RESENHA/REVIEW

FRENCH, Steven. Ciência: conceitos-chave em filosofia.Trad.: André Klaudat. Porto Alegre: Artmed, 2009, 196 pp.

Leonardo Francisco SCHWINDEN[1]

Questões de filosofia da ciência: um panorama atual

Ciência: conceitos-chave em filosofia é uma introdução atualizada de filosofia da ciência escrita pelo professor Steven French com base no material utilizado por ele com os alunos do primeiro ano na Universidade de Leeds. O livro é composto de um total de dez capítulos, relativamente curtos, embora bastante densos em termos da quantidade de teorias analisadas e aspectos considerados de cada uma. Quanto ao estilo, segue a linha da famosa introdução escrita por Alan Chalmers e publicada no Brasil como “O que é ciência, afinal?”. O livro de French é também cheio de exemplos históricos e atuais da ciência e adota igualmente um estilo de exposição, por assim dizer, bastante amigável com o leitor, por vezes divertido. Mas existem diferenças vantajosas: a inclusão de discussões fundamentais como o realismo científico, abordagem semântica das teorias, a construção social do conhecimento científico. Temas não contemplados pelo livro de Chalmers. Ciência distingue-se ainda pela estruturação em torno de questões gerais sobre a ciência, em vez de ser uma exposição linear de diferentes teorias sobre a ciência, como acontece em Chalmers. Vejamos um resumo do que French propõe em cada capítulo.

No capítulo um – Introdução – o autor identifica a questão central do livro: como a ciência funciona? Questão que ele desdobra em: como os cientistas produzem suas teorias? Como eles as testam? Como eles derivam conclusões dessas teorias sobre como o mundo pode ser? E quais são os papéis desempenhados pelos fatores sociais e políticos na prática científica? French faz então uma análise sobre as estratégias disponíveis para se responder a essas questões. Uma possibilidade é ouvir os próprios cientistas podem dizer a respeito delas. Mas, segundo French, logo se revelaria pouco promissora, tendo em vista que os cientistas muitas vezes oferecem respostas diferentes a tais questões. French exemplifica com duas definições incompatíveis entre si, dadas pelo mesmo cientista, ninguém menos do que Einstein. A segunda estratégia, praticada por alguns sociólogos e filósofos da ciência, é a de observar não o que os cientistas dizem, senão o que fazem. O problema dessa estratégia, para French, é que não existe clareza se ela é capaz de responder a questão de como as teorias recebem suporte pelas evidências, ou qual a capacidade das teorias de dizer como o mundo é. Outra restrição que aponta é no fato de que “a maioria de nós não tem inclinação nem tempo para segui-la”, isto é, observar o que os cientistas fazem. Propõe então uma alternativa mais simples: “analisar estudos de caso, alguns retirados da história da ciência, outros retirados do nosso próprio exame de livros de notas, registros e papéis de cientistas na ativa. Com base em tal exame, podemos descrever ao menos certo aspecto da prática científica e, com isso em mãos, poderemos começar a formular uma resposta para as questões apresentadas”. Note-se que, apesar das diferenças com as outras estratégias, ele entende sua alternativa como uma estratégia descritiva, em vez de normativa, seguindo a tendência de que segundo ele levou “os filósofos a abandonar o jogo de explicar como a ciência deveria funcionar para se concentrar em como ela funciona”. A propósito, French afirma que a mudança de orientação normativa para descritiva “provocou uma lacuna enorme na habilidade do público não-científico de exercer algum controle sobre a agenda da ciência”. Infelizmente, nada mais esclarece sobre o que uma coisa pode tem a ver com a outra.

