APRESENTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DA GUERRA E DOS FRAGMENTOS SOBRE A GUERRA DE ROUSSEAU
Evaldo Becker[1]
Não há como falar dos Princípios do Direito da Guerra de Rousseau sem falar em seu projeto maior, da obra que coroaria sua carreira de escritor político. Trata-se obviamente do projeto das Instituições Políticas, imaginado por Rousseau durante o período em que trabalhou como secretário da Embaixada da França em Veneza, entre os anos de 1743-1744. Os Princípios do Direito da Guerra integrariam a segunda parte das Instituições Políticas, aquela que trataria do direito das gentes, do comércio, do direito da guerra e das conquistas etc. Entretanto, esse projeto, que deveria “selar a carreira do autor”, após anos de meditação acabou sendo abandonado. Conforme seu relato apresentado nas Confissões, “após ter trabalhado cinco ou seis anos a obra em questão não estava nada adiantada”,[2] fato que o leva a abandonála no ano de 1759.[3]
Tendo-se perdido a obra maior de Rousseau, temos de nos reportar aos textos que se salvaram da destruição e que nos ajudam a vislumbrar o horizonte da investigação que se desenvolveria nas Instituições. Para além das informações fornecidas pelas Confissões, conforme citamos acima, temos ainda aquelas fornecidas no Contrato Social, que é o principal e o mais bem acabado dos escritos que sobreviveram. Contamos ainda com o capítulo II do Manuscrito de Genebra, primeira versão do Contrato Social, intitulado Da Sociedade Geral do Gênero Humano, com as informações apresentadas ao final do livro V do Emílio, onde Rousseau resume o conteúdo das Instituições Políticas, com o texto Guerra e Estado de Guerra, com os Fragmentos sobre a Guerra e, finalmente, com os textos que foram agrupados no volume III das Obras Completas de Rousseau, sob o título: Escritos sobre o Abade de Saint-Pierre, dentre os quais se destaca o texto Que o Estado de Guerra Nasce do Estado Social.
Os Princípios do Direito da Guerra, aqui traduzidos, são compostos por dois textos que haviam sido publicados separadamente: Que o Estado de Guerra Nasce do Estado Social, e Guerra e Estado de Guerra, expostos no volume III das Obras Completas de Rousseau.
No que diz respeito ao texto Guerra e Estado de guerra, cabe salientar que o mesmo foi descoberto por Bernard Gagnebin, no ano de 1967, e passou a integrar o volume III das Obras Completas de Rousseau, na edição da Pléiade, a partir das edições subsequentes à sua descoberta.[4] Conforme o comentário introdutório do próprio Bernard Gagnebin, o mesmo deveria ser aproximado do texto Que l’État de Guerre Naît de l’État Social, exposto no mesmo volume III, entre as páginas 601 e 612.[5] Tal aproximação deveria dar-se em função da semelhança das temáticas tratadas em ambos.
Cabe salientar que uma guinada na análise dos textos em questão está se dando em função da nova versão estabelecida por Bruno Bernardi e G. Silvestrini. Tal versão é composta pelos escritos Que l’État de Guerre Naît de l’État Social, e Guerre et État de Guerre, que sofreram uma mudança substancial em sua organização, a partir da reorganização de suas páginas, tendo por base uma análise minuciosa dos manuscritos. Editado pela primeira vez em 2005, nos Annales Jean Jacques Rousseau, o texto, intitulado agora Princípios do Direito da Guerra, foi publicado juntamente com os Écrits sur la Paix Perpétuelle, pela VRIN .[6][7]
Optamos em nossa tradução dos Principes du Droit de la Guerre, por apresentar este texto na versão corrigida, para conferir maior fluidez à leitura; e por manter a versão com os grifos de Rousseau na tradução dos fragmentos, tal como é feito por Bernardi e Silvestrini, para evidenciar o seu caráter incompleto e possibilitar ao leitor um contato mais próximo aos “manuscritos”; mesmo correndo o risco de perdermos um pouco em termos de fluidez. Lembramos que as frases tachadas pretendem representar aquelas que foram riscadas pelo autor, e os trechos em itálico representam as correções do próprio Rousseau colocadas à margem dos manuscritos. Ainda com relação aos Fragmentos sobre a guerra, cabe ressaltar que estes também diferem em sua formatação daquela apresentada na edição das Obras Completas da Pléiade; nos contentaremos aqui em seguir a versão proposta por Bernardi e Silvestrini e a remeter o leitor às explicações fornecidas pelos editores na obra citada .
No que tange à tradução brasileira dos textos de Rousseau acerca da Guerra, contamos apenas, salvo engano, com a tradução realizada por Sérgio Bath do texto O Estado de Guerra Nascido do Estado Social e dos Fragmentos sobre a Guerra. Esses textos estão contidos no volume denominado Rousseau e as Relações Internacionais,[8] que é precedido pelo útil prefácio de Gelson Fonseca Júnior. A tradução em questão, que agrupa uma coleção de textos de Rousseau sobre as relações internacionais, foi realizada tomando como base a Antologia em língua inglesa preparada por Stanley Hoffman e David Fidler, intitulada Rousseau on International Relations[9], o que talvez explique certa liberdade ou distanciamento apresentado nesta tradução, se comparada com o texto original francês. Nesse sentido, a presente tradução do texto Princípios do Direito da Guerra é inédita em português e é por isso que nos propusemos ofertá-la ao público brasileiro.
Tradução de Evaldo Becker
Revisão da tradução por Ricardo Monteagudo
RESUMO: O texto Princípios do Direito da Guerra de Rousseau, integraria a segunda parte da obra maior planejada pelo autor e que se chamaria: Instituições Políticas. Neste texto Rousseau desenvolve uma rigorosa análise acerca do direito da guerra, na qual se contrapõe aos posicionamentos de Hobbes e de Grotius, autores que em seu entender, fizeram de tudo agradar aos poderosos e para despojar os povos de seus direitos, favorecendo o despotismo e a violência.
PALAVRAS-CHAVE: Princípios do Direito da Guerra. Rousseau. Instituições Políticas.
* A presente tradução foi realizada com base na edição do texto Principes du droit de la guerre de Jean-Jacques Rousseau, estabelecida por Bruno Bernardi e Gabriela Silvestrine. In: Annales de la Société J.-J. Rousseau, Genève, t. XLVI, p. 201-280, 2005. Esta edição foi re-publicada pela VRIN em 2008 sob o título Principes du droit de la guerre. Écrits sur la paix perpétuelle. Sous la direction de Blaise Baschofen et Céline Spector. Edition nouvelle et présentation de l’établissement des textes par Bruno Bernardi et Gabriella Silvestrini. Textes commentés par B. Baschofen, B. Bernardi, F. Guénard et C. Spector avec la collaboration de G. Lepan et . G. Waterlot. Paris: Librairie Philosophique J. VRIN, 2008. p. 69-81.
** Pós-Doutor pela USP – Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de Filosofia da UFS. Membro do NEPHEM – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da História e Modernidade.Email: evaldobecker@gmail.com
*** Agradeço ao Professor Dr. Ricardo Monteagudo, do Departamento de Filosofia da UNESP- Marília, pela revisão da presente tradução; as correções sugeridas por ele foram fundamentais para a melhoria do texto. Reiteramos, contudo, que todas as eventuais falhas de tradução, que porventura possam ser detectadas, são de inteira responsabilidade do tradutor.
