Editorial
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EDITORIAL
ApREsEnTAçãO DO DOssIê “DIREITOs HumAnOs, IncLusãO E EDucAçãO EspEcIAL
Washington Cesar Shoiti NOZU1
Kamila LOCKMANN2
Nos últimos anos, sobretudo a partir da Convenção Internacional dos Direitos das
Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU), em dezembro de 2006, os direitos humanos das pessoas com deficiência passam a ser
globalmente disseminados e subsidiados em concepções de dignidade, de acessibilidade, do modelo
social/biopsicossocial da deficiência e de justiça social.
Nessa perspectiva, os direitos humanos das pessoas com deficiência devem ser
concretizados de modo a conjugar os princípios da igualdade e da diferença. Em outras palavras, é
preciso articular os direitos humanos clássicos (que tomam a pessoa humana em sentido genérico,
universal) e os direitos humanos contemporâneos (que se atentam às especificidades dos seres
humanos, considerando os múltiplos processos de desigualdade e exclusão social). Trata-se de
uma defesa ao acesso das pessoas com deficiência aos bens materiais e imateriais produzidos pela
humanidade e, simultaneamente, o provimento de ações demandadas por suas particularidades. Tal
defesa torna-se fundamental para o funcionamento e fortalecimento da democracia, quando esta é
compreendida como o que “permite a todos os seus membros uma participação igualitária em seus
benefícios e que assegura com flexibilidade o reajuste de suas instituições por meio da integração
das diferentes formas de vida comunitária” (DEWEY apud DARDOT; VERGNE, 2023, p. 22).
Trata-se de compreender, então, que a democracia tem como base a noção de igualdade, como bem
nos lembra Brown (2019). Falar em igualdade não é argumentar contra as diferenciações necessárias
para garantir a participação de todos; mas assumir, em um Estado democrático, a necessidade de
medidas equitativas nos processos, nas práticas e na estrutura das instituições a fim de garantir
a participação de todos os seus membros. Igualdade não como norma de partida que regula os
processos, mas como fim a ser atingido por uma sociedade que compreende todos os seus membros
como sujeitos de direitos.
Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. E-mail: wcsn1984@yahoo.
com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1942-0390
Doutora em Educação. Professora do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: kamila.
furg@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1993-8088
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2023.v10n2.p07-10
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Isso significa dizer que um Estado democrático só existe de fato, uma democracia
radical só se efetiva com participação igualitária de todos os sujeitos. Assim, conforme destaca
Brown (2019, p. 35), “cultivar a democracia em tais circunstâncias implica uma demanda
específica para o Estado, a saber, a de que ele aja deliberadamente para reduzir as desigualdades
de poder entre os cidadãos”.
São esses tensionamentos, entre a consolidação e reafirmação dos direitos humanos das
pessoas com deficiência, com ênfase no direito à educação, e os processos de in/exclusão vivenciados
por tais sujeitos, que nos mobilizam a organizar este Dossiê, que reúne um conjunto de 12 textos
de 28 pesquisadoras/es de diferentes instituições de Ensino Superior, de quatro macrorregiões
brasileiras (Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul). Trata-se de uma possibilidade de pensar o
tema a partir de diferentes contextos brasileiros, com distintos aportes teórico-metodológicos que
sustentam as pesquisas aqui compartilhadas.
O primeiro artigo, de Gustavo Martins Piccolo, com o título Justiça Social como igualdade
de acesso: por uma abordagem anticapacitista dos Direitos Humanos, constitui-se em um ensaio teórico
que proclama a necessidade uma crítica radical ao capacitismo como marco fundamental para a luta
por direitos humanos e para a produção de uma sociedade justa. O autor argumenta que a justiça
social e de acesso se alcançará alterando tanto a forma física do mundo como a maneira pela qual
ele é sentido e percebido.
Na sequência, o manuscrito Assistencialismo e representatividade alegórica das pessoas com
deficiência, de Viviane Nunes Sarmento e Wender Paulo de Almeida Torres, analisa os retrocessos de
direitos das pessoas com deficiência mediante as estratégias de assistencialismo e representatividade
alegórica do governo Bolsonaro, problematizando as relações entre o bolsonarismo e o capacitismo.
O texto de José Aparecido da Costa, Alexandra Ayach Anache e Eladio Sebastián-
Heredero, intitulado Acessibilidade e Justiça na Educação Superior dos estudantes com deficiência
visual: uma questão de direitos humanos, aborda aspectos sobre o acesso de estudante com deficiência
visual na Educação Superior e a garantia do acesso ao currículo, com ênfase no campo dos Direitos
Humanos das pessoas com deficiência, em correlação com a perspectiva da Escola Justa.
André Henrique de Lima e Leonardo Santos Amâncio Cabral, com o estudo Pessoas com
deficiência em Programas de Pós-Graduação: falemos de gestão e acessibilidade, identificam e analisam
fatores que constituem a legitimação do direito de ingresso, de acesso, de permanência e de titulação
de pessoas com deficiências em Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, desvelando subsídios
para diretrizes políticas e para a promoção de acessibilidade.
