JULGAR SEM PRECEPTIVAS, JULGAR PELO UNIVERSAL: GLOSAS MODERNISTAS A KANT[1]

Priscila Rossinetti Rufinoni2

RESUMO: Este artigo busca pensar os juízos estéticos da Terceira crítica de Kant, em relação aos discursos sobre a arte moderna. Propomos, de maneira didática, relacionar tais juízos kantianos à utopia da modernidade e às suas consequências (e críticas) contemporâneas. Não tencionamos, porém, fazer uma análise pormenorizada do pensamento de Kant, propriamente, mas expor as várias glosas que este recebeu, ao inaugurar um outro espaço para a Estética, principalmente no que se refere à arena comunitária na qual se agenciam os juízos e que torna possível uma arte ao mesmo tempo universal e sem regras fixas. Mais do que pensar a arte como “livre jogo”, ou como “bela” e como “finalidade sem fim”, pontos nodais da crítica de Kant, sem dúvida, interessa-nos investigar a perspectiva autorreflexiva que os juízos estéticos permitem. A interpretação do objeto-arte moderno não seria, em última instância, o exercício comunitário de um juízo?

PALAVRAS-CHAVE: Juízos estéticos. Sensus communis. Arte moderna.

Modernos e antigos

 “Moderno” tornou-se um adjetivo carregado de conotações históricas e estéticas ligadas à experiência viva, rica e direta do aqui-agora. Uma palavra que chegará, em meados do século XX, a ostentar certa aura capaz de conceder aos objetos que predica um caráter mágico de novidade, de frescor e efemeridade encantados (ou mesmo fetichista). Mas uma breve arqueologia do termo propõe outras constelações semânticas: durante os séculos XV, XVI e XVII, “moderno” era um contraponto à suprema Antiguidade.

Talvez tenha sido no texto de um pintor, Giorgio Vasari, que retoricamente, pela primeira vez, o artista moderno superou os antigos. Vasari instaura esse início da arte ocidental, nascimento que começa em um (re)nascimento, formulando um corpo histórico e social para o entendimento do processo de que ele próprio, o pintor Vasari, se pretendia continuador. Processo em progressão da releitura do antigo, quando o “lume do famosíssimo Giotto”[2] – lume entendido como contraposto às trevas, imagem frequente nas Vite – iluminava seus discípulos, no sentido de “imitar com a excelência da arte a grandiosidade da natureza, para se aproximarem quanto pudessem desta suma cognição que muitos chamam inteligência”; ambas as citações são do proêmio à vida de Michelangelo, início da construção retórica da trajetória do artista como um microcosmo da própria evolução da Renascença. De seu nascimento, momento em que a conjugação dos astros[3], favorável, já mostrava que Deus lhe concedia o gênio, passamos para sua formação artística: o jovem Michelangelo enche a todos de “stupore”, hipérbole bem ao gosto do século XVI, para logo superar o seu mestre e também todos os mestres anteriores. Assim, escreve o cronista:

 Contrafez ainda desenhos da mão de vários mestres antigos, e com tanta similaridade, que nem pareciam cópias; porque tingindo-as e envelhecendo-as com fumo e várias coisas, de tal modo as encardia, que pareciam velhas, e, comparadas com o original, não se lhe distinguiam.

Esse processo culminaria na superação do moderno: Coisa admirável e na qual se mostrou superior a qualquer moderno que então tenha trabalhado”. Faltava o coroamento da carreira do jovem artista, coroamento também da tradição artística de que ele é o emblema: a superação do antigo. Segundo Vasari, essa superação se dá na “suprema perfeição” da escultura Davi. Se, antes, o artista aparecia apenas enganando os conhecedores com suas obras “all’antica”, no ápice de uma tradição de dois séculos, Michelangelo supera a preceptiva do antigo. Supremacia do moderno, que, ao mesmo tempo, coroa o processo e o fecha em si mesmo. Em nota ao texto de Vasari, Luiz Marques salienta que essa superação não estava isenta de certo pessimismo que advinha da perda do mais belo dos parâmetros.

Sob o signo da cisão, outros termos surgiram, abarcando de forma elástica vários aspectos e significações característicos do tempo do aquiagora. “Modernidade”, por exemplo, seria o processo mais geral do Iluminismo, uma tensão entre antigo e moderno (eterno e efêmero no oxímoro de Baudelaire); já “modernismo” seria uma derivação menor, circunscrita à esfera artística e à perspectiva programática de um “ismo”, espécie de reelaboração unívoca da multiplicidade, flagrada na noção de “pintura modernista” proposta por Clement Greenberg. No entanto, moderno, modernidade e modernismo, como os círculos concêntricos na superfície da água, remetem a um mesmo movimento histórico-cultural, processo que implica ao mesmo tempo perda e abertura[4].

Contudo, os movimentos históricos não são tão abruptos, não se dão em progressão, como os esquemas retóricos propostos por Vasari, ou a metáfora mecanicista dos fluxos na água. Ainda no século XVII, a famosa disputa acadêmica Querela dos Antigos e dos Modernos contrapôs as normas clássicas, os gêneros legados pela Antiguidade, às novas formas. Nesse sentido, um pintor do século XVII, Nicolas Poussin, dizia que Rafaello era um gênio perto dos modernos e um asno ante os antigos[5]. Dupla comparação com que os “modernos” do século XVII tinham de se haver: com o grande pintor do Renascimento, Rafaello, e, por último, como norma suprema, novamente com a Antiguidade.