Eu abro os livros de direito e de moral, escuto os sábios e os jurisconsultos e, impressionado por seus discursos insinuantes, deploro as misérias da natureza, admiro a paz e a justiça estabelecidas pela ordem civil, bendigo a sabedoria das instituições públicas e me consolo de ser homem vendo-me como cidadão. Bem instruído de meus deveres e de minha felicidade, fecho os livros, saio da classe e olho ao redor de mim: vejo povos infortunados gemendo sob um jugo de ferro, o gênero humano esmagado por um punhado de opressores, uma multidão sobrecarregada de trabalho e faminta por pão, da qual o rico bebe em paz o sangue e lágrimas, e em todo lugar o forte armado contra o fraco do temível poder das leis. Tudo isso se faz pacificamente e sem resistência: é a tranquilidade dos companheiros de Ulisses trancados na caverna do Ciclope, esperando para serem devorados. É preciso gemer e calarse. Estendamos um véu eterno sobre esses objetos de horror. Elevo os olhos e observo ao longe. Percebo fogos e chamas, campos desertos, cidades pilhadas. Homens cruéis, para onde arrastam estes infortunados! Ouço um ruído medonho, quanto tumulto e quantos gritos, aproximo-me, vejo um teatro de matanças, dez mil homens degolados, mortos empilhados aos montes, moribundos pisoteados por cascos de cavalos, trajando a imagem da morte e da agonia. Aí está, portanto, o fruto dessas instituições pacíficas. A piedade e a indignação se erguem do fundo do meu coração. Ah, filósofo bárbaro! Venha ler-nos teu livro sobre um campo de batalha.
As entranhas de que homem não ficariam comovidas com esses tristes objetos; mas não é mais permitido ser homem e pleitear a causa da humanidade. A justiça e a verdade devem ser dobradas ao interesse dos mais poderosos, é a regra. O povo não dá nem pensões, nem empregos, nem cátedras, nem vagas nas academias; em virtude de que protegê-lo-íamos? Príncipes magnânimos de quem esperamos tudo, falo em nome do corpo literário. Oprimi o povo com a consciência tranquila; é somente de vós que esperamos tudo e o povo nunca nos será bom para nada.
Como uma voz tão fraca far-se-ia ouvir em meio a tantos clamores venais? Ah! É preciso calar-me, mas a voz do meu coração não poderia atravessar um silêncio tão triste? Não, sem entrar em detalhes odiosos que passariam por satíricos somente por serem verdadeiros, limitar-me-ei, como sempre fiz, a examinar os estabelecimentos humanos por seus princípios, a corrigir, se possível, as falsas ideias que nos dão os autores interesseiros; e a fazer ao menos com que a injustiça e a violência não tomem sem pudor o nome de direito e de equidade.
A primeira coisa que eu observo, ao considerar a posição do gênero humano, é uma contradição manifesta em sua constituição, que a torna sempre vacilante. De homem a homem, nós vivemos no estado civil e submissos às leis. De povo a povo, cada um goza a liberdade natural; o que no fundo torna nossa situação pior do que se essas distinções fossem desconhecidas. Pois, vivendo ao mesmo tempo na ordem social e no estado de natureza, estamos submetidos aos inconvenientes de um e de outro, sem encontrar segurança em nenhum dos dois. A perfeição da ordem social consiste, é verdade, no concurso da força e da lei: mas é preciso, para isso, que a lei dirija a força, ao passo que nas ideias de independência absoluta dos príncipes somente a força sozinha, falando aos cidadãos sob o nome de lei e aos estrangeiros sob o nome de razão de Estado, tira destes o poder e dos outros a vontade de resistir, de sorte que o vão nome de justiça serve em toda a parte apenas de salvaguarda à violência. Quanto ao que se chama comumente de direito dos povos, é certo que, à falta de sanção suas leis, não são senão quimeras mais fracas ainda do que a lei da natureza, esta fala pelo menos ao coração dos particulares, ao passo que o direito dos povos, não tendo outra garantia senão a utilidade daquele que a ele se submete, suas decisões só são respeitadas enquanto o interesse as confirma. Na condição mista em que nos encontramos, a qualquer dos dois sistemas que dermos a preferência, fazendo muito ou muito pouco não fazemos nada e somos colocados no pior estado em que pudéssemos nos encontrar. Aí está, parece-me, a verdadeira origem das calamidades públicas.
Coloquemos por um momento essas ideias em oposição ao horrível sistema de Hobbes e encontraremos, tudo ao contrário de sua absurda doutrina, que bem longe que o estado de guerra seja natural ao homem, a guerra nasceu da paz ou ao menos das precauções que os homens tomaram para assegurar uma paz durável. Mas, antes de entrar nesta discussão, tratemos de fixar a ideia que se deve ter do estado de guerra.[10]
O que é o Estado de Guerra?
Mesmo que estas duas palavras, guerra e paz, pareçam exatamente correlatas, a segunda comporta uma significação bem mais extensa, visto que se pode interromper e perturbar a paz de várias maneiras sem chegar à guerra. O repouso, a união, a concórdia, todas as ideias de benevolência e de afeição mútua parecem contidas nesta doce palavra paz. Ela leva à alma uma plenitude de sentimento que nos faz amar ao mesmo tempo nossa própria existência e a do próximo; representa o laço dos seres que os une no sistema universal, não possui toda sua extensão senão no espírito de Deus a quem nada daquilo que é pode prejudicar e que quer a conservação de todos os seres que criou.
A constituição deste universo não permite que todos os seres sensíveis que o compõem concorram ao mesmo tempo para a felicidade mútua, mas o bem-estar de um fazendo o mal do outro, cada um segundo a lei de natureza, dá-se a si mesmo a preferência e, quando trabalha para a sua vantagem em prejuízo do outro, no mesmo instante a paz é perturbada em relação àquele que sofre; então, não somente é natural rechaçar o mal que nos persegue, mas, quando um ser inteligente vê que esse mal lhe vem pela má vontade de outro, ele se irrita com isso e procura impeli-lo sobre seu autor; daí nascem a discórdia, as querelas, por vezes os combates, mas não ainda a guerra.
Enfim, quando as coisas se encontram no ponto em que um ser dotado de razão é convencido de que o cuidado com sua conservação é incompatível não somente com o bem-estar de um outro, mas com sua existência; então, arma-se contra a vida dele e procura-se destruí-lo com o mesmo ardor com o qual procura conservar-se a si mesmo e pela mesma razão. O agredido, sentindo que a segurança da sua existência é incompatível com a existência do agressor, ataca, por sua vez, com todas as suas forças, a vida daquele que também quer atacar a sua; essa vontade manifesta de se destruir mutuamente, e todos os atos que dependem dela, produzem entre os dois inimigos uma relação que chamamos guerra.
Daí se segue que a guerra não consiste de forma alguma num ou vários combates não premeditados, nem mesmo no homicídio e na morte cometida por um arrebatamento de cólera, mas na vontade constante refletida e manifesta de destruir seu inimigo. Pois, para julgar que a existência desse inimigo é incompatível com nosso bem-estar, é preciso sangue frio e razão, o que produz uma resolução durável, e, para que a relação seja mútua, é preciso que o inimigo, por sua vez, sabendo que atentamos contra sua vida, tenha o desejo de defendêla às expensas da nossa. Todas essas ideias estão contidas na palavra guerra.