O capítulo dois – Descoberta – procura responder a questão “como são descobertas as teorias, as hipóteses, enfim, os modelos científicos?” É curioso, aliás, dizer que as teorias são descobertas, como se estivessem ocultas, aguardando serem reveladas. Talvez fosse mais apropriado dizer ou perguntar como as teorias são desenvolvidas. De qualquer maneira, French parte de uma discussão sobre a “visão comum” segundo a qual as teorias são “lampejos criativos” ou “momentos eureca” dos cientistas. Concepção semelhante é a “visão romântica” em que as descobertas são pensadas como frutos do gênio ou talento, que por sua vez são atributos de natureza tida como irracional e não analisável. Segundo French, essa visão inspirou dentro da filosofia o estabelecimento da importante distinção entre o contexto de descoberta e o contexto de justificação. A visão de que o trabalho de descrever as circunstâncias em torno das descobertas científicas representa um contexto marcado pela relatividade e pela contingência, a ser estudado por historiadores, psicólogos e sociólogos. A filosofia da ciência, na medida em que estaria preocupada com aspectos racionais e objetivos e pelo encadeamento lógico do conhecimento científico, deveria se ocupar com um contexto diferente, o contexto de justificação. French observa ainda que, tal distinção de contextos, além de ser bastante intuitiva, se harmoniza com a explicação geral do método científico conhecida como “hipotético-dedutiva”. Para essa visão, os cientistas formulam, não importa como, hipóteses tentando explicar os fenômenos e, com base nelas, procuram deduzir possíveis consequências observáveis que poderão confirmá-las ou falsificálas. French apresenta, na sequência do capítulo, as críticas contra a visão romântica das descobertas, alegando que “existem muito mais coisas envolvidas na descoberta do que um simples lampejo de compreensão”. Aponta a capacidade de observação e exemplifica como ela foi determinante para o médico Edward Jenner na descoberta da varíola. O capítulo termina com uma explicação detalhada do método indutivo enquanto alternativa para o método hipotético-dedutivo. E ainda, com uma discussão sobre os problemas da explicação indutiva das descobertas científicas. French não demonstra ser favorável a nenhuma das concepções de descobertas analisadas.

No capítulo três – Heurística o autor expõe uma visão alternativa de como as descobertas são feitas. A heurística designa “o estudo dos métodos e das abordagens que são usados na descoberta e na solução dos problemas”. A partir da análise de casos concretos da história da ciência, defende que é possível identificar diferentes procedimentos para a descoberta de teorias científicas: por exemplo, a busca por similaridades entre fenômenos supostamente distintos, a modificação sobre elementos de uma teoria aceita a fim de desenvolver uma teoria inteiramente nova (revolucionária), a identificação de falhas de uma teoria em vigor em vista de seu aperfeiçoamento. A parte final do capítulo é dedicada ao papel heurístico dos modelos.

No capítulo quatro – Justificação – a estratégia de estudos de casos da ciência passa para segundo plano, dando lugar a uma discussão mais centrada em teorias da filosofia da ciência. A questão focalizada é qual a relação dos dados experimentais para a validade das teorias e modelos científicos. Os assuntos tratados são numerosos e bastante complexos e nos fazem pensar se deveriam mesmo ter sido postos num mesmo capítulo. Em todo caso, French começa com uma exposição sobre o verificacionismo, teoria associada aos positivistas lógicos, de que os dados verificam as teorias. Em seguida, aponta os problemas em torno dessa concepção. Depois, relata a mudança dos positivistas para a concepção de que os dados confirmam as teorias. Também, apresenta as limitações que foram apontadas para essa nova concepção. Na sequência, faz exposição sobre uma teoria alternativa, o falsificacionismo de Karl Popper, segundo a qual os dados são importantes para falsificar as teorias permitindo com isso o aperfeiçoamento do conhecimento. Segue-se também uma discussão sobre as deficiências dessa teoria. O capítulo termina com um exercício de estudo sobre a afirmação de Paul Feyerabend de que “a idéia de um método científico especial é um conto de fadas” e o leitor é convidado desenvolver uma resposta.

O capítulo cinco – Observação – é de certa forma uma continuação do capítulo anterior. Procura investigar quão seguros são os fatos, questão fundamental tanto para a defesa do verificacionismo quanto do falsificacionismo. Como de costume, French começa como uma análise da visão comum sobre a observação. A pressuposição de que duas pessoas vendo o mesmo objeto nas mesmas circunstâncias veem a mesma coisa. Em seguida, apresenta uma série de exemplos que parecem derrubar essa idéia: imagens como o famoso cubo de Necker ou a do pato/coelho que admitem múltiplas leituras ou observações. “O que você vê não é determinado simplesmente pela luz que incide em sua retina. Isso é determinado por uma série de outros fatores: pela sua disposição mental, pelas suas crenças antecedentes, pelas minhas sugestões, por exemplo,” afirma French. Ele aponta que, observar em microscópios, em telescópios ou imagens geradas por Raios X exige o desenvolvimento de uma habilidade em que pressuposições sobre o que deve ser observado desempenham um papel crucial. Assim também, segundo French, as observações normais que fazemos envolvem inevitavelmente pressuposições. O autor defende que, por causa disso, temos que admitir, com Popper, que as observações não representam um terreno firme como se imaginava, mas que existe uma convenção em torno delas, que pode ser, e de fato tem sido revista à medida que o conhecimento avança.