Nessas idas e vindas, tudo se passa como se os artistas “modernos” – sejam eles os do século XVI ou XVII – estivessem se debatendo entre uma autoridade e uma norma já consagrada e a possibilidade de abertura a outras formas, à liberdade. Não à toa trazemos aqui essas palavras: “autoridade”, “liberdade”, ou mesmo aquele “lume”, que Vasari credita a Giotto, pois serão palavras de peso para o século XVIII. Se o lume de Giotto, em oposição a luce, ainda tem algo de divino, o Iluminismo elabora a possibilidade (mesmo que algo retórica) de uma luz racional, cada vez mais secularizada, a partir dos anos de 1700, século ao qual Kant deu feições filosóficas precisas. Suas reflexões, no campo do que podemos chamar de Estético, não dizem respeito a regras e doutrinas sobre o belo, mas se voltam para a própria capacidade humana de julgar com autonomia tais regras e doutrinas, fazendo, assim, a crítica dos juízos.

As Belas Artes e o juízo estético

O juízo, diferentemente do entendimento e da razão, não elabora conceitos, não possui uma parte objetiva, e interessa a Kant mais por seu funcionamento, por sua autorreflexão. O central, na crítica do juízo, é entender como este se põe em relação às várias partes da razão e como se dá, com base nessas relações, um procedimento subjetivo de julgamento, um procedimento a priori no qual entendimento, imaginação e razão podem concordar entre si. Como Kant escreve, na 1ª Introdução à Crítica do Juízo, se o juízo fosse conceitual, este “teria de ser o conceito de uma finalidade da natureza, em função de nossa faculdade de conhecê-la, na medida em que para isso é requerido que possamos julgar o particular como contido sob o universal e subsumi-lo sob o conceito de uma natureza” (KANT, 1995, 38).

Se da crítica da razão pura chegamos aos juízos sintéticos a priori de entendimento que determinam as intuições particulares em conceitos universais, e da razão prática chegamos a juízos, conforme a lei moral, há também juízos que nada determinam, que não reportam a uma lei, que apenas buscam conciliar o particular da intuição a algum universal que possibilite a sua apreensão. Os primeiros juízos são determinantes, os segundos, indeterminados, são ditos reflexionantes. O princípio dos juízos reflexionantes é fazer concordar, mesmo que de forma indeterminada, os particulares da natureza a alguma unidade e, assim, adequar a natureza aos fins de nossa razão. Mesmo que a natureza não tenha fim algum, ela precisa aparecer como tendo uma finalidade para nossa razão; esse princípio de apreensão, a conformidade a fins, é também o princípio do juízo. O juízo estético, sem ser lógico, abre-se sobre essa natureza finalista. Assim, quem julga um objeto belo “crê ter em seu favor uma voz universal e reivindica a adesão de qualquer um”. Mas essa voz universal está longe de reaver algum longínquo elo com a tradição.

Nesse processo de dedução dos juízos reflexionantes estéticos, Kant tem de se haver também com a velha tópica que opõe modernos a antigos, com a normatividade histórica, e portanto empírica, dos grandes clássicos das artes. Se, apesar de suas diferenças em relação aos juízos de conhecimento, os juízos estéticos também se fundamentam em proposições sintéticas a priori, nenhum poeta pode se valer de juízos alheios consagrados, ou ser convencido por um critério argumentativo para escrever. E se eu não julgo uma obra bela, não há regra que possa me fazer julgá-la de outra forma, tampouco nenhuma autoridade em estética seria capaz de suprir a falta da reflexão do sujeito sobre seu próprio estado de prazer ou desprazer. Não há receita de comida que substitua o paladar, se a este a comida não é aprazível, da mesma forma, apesar de ser um juízo de outra natureza, o belo também não depende de receitas. Há obras perfeitas, mas sem “espírito”, como há comidas saudáveis insossas. Claro que Kant não chega a propor a tabula rasa, o ponto zero cultural do qual muitos artistas de vanguarda queriam partir. O autor escreve que, apesar de haver razão para que se enalteçam como modelos as obras dos antigos e para que se lhes chamem de clássicos, julgar segundo seus critérios seria contraditório com os princípios autônomos do juízo, pois os modelos são normas a posteriori. Este não é um fundamento do gosto, mas apenas um caminho de aprimoramento, que passa pelo procedimento bem sucedido dos antigos, com o intuito de permitir aos homens que procurem em si mesmos os princípios e assim tomem via própria e frequentemente melhor. De modelos prontos e quase insuperáveis, os clássicos passam a ser apenas indicadores para se refinar o gosto; auxiliado pela história cultural, o juízo a priori pode julgar, “sem cair na rudeza das primeiras tentativas”. O artista, entretanto, segundo tais normas, é capaz de produzir obras cultas e bem feitas, mas não obras belas, dotadas de espírito.

