APRESENTAÇÃO

 

Marcos Antonio Alves[1]

 

Com muito prazer, apresentamos este número especial da Trans/Form/Ação: revista de Filosofia da Unesp. Trata-se do Volume 43, referente ao ano de 2020, cujo título temático é: “Filosofia(s) no(do) Século XX”. Do total de 13 artigos, seis são escritos em espanhol, um em inglês e os outros seis na língua portuguesa. Também foram produzidos onze comentários aos artigos, um deles em espanhol, outro em inglês e os demais em português. Há, ainda, uma tradução do inglês para o português. Os autores estrangeiros são oriundos da Argentina, Espanha, Chile, México e Portugal. Já os brasileiros pertencem a instituições dos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.

Este fascículo reúne submissões à revista, nos últimos dois anos, que retratam filósofos do Hemisfério Norte, especialmente da Europa, falecidos na segunda metade do século XX, cujo pensamento foi amplamente difundido no século passado e ainda se mantém em evidência na comunidade filosófica. Embora alguns textos focalizem relações entre dois ou mais pensadores, alguns inseparáveis, boa parte deles, conforme indicam os seus títulos, adota um filósofo como ponto de partida. Como se poderá perceber, alguns discutem temas e problemas que não são os mais conhecidos no pensamento ou área de atuação do autor examinado. Do mesmo modo, ainda que a personagem central seja individual, no decorrer dos artigos, ela é comparada a outros pesquisadores, sejam contemporâneos, sejam de outras épocas.

O primeiro artigo publicado aborda o espanhol Ortega y Gasset (1883-1955); o segundo trata do pensamento do húngaro Lakatos (1922-1974); o terceiro enfoca o francês Deleuze (1925-1995). Os alemães Horkheimer (1895-1973) e Adorno (1903-1969) são objeto de análise do quarto artigo; já o francês Lacan (1901-1981) e o alemão Heidegger (1889-1976) figuram como pensadores centrais no quinto texto. O francês Merleau-Ponty (1908-1961), o austríaco Wittgenstein (1889-1951), o polonês Cassirer (1874-1945) e o alemão Heidegger (1889-1976) são analisados, pela ordem, nos artigos seguintes. No décimo artigo, a presença feminina, no fascículo: a alemã Hannah Arendt (1906-1975). Os também alemães Max Weber (1864-1920) e Adorno (1903-1969) são objeto de análise do penúltimo artigo. O único representante fora do eixo europeu é o estadunidense Thomas Kuhn (1922-1996), exposto no décimo segundo artigo. Por fim, o húngaro Lukács (1885-1971) é o autor do texto traduzido neste número especial.

A quase totalidade dos pensadores retratados são do sexo masculino, pertencentes ao eixo norte do planeta, oriundos, principalmente, do ocidente europeu, com boa predominância germânica. No tocante à diferença quantitativa de gênero, por um lado, a injustiça se deve, em parte, ao pouco número de mulheres na Filosofia, que vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas, ou à indevida importância e atenção ao seu pensamento. Embora não na proporção exposta neste fascículo, isso também se reflete no conteúdo do material recebido pela Trans/Form/Ação. Estamos começando a organizar um número especial, a ser publicado em 2022, com a predominância de autoras analisando pensadoras ao longo da história da Filosofia.

Quanto à inexistência de filósofos do eixo sul do planeta, de certa parte, é algo proposital, por um lado, pela natureza deste fascículo e, por outro lado, porque já está em curso um número especial da revista intitulado “Filosofia(s) no(do) Sul: entre a África e a América Latina”. Serão classificados aproximadamente quinze artigos, distribuídos, proporcionalmente, em torno de três grandes eixos: Ética, Filosofia Política e Epistemologia. Serão aceitos manuscritos de pesquisadores/as doutores/as preferencialmente nativos ou de instituições do Hemisfério Sul. Os temas, filosóficos ou de interesse filosófico, sendo historiográficos, devem se basear, na sua essência, em pensadores/as desta parte do planeta.