O capítulo seis – Experimento – discute a importância dos experimentos para avaliar se as observações são confiáveis ou não. Dentre as estratégias que os cientistas dispõem para avaliar os dados observacionais, French destaca a de examinar e calibrar o equipamento para verificar se reproduz ou representa precisamente os fenômenos conhecidos, antes de empregálo nos desconhecidos. Embora reconheça que, no caso das observações astronômicas de Galileu, por exemplo, isso não tenha sido suficiente, pelo fato de que seus opositores acreditarem que os objetos terrestres e celestes obedecem a leis diferentes. Outra estratégia é usar a regularidade dos resultados para indicar que as observações são seguras: quanto às luas de Júpiter observadas por Galileu, French destaca que “é difícil argumentar que aqueles pequenos pontos de luz que via eram somente defeitos das lentes do telescópio quando apresentam um movimento regular em volta do planeta, e por fim, previsível”. Baseado nas ideias do filósofo da ciência Ian Hacking, French procura mostrar que a observação é muito mais do que um simples abrir de olhos, mas um processo de intervenção nas coisas. Desta forma, a experimentação entra como um componente crucial para o fornecimento de uma base confiável para o conhecimento científico. Na segunda parte do capítulo, French discorre outra vez sobre o papel dos modelos para a justificação das teorias. Papel, que segundo ele, é o de fazer uma mediação entre as teorias, naturalmente abstratas e complexas, com os dados observacionais, tipicamente mais simples. French prevê que “a força falsificadora de uma observação será atenuada pelo modelo, já que pode ocorrer de que os fenômenos idealizados terem culpa, e não a teoria”. Na parte final, o autor fala ainda de dois tipos de modelos mais básicos, ligados mais propriamente às observações do que às teorias: os modelos de fenômenos e os modelos de dados. Sem, no entanto, oferecer os devidos exemplos desta vez. Como conclusão, French defende que depois de reconhecermos toda a mediação dos modelos, a questão da justificação resulta menos simples do que se suspeitava inicialmente. “Contudo”, assevera, “se quisermos descrever precisamente a justificação na ciência, acomodar tudo isso é uma tarefa que teremos que enfrentar como filósofos da ciência”.

A problemática do capítulo sete – Realismo – é saber até que ponto teorias científicas bem testadas são capazes de dizer coisas verdadeiras em relação a como é o mundo. French aponta três respostas possíveis: O realismo padrão, conforme o qual as teorias nos dizem como o mundo é, tanto nos seus aspectos observáveis, quanto inobserváveis. Em segundo, o instrumentalismo ou a visão de que as teorias nos dizem como o mundo é, somente em seus aspectos observáveis, interpretando as entidades inobserváveis como meros instrumentos. Em terceiro, o empirismo construtivo, concebe que as teorias nos dizem como o mundo é em seus aspectos observáveis e somente de como o mundo pode ser em seus aspectos inobserváveis. A primeira resposta, isto é, o realismo científico é o foco do capítulo. É apresentado o argumento mais famoso em favor do realismo, cujo nome aliás é de difícil tradução para o português: argumento sem milagres ou argumento derradeiro, atribuído a Hilary Putnam. Em seguida, apresentam-se contraargumentos. Primeiro, a famosa Meta-indução Pessimista, de Larry Laudan (embora French não o cite). Depois, é feita uma exposição, bastante clara, do problema da subdeterminação da teoria pela evidência, problema que em muitos casos parece inviabilizar a tomada de uma postura realista. São feitas rápidas digressões a respeito do modelo nomológico-dedutivo de explicação e do critério de simplicidade, pressupostos ou invocados pelos realistas. O último problema apresentado é o da petição de principio que o Argumento Derradeiro parece incorrer ao pressupor justamente uma das coisas que estão em disputa. Por fim, French conta como os anti-realistas resolvem a questão do sucesso da ciência de maneira a dispensarem o conceito de verdade das teorias.