O juízo agencia uma especificação da natureza para a razão, ou seja, podemos dizer que há um “simbolismo da natureza”, que nos faz visar objetos como belos ou sublimes. Este simbolismo está na nossa percepção dos dados naturais, nos fenômenos, evidentemente, e a especificação da natureza é um modo de julgar, que vê nesta não apenas heterogeneidade, mas um plano, uma arte. No caso das belas-artes, entretanto, é preciso levar em consideração que elas pertencem ao domínio da razão não só porque as julgamos, mas também porque as produzimos. Se o julgamento da natureza não põe com tanta veemência o problema das regras, o mesmo não pode se dar com a arte. Como uma instância poética pode ser produzida sem qualquer parâmetro? Apenas seguindo de longe, sem tomá-los por modelos, os clássicos? Como um artista produz uma obra que julgamos bela? Seria por um mero acaso que essa disposição artificial, a obra, despertaria prazer? A natureza pode ser entendida como se fosse arte, mas a arte mesma como pode ser entendida sem qualquer plano, sem qualquer preceptiva? Kant espelha ambas as formas de julgar a beleza, natural e artística, mas enquanto a arte é um “fazer” (facere), a natureza está em ato ou no âmbito do atuar (agere); assim, se nesta o belo aparece como efeito de uma ação, naquela só poderá se dar pela produção de uma obra (opus) (§43).

Mesmo reconhecendo esse caráter produtivo (facere/opus) do belo artístico, Kant afasta a necessidade de preceptivas, pois o que se aprende com estas é apenas a mecânica da arte, algo conceitual, não sua técnica, referindo-se novamente à distinção entre os modos de julgar segundo princípios mecânicos ou técnicos. O sujeito pode julgar a natureza de forma mecanicista, quando tomada pelo juízo do entendimento, mas pode julgála também como técnica/arte, de um ponto de vista estético. Se a obra de arte é bela quando parece ser natureza, é à natureza técnica, artística, que devemos aproximá-la, não àquela mecanicista que resulta das operações do entendimento. A arte é análoga à natureza quando o artifício usado para criá-la nos parece tão necessário que se assemelha ao fenômeno natural enquanto projeto em conformidade a fins, enquanto obra humana, em um círculo que leva da natureza à arte e vice versa. Mas, essa arte artificiosamente natural pressupõe um artista extremamente hábil, capaz de produzir sem explicitar o trabalho empenhado em tal construção (Vasari talvez repetisse aqui um conceito de Castiglione: o artista possui “sprezzatura”). Como, do ponto de vista racional, podemos explicar esse paradoxo de um artista hábil ter de, no entanto, atuar quase ao acaso, sem regras, sem normas e sem modelos? Ou seja, como diz Kant, a beleza na natureza é uma coisa bela, já na arte é a representação de uma coisa bela, que precisa ser produzida segundo um conceito do que essa coisa deva ser, pois a arte pressupõe que o artista busca um fim, o de produzir beleza. Para explicar essa disposição especial de um criador que cria sem regras, mas ainda assim produz obras que parecem ter uma finalidade, mesmo que sem fim, Kant parece remeter-se à tópica do gênio, aquela mesma com que Vasari explica a magnificência de Michelangelo. O gênio de Michelangelo é parte de um plano divino, como bem atesta Vasari, que o fez nascer sob uma conjunção favorável de astros e lhe proporcionou, assim, um caráter inventivo sem par.

O gênio para Kant, entretanto, não pode ser apenas uma disposição favorável de uma boa estrela, naquela mítica animista não estranha aos alemães do século XVIII, até porque isto explicaria o destino de um artista, mas não as regras de sua criação que pressupõem um julgamento universal e devem, assim, ser universalizadas. O gênio kantiano é aquele sujeito capaz de articular a imaginação ao entendimento e à razão, para produzir ideias estéticas que proporcionam a boa harmonia entre as faculdades. Esse sujeito assinalado, especial, recebe uma predisposição para tais ideias estéticas, daí Kant poder afirmar que, quem dá regras à arte, em última instância, não é a tradição ou qualquer manual ou preceptiva, mas a própria natureza. E mais: o gênio é o sujeito capaz de criar ideias (em imagens, em músicas, em palavras) que articulam a causalidade da natureza (os conceitos do entendimento) à finalidade da razão. No texto de Kant:

Gênio é o talento (dom natural) que dá à arte a regra. Já que o talento, como faculdade produtiva inata do artista, pertence, ele mesmo, à natureza, poderíamos também exprimir-nos assim: gênio é a disposição natural inata (ingenium), pela qual a natureza da à arte a regra. (KANT, 1980, § 49).

Esse gênio produz uma ideia estética, ou seja, uma representação da faculdade da imaginação, que muito dá a pensar, sem que, contudo, qualquer pensamento determinado, isto é, conceito, possa ser-lhe adequado, que consequentemente nenhuma linguagem alcança inteiramente nem pode tornar compreensível” (§ 49). A imaginação, livre do conceito, pode criar imagens, ideias, que entram em jogo com a razão e dão alguma forma a conteúdos que não poderiam ser mostrados de outra maneira, por outra linguagem qualquer. Essa capacidade, se se aprimora na frequentação dos autores e artistas clássicos, só se completa na capacidade articuladora do gênio.