Conforme descrito em sua página, a Trans/Form/Ação tem como objetivo a socialização do conhecimento, buscando promover o debate e a interlocução de ideias. Em vista disso, inauguramos, em 2020, uma nova modalidade de textos, a qual consiste de comentários de artigos aprovados, consentidos previamente pelos autores destes. Anexados ao artigo original, eles são produzidos pelos pareceristas do manuscrito submetido. Trata-se de uma crítica construtiva, não mais da qualidade do artigo, uma vez que o processo avaliativo já foi ultrapassado. O comentador pode expor possíveis discordâncias de ideias, comparação de conceitos entre autores, perspectivas ou sistemas filosóficos, diferenças hermenêuticas, metodológicas, epistemológicas. É possível também construir uma ampliação, explicitação ou mesmo a inserção de algum conceito importante para a compreensão da linha argumentativa do artigo comentado, notas explicativas relevantes ou a posição do comentador a respeito da tese exposta. Nesse sentido, procuramos promover um diálogo entre ambos os textos, almejando o aprofundamento e a ampliação do conhecimento.

Os comentários também são uma forma de valorizar formalmente o trabalho dos avaliadores do periódico, oferecendo-lhes oportunidade de publicação de suas ideias e reflexões que podem, inclusive, ter tido origem a partir da análise do manuscrito avaliado. A política de avaliação da revista, no entanto, continua sendo por pares duplo-cega. Apenas depois de o artigo ser aprovado para publicação, conforme as normas da revista, revisado e consentido pelos seus autores, solicitamos o comentário aos pareceristas, sendo-lhes facultativo o aceite da atividade. Neste fascículo, foram produzidos, até o momento, onze comentários, indicados nos textos e expostos abaixo.

As linhas ideológicas, temas e problemas dos artigos reunidos neste fascículo, embora circunscritos a período histórico e região geográfica específicos, perpassam diferentes áreas da Filosofia. Dentre elas, encontramos a Fenomenologia, a Metafísica, a Filosofia da Linguagem, a Filosofia da Ciência, a Filosofia Política e Social, a Antropologia Filosófica. Elas estão associadas a áreas afins, como Psicologia, Ciências Sociais, Ciências da Natureza, fomentando a interdisciplinaridade. Dada a diversidade dos assuntos, os artigos são publicados em ordem alfabética de seus autores e não agrupados segundo o conteúdo ou área.

O primeiro artigo apresentado é intitulado “Pensamientos caminados para caminar: una contribución al concepto de meditación filosófica en Ortega y Gasset como síntesis de teoría y práctica”, escrito em espanhol por Antonio Gutiérrez-Pozo. O principal objetivo desse texto é pensar o conceito de meditação na filosofia de Ortega y Gasset. Conforme seu autor, a meditação é a essência da filosofia para Ortega, de tal modo que meditar e filosofar são sinônimos. Filosofia não é mera teoria, mas também implica prática. O elemento teórico só faz sentido quando surge da vida, mas, acima de tudo, a teoria só é válida se for válida para a vida. Na concepção de Ortega, o ser humano pensa porque vive, mas o fundamental é que ele pensa para viver. Somente os pensamentos alcançados pela vida têm a coragem de viver. A meditação filosófica está sempre sujeita à vida. Esse texto é comentado por Jesús González Fisac.

O segundo artigo também é escrito em espanhol, por Bruno Borge, intitulado “¿Fue Lakatos un realista epistémico?: el rol de la verdad en la metodología de los programas de investigación científica.” De acordo com Borge, um diagnóstico mais amplo do trabalho de Lakatos pode indicar que seu projeto ignorou completamente a questão da verdade como parte central da análise do conhecimento científico. Hacking alega que Lakatos encontrou na metodologia um substituto para a verdade. Os descrentes de tais interpretações entendem que o filósofo da ciência falha em explicar a relação entre o desenvolvimento do conhecimento e o aumento da verossimilhança. Nesse artigo, Bruno argumenta, em primeiro lugar, que o problema da verdade é central no projeto filosófico de Lakatos e, em segundo lugar, que é possível construir uma interpretação alternativa, na qual seu projeto de estabelecer um vínculo entre método e verdade pode ser considerado bem-sucedido. O autor propõe uma leitura davidsoniana que atribui a Lakatos um realismo epistêmico. Esse texto é comentado por Marcos Rodrigues da Silva.

“Deleuze e a Perversão”, escrito por Filipe Ferreira, dá continuidade ao fascículo. Conforme Filipe, ainda que de modo introdutório, dizemos existir um sujeito, o perverso, no interior da filosofia de Deleuze. Mais, que é tornando-se esse sujeito, fazendo do perverso um filósofo, que Deleuze dá início à sua filosofia em diferença e repetição e na lógica do sentido. Ou seja, que existindo um devir-perverso do próprio Deleuze, esse devir condiciona uma abordagem à relação do seu pensamento com o tema da perversão, e isto por ser justamente a criação desse heterônimo, o perverso, que está na origem da sua filosofia. Nesse artigo, Filipe trata desse sujeito perverso que se faz filósofo, na filosofia de Deleuze. O artigo foi comentado por Zamara Araujo.

