AS DUAS ONTOLOGIAS CRÍTICAS DE FOUCAULT: DA TRANSGRESSÃO À ÉTICA[1]
Diogo Sardinha[2]
RESUMO: Sob a inspiração de Bataille, Foucault propõe, em 1963, uma ontologia crítica fundada na ideia de transgressão. Esta não é nem uma atitude, nem um comportamento, e não pertence por conseguinte nem ao domínio da ética, nem ao da moral. Pelo contrário: a transgressão é um acontecimento do ser que ocorre nos limites do ser, acontecimento no qual esses limites são simultaneamente violados, revelados e abolidos. Vinte anos mais tarde, depois de seu regresso à antiguidade clássica, Foucault propõe uma outra ontologia crítica, que se apoia desta vez sobre a ética. Em ambos os casos, trata-se de pensar o ser e os limites. Porém, a transgressão despedaça o sujeito, ao passo que a ética o molda e o protege.
PALAVRAS-CHAVE: Ontologia. Crítica. Ética. Limites. Sujeito
Os últimos textos de Foucault sobre ética, publicados em 1984, contrastam profundamente com aquilo que ele havia escrito, durante a primeira metade dos anos 1960, sob a influência de escritores como Bataille. No início, em seus textos inspirados na literatura, a transgressão colocava o sujeito em perigo, talvez mesmo ela o despedaçasse; vinte anos mais tarde, a busca da medida e as exigências de austeridade contribuíram para formar um novo sujeito e protegê-lo.
Não é de se admirar, pois, que uma leitura dos dois últimos volumes da História da Sexualidade abra diante de nós um universo tão diferente daquele que Foucault nos havia oferecido, a partir da experiência literária. A atenção que, no início dos anos 1960, ele deu às obras de escritores como Roussel, Blanchot, Bataille e Artaud o levou a considerar o sujeito como uma instância não mais a formá-lo e a protegê-lo, mas a supliciá-lo e destruílo. Reencontra-se assim, na literatura, a face violenta de uma desaparição do homem da qual, alguns anos mais tarde, a arqueologia das ciências humanas nos desvelará a face positiva e serena. Todavia, ao mesmo tempo, a ética, capital para o último Foucault, era entrevista segundo duas perspectivas distintas e, até um certo ponto, opostas: ela era compreendida, por uma parte, como temperança e equilíbrio e, por outra, como escândalo e subversão. E a primeira característica comum a essas perspectivas estava no fato de que Foucault recusava ambas.
Os limites do ser e sua relação à ética
Tão estranho quanto isso possa parecer, a experiência literária do começo dos anos sessenta e o deslocamento para a antiguidade, próprio aos anos 1980, pertencem a um mesmo universo problemático, que se poderia chamar de limites do ser e de sua relação à ética.
Com efeito, a atenção do último Foucault a esses três termos (limites, ser e ética) não é nenhuma novidade, no seu percurso. Sem dúvida, ela adquire uma forma original nos dois últimos volumes da História da Sexualidade. Porém, é suficiente invocar a História da Loucura, para constatar que as crises e os reajustamentos do “mundo ético” tanto quanto as “experiências éticas” da desrazão e do erro se ligam intimamente, nesse livro, às partilhas constantes estabelecidas tanto entre os sensatos e os insensatos, como entre as exclusões e inclusões que, no seu conjunto, não são mais que um trabalho sobre as fronteiras exteriores e interiores da sociedade ocidental. Em uma palavra, a curiosidade em relação à ética e à fixação dos limites está longe de constituir, no trabalho de Foucault, uma novidade no seu retorno aos gregos.
Se esta análise é exata, isso significará que a ética extraída dos antigos representa uma ruptura com o mundo literário do despedaçamento do sujeito. A palavra ruptura talvez não seja ainda a melhor para designar o que se aparenta mais a um silêncio que caiu sobre os escritores do século XX. De fato, não se tratou nunca de uma ruptura explícita: Foucault não oporá esses dois universos, nem renegará o primeiro em proveito do segundo. Em troca, escrever apenas sobre esses escritores implicava, muito provavelmente, recusar a ética; pelo menos, tal parece ter sido o caso de Foucault.
Inversamente, interessar-se pela ética conduz talvez à renúncia a uma experiência, da qual esses escritores foram testemunhas. Distinguem-se, pois, nitidamente, dois momentos da reflexão foucaultiana sobre a ética: o primeiro, no início dos anos 1960, que a descarta; o segundo, no princípio dos anos 1980, que a aceita. Esses dois momentos parecem partilhar uma preocupação ou um problema comuns, e não podem por isso estar em contradição. Seria mais justo falar de oposição. Mas, de que maneira exatamente eles se opõem? Pode-se verdadeiramente compreendê-los como tomadas de posição sobre o mesmo terreno problemático?
Pode-se formular da seguinte maneira a hipótese que nos guiará aqui: é verdade que a busca das relações de si a si está na contracorrente da teoria da transgressão e do suplício do sujeito; isso não quer dizer que tal busca e tal teoria não se inscrevam, ambas, numa problemática comum.