Resta repor a pergunta: que natureza é essa que atua por trás das regras do gênio? Sem dúvida, não estamos no universo animista, ou em algum espaço além da caverna platônica, no seio da verdade mesma. Para perguntar sobre que natureza é esta, seria preciso ir ao Kant político, ao Kant pensador da história. Há uma intenção da natureza da perspectiva da espécie humana, visada que talvez leve a pensar o gênio como um mecanismo, como uma astúcia não tão distante daquela dos astros de que nos falava Vasari. Mas há outras perspectivas enunciadas por Kant, outras formas de julgar; há a visada do sujeito transcendental, a partir da qual a história é a comunidade dos seres inteligíveis. E há a visada dos homens, que talvez nos interesse mais como modernos, perspectiva política que pensa a natureza como técnica, os seres como comunidade dotada de racionalidade e sentimento e o gênio como um ator fundamental dessa arena do sensus communis.

Os julgamentos de gosto, se não são apodíticos, devem ser universalizáveis (§19), pois, apesar de não haver um conceito definido do que é belo ou sublime, há uma disposição a priori, um jogo das faculdades que nos leva a ajuizar e a pretender que tal ajuizamento seja universal. “Dever” (sollen), o termo usado por Kant, é não só um verbo modal, cuja acepção remete à opinião e à possibilidade, mas também o verbo que expressa a máxima e o mandamento[6].

Tal sensus communis não remete a um senso comum, mas a um senso de civilidade que une as pessoas. Um homem sozinho em uma ilha, uma espécie de Robinson Crusoé, não necessita de qualquer adereço a não ser do estritamente prático. Crusoé constrói todo um mundo, ao se ver só e ilhado, mas nenhuma arte lhe é necessária. Quando termina suas vestes, pensa que, se um inglês o visse naqueles trajes confeccionados segundo a necessidade, o julgaria risível e ridículo. Para Kant, somos como Crusoé: solitários, longe dos homens que julgam, longe do senso comunitário; não há, portanto, necessidade de se adornar canoas, vestes ou quaisquer utensílios. Não há sequer ridículo na solidão, pois não há julgamento de gosto. Na solidão do sujeito, no solipsismo, não há arte. A arte é um laço de civilidade, um laço que podemos dizer intersubjetivo, pois irmana os sujeitos em uma comunidade na qual o prazer é compartilhado, no qual os homens se com-prazem com o belo ou o sublime.

Segundo as máximas do entendimento humano – 1. pensar por si, longe de preconceitos (Vorurteil); 2. pensar no lugar de outro (ou seja, pensar de maneira alargada); 3. pensar sempre de acordo consigo próprio, isto é, pensar de maneira consequente (§40) –, o juízo estético é a forma mesma da comunicação entre os homens, pois não remete aos consensos conceituais e mecânicos próprios ao entendimento, mas aos julgamentos derivados de sentimentos internos e do estado de ânimo conforme os fins de cada um. Remete, portanto, àqueles homens que vivem em comunidade e que dependem uns dos outros para julgar, pois esse julgamento não está dado em um conceito e pressupõe hipoteticamente o outro.

Recorremos aqui a uma das várias glosas ao pensamento de Kant, aquela proposta por Hannah Arendt:

Espécie humana = Humanidade = parte da natureza = sujeita à “história”, astúcia da natureza = a ser considerada sob a idéia de “fim”, juízo teleológico: segunda parte da Crítica do Juízo. Homem = ser racional, sujeito às leis da razão prática que ele dá a si mesmo, autônomo, um fim em si mesmo, pertencente a um

Geisterreich, um reino dos seres inteligíveis = Crítica da razão prática e Crítica da razão pura.

Homens = criaturas limitadas à Terra, vivendo em comunidades, dotados de senso comum, sensus communis, um senso comunitário; não-autônomos, cada qual precisando da companhia do outro mesmo para o pensamento (“a liberdade de escrita” = primeira parte da Crítica do juízo, juízo estético. (ARENDT, 1993, p. 37).

 Há várias jurisdições para a razão e o juízo, há modos de julgar, há um modo técnico e um mecânico, há, por conseguinte, modos de atuação para o gênio artístico. Se este ser assinalado ainda tem, em Kant, algum pacto com a natureza, abre-se para o artista um outro espaço de articulação de ideias estéticas, aquele que se põe de forma alargada para uma comunidade de homens que julgam. Se a arte já não precisa, a partir da modernidade, referir-se a modelos antigos, a um código preceptivo qualquer, ela também não precisa tornar-se um solipsismo[7], ou mergulhar na melancolia nostálgica da Idade do Ouro perdida.