Os efeitos públicos dessa má vontade reduzida em ato se chamam hostilidades: mas, que haja hostilidades ou não, a relação de guerra uma vez estabelecida não pode cessar senão por uma paz formal. De outro modo, cada um dos dois inimigos, não tendo nenhum testemunho de que o outro cessou de atentar contra sua vida, não poderia ou não deveria cessar de defendê-la às expensas daquela do outro.
Essas diferenças dão lugar a algumas distinções entre os termos. Quando se está reciprocamente em exercício por contínuas hostilidades, é propriamente o que se chama fazer a guerra. Ao contrário, quando dois inimigos declarados permanecem tranquilos e não realizam um contra o outro nenhum ato ofensivo, sua relação não muda por isso, mas, enquanto não tiver nenhum efeito atual, chama-se somente estado de guerra. Longas guerras nas quais nos metemos e que não podemos terminar produzem ordinariamente esse estado. Às vezes, longe de adormecer na inação, a animosidade não faz senão esperar um momento favorável para surpreender o inimigo e, seguidamente, o estado de guerra que produz o relaxamento é mais perigoso que a própria guerra.
Discutiu-se se a trégua, a suspensão das armas, a paz de Deus eram um estado de guerra ou de paz. Está claro, pelas noções precedentes, que tudo isso não é senão um estado de guerra modificado, no qual dois inimigos se dão as mãos sem perder nem disfarçar a vontade de se prejudicar. Fazemse preparativos, amontoam-se armas, materiais para o cerco, todas as operações militares que não são especificadas continuam. É mostrar suficientemente que as intenções não se modificaram. Ocorre a mesma coisa ainda quando dois inimigos se encontram em local neutro, sem se atacar. [11]
Quem pode ter imaginado sem estremecer o sistema insensato da guerra natural de cada um contra todos? Que estranho animal seria aquele que acreditasse seu bem-estar vinculado à destruição de toda sua espécie, e como conceber que tal espécie tão monstruosa e tão detestável pudesse durar somente duas gerações? Eis, no entanto, até onde o desejo ou antes o furor de estabelecer o despotismo e a obediência passiva conduziu um dos mais belos gênios que já existiu. Um princípio tão feroz era digno de seu tema.
O estado de sociedade que constrange todas as nossas inclinações naturais não poderia, entretanto, aniquilá-las; apesar de nossos preconceitos e de nós mesmos, elas falam ainda no fundo de nossos corações e nos reconduzem frequentemente ao verdadeiro que abandonamos por quimeras. Se essa inimizade natural e destrutiva estivesse ligada à nossa constituição, então far-se-ia ainda sentir e nos impeliria apesar de nós mesmos, através de todas as amarras sociais. O terrível ódio da humanidade corroeria o coração do homem. Ele se afligiria pelo nascimento de seus próprios filhos e se regozijaria com a morte de seus irmãos: e tão logo ele encontrasse alguém dormindo, seu primeiro movimento seria matá-lo.
A benevolência que nos faz tomar parte na felicidade de nossos semelhantes, a compaixão que nos identifica com aquele que sofre e nos aflige por sua dor seriam sentimentos desconhecidos e diretamente contrários à natureza. Um homem sensível e piedoso seria um monstro, e nós seríamos naturalmente aquilo que com muita dificuldade nos tornamos, em meio à depravação que nos persegue.
O sofista diria em vão que essa mútua inimizade não é inata nem imediata, mas fundada sobre a concorrência inevitável do direito de cada um sobre todas as coisas, pois o sentimento desse pretenso direito não é mais natural ao homem do que a guerra que ele faz nascer. Eu já disse e não custa repetir: o erro de Hobbes e dos filósofos é confundir o homem natural com o homem que eles têm sob os olhos e de transportar para um sistema um homem que só pode subsistir num outro. O homem quer seu bem-estar e tudo o que pode contribuir para tal, isso é incontestável. Mas, naturalmente, o bem-estar do homem se limita ao necessário físico: pois, quando ele tem a alma sã e quando seu corpo não sofre, o que lhe falta para ser feliz, conforme sua constituição? Aquele que não tem nada deseja pouca coisa, aquele que não comanda ninguém tem pouca ambição. Mas o supérfluo desperta a cobiça: quanto mais se obtém, mais se deseja. Aquele que tem muito quer ter tudo, e a loucura da monarquia universal nunca atormentou senão o coração de um grande rei. Eis a marcha da natureza; eis o desenvolvimento das paixões. Um filósofo superficial observa as almas cem vezes remodeladas e fermentadas no levedo da sociedade e crê ter observado o homem. Mas, para bem conhecê-lo, é preciso saber discernir a gradação natural de seus sentimentos e não é nunca entre os habitantes de uma grande cidade que é preciso procurar o primeiro traço da natureza impresso no coração humano.[12]
[13]Mas, mesmo que fosse verdade que essa cobiça ilimitada e indomável fosse desenvolvida em todos os homens, na medida em que supõe nosso sofista, ainda assim ela não produziria esse estado de guerra universal de cada um contra todos, do qual Hobbes ousa traçar o odioso quadro. Esse desejo desenfreado de se apropriar de todas as coisas é incompatível com aquele de destruir todos os seus semelhantes; e o vencedor que, tendo matado a todos, teria a infelicidade de restar sozinho no mundo, não gozaria de nada pelo fato mesmo de tudo possuir. As riquezas em si mesmas são boas para quê, senão para serem comunicadas? De que lhe serviria a posse de todo o universo, se ele fosse o único habitante? O quê? Seu estômago devorará todos os frutos da terra? Quem lhe juntará as produções de todos os climas; quem levará o testemunho de seu império para as vastas solidões que ele não habitará de modo algum? Que fará ele com seus tesouros, quem consumirá suas mercadorias, para quais olhos ostentará seu poder? Compreendo. Em lugar de todos massacrar, ele colocará todos a ferros para ao menos ter escravos. Isso muda no mesmo instante todo o estado da questão e, já que não se trata mais de destruir, o estado de guerra desaparece. Que o leitor suspenda aqui seu julgamento. Eu não me esquecerei de tratar esse ponto.
O homem é naturalmente pacífico e medroso. Ao menor perigo, seu primeiro movimento é de fugir; ele não se torna aguerrido senão à força do hábito e da experiência. A honra, o interesse, os preconceitos, a vingança, todas as paixões que podem fazê-lo desafiar os perigos e a morte estão longe dele, no estado de natureza. Não é senão após ter feito sociedade com algum homem que ele se determina a atacar outro; e ele só se torna soldado após ter-se tornado cidadão. Não se veem aí grandes disposições para entrar em guerra contra todos os seus semelhantes. Mas é demais deter-me sobre um sistema tão revoltante quanto absurdo, que já foi cem vezes refutado.
Não há, portanto, nenhuma guerra geral de homem a homem, e a espécie humana não foi formada unicamente para se destruir mutuamente. Resta considerar a guerra acidental e particular que pode nascer entre dois ou vários indivíduos.
Se a lei natural estivesse gravada apenas na razão humana, ela seria pouco capaz de dirigir a maior parte de nossas ações, mas ela está gravada ainda no coração do homem em caracteres inapagáveis, e é aí que ela lhe fala mais fortemente que todos os preceitos dos Filósofos; é aí que ela lhe grita que não lhe é permitido sacrificar a vida de seu semelhante, senão para a conservação da sua, e que lhe torna horrível verter sangue humano sem cólera, mesmo quando o homem se vê obrigado a isso.