Para submeter essa hipótese à prova da leitura, será tomado um texto exemplar sobre Bataille, publicado em 1963 e intitulado “Prefácio à transgressão”. Foucault esboça aqui uma teoria que separa de modo peremptório a ética e a transposição de limites.[3] Num mesmo gesto, ele elabora os rudimentos de “um pensamento que seria absolutamente e no mesmo movimento, uma crítica e uma ontologia, um pensamento que pensaria a finitude e o ser”.4 Esses dois pontos garantiriam que se está sobre o mesmo terreno do retorno ao mundo grego, onde a finitude e o ser serão as chaves de uma ética definida como modo de “fixar o que se é”.
Não obstante, na experiência de Bataille, a ética está descartada com um gesto da mão, ao mesmo tempo em que os limites são sempre considerados como fronteiras voltadas para fora. Daí um contraste gritante entre a transgressão como ultrapassagem para um além-de e a austeridade antiga como um retraimento para o aquém-de. Vejamos, pois, se uma leitura do “Prefácio...” nos permite medir exatamente o afastamento entre o início dos anos 1960 e o começo dos anos 1980. Talvez isso nos ajude a compreender como a sabedoria antiga responde à voz, neste entretempo tornada muda, da transgressão moderna encarnada por Bataille.
A recusa da ética, compreendida como escândalo e subversão
O “Prefácio à transgressão” assinala uma tarefa para a filosofia: ela deve acolher e levar mais longe a experiência moderna dos limites e sua ultrapassagem. Kant inaugurou a crítica como estudo dos domínios legítimos da razão. No mesmo momento, Sade descobriu a sexualidade como “profanação num mundo que não reconhece mais um sentido positivo ao sagrado”.[4] Conjuntamente, eles nos legaram “uma experiência essencial a nossa cultura [...] uma experiência da finitude e do ser, do limite e da transgressão”.[5] Designado como singular e decisivo,[6] esse modo de experienciar nossas relações ao ser é, para Foucault, o que há nos nossos dias para pensar, se, em todo caso, queremos explorar as vias do excesso, da sexualidade e da morte, que Bataille, Blanchot e Klossowsky abriram para nós.[7] Desde que os escritores do século XX nos levaram ao ápice do erotismo, entendido como “uma experiência da sexualidade que liga, por ela mesma, a ultrapassagem do limite à morte de Deus”[8] , toda a dificuldade da filosofia consiste, doravante, em encontrar as condições que lhe permitirão prosseguir em um novo terreno as descobertas da literatura.
Relembremos de passagem que quatro meses antes da aparição do “Prefácio...” sobre Bataille, no número 195-196 da revista Critique, Jacques Lacan publicara, no número 191 da mesma revista, seu artigo “Kant com Sade”. Quase no mesmo momento que Foucault, portanto, Lacan notou a contemporaneidade dos dois autores iluministas e avançou a tese que tornou seu texto célebre: “A filosofia na alcova surge oito anos depois da Crítica da razão prática. Se, depois de ter visto frequentemente que é compatível com esta, demonstraremos que ela a completa, diremos que ela fornece a verdade da Crítica”.[9]
Assim como não separa Kant, pensador por excelência da legitimidade, de Sade, descobridor exemplar da profanação sem Deus, Foucault não saberia separar o limite da transgressão: eles só fazem sentido em conjunto. Eis aqui o ponto de partida do “Prefácio...”, que Foucault enuncia da seguinte maneira: “A transgressão é um gesto relativo ao limite; é aí, na tênue espessura da linha, que se manifesta o fulgor de sua passagem, mas talvez também sua trajetória na totalidade, sua própria origem. A linha que ela cruza poderia também ser todo o seu espaço”.[10] E, mais adiante: “O limite e a transgressão devem um ao outro a densidade de seu ser: inexistência de um limite que não poderia absolutamente ser transposto; vaidade em troca de uma transgressão que só transporia um limite de ilusão ou de sombra”.[11] O que é, é limitado. Em consequência, o ser só se desvela inteiramente no momento em que suas fronteiras aparecem em plena luz. Porém, Foucault dá mais um passo, que condensa a originalidade de sua investigação: as próprias fronteiras somente são inteiramente compreendidas no momento em que rasgadas pela luz e atravessadas. Desse modo, o atravessamento significa uma violação, mas a violação não é jamais em si, ela não existe fora do atravessar das fronteiras. Daí porque o conhecimento das linhas que definem um ser, até mesmo as que definem o Ser, não pode jamais ser adquirido por um trabalho conduzido unicamente a partir do interior: ele supõe um passar além dessas mesmas linhas, sua transgressão. Para o Foucault de 1963, não existe nem um limite intocável nem uma transgressão fora dos limites. Nem o limite, nem a transgressão são definitivos, ambos são provisórios. Nenhum possui sentido em si mesmo, mas apenas em função do outro.
Assinalamos, de passagem, que não se está aqui diante de um argumento; trata-se de uma constatação. Com efeito, trata-se, no “Prefácio...”, de encontrar o contexto ou o elemento comum no qual o pensamento e a literatura moderna encontram sua existência conjunta. Esse texto sobre Bataille é contrário a uma nostalgia do racionalismo e não se propõe nenhum retorno a um pensamento puramente crítico. Ao contrário, ele insiste que “o espaço a partir de então constante de nossa experiência”[12] é aquele onde vivem reunidas as fronteiras e sua violação. Tal concepção de um espaço comum pode, sem dúvida, parecer duvidosa, para não dizer paradoxal. A verdade é que para Foucault, assim como para Lacan, a “distância prodigiosa”[13] na qual se encontram formas de pensar tão opostas quanto as de Kant e Sade, medem “uma profunda coerência”. A nós cabe acolhê-la e fazê-la falar: “[...] é nela que é preciso fixar nossa atenção”.