O juízo reflexionante, e, por conseguinte, o juízo de gosto, no dizer de Deleuze, não funciona como uma razão apodítica, isto é, que determina segundo conceitos, mas como razão hipotética, que precisa criar hipóteses, ideias para dar conta de encontrar o geral no particular. As ideias estéticas seriam como um diagnóstico, uma forma de buscar o geral, o conceito ou a ideia, no particular, a obra. E a arte, tanto do lado do artista capaz de criar ideias estéticas, quanto do sujeito que julga, passa a ser um lugar privilegiado para se buscar hipóteses de exposição do inexponível, relacionando-se, então, com a filosofia, de uma maneira impensável para a crítica de gosto tradicional. Se a poesia – pelo menos na tradição clássica que remonta a Platão e divide o conhecimento em aistheta kai noeta[8] –, era o lugar do erro e do engano, agora ela ganha outra acepção. O quanto a arte moderna deve a esse novo espaço de atuação – que será desbravado pelos discípulos de Kant–, não é tarefa fácil de precisar. Evidentemente, houve movimentos e manifestações artísticas, ditas modernas, que eram francamente contra essa racionalidade arquitetônica proposta pelo Iluminismo e arrematada pelo kantismo. Mas, o grande sonho de mudança ao qual quase todo artista dito moderno se reportou, fosse qual fosse a utopia, só foi possível porque a arte, como um todo, ganhou seu acesso privilegiado às regiões inexploradas da racionalidade, da filosofia, ou mesmo do senso comunitário. A arte passou a ser uma arena de julgamento da comunidade dos sujeitos, espaço aberto ao ilimitado e ao inapreensível. Vale a pena incorrer em um anacronismo: esse novo gênio comunitário, que atua em um plano mais político que transcendente, ou mesmo poiético, pode ser a definição do “pintor da vida moderna”, aquele que encontra o eterno no efêmero, que desloca um objeto qualquer ou uma ideia prosaica de lugar para criar outros símbolos (Symbol, produto de ideia estética, na acepção kantiana). O artista moderno, por excelência.

Aporias da originalidade: arte e instituição

Em meados dos anos 1940, a arte moderna, que nos anos 20 era de ruptura, vai tornando-se norma. Na década seguinte, aparecerão por toda parte os museus de arte moderna, instituições que absorverão ao mundo cultural até as críticas mais ácidas à cultura. Essa entrada do modernismo nos museus não poderia deixar de gerar muitas questões novas, como aquela que pede por uma definição do que é, afinal, “arte moderna”.

As chamadas vanguardas artísticas não seguiram, a princípio, nenhuma via comum, cada núcleo buscava seu próprio caminho. É nos fins dos anos de 1940 que Clement Greenberg pensa em uma linha comum que uniria todas as experimentações em uma única vertente, possibilitando algum tipo de definição, mesmo que muito aberta. Tal pensamento precisava se haver, ainda, com o aparecimento cada vez mais incisivo de outras formas culturais que não as ditas “artísticas”, formas que se valiam, muitas vezes, das conquistas das vanguardas, visando a outros fins: a cultura de massa representada pelo cinema, pelas revistas ilustradas, pela publicidade. Como separar o joio do trigo, a arte daquele emaranhado de imagens e produtos culturais que a imitavam para fomentar a indústria e o consumo? Como julgar essa cultura como arte? Greenberg escreve, então, um artigo intitulado “Vanguarda e Kitsch”, no qual demonstra que as vanguardas percorrem um caminho histórico que, pelo menos desde o Renascimento, busca despojar a arte de seus adereços, para chegar a uma linguagem pura que não oferece ao espectador uma sensação pronta, mas o intima a refletir sobre as formas em busca dos efeitos. O kitsch, por outro lado, já traz o efeito pronto, já seria risível ou choroso de antemão. A arte genuína, no entender de Greenberg, pressuporia aquele livre jogo do juízo com seus próprios princípios; por outro lado, uma forma degradada de cultura – o kitsch – explicitaria o receituário do jogo estético de prazer ou desprazer a partir de adereços artísticos, mas sem nessa partida contar com qualquer julgamento livre. Assim, a falsa cultura poderia produzir coisas bem feitas para o uso de todos, mas não julgamentos estéticos.

Anos mais tarde, Greenberg refina ainda mais sua ideia e escreve o artigo “A pintura modernista”, em que explicita sua vertente teórica, ao pensar essa arte que se depura cada vez mais. Greenberg não recorre principalmente à Crítica do Juízo e aos julgamentos estéticos, muito embora os pressuponha. Recorre, antes, à Crítica da Razão Pura e escreve:

A essência do modernismo, tal como o vejo, reside no uso de métodos característicos de uma disciplina para criticar essa mesma disciplina, não no intuito de subvertê-la, mas de entrincheirá-la mais firmemente em sua área de competência. Kant usou a lógica para estabelecer os limites da lógica e, embora tenha reduzido muito sua antiga jurisdição, a lógica ficou ainda mais segura no que lhe restou. (GREENBERG, 2001, p. 101).

Se os românticos já falavam de poesia da poesia, aqui Greenberg fala de uma pintura que, como a lógica de Kant, não diz respeito a algo fora dela, é apenas pintura da pintura, pintura sobre pintura; da mesma forma que a literatura moderna se volta para seus próprios meios, também o fazem a escultura, a música e assim por diante. E, como pesquisa autorreferente, a arte moderna retoma o procedimento mesmo do juízo estético subjetivo e reflexionante, que se volta sobre si próprio, sem acrescentar nada ao objeto julgado. Nesse processo, Greenberg pode circunscrever um campo de atuação artística resguardado das contaminações da cultura de massa, kitsch e mercadológica. Não é difícil perceber que o “fim” dessa arte autorreflexiva é decretado pela Pop Art, que procede exatamente ao inverso, trazendo para dentro da pintura (e também da literatura e da música, embora o designativo tenha sido cunhado para as artes visuais) as tensões e conflitos das imagens do dia a dia, de forma às vezes cínica, às vezes crítica.