O capítulo oito – Anti-realismo – inicia com um resumo do capítulo anterior, depois do qual passa a discutir as alternativas ao realismo científico. Frech faz uma apresentação – aliás, bastante competente – do empirismo construtivo que, segundo ele, é a forma de anti-realismo dominante atualmente. Observa que essa posição pode parecer um tanto extravagante por se basear em uma definição bastante restritiva da observabilidade. Ressalta por outro lado, tratar-se de uma posição muito capaz de enfrentar os obstáculos que o realismo aparentemente não consegue. Apesar da manifesta simpatia de French pelo empirismo construtivo, não deixa de reconhecer as limitações dessa posição: relacionadas de um lado, ao caráter convencional da distinção observável/inobservável e, de outro, à sua explicação darwinista para o sucesso da ciência. Embora, talvez French não seja suficientemente claro quanto a esse problema. O realismo de entidades é apresentado como uma alternativa menos radical. Diversamente ao realismo científico padrão, essa posição não envolve a preocupação em determinar se as teorias científicas são verdadeiras. Por outro lado, diferente do empirismo construtivo, não concorda que só podemos assumir como reais aquilo que podemos observar diretamente. Em vez das duas opiniões, defende que podemos assumir como verdadeiro ou real somente a existência de entidades diretamente observáveis ou não, desde que possamos interagir com elas de alguma forma de forma a produzir outros fenômenos. Uma terceira alternativa ao realismo é aquela segundo a qual “tudo o que podemos conhecer a respeito da realidade é capturado pelas equações que representam relações entre as coisas, cujas verdadeiras naturezas nunca podemos na verdade conhecer”. Essa posição sublinha mudanças radicais no nível de entidades inobserváveis ao longo da história da ciência, mas defende “a retenção de certas estruturas nesse nível”, razão pela qual é chamada de realismo estrutural. Note-se que é uma espécie mais atenuada de realismo em relação às teorias. Como nos casos anteriores, existem também objeções ao realismo estrutural, dentre as mais importantes, é a possibilidade de mostrar que as estruturas também mudam pelo que, segundo French, “teremos perdido uma das principais vantagens de optarmos pelas estruturas, que é responder à Meta-indução Pessimista”. Na conclusão, o autor esclarece ter apresentado apenas as posições mais representativas do debate e que nenhuma delas tem vantagem absoluta em relação às demais. Por último, propõe um exercício de estudo desafiando o leitor a tentar justificar a existência de entidades inobserváveis, como bactérias, genes e elétrons.

O capítulo nove trata da questão da independência da ciência em relação ao contexto social e político. French começa identificando dois sentidos possíveis para se conceber essa dependência: um que segundo ele não solapa ou invalida a ideia de objetividade e outro que sim. Enquadra-se no primeiro sentido, a afirmação de que os fatores sociais podem determinar o que as ciências investigam. Por exemplo, a influência de interesses sociais como o lucro pode determinar a destinação de recursos em pesquisas de um tipo de doença em vez de outro menos lucrativo. Ou ainda, quando se diz que os fatores sociais podem determinar como a ciência investiga. Por exemplo, para os padrões éticos de nossa sociedade é errado realizar experimentos potencialmente perigosos com cobaias humanas. Poderia não ser assim em outra sociedade. E também a ideia de objetividade não é solapada quando se diz que os fatores sociais podem determinar o conteúdo das crenças científicas, desde que se reconheça essa influência existe apenas na descoberta ou invenção da teoria. Por outro lado, se a determinação do conteúdo significa que “o que conta como evidência é assim determinado”, afirma French, “então poderemos bem concluir que a objetividade da ciência foi erodida ou talvez solapada completamente. (...) As teorias científicas e os fatos científicos precisariam então ser vistos como socialmente construídos”. O autor apresenta, em seguida, o Programa Forte de Sociologia do Conhecimento Científico como uma proposta de construtivismo social da ciência. Relata que, conforme o programa, os fatores sociais atuam como causas da credibilidade das crenças científicas, independente de serem assumidas como racionais, ou irracionais, verdadeiras ou falsas. De acordo com isso, a credibilidade de certas crenças e procedimentos científicos é uma construção social e até mesmo os fatos o seriam, na medida em que dependem de interações sociais específicas e historicamente contingentes. French avalia que “essa é uma posição bastante radical de se adotar e que produz uma forma de relativismo, pois, se os fatos dependem do contexto, então em um contexto social diferente conduzirá a um conjunto diferente de fatos e de um conhecimento científico diferente”. Enfatizando o relativismo, o autor sublinha que, para o Programa Forte, as crenças científicas estariam no mesmo nível que crenças de outros contextos. Na sequência, o autor ventila alguns supostos problemas do relativismo: o fato da própria alegação relativista estar sujeita ao relativismo (problema da reflexividade), o fato do relativismo bloquear, segundo French, a mudança, tanto no campo da política, quanto no da ciência. E ainda, o fato do relativismo bloquear a comunicação e o entendimento entre diferentes comunidades sociais. O autor reconhece que essa última objeção normalmente pressupõe a questionável inferência da melhor explicação, mas no tocante às outras objeções não nos dá a impressão de ter ouvido o que os relativistas têm a dizer a seu favor. Por exemplo, para um relativista como David Bloor, a reflexividade longe de ser um problema é assumida abertamente como um princípio de seu programa. Felizmente, French termina o capítulo admitindo que o assunto é complexo. Mas não podemos deixar de notar que para ele o relativismo do Programa Forte é incompatível com a idéia de objetividade e racionalidade da ciência, pressuposição, diga-se de passagem, bastante questionável.