Penso que nas querelas sem árbitros que podem surgir no estado de natureza, um homem irritado poderá às vezes matar outro, seja às claras, seja de surpresa; mas se se trata de uma guerra de verdade, que se imagine em que estranha posição deve estar este mesmo homem só poder conservar sua vida às expensas da de um outro e que por uma relação estabelecida entre eles seja preciso que um morra para que o outro viva. A guerra é um estado permanente que supõe relações constantes, as quais raramente têm lugar de homem a homem, onde tudo está entre os indivíduos num fluxo contínuo que muda incessantemente as relações e os interesses. De maneira que um objeto de disputa surge e desaparece quase que no mesmo instante, uma querela começa e termina em um dia, e pode haver combates e matanças, mas jamais ou só muito raramente longas inimizades e guerras.
No estado civil onde a vida de todos os cidadãos está sob o poder do soberano e onde ninguém tem o direito de dispor da sua nem da de outrem, o estado de guerra não pode ter lugar entre os particulares, e, quanto aos duelos, desafios, acordos, chamadas para combate singular, além de ser um abuso ilegítimo e bárbaro de uma constituição totalmente militar, também não resultava num verdadeiro estado de guerra, mas numa questão particular que se resolvia em tempo e locais limitados, de tal modo que, para um segundo combate, era preciso um novo desafio. Devem-se excetuar as guerras privadas que se suspendiam por tréguas cotidianas, chamadas paz de Deus, e que receberam a sanção pelo estabelecimento de São Luís. Mas este exemplo é único na História.
Pode-se questionar ainda se os Reis que, de fato, são independentes do poder humano, poderiam estabelecer entre eles guerras pessoais e particulares independentes daquelas do Estado. Esta é certamente uma questão inútil, pois, como se sabe, não é costume dos Príncipes poupar outrem para exporemse pessoalmente. Além disso, essa questão depende de uma outra que não cabe a mim decidir. A saber, se o Príncipe ele-mesmo está submetido às leis do Estado ou não; pois, se estiver, sua pessoa está ligada e sua vida pertence ao Estado, como aquela do último Cidadão. Mas, se o Príncipe está acima das leis, ele vive no puro estado de natureza e não deve prestar contas, nem a seus súditos, nem a ninguém, de nenhuma de suas ações.
Do estado social
Entramos agora em uma nova ordem das coisas. Veremos os homens unidos por uma concórdia artificial se juntar para se degolarem entre si e todos os horrores da guerra nascerem dos cuidados que se tinha tomado para prevenila. Mas importa primeiramente formar sobre a essência do corpo político noções mais exatas do que as que se fizeram até aqui. Que o leitor imagine somente que se trata aqui menos de história e de fatos do que de direito e justiça, e que quero examinar as coisas por sua natureza e não por nossos preconceitos.
Da primeira sociedade formada se segue necessariamente a formação de todas as outras. É preciso dela fazer parte ou unir-se para lhe resistir. É preciso imitá-la ou se deixar engolir por ela.
Assim, toda a face da terra mudou; em todo lugar, a natureza desapareceu; em toda parte, a arte humana tomou seu lugar; a independência e a liberdade natural deram lugar às leis e à escravidão, não existe mais Ser livre; o filósofo procura um homem e não o encontra mais. Mas é em vão que se pensa aniquilar a natureza, ela renasce e se mostra onde menos se esperava. A independência que se tira dos homens se refugia nas sociedades, e estes grandes corpos entregues a seus próprios impulsos produzem choques mais terríveis, na proporção em que suas massas superam as dos indivíduos.
Mas, dir-se-á, cada um desses corpos, tendo uma posição tão sólida, como é possível que venham algum dia a se entrechocar? A própria constituição deles não deveria mantê-los entre si numa paz eterna? São eles obrigados, como os homens, a ir buscar fora de si aquilo de que precisam para prover as suas necessidades; não possuem em si mesmos tudo o que é necessário à sua conservação? A concorrência e as trocas são uma fonte de discórdia inevitável e, em todos os países do mundo, os habitantes não existiram antes do comércio? Prova invencível de que poderiam subsistir sem ele.
A isso eu poderia me contentar em responder pelos fatos, e não teria nenhuma réplica a temer, mas não esqueci que raciocino aqui sobre a natureza das coisas e não sobre acontecimentos que podem ter mil causas particulares, independentes do princípio comum. Mas consideremos atentamente a constituição dos corpos políticos e, mesmo que a rigor cada um baste à sua própria conservação, acharemos que suas relações mútuas não deixam de ser muito mais íntimas do que as dos indivíduos. Pois o homem, no fundo, não tem nenhuma relação necessária com seus semelhantes, pode subsistir sem o concurso deles com todo vigor possível; não tem tanta necessidade dos cuidados do homem quanto dos frutos da terra; e a terra produz mais do que é necessário para nutrir seus habitantes. Some-se a isso o fato de que o homem tem um limite de força e de grandeza fixado pela natureza e que ele não poderia ultrapassar. Em qualquer sentido com que ele se observe, ele encontra todas suas faculdades limitadas. Sua vida é curta, seus anos são contados. Seu estômago não cresce com suas riquezas, suas paixões podem bem aumentar, seus prazeres têm sua medida, seu coração é limitado como todo o resto, sua capacidade de gozar é sempre a mesma. Ele pode bem elevar-se em ideia, mas permanece sempre pequeno.
O Estado, ao contrário, sendo um corpo artificial, não tem nenhuma medida determinada, a grandeza que lhe é própria é indefinida, ele pode sempre aumentá-la, ele se sente fraco enquanto existir outros mais fortes do que ele. Sua segurança e sua conservação pedem que ele se torne mais poderoso que todos os seus vizinhos, ele não pode aumentar, alimentar e exercer suas forças senão à custa deles e, se não há necessidade de procurar sua subsistência fora de si mesmo, ele procura sem cessar novos membros que lhe deem uma consistência mais inabalável. Pois a desigualdade dos homens tem limites impostos pelas mãos da natureza, mas aquela das sociedades pode crescer incessantemente, até que uma só absorva todas as outras.
Assim, sendo o tamanho do corpo político puramente relativo, ele é forçado a se comparar sem cessar para se conhecer; ele depende de tudo que o cerca e deve se interessar por tudo o que acontece, pois, mesmo que ele queira se manter dentro de si mesmo sem nada ganhar nem perder, tornase pequeno ou grande, fraco ou forte, segundo o seu vizinho se estenda ou se reduza e se reforce ou se enfraqueça. Enfim, sua solidez mesma, tornando suas relações mais constantes, confere um efeito mais seguro a todas as suas ações e torna todas as suas querelas mais perigosas.
Parece que se tomou a tarefa de inverter todas as verdadeiras ideias das coisas. Tudo leva o homem natural ao repouso: comer e dormir são as únicas necessidades que ele conhece e somente a fome o arranca da preguiça. Fez-se dele um furioso sempre pronto a atormentar seus semelhantes por paixões que ele desconhece totalmente; pelo contrário, essas paixões exaltadas no seio da sociedade por tudo o que pode inflamá-las passam por não existir. Mil escritores ousaram dizer que o corpo político não tem paixões e que ele não tem outra razão de estado que a razão mesma. Como se não se visse, ao contrário, que a essência da sociedade consiste na atividade de seus membros e que um Estado sem movimento seria apenas um corpo morto. Como se todas as histórias do mundo não nos mostrassem que as sociedades mais bem constituídas são as mais ativas; e, seja interna ou externamente, a ação e a reação contínua de todos os seus membros carregam o testemunho do vigor do corpo inteiro.