Preocupado com o abandono, por conta da crise enunciada sob a rubrica múltipla de pós-moderno, dos ideais do Iluminismo, Jürgen Habermas descreve, nos anos de 1980, a modernidade como um projeto inacabado. Para o autor, apesar das críticas, ainda era preciso manter aquele espaço de julgamento intersubjetivo e radical que Kant propunha. Era preciso conservar uma possibilidade consensual que, sem regras fixas, fosse capaz de autofundamentar a modernidade. Habermas, em O discurso filosófico da modernidade, pergunta se essa rejeição da modernidade como um todo, tornada apenas mais uma das faces de um poder polimorfo e supra-histórico, não é na verdade uma das muitas formas de “contra-esclarecimento”; se, abandonando a modernidade, esse projeto inconcluso, a filosofia e a teoria não perderiam justamente as aderências empíricas, a sua abertura para a práxis, enveredando para um caminho de nivelamento sem normas, enraizado, mesmo quando lhe inverte as proposições, na “razão cognoscente”, restritiva e funcionalista, ora travestida de arqui-escritura, ora de soberania, ora de destino do Ser. Com esse problema em mira, Habermas chega a fazer uma crítica à ideia de sensus communis como a entendia Schiller a partir de Kant, depurando o que era utópico naquela comunhão entre arte e revolução, para repor a possibilidade mais política que estética de um espaço intersubjetivo.

Não obstante, mesmo como crítica, é notável que um dos excursos de Habermas seja dedicado à educação estética de Schiller. Apesar de fundamentados em uma busca da totalidade, de um Absoluto – vislumbrados na imediatez do símbolo, ou na mitologia antiga – os pressupostos de uma racionalidade estética que o romantismo anuncia podem fazer uma ponte entre o sujeito solipsista e monológico e um contexto intersubjetivo. Relação de “comunicabilidade” ainda mais interessante, se pensarmos que a “educação estética”, depois dos juízos kantianos, se dá como procedimento e não por um conteúdo dogmático “alegórico”. Hannah Arendt chama a atenção para o § 40 da Crítica do Juízo de Kant: são juízos estéticos as bases daquele sensus communis, pois são juízos “desinteressados” e finalidades sem fins, próprios a uma arena pública em que os homens que julgam a história precisam viver em “comunicabilidade”, não apenas segundo normas mecanicistas ou sistêmicas, ou seja, não apenas segundo “fins”[9]. Julgar de forma alargada, não precisa resumir-se, portanto, a uma deliberação imediata acerca de algo, uma deliberação cognitivo-instrumental objetiva[10]. Além do contrato inteligível e metafísico no suprassensível de que todo homem racional participa, Kant pensa em um contrato de “comunicabilidade” universal entre os homens que julgam reflexivamente a história e a natureza, uma “voz universal”. Se, pelos julgamentos da Crítica da Razão Pura, a natureza e a história são mecanicistas e os juízos determinantes, quando Kant amplia a razão com a Crítica do Juízo, a racionalidade pode também julgar segundo um sistema finalista, como se a natureza e a história fossem “técnica”, “arte”. Nesse sentido, Schiller pensa como a “maior de todas as obras de arte” a “construção de uma verdadeira liberdade política”[11]. Muito embora Habermas esteja longe dessa utopia estética que tem a arte como liame entre as partes cindidas da modernidade – e mesmo que a critique –, em uma terminologia habermasiana, podemos pensar que a razão moderna não precisa ser somente cognitivo-instrumental, mas pode também ser comunicativa, reflexiva e estética.

Respondendo a Habermas, Jean-François Lyotard repele a necessidade de uma comunidade para a arte, de uma relação intersubjetiva, mas a repele não para refutar a teoria de Kant, antes para retomá-la por outra face, a do juízo reflexivo, principalmente o do sublime, que apresenta o inapresentável. Para Lyotard, o que Habermas pedia era algo como um juízo determinante e não reflexivo. O pós-moderno seria não um retrocesso, mas uma reposição das questões mais radicais do moderno. Assim, o artista pós-moderno encontra somente na obra já pronta (no pós) o que a torna moderna. A arte moderna é devedora dos juízos de Kant, portanto, não tem regras externas e se deve apenas à articulação que o artista faz entre ideias estéticas. O criador moderno só pode conhecer suas regras após a feitura da obra, em uma reflexão de seus próprios meios, sendo a criação sempre pós-moderna.

Um artista, um escritor pós-moderno está na situação de um filósofo: o texto que ele escreve, a obra que ele realiza não são em princípio governadas por regras já estabelecidas, e não podem ser julgadas por meio de um juízo determinante, pela aplicação de categorias conhecidas a esse texto, essa obra. O artista e o escritor trabalham pois sem regras e para estabelecer regras do que terá sido feito. (LYOTARD, 1983, p. 96).[12]

Pelo outro lado da questão – a poética –, para Lyotard, os juízos sobre o sublime, cuja abertura permite conceber o inapresentável pelo negativo, são os instrumentos de ação sobre esse campo tenso, sempre desconhecido, ampliado em espiral reflexiva ao infinito. Um deserto constantemente ocupado pelo criador moderno, para o qual o resultado de sua experiência só se dá a ver ao final. Solto das prisões figurativas ou das preceptivas, lançado ao informe, toda forma concebida pelo artista é pós-moderna. Perante essa espécie de nova lei mosaica que solapa a imagem ou o gênero exemplar, o processo poético se dá como uma apresentação negativa:

Não se pode, escreve [Kant], apresentar no espaço e no tempo o infinito da potência ou o absoluto da grandeza, que são puras Idéias. Mas podemos ao menos fazer alusão a elas, “evocá-las”, através daquilo que ele batiza de uma “apresentação negativa”. Deste paradoxo de uma apresentação que não apresenta nada, Kant dá como exemplo a proibição das imagens pela lei de Moisés. Isso não passa de uma indicação, mas anuncia as saídas abstracionistas e minimalistas através das quais a pintura procurará evadir-se da prisão figurativa. (LYOTARD, 1987, p. 91).

