UMA REFLEXÃO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO
DO SUPERDOTADO E A CONDIÇÃO DA DUPLA
EXCEPCIONALIDADE
A REFLECTION ON THE CHARACTERIZATION OF
THE GIFTED AND THE CONDITION OF TWICE
EXCEPTIONALITY
Felipe Rodrigues MARTINS
Doutor em Ensino de Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Coordenador do Setor
Espaço de Inclusão do Instituto Superior do Rio de Janeiro – ISERJ, Rio de Janeiro, Brasil.
https://orcid.org/0000-0003-1428-027X | felipe_prof@yahoo.com
Fernanda Serpa CARDOSO
Doutora em Ciências e Biotecnologia pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Professora Adjunta
do Departamento de Biologia Celular e Molecular e do Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusão (CMPDI) da Universidade Federal Fluminense – UFF, Rio de Janeiro, Brasil.
https://orcid.org/0000-0003-3806-1725 | fernandalabiomol@yahoo.com.br
Rosane Moreira Silva de MEIRELLES
Doutora em Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Professora Adjunta do Departamento de Ensino
de Ciências e Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-9560-2578 | rosanemeirelles@gmail.com
MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de. Uma reflexão
sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla excepcionalidade. Revista Diálogos e Perspectivas em
Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024.
RESUMO: há indivíduos que conjugam habilidades e competências e que, contudo, têm déficits na comunicação e interação social. O presente
artigo discute a sub-representação de indivíduos superdotados e dentro do espectro autista, identificados como duplamente excepcionais. Foi realizada
pesquisa quantitativa transversal, através de questionário fechado estruturado, elaborado com o objetivo de caracterizar o participante de oficina em
dois eventos distintos, com responsáveis por crianças e adolescentes, realizados de forma remota, destinados exclusivamente a superdotados (n = 20). O
indivíduo foi caracterizado como majoritariamente do sexo masculino, nascido entre os anos de 2007 e 2010, sendo identificado por teste psicométrico,
predominantemente matriculado no Ensino Fundamental I de escola privada, sendo residente no município de Niterói. A maioria não participa de
atividade extracurricular de enriquecimento ou apresenta qualquer condição de dupla excepcionalidade. O pequeno número de indivíduos na condição
de dupla excepcionalidade envolvendo superdotação e o transtorno do espectro autista (n = 2) sugere negligência, que, por sua vez, pode estar relacionada:
(a) ao desconhecimento, especialmente no que tange os profissionais envolvidos na identificação e atendimento; (b) ao preconceito relacionado ao
autismo. Se tratando da dupla excepcionalidade envolvendo superdotação e o autismo, é bastante importante a sub-representação dos indivíduos autistas,
quando também superdotados, porque: (a) a condição de superdotação pode mascarar ou minimizar os possíveis prejuízos decorrentes do transtorno; (b)
as pessoas atribuem valores diferentes a uma e outra condição.
PALAVRAS-CHAVE: Superdotação. Autismo. Dupla Excepcionalidade. Identificação.
ABSTRACT: there are individuals who combine skills and competencies and who, however, have deficits in communication and social interaction.
is article discusses the underrepresentation of gifted individuals and individuals on the autistic spectrum, identified as twice exceptional. Cross-
sectional quantitative research was carried out, using a structured closed questionnaire, designed with the aim of characterizing workshop participants
in two different events, with guardians of children and adolescents, held remotely, aimed exclusively at gifted individuals (n = 20). e individual
was characterized as mostly male, born between 2007 and 2010, being identified by psychometric test, predominantly enrolled in Elementary School
I at a private school, and residing in the city of Niterói. e majority do not participate in enrichment extracurricular activities or have any double
exceptionality condition. e small number of individuals in the twice exceptionality condition involving giftedness and autism spectrum disorder (n =
2) suggests negligence, which, in turn, may be related to: (a) lack of knowledge, especially regarding the professionals involved in the identification and
service; (b) prejudice related to autism. When it comes to the twice exceptionality involving giftedness and autism, the underrepresentation of autistic
individuals, when also gifted, is quite important because: (a) the condition of giftedness can mask or minimize the possible losses resulting from the
disorder; (b) people attribute different values to one condition and another.
KEYWORDS: Giftedness. Autism. Twice Exceptionality. Identification.
REVISTA DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS EM
EDUCAÇÃO ESPECIAL
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2024.v11n2.e0240018
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 1-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
UMA REFLEXÃO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DO SUPERDOTADO E A
CONDIÇÃO DA DUPLA EXCEPCIONALIDADE
A REFLECTION ON THE CHARACTERIZATION OF THE GIFTED AND THE
CONDITION OF TWICE EXCEPTIONALITY
Felipe Rodrigues MARTINS
1
Fernanda Serpa CARDOSO
2
Rosane Moreira Silva de MEIRELLES
3
RESUMO: há indivíduos que conjugam habilidades e competências e que, contudo, têm déficits na comunicação e
interação social. O presente artigo discute a sub-representação de indivíduos superdotados e dentro do espectro autista,
identificados como duplamente excepcionais. Foi realizada pesquisa quantitativa transversal, através de questionário fechado
estruturado, elaborado com o objetivo de caracterizar o participante de oficina em dois eventos distintos, com responsáveis
por crianças e adolescentes, realizados de forma remota, destinados exclusivamente a superdotados (n = 20). O indivíduo foi
caracterizado como majoritariamente do sexo masculino, nascido entre os anos de 2007 e 2010, sendo identificado por teste
psicométrico, predominantemente matriculado no Ensino Fundamental I de escola privada, sendo residente no município
de Niterói. A maioria não participa de atividade extracurricular de enriquecimento ou apresenta qualquer condição de dupla
excepcionalidade. O pequeno número de indivíduos na condição de dupla excepcionalidade envolvendo superdotação e o
transtorno do espectro autista (n = 2) sugere negligência, que, por sua vez, pode estar relacionada: (a) ao desconhecimento,
especialmente no que tange os profissionais envolvidos na identificação e atendimento; (b) ao preconceito relacionado
ao autismo. Se tratando da dupla excepcionalidade envolvendo superdotação e o autismo, é bastante importante a sub-
representação dos indivíduos autistas, quando também superdotados, porque: (a) a condição de superdotação pode mascarar
ou minimizar os possíveis prejuízos decorrentes do transtorno; (b) as pessoas atribuem valores diferentes a uma e outra
condição.