A diferença da arte humana para a obra da natureza se faz sentir nos seus efeitos: os cidadãos podem bem tentar nomear-se membros do Estado, eles não poderiam se unir a ele tal como os verdadeiros membros são unidos ao corpo. É impossível fazer com que cada um deles não tenha uma existência individual e separada, pela qual ele possa bastar à sua própria conservação; os nervos são menos sensíveis, os músculos têm menos vigor, todos os laços são mais frágeis e o menor acidente pode desunir tudo.
Que se considere quanto, na agregação do corpo político, a força pública é inferior à soma das forças particulares, quanto há, por assim dizer, de atrito no funcionamento de toda máquina e se perceberá que, guardada toda proporção, o homem mais débil tem mais força para sua própria conservação do que o Estado mais robusto tem para a sua.
É preciso então, para que este estado subsista, que a vivacidade de suas paixões supra àquela de seus movimentos, e que sua vontade se anime tanto quanto seu poder se afrouxe. É a lei de conservação que a natureza mesma estabelece entre as espécies e que as mantém todas, apesar de sua desigualdade. É também, para dizer brevemente, a razão pela qual os pequenos Estados têm proporcionalmente mais vigor que os grandes, pois a sensibilidade pública não aumenta com o território: mais ele se estende, mais a vontade se arrefece, mais os movimentos se enfraquecem, e esse grande corpo sobrecarregado com seu próprio peso se prostra, se enlanguesce e definha.
[14]Após ter visto a terra cobrir-se de novos Estados, após ter descoberto entre eles uma relação geral que tende à sua destruição mútua, resta-nos ver em que consiste precisamente sua existência, seu bem-estar e sua vida, a fim de encontrar, em seguida, por quais gêneros de hostilidades eles podem se atacar e se destruir um ao outro.
É do pacto social que o corpo político recebe a unidade e o eu comum; seu governo e suas leis tornam sua constituição mais ou menos robusta, sua vida está no coração dos cidadãos, sua coragem e seus costumes tornamna mais ou menos durável. As únicas ações que ele comete livremente e que se podem imputar-lhe são ditadas pela vontade geral e é pela natureza dessas ações que se pode julgar se o ser que as produziu é bem ou mal constituído.
Assim, enquanto existir uma vontade comum de observar o pacto social e as leis, esse pacto subsiste ainda, e, enquanto esta vontade se manifesta por atos exteriores, o Estado não está totalmente aniquilado. Mas, sem cessar de existir, ele pode se encontrar num ponto de vigor ou de definhamento, forte ou fraco, são ou doente, e tendendo a se destruir ou se afirmar. Seu bem-estar pode aumentar ou se alterar de uma infinidade de maneiras, quase todas dependem dele. Esse imenso detalhe não diz respeito ao meu assunto, mas eis aqui o sumário do que se relaciona com ele.
Ideia Geral da Guerra de Estado a Estado
O princípio de vida do corpo político e, se podemos dizer assim, o coração do Estado é o pacto social pelo qual, tão logo o ferimos, no mesmo instante ele morre, cai e se dissolve, mas esse pacto não é de forma alguma uma carta magna em pergaminho que basta rasgar para destruí-lo: ele está escrito na vontade geral e é aí que não é fácil anulá-lo. Não podendo então de início dividir o todo, atingimo-lo em suas partes. Se o corpo é invulnerável, ferimos os seus membros para enfraquecê-lo. Se não podemos tirar-lhe a existência, alteramos ao menos seu bem-estar; se não podemos chegar à sede da vida, destruímos o que a mantém: atacamos o governo, as leis, os costumes, os bens, as posses, os homens, é bem certo que o Estado pereça, quando tudo que o mantém é aniquilado.
Todos esses meios são empregados ou podem sê-lo na guerra de uma potência contra outra, e eles são ainda, frequentemente, as condições impostas pelo vencedor para continuar prejudicando o vencido desarmado.
Pois o objetivo de todo mal que se faz a seu inimigo pela guerra é forçálo a aceitar que lhe seja feito ainda mais mal com a paz. Não há nenhum desses tipos de hostilidades de que a história não nos forneça exemplos. Eu não tenho necessidade de falar das contribuições pecuniárias, em mercadorias ou em víveres, nem do território subtraído, nem dos habitantes transplantados. O tributo anual de homens não é nem mesmo uma coisa rara. Sem remontar a Minos e aos atenienses, sabe-se que os imperadores do México não atacavam seus vizinhos senão para ter cativos a sacrificar, e, nos dias de hoje, as guerras dos reis da Guiné entre si e seus tratados com os povos da Europa não têm por objetivo senão os tributos e o tráfico de escravos. Que o fim e o efeito da guerra não sejam, algumas vezes, senão alterar a constituição do Estado inimigo, isso não é tão mais difícil de justificar. As Repúblicas da Grécia se atacavam menos entre elas para tirar-se mutuamente a liberdade do que para mudar a forma de seu governo, e não mudavam o governo dos vencidos senão para melhor mantê-los sob sua dependência. Os Macedônicos e todos os vencedores de Esparta sempre fizeram grande questão de abolir aí as leis de Licurgo, e os Romanos acreditavam não poder conferir uma marca maior de clemência a um povo submetido do que deixar-lhe suas próprias leis. Sabe-se ainda que era uma máxima de sua política fomentar entre seus inimigos e afastar de seu próprio meio as artes afeminadas e sedentárias que arrebatam e amolecem os homens. Deixemos aos Tarentinos seus deuses irritados, dizia Fábio, incitado a levar a Roma as estátuas e os quadros que ornavam Tarento, e se imputa justamente a Marcelo a primeira decadência dos costumes romanos por não ter seguido a mesma política em Siracusa. Tanto é verdade que um conquistador hábil prejudica algumas vezes mais aos vencidos pelo que lhes deixa do que pelo que lhes retira e que, ao contrário, um ávido usurpador se prejudica frequentemente mais do que a seu inimigo pelo mal que ele lhe faz imprudentemente. Essa influência dos costumes sempre foi vista como muito importante pelos príncipes verdadeiramente esclarecidos. Todo o sofrimento que Ciro impôs aos Lídios revoltados foi uma vida mole e afeminada, e a maneira que empregou o tirano Aristodemo para manter os habitantes de Cumes em sua dependência é muito curiosa, para não nos reportarmos a ela.
Esses exemplos são suficientes para dar uma ideia dos diversos meios pelos quais se pode enfraquecer um estado e aqueles cujo uso a guerra parece autorizar para prejudicar a seu inimigo. Com relação aos tratados nos quais quaisquer um desses meios são as condições, o que são no fundo tais tipos de paz, senão uma guerra continuada com tanto mais crueldade, visto que o inimigo vencido não tem mais o direito de se defender? Falarei disso em outro lugar.
Juntem-se a tudo isso os testemunhos sensíveis de má vontade, que anunciam a intenção de prejudicar tanto quanto de recusar a uma potência os títulos que lhe são devidos, de desconhecer seus direitos, rejeitar suas pretensões, de tirar a seus súditos a liberdade de comércio, de lhe suscitar inimigos, enfim, de infringir junto a ele o direito das gentes sob qualquer pretexto que possa ser.