O capítulo 10 – Parcialidade de Gênero – examina como a parcialidade de gênero enquanto fator social específico poderia comprometer a objetividade científica. Primeiramente, French discute acusações de parcialidade segundo ele menos comprometedoras à objetividade das teorias: como a de que a parcialidade de gênero pode se manifestar na proporção de homens e mulheres na ciência, também na escolha do assunto que a ciência investiga ou ainda na forma com a qual a ciência investiga. Então, passa a analisar um tipo de acusação que afirma solapar a objetividade “de uma maneira muito mais grave”: a de que a parcialidade de gênero pode determinar o conteúdo das crenças científicas, isto é, o que elas dizem sobre o mundo pode ter parcialidade de gênero. Neste caso, não se trataria de uma descrição objetiva do mundo, no sentido de estar livre de interesses ou pressuposições, senão, moldada (construída) justamente por tais fatores. French analisa primeiro um caso concreto em que a descrição dos primatologistas sobre a organização social de saguis e primatas demonstrou ser influenciada por pressuposições de gênero mantidas pelos cientistas. O segundo caso envolve teorias pretendendo explicar a evolução hominídea. De um lado, a perspectiva machista coloca o homem caçador como protagonista desse processo, ao passo que a perspectiva feminista, por outro lado, coloca a mulher coletora como protagonista. French observa que essa situação representa um bom exemplo de subdeterminação das teorias pelos dados, uma vez que as duas teorias, conforme assegura, demonstram acomodar bem os dados disponíveis. Na sequência, pergunta que lição é possível tirar a partir de tais demonstrações de parcialidade de gênero? Segundo ele, algumas feministas concluem que não existe uma maneira objetiva de selecionar as teorias e que as decisões científicas sempre dependem do seu contexto social. Porém, diz que isso é problemático, porque parece diminuir a capacidade das evidências de forçarem justamente a mudança de teorias. Outro problema, é que talvez seja exagerado pressupor que todas as teorias científicas contêm parcialidade de gênero. French defende que as teorias da química, na engenharia e especialmente na física são visivelmente menos sujeitas a esse tipo de influência quando comparadas como as teorias da primatologia e da paleo-antropologia. Por outro lado, defende ser possível admitir que algum conteúdo das teorias seja parcial quanto ao gênero e que é preciso fazer um exame para expor tais pressuposições. Mas há também o problema, conforme ele sugere, de como convencer os defensores de visões parciais quanto à objetividade de suas alegações se você adota uma posição relativista. “Talvez, então, não haja um meio-termo e sejamos simplesmente forçados a escolher uma compreensão em detrimento de outra” conclui. Embora admita imediatamente, na conclusão do capítulo, que “as coisas não são preto no branco aqui e nem deveriam ser” e que suas respostas aos argumentos dos relativistas ou construtivistas sociais não são definitivas, “ou mesmo talvez algo que fosse minimamente adequado como resposta”. Fica claro que o autor tende a ver a perspectiva relativista com desconfiança, sobretudo porque na sua visão ela parece ser incompatível com a ideia de objetividade e racionalidade da ciência. E ele mesmo confessa seguir os filósofos da ciência para os quais “alguma forma de objetividade pode ser alcançada”. Cabe saber se todo relativismo é mesmo incompatível com a ideia de objetividade. Quem sabe também não é parcial a visão assumida por French de que os interesses sociais atuam apenas para distorcer o conhecimento, e que a objetividade não é mantida ou alcançada também por esse tipo de interesses? De todo modo, a insegurança manifestada por French em relação a esses assuntos é bastante compreensível, principalmente porque se encontram em pleno debate atualmente.

No Apêndice, por fim, o autor disponibiliza um guia de revisão e também uma lista de obras introdutórias e de coletâneas de artigos clássicos da área de filosofia da ciência. Compreensivelmente, os leitores brasileiros têm menos acesso a elas do que os alunos de French ou os leitores para os quais a obra foi originalmente escrita. Por isso, na medida em que pretende ser uma amostra representativa desses trabalhos, o livro de French constitui, ao lado de outras boas introduções produzidas em nosso país, um recurso seguramente útil para quem busca uma compreensão ampla das visões e questões em torno do conhecimento científico desenvolvidas pela filosofia da ciência até recentemente.



[1] Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Resenha recebida em 04/2009 e aprovada em 05/2009.