Paralelamente, o esforço para encontrar a coerência da experiência moderna é comandado por um princípio distintivo: o princípio do excesso. Vê-se isso, de início, na importância concedida ao tema da profanação que, desde Sade até Bataille, passando por Nietzsche, se confunde com a transgressão, num mundo agora dominado pela ausência de Deus e mesmo por sua morte. Contudo, isso se constata, em seguida, no lugar concedido à desmesura de uma ultrapassagem que se “abre violentamente para o ilimitado”,[14] tanto quanto na descrição desse movimento como uma “pura violência”.[15] Além disso, o gesto de passar para além das fronteiras “afirma o ilimitado, no qual ela se lança”,[16] ao mesmo tempo em que se aprende que “nenhum limite pode retê-la”.[17] Enfim, desde que um limite é rompido, outros o substituem mais longe, porque “a transgressão rompe e não cessa de recomeçar a romper” novas linhas. Se essa força enfraquece[18] , é apenas temporariamente, até que um rebote a faça rasgar as fronteiras as quais, nesse meio tempo, se estabeleceram. O trabalho sobre os limites é assim percebido à luz da violência e do excesso, os únicos princípios que permitem pensar a interdependência das fronteiras e de sua transgressão.
Tendo compreendido isso, não se pode ainda, entretanto, compreender inteiramente a natureza da transgressão. Por exemplo, não se sabe em que medida a travessia violenta dos limites poderia ser tomada como uma tarefa a ser realizada. Em tal circunstância, quem deveria ou estaria habilitado a conduzir bem tal tarefa? Nesse ponto, o “Prefácio...” faz uma distinção crucial, que justifica toda a atenção que se presta a ele aqui: Foucault vai separar, sem ambiguidade, a transgressão e a ética, para, ao mesmo tempo, distanciar-se da ética. Consideremos suas palavras:
Essa existência tão pura e tão embaralhada, para tentar pensá-la, pensar a partir dela e no espaço em que ela abarca, é necessário desafogá-la das suas afinidades suspeitas com a ética. Libertá-la do que é escandaloso ou subversivo, isto é, do que é animado pela potência do negativo. A transgressão não opõe nada a nada, não faz nada deslizar no jogo da ironia, não procura abalar a solidez dos fundamentos; não faz resplandecer o outro lado do espelho para além da linha invisível e intransponível. É justamente porque ela não é violência num mundo partilhado (num mundo ético) nem triunfa sobre os limites que ela apaga (num mundo dialético ou revolucionário), que ela toma no âmago do limite, a medida desmesurada da distância que se abre neste limite e desenha o traço fulgurante que o faz nascer.[19]
Estamos, por conseguinte, num mundo mais puro do que poderíamos acreditar. No universo da transgressão, tal como Foucault a lê em Bataille, não há lugar para utopias, nem para sonhos revolucionários, que iluminariam os gestos realizados por homens ou por mulheres. Não há um outro lado que, seja como esperança, seja como projeto, daria a lei à imanência e à brecha das paredes. Mas, não se trata igualmente de valores que dividiriam nosso mundo entre bem e mal ou entre verdade e delírio, como era o caso na História da Loucura. Desde esse livro, com efeito, aparece a questão do destino do “mundo ético”, no qual os indivíduos são classificados segundo os valores que supostamente refletem sua racionalidade e sobriedade. Toda a análise feita na História da Loucura se apoia nessa concepção, da qual se pode dar um exemplo eloquente:
A partir da Idade Clássica e pela primeira vez, a loucura é percebida por meio de uma condenação ética da ociosidade e numa imanência social garantida pela comunidade do trabalho. Esta comunidade adquire um poder ético de partilha, que lhe permite rejeitar, como num outro mundo, todas as formas de inutilidade social. [O louco] cruza por ele mesmo as fronteiras da ordem burguesa e se aliena fora dos sagrados limites da ética.[20]
Ao contrário do “Prefácio...”, essa passagem compreende o ultrapassar das fronteiras num mundo partilhado, e isso em um duplo sentido do termo: um mundo vivido em comum com outros, não obstante quebrado por uma linha profunda, separando aqueles que trabalham honestamente dos que por si mesmos se colocam para além de toda atividade produtiva. A ética do labor se opõe à ociosidade e se encontra, logo em seguida, na base do enclausuramento: “É numa certa experiência do trabalho que se formula a exigência, indissociavelmente econômica e moral, do internamento. Trabalho e ociosidade traçaram, no mundo clássico, uma linha de separação que substituiu a grande exclusão da lepra”.[21]
A partir dessa ideia de partilha, alguns indivíduos podem ser considerados pelos outros como subversivos ou escandalosos. No mesmo diapasão, o espaço permanece aberto para uma apologia da desobediência ou do escândalo. No livro sobre a loucura, estava em questão como se julgam “as condutas do homem social [divididas por uma] patologia dualista, em termos de normal e anormal, de são e mórbido, que a simples fórmula ‘bom para internar’ cinde em dois domínios irredutíveis.”[22] No “Prefácio...”, em contrapartida, a violência da transgressão não é mais um rótulo do qual os homens do bem se servem para classificar os comportamentos desonráveis ou prejudiciais. O texto sobre Bataille se abre para um mundo bem diferente, no qual as violações da norma numa sociedade partilhada (o “mundo ético” da História da loucura) não se confunde com a transgressão tomada, agora, no seu sentido mais radical, o ontológico.