Essas diversas maneiras de ofender um corpo político não são todas nem igualmente praticáveis, nem igualmente úteis àquele que as emprega, e aquelas das quais resultam ao mesmo tempo nossa própria vantagem e o prejuízo do inimigo são naturalmente preferidas. A terra, o dinheiro, os homens e todos os despojos de que se pode apropriar-se se tornam assim os principais objetivos das hostilidades recíprocas, e esta baixa avidez, mudando insensivelmente as ideias das coisas, a guerra, enfim, degenera em pilhagem, e de inimigos e guerreiros tornamo-nos pouco a pouco Tiranos e ladrões.
Com medo de adotar aqui, sem pensar, essas mudanças de ideias, fixemos de início as nossas por uma definição e tratemos de torná-las tão simples que seja impossível abusar delas.
Chamo então guerra de potência à potência o efeito de uma disposição mútua constante e manifesta de destruir o Estado inimigo, ou ao menos de enfraquecê-lo por todos os meios possíveis. Essa disposição reduzida a atos é a guerra propriamente dita; enquanto ela restar sem efeito, não é senão o estado de guerra.
Prevejo uma objeção: visto que, em meu entender, o estado de guerra é natural entre as potências, por que a disposição que resulta da guerra tem a necessidade de ser manifestada? A isso respondo o que falei há pouco do estado natural, que falo aqui do estado legítimo, e que farei ver logo adiante como, para torná-lo tal, a guerra necessita de uma declaração.
Distinções fundamentais
Rogo aos leitores não esquecerem de jeito nenhum que eu não procuro o que torna a guerra vantajosa àquele que a faz, mas o que a torna legítima. E quase sempre há um custo em ser justo. Estaremos, por isso, dispensados de sê-lo?
Se jamais tivesse havido nem pudesse haver verdadeira guerra entre particulares, quem são então aqueles entre os quais ela ocorre e que podem chamar-se realmente de inimigos? Respondo que são as pessoas públicas. E o que é uma pessoa pública? Respondo que é esse ser moral que se chama soberano, a quem o pacto social deu existência e cujas vontades portam o nome de leis. Apliquemos aqui as distinções precedentes; pode-se dizer dos efeitos da guerra que é o soberano que causa o dano e o estado que o recebe.
Se a guerra não tem lugar senão entre seres morais, não se visa de maneira nenhuma aos homens, e pode-se fazê-la sem tirar a vida de ninguém. Mas isso requer explicação.
Ao considerar apenas as coisas conforme o rigor do pacto social, a terra, o dinheiro, os homens e tudo o que está compreendido nos limites do Estado lhe pertence sem reserva. Mas os direitos da sociedade fundados sobre aqueles da natureza, não podendo aniquilá-los, todos esses objetos devem ser considerados sob uma dupla relação, a saber, o solo como território público e como patrimônio dos particulares, os bens como pertencendo em certo sentido ao soberano e noutro aos proprietários, os habitantes como cidadãos e como homens. No fundo, o corpo político, não sendo senão uma pessoa moral, é apenas um ser de razão. Tire a convenção pública e, no mesmo instante, o ser é destruído sem a menor alteração em tudo o que o compõe; e jamais todas as convenções dos homens poderiam mudar nada na física das coisas. O que é, então, fazer guerra ao soberano; é atacar a convenção pública e tudo o que dela resulta; pois a essência do Estado consiste apenas nisso. Se o pacto social pudesse ser rompido com um só golpe, no mesmo instante não haveria mais guerra, e com esse único golpe o Estado seria morto, sem que tivesse de morrer um só homem. Aristóteles diz que, para autorizar os cruéis tratamentos que se fazia sofrer em Esparta aos Ilotas,os Éforos, entrando em ação, lhes declaravam solenemente a guerra. Essa declaração era tão supérflua quanto bárbara. O estado de guerra subsistia necessariamente entre eles pelo simples fato de que uns eram os mestres e os outros, os escravos. Não é duvidoso que, dado que os Lacedemônios matavam os Ilotas, os Ilotas não estivessem no direito de matar os Lacedemônios.
Fragmentos sobre a Guerra
A
[R16f°72r° - 71 v°]
Graças a
Deus ele não se vê mais nada parecido com isso entre os Europeus.
Ter-se-ia horror de um príncipe que fizesse massacrar seus prisioneiros;
indignamo-nos inclusive contra aqueles que os tratam mal e estas máximas
abomináveis que degradam a humanidade que revoltam a razão e com
as quais a humanidade está horrorizada fazem estremecer a humanidade não
são mais conhecidas senão pelos Jurisconsultos, que fazem delas tranquilamente
a base de seus sistemas Políticos e que em lugar de nos mostrar os governos
a autoridade soberana como a fonte da felicidade dos homens ousam nos
mostrá-la como o suplício no qual se permutou para eles a pena de morte
dos vencidos.
Os jurisconsultos deixaram esta matéria em uma confusão...
Por pouco
que se avance marche de consequência em consequência o erro do
Princípio se faz sentir a cada passo: e se termina vê por toda parte que
em esta uma tão temerária decisão os não se consultou mais
a razão do que a natureza. Eu não me deterei Eu não procurarei de modo algum
conciliar a obrigação Eu não Se eu quisesse aprofundar a natureza a
noção de estado de guerra eu demonstraria facilmente que ele não pode
resultar senão do livre consentimento das partes beligerantes, que se um quer
atacar e que o outro não quer se defender não existe de maneira nenhuma
estado de guerra mas somente violência e agressão. Mas que tão logo que
o estado de guerra tendo sido estabelecido pelo livre consentimento das
partes, este livre e mútuo consentimento é tão necessário para terminá-lo
restabelecer a paz e que, a menos que um das partes dos adversários
não seja aniquilado a guerra não pode terminar entre eles senão no momento
no instante em que todos os dois em liberdade declarem que renunciam a
ela de maneira que os mestres continuam apesar de ser que em
virtude da relação do mestre com o escravo eles continuam e mesmo apesar
deles a estar sempre em estado de guerra. Eu poderia examinar colocar
em questão se os consentimentos forçados os compromissos arrancados pela
violência e sob risco da vida são obrigações para aquele que os tenha
contratado, eu poderia fazer ver que as o cumprimento de todas as
promessas arrancadas pela força e para preservar sua vida evitar
a morte são obrigatórias podem ser exigidas no estado de liberdade, e
se as promessas de um prisioneiro para seu mestre arrancadas sob pena da vida
podem jamais ter outra força pode existir nestas promessas e se todas
aquelas que o prisioneiro fez faz a seu mestre neste
estado para salvar sua vida para evitar a morte podem
significar outra coisa do que isto. Eu prometo obedecer-lhe por todo o tempo
que vós fordes em que sendo o mais forte e que vós não atentares
contra minha vida.
E tem mais.
Não seria o último absurdo que as promessas Que me digam quais das
promessas solenes e irrevogáveis devem prevalecer, feitas com quem nos
prende à aquelas feitas com a pátria em plena liberdade ou
aquelas que o inimigo vencedor pode nos extorquir pelo medo da morte o
terror da morte nos fará contratar com o inimigo vencedor. Se Mas eis-me
entre duas promessas examinais Qual é O pretenso direito de
escravidão sobre ao qual são assujeitados os prisioneiros [de]
guerra não possui limites. Os jurisconsultos o decidem formalmente. Não há
nada, diz Grotius, que não se possa impunemente fazer sofrer a tais escravos.