Seria impossível reproduzir todas as variantes dessa polêmica em torno do pós-moderno, mas fica claro que, por um lado ou por outro, as várias leituras da teoria estética e crítica de Kant, ainda no final do século XX, dão forma ao debate. Para se pensar as possibilidades de uma arte em tempos de cultura de massa, que tudo absorve para tornar mercadoria, a radicalidade da Crítica da Razão Pura serviu à teoria de Greenberg; para salvar o espaço de consenso iluminista e para pensar como a modernidade pode se autofundamentar, Habermas reviu Kant; em oposição a Habermas, Lyotard, por sua vez, convocou os juízos estéticos kantianos para legitimar a experimentação do artista e do escritor, mesmo em oposição ao consenso do público (no que este esconde de estereotipia do mercado, não se deve esquecer).

A arte contemporânea: instituição cultural ou um novo sensus communis?

Van Gogh criou sua obra em quartos baratos de pensões, entre internações em asilos de alienados, sem ser compreendido pelos homens de então, mas criou, seguindo sua inclinação e aquela predisposição do gênio kantiano com a qual a natureza o assinalou para dar regras à arte. Quase todo mundo conhece essas histórias, elas sempre reaparecem quando os quadros desses antigos malditos – Van Gogh, Picasso, entre outros – atingem somas astronômicas nos mercados de arte. Os jornais e revistas parecem gostar de apontar os juízos errados do passado e como, hoje, valorizamos esses antigos gênios, tornando suas obras objetos de especulação monetária sem igual. Não é difícil perceber que as histórias do “gênio incompreendido” dão ainda mais valor às obras, as tornam ainda mais instigantes do ponto de vista do consumo, as tornam ainda mais enfeitiçadoras. São fetiches, segundo a teoria clássica marxiana, pois as obras não deixam de ser uma ”determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 1988, p. 81), já que o suposto ânimo [Gemüt] do gênio cristaliza-se em objeto reificado, não mais posto em uma arena de juízos propriamente humana. Contudo, são fetiches também segundo derivações outras, na medida em que tais objetos imantados tornam-se fonte de gozo, cuja necessidade impele cada vez mais ao toque, à posse, à publicidade, ao consumo, ou mesmo ao seu reverso patológico, o roubo. A crítica à teoria do gênio leva em conta que, em um mundo no qual tudo vira mercadoria, seria muito ingênuo achar que um homem torna-se artista e é ou será valorizado apenas porque a natureza nele inscreveu um dom especial para dar regras à arte. Sabemos que muitos outros fatores, mercadológicos e culturais, circulam nesse universo de artistas, desejos e críticos, e que o gênio é apenas uma utopia perdida, uma utopia moderna. Uma última ingenuidade – invertendo a polaridade entre ingênuo e reflexivo pensada por Schiller para contrastar antigo e moderno – de comunhão da arte com algum todo, última miragem de acesso ao absoluto.

Outras críticas apontam, ainda, que invariavelmente a natureza escolhe seu “gênio” dentre os homens europeus, mais ou menos como aqueles discos voadores dos filmes que sempre calham de pousar em solo norte-americano. Tirando de cena aquela intenção da natureza que ainda regia a Humanidade da perspectiva da espécie em Kant, o que sobra não é projeto ou mesmo coincidência, mas etnocentrismo. Muito do que se chama hoje de arte contemporânea procura discutir exatamente esse ponto de vista do artista, aprofundando questões sobre identidade cultural, sobre as questões do feminino e do masculino, questões políticas, questões de dominação de uma cultura sobre outras etc. Se esta não é a “melhor” arte feita atualmente – não estamos autorizados a dizer qual a boa arte, pois cairíamos em um problema que nos devolveria à esfera kantiana dos juízos que aprazem sem conceito, exatamente aquela que se está criticando –, esta é a arte que mais merece destaque. Não é fácil delimitar se esse destaque, essas escolhas (essas curadorias...) se dão pela patente institucionalização presente no universo da cultura, ou, por outro lado, se as seleções explicitam as manifestações artísticas que mais respondem às preocupações atuais. A própria institucionalização iniciada nos anos 50 circunscreve os juízos em uma espécie de círculo tautológico que vai do curador ao público e deste novamente para o ponto de partida institucional. Mesmo sem deslindar o círculo (ou circuito) de transformação da antiga “arte moderna” na arte contemporânea de hoje, os mitos da obra, do gênio, da originalidade já não parecem mais fazer sentido, pois, a rigor, não há “obra” ou “artista”, não há um “quadro” pintado por alguém; há procedimentos, ideias, objetos coletados nas ruas, imagens e textos comuns, sem originalidade, retirados de revistas etc.