Liberar a transgressão do que poderia ser escandaloso e subversivo (para retomar os termos do artigo de 1963) equivale a recusar duas coisas: primeiro, que a transgressão possa ser o resultado de um julgamento partilhado que separaria, no seio da comunidade, a ordem e a desordem; segundo, que ela se torne objeto de um discurso que faria o seu elogio e de uma prática que tentaria atualizá-la. Dito de outra maneira, a transgressão não serve nem de acusação, nem de programa; ela não dá lugar, de modo algum, ao anátema que golpearia aqueles que violam os valores a defender, do mesmo modo que ela não é dirigida contra os fundamentos da vida em comum que se poderia pretender minar, talvez mesmo destruir. Esses dois sentidos são recobertos, nessa época, por uma só palavra: ética. Ao mesmo tempo, a ideia que Foucault tinha de ética nos aparece com toda sua clareza: ela é o reino dos valores que só são aprovados pela sociedade, porque eles são, simultaneamente, o que torna possível dividir em dois o conjunto dos homens e das mulheres, entre loucos e dotados de razão, entre pessoas normais e anormais, disciplinadas ou subversivas, honradas ou escandalosas. Aqui, os limites são internos ao espaço comum e o atravessam como fronteiras. A sua maneira, a ética é pensada numa relação de forças: força comum que exclui e inclui, a qual se opõe à força da resposta que vem espezinhar os costumes. Recusando um caráter ético à ruptura dos limites, é toda essa vertente política, social e moral que Foucault, resolutamente, isola.
A ontologia crítica: pensamento do ser e da finitude
No entanto, em proveito de que essa operação de isolamento é realizada? Foucault não nos deixa muito tempo sem resposta, uma resposta que ele formula precisamente com uma outra interrogação. Pode-se ler aí sua hipótese fundamental: “O jogo instantâneo do limite e da transgressão seria, nos nossos dias, a prova essencial de um pensamento [...] que seria absolutamente e, num mesmo movimento, uma Crítica e uma Ontologia, um pensamento que pensaria a finitude do ser?”[23] Toda a sequência do “Prefácio...” decorre dessa ideia: contra a ética, é urgente pensar uma crítica e uma ontologia. Por esse motivo, o terreno sobre o qual se coloca a questão da natureza da transgressão se encontra radicalmente transformado. Ele não é mais o terreno dos valores, mas bem o do ser, enquanto este se oferece a nós como limitado. Por isso, a fronteira que é preciso constatar não é mais aquela que se encontrava no interior de um mundo vivido em comum, de um mundo partilhado, como se fosse uma linha separando as existências segundo suas qualidades verdadeiras ou supostas. Ao contrário, a fronteira é exterior, ela é o limite que informa o ser. Por consequência, se há partilha, esta é aquela que separa o ser do vazio. De todo modo, nada impede que esse vazio se torne o lugar de uma nova existência. Entretanto, a conquista desse (não-)lugar só é possível à força de uma violação, de um excesso do ser que não se contenta nem com um saber positivo de si mesmo, obtido por um acompanhamento pacífico de seus limites; nem com um estabelecimento dos direitos ou da legitimidade no interior desses limites. Isto é, de todo modo, o contrário da definição de crítica, dada por Kant. Nas primeiras linhas do “Prefácio” à Crítica da Faculdade do Juízo, lê-se: “Pode-se chamar razão pura a faculdade do conhecimento a partir de princípios a priori e a investigação da sua possibilidade e dos seus limites em geral, crítica da razão pura [...].“ A crítica serve “para refrear as preocupantes pretensões do entendimento [...]”.[24] E Kant acrescenta, mais adiante, que o campo da crítica das faculdades de conhecer “estende-se a todas as pretensões daquelas para as colocar nos limites de sua correta medida”.[25]
A transgressão não pode ser assim uma pura crítica. Ela deve ir além das extremidades atuais do ser, para acompanhar até o fim o movimento de ruptura ou a “decisão ontológica”.[26] Essa decisão, que deve ser entendida aqui o mais próximo de seu sentido etimológico como ato de dividir, é o gesto que vem, por sua vez, interromper aquilo que interrompe a existência. A transgressão é a decisão como ato de passar além, de ir mais longe do que se crê possível e, por tal ato, prosseguir com as descontinuidades ou as decisões: “[...] a transgressão transpõe e não cessa de recomeçar a transpor uma linha que, atrás dela, imediatamente se fecha de novo em um movimento de tênue memória, recuando então novamente para o horizonte do intransponível”.[27] Talvez a razão mais secreta e a mais íntima de uma concepção descontínua da história se esconda aqui: é apenas fixando limites temporais ao modo de ser da ordem e recusando, ao mesmo tempo, a ideia de progresso, é que se pode propor um pensamento de ultrapassagem destes limites, evento ontológico que ganha o valor de uma libertação nossa em relação à maneira de ser que nos mantém cativos. Radicalizando, em As palavras e as coisas, as articulações temporais que estavam supostas na História da loucura, Foucault estende a lógica literária da transgressão ao pensamento do saber? Neste caso, a desaparição gradual das rupturas radicais do saber (dos anos 1960) à ética (dos anos 1980) teria liberado a ontologia crítica de sua ligação aos modos de ser da ordem (das Palavras e as coisas) e, fazendo isso, teria permitido a esta ontologia de retornar à cena (em textos dos anos 1980, como “O que são as Luzes?”) com a autonomia que Foucault lhe reconhecia, em 1963. É preciso olhar mais de perto essa possibilidade.