O quarto artigo também é escrito em espanhol: “Pluralismo y absolutismo en la crítica: dialética reflexiva y política democrática a partir de Horkheimer y Adorno”, de Emiliano Gambarotta. Segundo o autor, nos nossos dias, a teoria crítica é contestada em sua pretensão de ser fundada normativamente, pois isso impossibilita a adoção do pluralismo, pressuposto da ordem democrática. Com base nessa objeção, Gambarotta procura argumentar em defesa da existência, em Horkheimer e Adorno, de elementos para avançar na elaboração de uma teoria crítica “pós-normativa”. Isso está em estreita conexão com o que Habermas denomina o caráter “pós-metafísico” de seu pensamento, ou seja, sua rejeição a qualquer tentativa de encontrar o aparato cognitivo em uma instância incondicionada. Baseado nisso, o autor desse artigo propõe uma abordagem dialética do pluralismo, assentada na relação entre diferença e similaridade. Segundo Gambarotta, esta é a maneira pela qual se poderia tematizar essa configuração do social que possibilitaria ser diferente sem medo. Ademais, são caracterizadas duas lógicas que implicam o cancelamento de tal configuração do social, de sua aceitação dialética do pluralismo: o estabelecimento de um absoluto, por um lado, e a frieza apática, por outro. Tudo isso com o objetivo de questionar a forma como produzimos conhecimento crítico, ao mesmo tempo em que buscamos torná-lo uma instância que contribua para a democratização da sociedade estabelecida. Esse texto é seguido por comentário produzido por Luis Felipe de Salles Roselino.

“La metafísica y el agujero de la política: el sentido de la topología, entre Lacan y Heidegger”, de autoria de Gianfranco Cattaneo, também em espanhol, é o quinto artigo deste número. Tomando como motivo uma conjectura de Lacan dirigida a Heidegger, referindo-se ao que seria metafísica e o que determinaria sua história e seus efeitos, Cattaneo busca relacionar a topologia lacaniana e a topologia heideggeriana. Onde Lacan traduz Heidegger, o autor pretende mostrar que o que emerge, aparentemente despercebida, é a questão topológica do buraco e os efeitos políticos de seu encobrimento. Em suma, ao averiguar as últimas consequências do que implica habitar a linguagem, Cattaneo procura evidenciar que o sentido atribuído pelos dois pensadores citados à sua topologia, depois de coincidirem, são divergentes.

O sexto artigo, de Gilbert Cardoso Bouyer, é “O caráter antirrepresentacionalista da cognição no pensamento de Merleau-Ponty”. Gilbert defende o ponto de vista de que as bases da ciência cognitiva contemporânea (CC) estão em sintonia com o pensamento de Merleau-Ponty, em seus aspectos antiobjetivista e antirrepresentacionalista. A ideia de representação mental é contestada, tanto na CC quanto no pensamento de Merleau-Ponty. A cognição, continua o autor, não espelha um mundo exterior independente dos sujeitos incorporados. O mundo é um existencial, como afirmam Merleau-Ponty e a CC. A hipótese da representação mental supõe que o mundo pode ser percebido de forma independente do sujeito que percebe. Isso não é verdade. A percepção depende da forma como o sujeito age em seu mundo percebido. Todas as estimulações que o organismo encontra só são possíveis pelos seus movimentos precedentes, os quais resultam na exposição do órgão receptor às influências externas. Os estímulos sensoriais que o organismo encontra dependem diretamente do seu comportamento motor, e a forma como o organismo se move depende diretamente das consequências sensoriais dos seus comportamentos anteriores. O texto é comentado por Matheus Hidalgo.

“A filosofia da psicologia e o ‘novo método’ filosófico nos escritos tardios de Wittgenstein: uma relação prática e necessária” é a sétima produção, desenvolvida por Gilberto Ferreira de Souza. O objetivo desse artigo é apresentar os temas do “novo método” filosófico e da “filosofia da psicologia”, nos escritos tardios de Ludwig Wittgenstein, como relacionados prática e necessariamente. Para o proposto, a estratégia expositiva adotada pelo autor segue a seguinte ordem. Em primeiro lugar, analisa os pressupostos filosóficos relativamente irrefletidos que determinam a visão que o jovem Wittgenstein tinha do “método correto da filosofia” e da “filosofia da psicologia”. Depois disso, interpreta a volta filosófica de 1929, como comprometida em apresentar o rosto ainda informe do “novo método” e retomar criticamente os alvos do TLP, sob essa nova perspectiva metodológica. Em terceiro lugar, considera a filosofia da psicologia de Wittgenstein inserida numa perspectiva diferente da perspectiva da ciência psicológica do fim do século XIX e início do século XX, fundamentada em investigações empíricas. Conforme Ferreira, tais observações constituem propriamente uma prática do “novo método” de apresentação perspícua e se caracteriza como um aspecto-chave e necessário, um filtro, para a compreensão das observações do filósofo em torno da psicologia e de seu objetivo em dissolver os problemas metafísicos ali presentes.

