture de Hegel. Paris: Gallimard, 1947, p. 288. Para essa citação e todas as demais, usamos a edição brasileira: Introdução à leitura de Hegel. Aulas sobre a Fenomenologia do espírito ministradas de 1933 a 1939 na École des Hautes Études reunidas e publicadas por Raymond Queneau. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2002, p.276.
[11] Introduction à la lecture de Hegel, op.cit., p.334/Introdução à leitura de Hegel, op.cit., p. 316.
[12] Introduction à la lecture de Hegel, op. cit., p. 435 Introdução à leitura de Hegel, op. cit., p.410. É interessante observar que Kojève associa o topos do fi m da história diretamente à ideia marxiana de um reino da liberdade, advindo do reino da necessidade: “Convém lembrar que esse tema hegeliano, entre muitos outros, foi retomado por Marx. A história propriamente dita, na qual os homens (as “classes”) lutam entre si pelo reconhecimento e lutam contra a natureza pelo trabalho, é denominada por Marx ‘reino da necessidade’ (Reich der Notwendigkeit); para além (Jenseits) está situado o ‘reino da liberdade’ (Reich der Freiheit) no qual os homens (reconhecendo-se mutuamente sem restrições) já não lutam e trabalham o mínimo possível (a natureza estando defi nitivamente dominada, isto é, harmonizada com o homem). Cf. Das Kapital, Livro III, cap. 48, fi m da segunda alínea do terceiro parágrafo” (ibidem).
[13] Introduction à la lecture de Hegel, op. cit., p. 436/Introdução à leitura de Hegel, op.cit., p.410-411.
[14] Ibidem, p.411.
[15] De acordo com James Nichols Junior (Alexandre Kojève. Wisdom at the End of History , op.cit., p. 87-88), Kojève publicou, nos anos 1950, dois ensaios críticos sobre romances contemporâneos: Le
[16] DANTO, Arthur. The End of Art,, op. cit. p. 101.
[17] DANTO, Arthur. The End of Art, op. cit., p. 107. 22 Ibidem, p. 113.
[18] Ibidem, p. 110-111.
[19] DANTO, Arthur. After the End of Art. Contemporary Art and the Pale of History. Princeton/New Jersey: Princenton University Press, 1997.
[20] Especialmente no texto Modernist Painting, in: The Collected Essays and Criticism, vol. 4: Modernism with a Vengeance, 1957-1969. Organização de John O’Brian. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 1995, passim.
[21] DANTO, Arthur. After the End of Art, op.cit., p. 10. 27 Cf. Ibidem, p. 15 cf. Ver tb. p. 141.
[22] DANTO, Arthur. After the End of Art, op.cit., p. 36. 29 Ibidem, p. 122.
[23] DANTO, Arthur. After the End of Art, op.cit., p.37.
[24] “Es ist das Mögliche, nie das unmittelbar Wirkliche, das der Utopie den Platz versperrt“ (ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit. Frankfurt am Main: Surkamp, 1996 p. 66).
[25] BEHRENS, Roger. Postmoderne. Hamburg: Europäische Verlagsanstalt, 2008, p. 77. É relevante observar que o termo “historiografi a corrigida“ diz respeito ao subtítulo da edição alemã, da obra principal sobre pós-história de Flusser: Nachgeschichte. Eine korrigierte Geschichtsschreibung. Bosheim/Düsseldorf: Bollmann Verlag, 1993.
[26] Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cidades, 1983. 34 FLUSSER, Vilém, op. cit., p.28.
[27] Idem. Da religiosidade, op. cit., p. 84. 36 Idem. Pós-história, op. cit., p. 31.
[28] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 59.
[29] Ibidem, p. 63.
[30] Ibidem, p. 70.
[31] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 71.
[32] Ibidem, p. 97.
[33] Ibidem, p. 99.
[34] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 100.
[35] Ibidem, p. 100 et seq.
[36] Idibem, p. 102.
[37] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 102..
[38] Cf. a referência à relação eu-mundo como resultando na “consciência infeliz” (ibidem, p. 114), tal como ocorre na seção B, “Liberdade da autoconsciência”, do quarto capítulo da Fenomenologia do espírito (cf. Phänomenologie des Geistes, op.cit., p. 136 et seq.)
[39] Idem.
[40] Ibidem, p. 115 et seq.
[41] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 137.
[42] Ibidem, p. 142 et seq. 52 Ibidem, p. 143.
[43] FLUSSER, Vilém. Pós-história, op. cit., p. 143 et seq.
[44] Expressões semelhantes estão espalhadas por toda a obra de Adorno, sendo que uma das mais lapidares (e em fl agrante conexão com a dimensão estética) se encontra na Dialética negativa: “O estado reconciliado não anexa, o que é estranho (das Fremde), com imperialismo fi losófi co, mas teria sua felicidade no fato de que ele, na proximidade admitida, permanece o longínquo e o diverso, para além tanto do heterogêneo quanto do próprio” (Negative Dialektik, op. cit., p. 192).