Seja como for, a ontologia crítica foucaultiana inspirada em Bataille faz muito mais do que separar a transgressão “de seus parentescos ambíguos com a ética”. Ela reivindica uma atitude polêmica, ao romper simultaneamente com o apriorismo kantiano e com a dialética hegeliana. Ela objeta assim a Kant de ter reduzido a crítica à antropologia: se é verdade que o esforço para articular “o discurso metafísico e a reflexão sobre os limites de nossa razão” teve o mérito de abrir a via para um pensamento das linhas que não poderiam ser legitimamente ultrapassadas, não é menos verdade que “o próprio Kant acabou por fechar novamente esta abertura ao reduzir, no final das contas, toda interrogação crítica a uma questão antropológica [...]”.[28] Em seguida, a dialética hegeliana tirará partido desse adormecer do pensamento e substituirá “o questionamento do ser e de seu limite pelo jogo da contradição e da totalidade”.[29] Nessas condições, se o problema importante é aquele das relações entre o ser e seus limites, compreende-se a crítica de fundo endereçada por Foucault a Kant: na sua empresa crítica, ele substituiu o ser pelo homem e mais exatamente pela razão do homem, cuja estrutura transcendental ele quis penetrar. É isso que explica a escolha feita na Crítica da razão pura, quando Kant separa explicitamente a crítica e a ontologia, para escolher da primeira, nos seguintes termos: “[...] o título pomposo de uma ontologia que pretende dar das coisas em geral um conhecimento sintético a priori numa doutrina sistemática (por exemplo, o princípio de causalidade), deve dar lugar ao título modesto de uma simples analítica do entendimento puro”.[30] Este excerto do último capítulo da “Analítica transcendental” condensa o sentido da clivagem que se produzirá imediatamente entre a analítica e a dialética compreendida como “lógica da aparência”.[31] Assim, a crítica tem o campo livre para denunciar a vanidade de toda ontologia.
Deve-se assinalar que, ao escrever isso, Foucault se inscreve, subrepticiamente, na esteira de Heidegger. Foi Heidegger quem tentou o acordo entre a empresa crítica e a ontologia tornada fundamental, em Kant e o problema da metafísica. Com efeito, na conclusão dessa obra, significativamente intitulada “Ontologia fundamental e crítica da razão pura”, pode-se ler o seguinte:
Temos o direito, ao interpretar a Crítica da razão pura, segundo a ontologia fundamental, de nos crer mais sábios que nossos grandes predecessores? [...] Nossa interpretação da Crítica da razão pura, inspirada pela ontologia fundamental, não precisou a problemática da instauração do fundamento da metafísica, embora ela não tenha obtido êxito em penetrar no ponto decisivo?”[32]
É Heidegger que nos vem ainda ao espírito, quando está em questão recusar a ética em proveito da ontologia crítica. Com efeito, a Carta sobre o humanismo nos ensina que a ontologia fundamental não se confunde com a ética clássica, tal como não se confunde com a ontologia da metafísica: “[...] o pensamento que coloca a questão sobre a verdade do ser [...] não é nem ética nem ontologia. Daí porque a questão da relação entre estas duas disciplinas é, neste domínio, doravante sem fundamento”.[33] A ética, à qual Jean Beaufret fazia referência – “[...] o que procuro fazer, há muito tempo”, escrevia o interlocutor de Heidegger, “é precisar a relação de uma ontologia com uma ética possível”[34] – é, pois, descartada, sendo superficial diante da ontologia fundamental.
A censura segundo a qual Kant teria submetido todo o seu empreendimento crítico à antropologia não é também original. Ela se inspira, provavelmente, na mesma obra de Heidegger que Foucault pôde ler, quando da preparação de sua tese complementar sobre a Antropologia, de Kant.[35]Isso diz respeito também ao papel que o “Prefácio...” concede a Hegel, pois se encontra igualmente, em Kant e o problema da metafísica, uma ligação do mesmo tipo entre esses dois filósofos alemães:
[...] que significa, com efeito, o combate que se trava no idealismo alemão contra a ‘coisa em si’”, se pergunta Heidegger, “senão um esquecimento crescente daquilo que Kant havia conquistado, a saber, que a possibilidade intrínseca e a necessidade da metafísica, isto é, sua essência, deveriam, no fundo, ser levadas e mantidas pelo desenvolvimento original e pelo aprofundamento do problema da finitude? Que resta dos esforços kantianos, quando Hegel define a metafísica como lógica [...]?[36]
Em suma, e sem pretender aprofundar a relação de Foucault a Heidegger, vê-se como este último é a fonte de uma inspiração múltipla, que permite ao primeiro reler uma parte da filosofia moderna por ocasião de suas observações sobre Bataille.