O oitavo artigo, intitulado “Cuerpo y símbolo en Ernst Cassirer: la función orgánica en la conformación del mundo cultural”, é escrito em espanhol por Gustavo Esparza. O autor focaliza a função do corpo humano e sua relação com a cultura, na filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirer. Segundo o neokantiano, a relação corpo-alma forma a relação básica para o desenvolvimento da “Fenomenologia do Conhecimento”. No entanto, através do processo dialético, é necessário negar a forma material para alcançar a forma espiritual da cultura, de modo que a organicidade corporal, ao que parece, deve ser anulada nessa progressão dialética. Esparza analisa e descreve como a forma do corpo fundamenta o cenário mítico expressivo, além das fases representativa da linguagem e significativa da ciência, permitindo a unidade ao longo do processo de construção do conhecimento e da forma de cultura.

Continuando, Jeovane Camargo publica “Sobre as consequências filosóficas do primado da percepção em Merleau-Ponty”. O propósito do autor é demonstrar que os problemas enfrentados por Merleau-Ponty, ao longo de seu percurso de pensamento, decorrem dos pressupostos dicotômicos dos quais ele parte. Assim, procura trazer à tona outras consequências de se assumir um pressuposto tal como o primado de uma experiência perceptiva muda como solo natal de todas as outras modalidades da experiência. Para tanto, Jeovane toma em consideração tanto a primeira como a segunda fase do pensamento de Merleau-Ponty. Osvaldo Fontes Filho e Gisele Batista Candido comentam o artigo escrito por Jeovane.

O décimo artigo é escrito em espanhol e se chama “Caminos y esbozos para una apertura fenomenológica del horizonte mismidad desde la constitución del mundo en Ser y Tiempo de Heidegger”. Conforme explicita Juan José Garrido Periñán, autor do artigo, seu objetivo principal consiste em estabelecer quem é o Dasein, a partir da aparência do mundo na obra de Ser e Tempo de Martin Heidegger, nos parágrafos 14 a 18 do referido texto. Para isso, o autor levanta a possibilidade de apreender o horizonte de si mesmo do Dasein, contrastando com as análises do próprio Heidegger, nos parágrafos 25 a 27. Ademais, aponta como a mesmice de Dasein já está pressuposta na maneira como o Ser-no-mundo aparece através do significado existencial. Periñan conclui o artigo, buscando descobrir os possíveis retornos fenomenológicos da abertura do horizonte do Si-mesmo do Dasein. O texto é comentado por Sandro Sena.

O décimo primeiro artigo intitula-se “Hannah Arendt e a intencionalidade das aparências”, escrito por Lucas Barreto Dias. Em seu artigo, Lucas investiga o conceito de intencionalidade presente no pensamento de Hannah Arendt. Conforme o autor, a intencionalidade, termo proveniente da fenomenologia husserliana, designa que a consciência sempre se movimenta em direção a um objeto, de modo que, para Husserl, se trata aqui de um atributo do ego transcendental. Arendt, em sua obra póstuma, faz um deslocamento do conceito: a intencionalidade passa a ser compreendida não apenas como algo vinculado a um sujeito, mas, sobretudo, às aparências. Dessa maneira, assim como o sujeito coloca em questão o objeto visado pela consciência, também o fenômeno pressupõe uma subjetividade embutida, isto é, as aparências se doam intencionalmente àqueles que captam suas aparições. Essa relação intencional, todavia, só faz sentido, no pensamento de Arendt, caso coloquemos em questão a pluralidade humana como conjunto de seres capazes de apreender as aparências, a partir de uma experiência que só é possível mediante a própria pluralidade. Assim, a pensadora rechaça o sujeito cognoscente isolado como critério de verdade e sentido, proporcionando uma interpretação da relação homens e mundo como perspectiva pela qual se pode chegar a uma compreensão intersubjetiva da realidade.