Em seguida, o trabalho Direito à acessibilidade em edificações e transportes escolares: decisões
do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, de Cristiane da Costa Carvalho, Washington Cesar
Shoiti Nozu e Ana Cláudia dos Santos Rocha, analisa um conjunto de 20 decisões do Tribunal de
Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) relacionadas ao direito à acessibilidade em edificações e
transportes de escolas públicas sul-mato-grossenses.
O artigo de Charyze de Holanda Vieira Melo e Mônica de Carvalho Magalhães Kassar,
denominado Judicialização da Educação Especial: inclusão escolar na rede regular de ensino em
um município de Mato Grosso do Sul, sintetiza resultados de uma pesquisa sobre os processos de
judicialização da Educação Especial em um município no interior do estado de Mato Grosso do
Sul, no período entre 2009 e 2020.
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Sheila Lopes de Barros e Débora Dainez, no manuscrito intitulado Tendências da
judicialização na educação da pessoa com deficiência, caracterizam as ações judiciais relacionadas
à Educação Especial ajuizadas em uma comarca do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
identificando as principais solicitações, as decisões proferidas e as tendências da judicialização
nessa área.
O texto Direito à educação dos estudantes com deficiência intelectual: percepção dos
responsáveis pela educação especial nas coordenadorias regionais de educação da rede estadual de
Santa Catarina, de autoria de Francislanny Pereira de Jesus, Grazielle Franciosi da Silva Geovana
Mendonça Lunardi Mendes, busca compreender a concepção de educação inclusiva e a forma
como as políticas educacionais são interpretadas e traduzidas pelos atores políticos, que atuam
em diferentes contextos na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina, na garantia do direito à
educação dos estudantes com deficiência intelectual.
Por sua vez, as autoras Nadine da Silva Santos, Kamila Lockmann e Rejane Ramos
Klein, com o estudo As políticas de inclusão escolar e as narrativas docentes: uma análise a partir
dos modelos de deficiência, analisam as concepções de deficiência materializadas em documentos
oficiais referentes às políticas de inclusão escolar brasileiras, da década de 1990 até a atualidade,
assim como em narrativas de duas docentes que atuam junto aos estudantes da Educação Especial
em escola comum.
Dando sequência, Allan Rocha Damasceno, Mônica Pereira dos Santos e Rosangela
Costa Soares Cabral, em “Omnicrítica”: das culturas, políticas e práticas à perspectiva Omnilética,
buscam relacionar o conceito de “Inclusão em Educação”, em uma discussão teórico-epistêmica das
culturas, políticas e práticas, adotando a “Perspectiva Omnilética” em diálogo com a Teoria Crítica
da Sociedade, sobretudo do pensamento de eodor W. Adorno.
Valdelúcia Alves da Costa, no trabalho Educação inclusiva, direitos humanos, formação
docente e democratização da escola, analisa a formação docente, a democratização da escola e a
educação inclusiva na perspectiva dos direitos humanos, considerando as demandas humanas no
combate ao preconceito contra estudantes com deficiência.
Por fim, o último artigo, sob o título Formação docente em perspectiva inclusiva: retrocessos,
lacunas e distanciamentos no contexto brasileiro, de autoria de Ana Paula Dias Pazzaglini Roldi, Erica
Pereira Neto e Décio Nascimento Guimarães, investiga a forma pela qual o direito à educação
das pessoas em situação de deficiência está constituído nos documentos da Política Nacional de
Formação de Professores - BNC Formação e BNC Formação continuada.
Os artigos expõem cenários de violações dos direitos humanos das pessoas com deficiência,
principalmente o direito à Educação Básica e Superior, problematizando vários contextos brasileiros,
bem como os agenciamentos vinculados à judicialização, à política, às práticas, às culturas e à
formação docente para a construção de outras realidades possíveis.
Nessa direção, entendemos que o direito humano à educação da pessoa com deficiência
constitui-se pelo movimento contínuo de lutas: lutas para a positivação de direitos; lutas para a
efetivação de direitos; lutas contra o retrocesso de direitos; e lutas para a ampliação de direitos
(NOZU, 2020). Assim, desejamos que a leitura deste Dossiê produza reflexões sobre a tríade Direitos
Humanos, Inclusão e Educação Especial e, mais ainda, mobilize ações coletivas e colaborativas para
a satisfação da escolarização de estudantes com deficiência no Brasil.
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Por fim, gostaríamos de agradecer à artista Tânia Pardo, que gentilmente cedeu o uso da
tela “Luz” para a arte da capa deste Dossiê da RDPEE. Que o simbolismo deste artefato artístico
possa nos inspirar!
REfERêncIAs
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente.
São Paulo: Politeia, 2019.
LAVAL, Christian; VERGNE, Francis. Educação democrática: a revolução iminente. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2023.
NOZU, Washington Cesar Shoiti. Entre processos marginais e lutas transversais: a escolarização de
estudantes campesinos com deficiência. In: SANTOS, Arlete Ramos dos; NUNES, Claudio Pinto;
SILVA, Daniela Oliveira Vidal da (org.). O protagonismo da Educação do Campo em debate: políticas e
práticas. Salvador, BA: EdUFBA, 2020. p. 87-107.