A recusa da ética transmitida pela tradição da sabedoria
Contra Kant e Hegel, Foucault faz então ressurgir Nietzsche.[37] O recurso ao pensador do Além-do-homem traz junto duas outras figuras maiores, aquelas da loucura e do suplício:
Mas, se a linguagem filosófica é aquilo no qual se repete incansavelmente o suplício do filósofo e vê lançada ao vento sua subjetividade, então não somente a sabedoria não pode mais valer como figura da composição e da recompensa; mas uma possibilidade se abre fatalmente [...]: a do filósofo louco.[38]
O suplício do qual se fala aqui é aquele do sujeito do discurso, como, aliás, o prova igualmente “o exemplar empreendimento de Bataille, que não parou de destruir nele, obstinadamente, a soberania do sujeito filosofante. No que sua linguagem e sua experiência foram seu suplício. Esquartejamento primeiro e refletido daquele que fala na linguagem filosófica”.[39] A loucura, por sua vez, se opõe à sabedoria, como a transgressão à serenidade e a desmedida à medida. Em conjunto, suplício e loucura representam “o inverso exato do movimento que sustentou, desde Sócrates sem dúvida, a sabedoria ocidental”, na qual era prometida “a unidade serena de uma subjetividade” à partir de agora cortada em pedaços. E podemos dizer que o “Prefácio...” – e com ele todo o Foucault da primeira metade dos anos 1960 – colocou uma contra a outra, uma representação de Nietzsche e uma imagem de Sócrates com os valores que elas encarnam. Contra o sonho do domínio de si colocado pela sabedoria ocidental, afirma-se a loucura do filósofo. Esse contraste entre Nietzsche e Sócrates nos deixa, talvez, no ponto mais oposto daquele que alcançará Foucault vinte anos mais tarde, pois o afastamento entre o começo dos anos 1960 e o início dos anos 1980 se liga também à impossibilidade de manter as reduções que tornaram possível de colocar em antagonismo, não sem desenvoltura, estas duas personagens. Precisamente, Foucault descobrirá que falar de um movimento contínuo que, desde a Grécia clássica, sustentaria alguma coisa como “a sabedoria ocidental”, é apenas, como ele repetirá mais tarde, lançar sobre essa tradição um olhar superficial.
Para resumir o que precede, diremos que a experiência moderna da sexualidade, de Sade a Bataille, serve de ponto de partida para uma teoria da transgressão concebida sob o regime do excesso e da violência, teoria que desemboca no suplício do sujeito e na possibilidade da loucura. Tal programa se opõe ao da contração dos limites de si-mesmo, construído sobre a ideia de ética como dimensão de uma relação de si a si que protege o mais possível o sujeito das coerções provenientes da vida cotidiana conduzida num mundo partilhado. Dessa forma, encontram-se sintetizados no “Prefácio à transgressão” os pontos de divergência que separam o suplício do sujeito, típico dos anos 1960, e o trabalho ético de si sobre si, característico dos anos 1980. De onde a força exemplar desse artigo que, a propósito de Bataille, recobre finalmente um leque de problemas, com os quais Foucault jamais deixou de se debater, desde aquele da localização e do estabelecimento dos limites do ser até os da crítica, da ética, da sexualidade e do sujeito.
Sobretudo, a sexualidade pode ser considerada, de pleno direito, como o ponto de ancoragem das duas teorias: uma, da transgressão e do excesso, teoria ontológico-crítica sem ética; outra, da ascese e da medida, teoria ontológico-crítica com ética. No “Prefácio...”, está em questão uma concepção de sexualidade desenhada sob o regime do excesso e da morte, que é tanto a morte de Deus quanto a do sujeito. O que dá forma à experiência moderna da violenta ruptura das fronteiras atuais do ser e se reflete na definição de erotismo como “uma experiência da sexualidade que liga, por si mesma, a ultrapassagem do limite à morte de Deus”.[40] Em troca, no mundo antigo da ética, a “sexualidade” (embora o conceito mesmo ainda não exista) servirá de ponto de apoio aos discursos e técnicas de abstinência que visam a proteger a saúde, a excelência ou ainda a tranquilidade da alma de um sujeito que se dá a si mesmo certos princípios.