Luis Felipe de Salles Roselino é autor de “Max Weber e Adorno, sobre o conceito de progresso: contrastes da racionalização técnica na música e na pintura”. Roselino desenvolve uma reflexão identificada diante do contraste teórico no tratamento do conceito de “progresso”, nos escritos de Adorno e Max Weber, respectivamente, no texto de 1962, Fortschritt (progresso) e no texto de 1917, “Sobre o sentido da wertfreiheit nas ciências econômicas e sociológicas”. O autor busca comparar as duas abordagens, destacando os diferentes recursos teóricos empregados em cada uma delas, identificando diferenças nos usos conceituais da teoria tradicional e da teoria crítica. O contraste teórico ficará mais nítido, quando comparados os exemplos da história da arte tomados pelos dois autores. Conforme Salles, Weber utilizava um critério geral para equiparar as obras musicais às pinturas, enquanto Adorno pressupunha algo distinto, seguindo o mesmo referencial, o progresso técnico. O artigo é seguido de comentário produzido por Joaquim Braga.

O texto de Paulo Pirozelli, escrito em inglês, “Thomas Kuhn’s Philosophy of Language”, completa o conjunto de treze artigos deste fascículo. Conforme lembra Paulo, Kuhn é conhecido principalmente por suas contribuições para a filosofia da ciência. No entanto, foi em grande medida à filosofia da linguagem que ele dedicou a última parte de sua carreira. Pirozelli busca, nesse artigo, apresentar uma visão sistemática das principais ideias de Kuhn sobre essa área. O autor começa descrevendo a teoria do conceito de Kuhn, em particular o que ele diz sobre termos para espécie (kind terms). Tais termos, apreendidos em blocos que formam conjuntos de contraste ou “taxonomias”, são apreendidos através de definições ostensivas. Em seguida, Paulo analisa as concepções de Kuhn de “significado” e “verdade”. Finalmente, discute um segundo tipo de termo para espécies, não totalmente investigado por ele, que é apreendido junto com as leis científicas. Mauro Lúcio Leitão Condé produz um comentário ao artigo de Pirozelli, também em inglês.

Por fim, Bruna della Torre de Carvalho Lima e Eduardo Altheman Camargo Santos publicam a tradução “De Lukács à escola de Frankfurt”, escrito originalmente por Andrew Feenberg: “From Lukács to the Frankfurt school”. Os autores informam tratar-se de uma nova edição de importante obra de Feenberg, intitulada “Lukács, Marx and the sources of critical theory”, publicada originalmente em 1981, modificada e acrescida de novos capítulos, sendo o capítulo aqui apresentado justamente um dos inéditos. Na obra como um todo, Feenberg opera com uma noção de “escola de Frankfurt” que encontra seus antecedentes nas obras de Marx e Lukács, principalmente, e engloba a produção dos teóricos críticos Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, entre outros. “Filosofia da práxis” é uma expressão utilizada pelo autor em referência a Antonio Gramsci, o qual, em seus cadernos do cárcere, a empregou para designar o marxismo de modo geral e sua própria interpretação da obra de Marx. Feenberg a utiliza, ao longo do livro, para identificar uma versão filosófica radical particular do marxismo, que engloba obras do próprio Marx, de Lukács, Karl Korsch, Ernst Bloch e da escola de Frankfurt, cujo último representante é, segundo Feenberg, Marcuse.

Embora oriundos de região geográfica específica e tempo delimitado, se olhadas no sentido macroscópico, as diferenças entre os pensadores abordados, além de temáticas, também são de cunho ideológico, metodológico, heurístico, ontológico. Nesse sentido, talvez não seja possível identificar uma Filosofia do século XX, mas possíveis Filosofias no período. Alguns temas e problemas são próprios do pensamento contemporâneo, outros são clássicos, revisitados, aprimorados, alterados, reinterpretados, tratados à luz de seu tempo. Por esse motivo, não nos atrevemos a estabelecer a existência de uma Filosofia do século XX ou no século XX. Tais indagações não são objeto de análise deste fascículo, não sendo retratadas, pelo menos diretamente, por qualquer dos artigos. Deixamos para o leitor, entendendo ser conveniente, refletir a questão, como um resultado de sua leitura de artigos do fascículo. Desejamos que ela seja proveitosa e prazerosa!

 



[1] Editor responsável da Trans/Form/Ação: revista de Filosofia da Unesp. Docente no Departamento de Filosofia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Brasil. Pesquisador CNPq/Chamada Universal. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5704-5328. E-mail: marcos.a.alves@unesp.br.de