Não existe nenhuma ação que não se possa lhes ordenar, ou à qual não se possa
lhes obrigar por qualquer maneira que seja. Mas se os isentando de mil
tormentos nos contentamos em exigir que eles portem as armas contra seu país e
ajudem a massacrar seus concidadãos. [R 16 f° 71v°] Eu pergunto qual dos
juramentos eles devem cumprir, o que eles fizeram livremente à sua pátria ou
aquele que o inimigo lhe vêm de arrancar à sua fraqueza. Desobedecerão
eles a seus mestres legítimos ou massacrarão seus concidadãos?
Eu estou
certo que haverá pessoas que Que se ouse Talvez ousem dizerme que o estado de escravidão
assujeitando os prisioneiros a seu novo mestre, eles mudam de estado
no mesmo instante de pátria e que se tornando súdito de seu novo
soberano eles renunciam à sua antiga pátria.
Ainda que
mil povos ferozes tivessem massacrado seus prisioneiros, e que mil Doutores assujeit
vendidos à Tirania tivessem justificado desculpado estes crimes,
que importa à verd à justiça verdade o erro dos homens, e sua barbárie à
justiça? Não busquemos de forma alguma o que se fez, mas o que se deve fazer nem
as autoridades e rejeitemos as vis e mercenárias autoridades que não
tendem senão a tornar os homens escravos, malvados escravos e
infelizes.
B
[R 16 f° 62v° - 63v – 64r°]
Parece por
diversos traços da hist. Rom. e entre outros pelo de Attilius Regulus, que os
Rom. que caíam entre as mãos do inimigo se viam como se tivessem sido
destituídos dos direitos de cidadãos e naturalizados, por assim dizer
entre aqueles que os tinham como prisioneiros. Mas esta máxima absurda não
existia senão em sua opinião e não se vê jamais os na conduta de homens
virtuosos que possam confirmá-la não se percebe nada que se
relacione com isso na conduta destes homens virtuosos. Regulus mesmo, que se
dizia Cartaginês e que recusava ocupar seu lugar seu status no
Senado de Roma, fala aí sustenta bastante mal o partido tão
contrariamente aos interesses de sua nova pátria e contra as instruções de
seus mestres que se fosse verdade que ele foi obrigado a ser-lhes fiel e a
obedecer suas ordens, a mais sublime das ações humanas não seria mais do que o
crime de um traidor e seria dever-se-ia com justiça aprovar o suplício
atroz que lhe impuseram os ferozes Cartagineses em punição à sua desobediência.
Além
disso O vencedor não
tendo estando mais no direito de fazer esta ameaça a seus cativos
do que de executá-la, o efeito não poderia ser legítimo. Em segundo
lugar, se alguma vez o juramento foi nulo por ser extorquido pela força
pôde ser considerado nulo, é sobretudo aquele que nos submete ao compromisso
mais vasto que os homens possam contrair e que por consequência supõe a mais
perfeita liberdade naqueles que o contratam. O juramento anterior que
nos liga a pátria anula tanto mais evidentemente melhor em semelhante
caso aquele que nos submete de novo a um outro soberano visto que o
primeiro foi contratado em plena liberdade e o outro o segundo a
ferros. Para julgar se podemos constranger um homem a se fazer naturalizar em
um estado estrangeiro é preciso sempre remontar à questão primeira
essencial e primordial das sociedades políticas, que é a felicidade dos povos. Ora,
repugna [R16 64r°] à lei da razão dizer a um homem outra pessoa: eu
quero que vós sejais feliz de forma diversa da que vós mesmo quereis.
Se não se pode
C
[R16f° 63r° - v°]
Para
conhecer exatamente quais são os direitos da guerra, examinemos com cuidado a
natureza da coisa e não admitamos por verdadeiro senão o que dela se deduz
necessariamente. Que dois homens se batam no estado de natureza eis a guerra
excitada entre eles. Mas por que eles se batem? É para devorarem-se um ao
outro? Isso não acontece entre os animais senão entre as diferentes espécies.
Entre os homens assim da mesma forma que entre os Lobos o objeto da
querela é sempre inteiramente estranho à vida dos combatentes. Pode muito bem
acontecer que um dos dois pereça no combate, mas então sua morte é o meio e não
o objetivo da vitória, pois tão logo o vencido cede, o vencedor se coloca em
posse se apodera da coisa contestada o combate cessa e a guerra
termina.
É preciso
observar que o estado social acumulando em torno de nós uma multidão de coisas
que nos interessam dizem mais respeito às nossas fantasias do que às
nossas necessidades e que nos eram naturalmente indiferentes, a maioria das
causas da guerra tornam-se ainda muito mais estranhas à vida dos homens
do que no estado de natureza e que isto chega seguidamente ao ponto em que os
particulares se preocupam muito pouco com os resultados da guerra pública.
Pega-se em armas para disputar poder, riquezas, ou consideração e o objeto da
querela se encontra enfim tão longe da pessoa dos Cidadãos que eles não ficam
nem melhor nem pior por serem vencedores ou vencidos. Seria bem estranho que
uma guerra assim constituída tivesse qualquer relação com sua vida e que as
pessoas se acreditassem no direito de matar de degolar homens somente
para mostrar que são mais fortes do que eles.
Mata-se para vencer, mas não existe homem tão feroz que busque a vitória para poder matar.
[R 16 f° 63
v°] Agora que o estado de natureza foi abolido entre nós, a guerra não existe
mais entre os particulares e todo homem os homens que por sua
própria vontade atacam outros mesmo após ter recebido deles qualquer injuria
não são vistos como inimigos mas como verdadeiros bandidos. Isto é tão
verdadeiro que aquele que um sujeito que tomando ao pé da letra
os termos de uma declaração de guerra quisesse sem patente nem cartas de
autorização lançar-se sobre os inimigos de seu Príncipe seria punido ou deveria
sê-lo.
Fragmentos Anexos
[R 16 f° 73 v°]
Não é senão
senão um Povo que tenha adquirido em povos tranquilamente
estabelecidos depois de muito tempo que se pode imaginar fazer com
pessoas guerreiras uma classe à parte dos outros cidadãos da guerra um
verdadeiro oficio à parte e das pessoas que a executam, uma classe particular:
Em todos os um Povo novo onde o interesse comum encontra-se ainda em
todo o seu vigor, todos os cidadãos são soldados em tempo de guerra e todos
os soldados tornam-se não existem mais soldados em tempo de paz. Este é
um dos melhores indícios da juventude e do vigor do estado de uma nação.
É preciso necessariamente que homens sempre armados sejam por sua própria
condição os inimigos de todos os outros, de maneira que as Tropas que um
Estado se enfraquece a todos os respeitos pela manutenção do que se chama
forças não se emprega jamais estas forças artificiais no momento
senão como um remédio contra o enfraquecimento interior e as primeiras
tropas regulares são de certa forma as primeiras rugas que anunciam a
decrepitude iminente do governo.