Porém, se um artista resolve discutir um tema cultural, apropriandose de objetos que se tornam, por essa operação, diferentes, ele não está pressupondo que sua ação assinala essas coisas comuns e as transforma, expondo-as a uma comunidade de homens e mulheres que julgam? Não está pressupondo que, embora sem regras e mesmo sem obra bela ou sublime, há uma atitude diferenciada própria ao artista, que dá aos objetos outras possibilidades de interpretação? Para escapar ao círculo da institucionalização, cujas premissas silenciosas podem fazer as vezes de preceptivas contrabandeadas pela porta dos fundos, não é preciso pensar que há uma arena viva de tensões instigadas por esse agente “arte”? E a interpretação desse objeto-arte não pressupõe aqueles homens e mulheres modernos que, nos dizeres de Thierry de Duve (1989), não precisam necessariamente possuir cultura (seja ela qual for) e refinamento, mas apenas exercer seu juízo?

ABSTRACT: This article aims to show the aesthetic judgments of the Third critique of Kant in relation to the discourses on modern art. In didactic manner, we propose to show the relationship between the Kantians judgments and the artistic modernity, its development and its contemporary criticism. We do not propose, however, a detailed analysis of Kant’s philosophy, but expose the various interpretations which this philosophy received when it opened another space for Aesthetic. This article does not show art as “free play” or as “beautiful” and as “finality without end”, but investigates the autoreflexivity of the aesthetic judgments. The interpretation of the modern art could be, ultimately, an exercise of communal judgments?

KEYWORDS: Aesthetic judgments. Sensus communis. Modern art.

Referências

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VASARI, Giorgio. Vida de Michelangelo Buonarroti. Notas e tradução de Luiz C. Marques Filho. [S.l: s.n.], [19—?]. Mimeografado.



[1] Uma versão resumida deste texto foi apresentada como comunicação no II Seminário Nacional de Pesquisas em Cultura Visual da Universidade de Goiás, em 2009. O tom afirmativo da redação se deve, em parte, à característica didática da exposição. 2 Professora – Universidade de Brasília. E-mail: rufinoni@unb.br

https://doi.org/10.1590/S0101-31732010000200006

[2] Todas as citações de Vasari são de A Vida de Michelangelo Buonarroti. Tradução e notas de Luiz Marques, mimeo, s/p. Esta tradução, ainda inédita, foi bibliografia de um curso que Marques ministrou na UNICAMP, nos anos 1990. Não há como precisar o quanto essas aulas foram fundamentais para minhas reflexões futuras.

[3] “Recebeu com aspecto benigno de Mercúrio e Vênus na segunda casa de Júpiter, o que pressagiava trabalhos, nas mãos e no engenho, maravilhosos e estupendos” (VASARI. op cit.)

[4] O “modernista” do título diz respeito a essa acepção bastante geral. É uma discussão que pretende restringir-se ao âmbito artístico, a despeito das várias polêmicas que o termo sempre levanta.

[5] Quem atribui esta afirmação a Poussin é Roger de Piles. Cf. POUSSIN, 1964.

[6] Das Geschmacksurteil sinnet jedermann Beistimmung an; und, wer etwas für schön erklärt, will, daß jedermann dem vorliegenden Gegenstande Beifall geben und ihn gleichfalls für schön erklären solle. Das Sollen im ästhetischen Urteile wird also selbst nach allen Datis, die zur Beurteilung erfordert werden, doch nur bedingt ausgesprochen. KANT, I. Kritik der Urteilskraft. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 2004. p. 94. Na tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, a substantivação do verbo é traduzida por: “O deverser no juízo estético é, pois, enunciado apenas condicionalmente, mesmo depois de todos os dados que são requeridos para o julgamento [...] ”; e, na de Valério Rohden e António Marques, apenas, “O dever [...]”.

[7] A noção de arte pela arte própria ao fin de siècle, pelo avesso, pode ser vista como um sintoma do que essa nova articulação poderia proporcionar, em suas últimas consequências.

[8] Tradição a que se refere o próprio Kant, em nota à Estética Transcendental. Cf. Crítica da Razão Pura, Estética transcendental, § 1, nota.

[9] “Por sensus communis, porém, tem que se entender a idéia de um sentido comunitário (gemeinschaftlichen), isto é, de uma faculdade de julgamento, que na sua reflexão considera em pensamento (a priori) o modo de representar de todo o outro, como que para ater seu juízo à inteira razão humana e assim escapar à ilusão que - a partir de condições privadas subjetivas, as quais facilmente poderiam ser tomadas por objetivas – teria influência prejudicial sobre o juízo”. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade de Julgar, § 40. Cf. ARENDT, Hannah. Lições sobre a filosofia política de Kant.

[10] Segundo Habermas, Schiller mistura “tacitamente o conceito kantiano de juízo com o conceito tradicional, que na linha aristotélica (chegando até mesmo a Hannah Arendt) nunca perdera o vínculo com o conceito político de senso comunitário”. O discurso filosófico da modernidade, p. 69.

[11] Apud HABERMAS. op. cit., p. 66.

[12] Esse texto completo de Lyotard foi publicado em Critique, n. 419, 1982. Cito-o a partir dos trechos selecionados da polêmica entre Lyotard, Habermas, Portoghese, entre outros, publicados pela Arte em Revista - CEAC. Centro de Estudos de Arte Contemporânea, ano 5, n. 7, 1983.