Para apreciar conjuntamente a afinidade e o contraste entre essas duas maneiras de entrever o mesmo aspecto da experiência, tomemos uma última passagem do “Prefácio...”: “O século XX terá sem dúvida descoberto as categorias análogas ao gasto, ao excesso, ao limite, à transgressão; a forma estranha e irredutível desses gestos sem retorno que consomem e consumam”.[41] Sabe-se bem que não é nada disso. O que o século XX descobriu nessa matéria não são essas categorias, nem seu parentesco, mas uma valorização ontológica de sua conjunção. Note-se (e isto com novas implicações, graças a Foucault) que esses quatro conceitos já estavam no centro do pensamento antigo e que eles foram a fonte de diferentes formas de ética. Que se pense simplesmente no título de um capítulo no centro de O Uso dos Prazeres: “O ato, o dispêndio e a morte”. Como se vê, em suma, ao longo de toda a sua obra, Foucault se debateu com a sexualidade não como um conceito nem mesmo como uma questão geral, porém, como uma esquina onde se cruzam linhas tão divergentes quanto a ética e sua recusa.
Compreende-se melhor em que medida uma busca das relações de si a si está na contracorrente da teoria da transgressão e do suplício do sujeito. A transgressão e a ética antiga estão subentendidas por movimentos contrários. Assim, nas “obras da loucura”, a transgressão visa a um fora, a um espaço além dos limites do ser. Em contrapartida, para os gregos e latinos,tratava-se de um trabalho sobre os limites de si-mesmo. Essas duas forças se dirigem para espaços opostos. Além disso, a transgressão põe o sujeito em perigo, até mesmo o esquarteja, enquanto a ética o protege. De certo modo, a ética é a técnica do homem que teme: a velhice, a desilusão, a doença, a morte. Ela é uma arte para se proteger contra as infelicidades. Quanto a Bataille, ao rir dessa experiência, exprime o contrário da sabedoria clássica.
Não obstante, ao lado de sua oposição ou de seu afastamento, é necessário levar em conta a existência de algumas preocupações comuns aos textos do início dos 1960 e do princípio dos anos 1980. Todos eles, cada um a sua maneira, têm relações ora à sexualidade, ora ao ser, ora aos limites, três termos que se cruzam na proposta de uma ontologia crítica. Dito de outro modo, seus movimentos podem ser divergentes, mas isso não impede que eles participem da mesma natureza simultaneamente ontológica e crítica.
Ao separar a ontologia crítica da ética, o “Prefácio à transgressão” toca nas duas linhas de pensamento que acabarão por conhecer destinos particulares. Assim, a ética reaparecerá nos últimos volumes da História da Sexualidade, não mais sob o signo do escândalo ou da subversão, mas, muito mais sob aquele da austeridade e da ascese. A ontologia crítica, por sua vez, retornará à cena nos textos e cursos contemporâneos da redação desses dois livros, onde ressurge o interesse por um pensamento dos limites e do ser de nós mesmos. O que acontecerá muito nitidamente no artigo “O que são as Luzes?”, em seguida a uma aproximação entre Kant e Baudelaire.[42]Desse modo, Foucault retomará a ideia de um pensamento simultaneamente ontológico, crítico e ético que ele definirá a partir do ethos pensado à maneira dos gregos. Contudo, o eco da transgressão à la Bataille estará sem dúvida muito fraco, para que os leitores de Foucault ainda o escutem.
ABSTRACT: In 1963, inspired by Bataille, Foucault proposes a critical ontology based upon the idea of transgression. This one is neither an attitude nor a behavior, and hence it belongs neither to the field of ethics nor to the one of morals. On the contrary, transgression is an ontological event which takes place on the limits of being. In this event these limits are simultaneously violated, revealed and abolished. Twenty years later, after having returned to classical antiquity, Foucault proposes a new critical ontology, this time founded upon ethics. In both cases it is a question of thinking about being and limits. However, if the transgression violently disrupts the subject, ethics forms it and protects it.
KEYWORDS: Ontology. Critics. Ethics. Limits. Subject.
Referências
FOUCAULT, Michel. Histoire de la folie (1961). Paris: Gallimard, “Tel”, 1996.
______. Préface à la transgression (1963). In: ______. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. t. 1, p. 233-250. Edição brasileira: Prefácio à transgressão. Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. In: Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2001. p. 28-46.
HEIDEGGER, Martin. Kant und das problem der metaphysik (1929). GA 3; Kant et le problème de la métaphysique. Trad. Waehllens e Biemel. Paris: Gallimard, 1981.
HEIDEGGER, Martin. Über den humanismus (1946). Vittorio Klostermann, Frankfurt am Main. Trad. Munier, “Lettre sur l’humanisme (Lettre à Jean Beaufret)”, Questions III et IV. Paris: Gallimard, 1990
LACAN, Jacques. Kant com Sade. In: ______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 775-803.
KANT, Immanuel. Critique de la raison pure. Trad. Trémesaygues et Pacaud. Paris: PUF, 1971.
______. Kritik der urteilskraft. AA 05. Trad. Philonenko. Paris: Vrin, 1965. Tradução de Critique de la faculté de juger.; Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rodhen e António Marques. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1993.
WEBER, Max. L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme (1904-1905). Paris: Flamarion, 2002.
[1] Uma primeira versão deste artigo, com o título “L’éthique et les limites de la transgression”, foi publicada no n° 17 da revista Lignes (Paris, 2005), consagrado a “Novas leituras de George Bataille”.