[MS. G, f° 72 v°]
Mas é claro
que este pretenso direito de matar o vencido não decorre de maneira alguma do
estado de guerra. A guerra não é uma relação de homem a homem entre
os homens de homem a homem mas entre as potências que aquela que
tem por fim a destruição do Estado inimigo e nas quais os particulares não
são inimigos senão acidentalmente e enquanto eles peguem em armas como
soldados e não e menos como cidadãos do que como soldados. Aqueles
A pessoa O povo O estrangeiro que pilha rouba, pilha e detém os povos
súditos sem declarar a guerra ao príncipe não são não é um
inimigo são não senão é um bandido s, e mesmo em plena
guerra um príncipe justo e sábio apodera-se no país inimigo de tudo o
que pertence ao Príncipe ao público, mas respeita a pessoa e os bens
particulares, ele respeita os direitos sobre os quais está fundado seu
próprio poder. O objetivo da guerra é a destruição do Estado inimigo;
tem-se o direito de matar um seus defensores enquanto eles estiverem de
armas na mão mas tão logo eles as depõem e se rendem não são mais cessam
de ser inimigos eles são homens ou antes instrumentos do inimigo
e não se têm mais direito sobre suas vidas. Pode-se pode por assim
dizer matar o Estado sem que isso custe a vida de matar um
único de seus membros. Ora a guerra não pode dár nenhum direito
que não seja necessário a seu fim.
ABSTRACT: Rousseau’s Principles of the Right of War were meant to be placed in the second part of the greatest work planned by him, which would have been called Political Institutions. In this text, Rousseau develops a thorough analysis concerning the right of war, in order to oppose the positions stated by Hobbes and Grotius, which, according to him, did everything they could to please the powerful and deprive the peoples of their rights, favoring despotism and violence.
KEYWORDS: Principles of the Right of War. Rousseau. Political Institutions.
Bibliografia
FONSECA Jr, G. As múltiplas dimensões do Pensamento de Rousseau (Prefácio). In: ROUSSEAU, J.-J. Rousseau e as relações internacionais. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
GAGNEBIN, B. Notice. In: ROUSSEAU, J.-J. Oeuvres complètes. Paris:
Bibliothèque de la Pléiade, 1964. t. III, p. 1899.
HOFFMANN, S.; FIDLER, D. Rousseau on international relations. Clarendon Press, Oxford, 1991.
ROOSEVELT, G. G. A reconstruction of Rousseau's Fragments on the State of War. History of Political Thought, Exeter, v. 8, n. 1, p. 225-244, 1987.
ROUSSEAU, J.-J. Confessions. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1959-1995. (Oeuvres complètes, t. I, 1959; t. II, 1964; t. III, 1964; t. IV, 1969; t.V, 1995).
______. Do contrato social. In: ROUSSEAU, J.-J. Obras J.J. Rousseau. Tradução de Lourdes Santos Machado. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1962. v. II.
______. Emílio: ou da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
______. O estado de guerra nascido do estado social. Tradução de Sérgio Bath. In: ROUSSEAU, J.-J. Rousseau e as relações internacionais. Prefácio de Gelson Fonseca Jr. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
______. Principes du droit de la guerre. Texte établi par Bruno Bernardi et Gabriela Silvestrini. Annales de la Société J.-J. Rousseau, Genève, t. XLVI, p. 201-280, 2005.
______. Principes du droit de la guerre. Ecrits sur la paix perpétuelle. Sous la direction de Blaise Bashofen et Céline Spector. Edition nouvelle et présentation de l'établissement des textes par Bruno Bernardi et Gabriella Silvestrini. Textes commentés par B. Bascofen, B. Bernardi, F. Guénard et C. Spector avec la collaboration de G. Lepan et . G. Waterlot. Paris: Librairie Philosophique J. VRIN, 2
[1] Pós-Doutor pela USP. Professor do Departamento de Filosofia da UFS. Membro do NEPHEM – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da História e Modernidade. A presente tradução foi revisada pelo Prof. Dr. Ricardo Monteagudo, da UNESP. As sugestões de tradução bem como as proveitosas conversas que tive com o professor Ricardo Monteagudo contribuíram imensamente para esta tradução e para a minha compreensão do presente texto.
[2] ROUSSEAU, Confessions, OC, I, p. 405.
[3] ROUSSEAU, Confessions, OC, I, p. 516.
[4] Utilizamos aqui o volume III das OC. de Rousseau, reimpressas no ano de 1996. O texto Guerre et État de Guerre figura da p. 1899 até a 1904.
[5] Ver GAGNEBIN, B. Notice. In: ROUSSEAU, OC, III, p. 1899.
[6] Principes du droit de la guerre. Écrits sur la paix perpétuelle. Sous la direction de Blaise Baschofen et Céline Spector. Edition nouvelle et présentation de l’établissement des textes par Bruno Bernardi et Gabriella Silvestrini. Textes commentés par B. Baschofen, B. Bernardi, F. Guénard et C. Spector avec la collaboration de G. Lepan et . G. Waterlot. Paris: Librairie Philosophique J. VRIN, 2008. p. 69-81.
[8] Rousseau e as relações internacionais. Prefácio de Gelson Fonseca Júnior. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
[9] HOFFMANN, S.; FIDLER, D. Rousseau on international relations. Oxford: Clarendon Press, 1991.
[10]
Esta frase é que permitiu aos editores Bernardi e Silvestrini alcançarem a
certeza de que os manuscritos (G) e (N) eram partes de um mesmo texto. Vejamos
a disposição da frase, nos dois manuscritos: no final da página 5 do manuscrito
(N), encontra-se a frase: “Mas antes de entrar nesta discussão , tratemos de
explicar o que”, interrompida e com o final riscado. E, no começo do
manuscrito (G), antes do título O que é o Estado de Guerra?, encontra-se
o fragmento de frase “[...] de fixar a ideia que se deve ter do esta palavra
estado de guerra.” A frase recomposta adquire a seguinte estrutura: “Mas antes
de entrar nesta discussão , tratemos de explicar o que de fixar a
idéia que se deve ter do esta palavra estado de guerra.” E,
imediatamente após essa frase, encontra-se o título O que é o Estado de
Guerra?. Sublinhamos a frase acima, devido à importância da mesma para a
reconstituição do texto ora apresentado. (Nota do Tradutor).
[11] Este é o último parágrafo do texto Guerra e Estado de Guerra tal como é exposto no volume III das Obras Completas de Rousseau na edição da Pléiade. ROUSSEAU, OC, III, p. 1904. (Nota do Tradutor)
[12] “Assim, esse método analítico não oferece à razão senão abismos e mistérios, onde o mais sábio compreende o menos sábio. Que se pergunte por que os costumes se corrompem à medida que os espíritos se esclarecem, não podendo encontrar sua causa terão o atrevimento de negar o fato. Que se pergunte por que os selvagens transportados para o nosso meio não partilham nem nossas paixões nem nossos prazeres e não se preocupam nada com o que desejamos com tanto ardor. Eles não lhes explicarão jamais ou só explicarão por meus princípios. Eles só conhecem o que veem e jamais viram a natureza. Eles sabem muitíssimo bem o que é um Burguês de Londres ou de Paris, mas não saberão jamais o que é um homem”. [Nota de Rousseau]. Esta nota corresponde ao último parágrafo do texto Que o Estado de Guerra Nasce do Estado Social, exposto na edição das Obras Completas de Rousseau. ROUSSEAU, OC, III, p. 612. (Nota do Tradutor)
[13] Este é o primeiro parágrafo do texto Que o Estado de Guerra Nasce do Estado Social tal como aparece nas Obras Completas de Rousseau, na edição da Pléiade. ROUSSEAU, OC, III, p. 601. (Nota do Tradutor).
[14] Este é o primeiro parágrafo do texto Guerra e Estado de Guerra tal como é exposto no volume III das Obras Completas de Rousseau, na edição da Pléiade. ROUSSEAU, OC, III, p. 1899. (Nota do Tradutor)