[2] Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne (NoSoPhi). E-mail: diogo_pt@hotmail.com. Tradução do francês: Ernani Chaves
[3] Foucault, “Préface à la transgression” (1963). In: Dits et écrits, t. 1. Paris: Gallimard, 1994. p. 233-250. Edição brasileira: “Prefácio à Transgressão”. Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. In: Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2001. p. 28-46. A partir de agora, este texto será referido como “Prefácio…” 4 Idem, p. 239; edição brasileira, p. 35.
[4] Idem, p. 234; edição brasileira, p. 29.
[5] Idem, p. 241; edição brasileira, p. 36.
[6] Idem, p. 236; edição brasileira, p. 32.
[7] Idem, p. 240; edição brasileira, p. 35.
[8] Idem, p. 236; edição brasileira, p. 30.
[9] LACAN, J. “Kant com Sade”. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 776-777.
[10] “Prefácio…”, p. 236; edição brasileira, p. 32.
[11] Idem, p. 237; edição brasileira, p. 32.
[12] Idem, p. 235; edição brasileira, p. 30.
[13] Idem, p. 242; edição brasileira, p. 37.
[14] Idem, p. 237; edição brasileira, p. 32.
[15] Idem, p. 237; edição brasileira, p. 33.
[16] Idem, p. 238; edição brasileira, p. 33.
[17] Idem, p. 238; edição brasileira, p. 33.
[18] Idem, p. 237; edição brasileira, p. 32: “E a transgressão não se esgota no momento em que transpõe o limite, não permanecendo em nenhum outro lugar a não ser nesse ponto do tempo?”
[19] Idem, p. 237-238; edição brasileira, p. 33.
[20] Histoire de la folie. Paris: Gallimard, “Tel”, 1996, p. 102.
[21] Idem, p. 101. Talvez seja necessário ouvir, na ideia de uma “ordem burguesa” definida pelos “limites sagrados de sua ética”, os ecos das teses expostas por Max Weber, em 1904-1905, em A ética protestante e o espírito do capitalismo (L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme. Paris: Flamarion, “Champs”, 2002). Na “Observação preliminar”, de 1920, na Coletânea de estudos sobre sociologia da religião, Weber explica o sentido da expressão espírito do capitalismo, falando do papel determinante que alguns conteúdos de crenças religiosas tiveram, na emergência de uma “mentalidade econômica”, do ethos econômico moderno e da ética racional do “protestantismo ascético”. Sob a perspectiva foucaultiana da História da Loucura, esse ethos aparece intimamente ligado ao valor do trabalho e, por seu intermédio, à pretensão de excluir da sociedade toda espécie de ociosos, até mesmo a figura da ociosidade.
[22] Histoire de la folie, p. 174.
[23] “Prefácio...”, p. 239; edição brasileira, p.35.
[24] Kant, Kritik der Urteilskraft, AA 05: III-IV; Trad. Philonenko, Critique de la faculté de juger. Paris: Vrin, 1965, “Préface”, p. 17; Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. de Valério Rodhen e António Marques. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1993, “Prólogo”, p. 1112.
[25] Idem, AA 05: XX; trad. francesa, “Introduction”, § III, p. 25; trad. brasileira, “Introdução”, § 3, p. 20.
[26] “A contestação não é o esforço do pensamento para negar existências ou valores, é o gesto que reconduz cada uma delas aos seus limites e, por meio disso ao Limite onde se cumpre a decisão ontológica: contestar é ir até o centro vazio onde o ser alcança seu limite e onde o limite define o ser”. Foucault, “Prefácio...”, p. 238; edição brasileira, p. 34.
[27] Idem, p. 237; edição brasileira, p. 32.
[28] Idem, p. 239; edição brasileira, p. 35.
[29] Idem, p. 239; edição brasileira, p. 35.
[30] Kant, Critique de la raison pure. Trad. Trémesaygues et Pacaud. Paris: PUF, 1971. p. 222.
[31] Idem, p. 251.
[32] M. Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik, GA 3, § 45: “Fundamentalontologie und Kritik der reinen Vernunft”; Kant et le problème de la métaphysique. Trad. Waehllens e Biemel. Paris: Gallimard, 1981. p. 300.
[33] Über den Humanismus (1946), Vittorio Klostermann, Frankfurt am Main. Trad. Munier, “Lettre sur l’humanisme (Lettre à Jean Beaufret)”, Questions III et IV. Paris: Gallimard, 1990. p. 119.
[34] Idem, p. 114.
[35] Sobre o estatuto da antropologia filosófica kantiana, cf. Martin Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik (1929), GA 3, IV Parte, notadamente § 36-38.
[36] Idem, § 45, p. 244 (trad. francesa, p. 299-300).
[37] “Para nos despertar do sono confuso da dialética e da antropologia, foram necessárias as figuras nietzschianas da tragédia e de Dionísio, da morte de Deus, do martelo do filósofo, do Além-do-homem, que chega com passos de pomba e do Retorno”. Foucault, “Prefácio...”, p. 239; edição brasileira, p. 35.
[38] Idem, p. 243-244; edição brasileira, p. 39-40.
[39] Idem, p. 243; edição brasileira, p. 38-39.
[40] Idem, p. 236; edição brasileira, p. 31.
[41] Idem, p. 248; edição brasileira, p. 44.
[42] M. Foucault, “Qu’est-ce que les Lumières?” (1984). Dits et écrits, IV, p. 562-578.