PALAVRAS-CHAVE: Superdotação. Autismo. Dupla Excepcionalidade. Identificação.
Doutor em Ensino de Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Coordenador do Setor Espaço de Inclusão
do Instituto Superior do Rio de Janeiro – ISERJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: felipe_prof@yahoo.com. ORCID: https://
orcid.org/0000-0003-1428-027X
Doutora em Ciências e Biotecnologia pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Professora Adjunta do Departamento
de Biologia Celular e Molecular e do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (CMPDI) da Universidade Federal
Fluminense – UFF, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: fernandalabiomol@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-3806-1725
Doutora em Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Professora Adjunta do Departamento de Ensino de
Ciências e Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: rosanemeirelles@
gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9560-2578
2-15 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024.
MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de
ABSTRACT: there are individuals who combine skills and competencies and who, however, have deficits in communication
and social interaction. is article discusses the underrepresentation of gifted individuals and individuals on the autistic
spectrum, identified as twice exceptional. Cross-sectional quantitative research was carried out, using a structured closed
questionnaire, designed with the aim of characterizing workshop participants in two different events, with guardians of
children and adolescents, held remotely, aimed exclusively at gifted individuals (n = 20). e individual was characterized
as mostly male, born between 2007 and 2010, being identified by psychometric test, predominantly enrolled in Elementary
School I at a private school, and residing in the city of Niterói. e majority do not participate in enrichment extracurricular
activities or have any double exceptionality condition. e small number of individuals in the twice exceptionality condition
involving giftedness and autism spectrum disorder (n = 2) suggests negligence, which, in turn, may be related to: (a) lack of
knowledge, especially regarding the professionals involved in the identification and service; (b) prejudice related to autism.
When it comes to the twice exceptionality involving giftedness and autism, the underrepresentation of autistic individuals,
when also gifted, is quite important because: (a) the condition of giftedness can mask or minimize the possible losses
resulting from the disorder; (b) people attribute different values to one condition and another.
KEYWORDS: Giftedness. Autism. Twice Exceptionality. Identification.
INTRODUÇÃO
Em sentido amplo, a inteligência representa a capacidade cerebral pela qual penetra-
se na compreensão das coisas escolhendo o melhor caminho, sendo o produto de uma
operação cerebral que permite resolver problemas e/ou criar produtos que tenham valor em
determinada sociedade (Antunes, 2008). No entanto, a partir dos avanços da ciência cognitiva,
nas últimas décadas, a inteligência passou por significativas mudanças epistemológicas e
axiológicas (Gáspari; Schwarts, 2002).
Em termos históricos, Gardner (1983) revolucionou o campo da psicologia cognitiva,
ao ultrapassar a noção comum de inteligência como capacidade ou potencial geral que cada
ser humano possui em maior ou menor extensão. Além disso, questionou a suposição de que
a inteligência pudesse ser medida por instrumentos verbais padronizados. Já Sternberg (1984)
postulou que a inteligência seria constituída por três subteorias: uma teoria contextual, que
relaciona a inteligência com o mundo externo do indivíduo; uma subteoria componencial,
que relaciona a inteligência com o mundo interno do indivíduo; e uma subteoria de duas
facetas, que relaciona a inteligência aos mundos externo e interno.
Recentemente, uma fusão entre os modelos de Cattell-Horn e Carroll emergiu
como modelo de consenso baseado em psicometria para entender a estrutura da inteligência
humana. Cattell (1971) acreditava que a inteligência fluida incluía habilidades de raciocínio
indutivo e dedutivo, enquanto defendia a ideia de que a inteligência cristalizada consistia
em habilidades de conhecimento adquiridas que refletiam, em grande parte, as influências
da aculturação. Já Carroll (1993) reconciliou uma contradição bastante importante: a
conceituação unidimensional da inteligência defendida por Spearman e a proposição de que
a inteligência é uma construção complexa e multifacetada.
Quanto à superdotação, considera-se a hipótese que o comportamento superdotado
reflita a interação entre três grupamentos básicos de traços humanos: capacidade acima
da média, elevados níveis de envolvimento com a tarefa e de criatividade. Os indivíduos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 3-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
com comportamento superdotado são aqueles que possuem ou são capazes de desenvolver
esse conjunto de traços e aplicá-los a qualquer área potencialmente valiosa do desempenho
humano (Renzulli, 1978; Renzulli; Reis, 1997). A compreensão da superdotação segundo
este prisma permite tanto transcender a ideia reducionista de que um indivíduo possa ser
rotulado” como superdotado quanto impõe a responsabilidade de oferecer oportunidades
para que estes indivíduos atinjam seu potencial de desempenho (Martins, 2016).
Sob outra perspectiva, diferencia-se superdotação e talento. Enquanto a superdotação
corresponde à competência nitidamente acima da média em um ou mais domínios de
habilidade, o talento se refere ao desempenho acima da média em um ou mais campos de
atuação humana (Gagné, 1985). Neste contexto, os conceitos de competência e desempenho
são importantes para entender as diferenças entre superdotação e talento. O talento se
expressa por meio de um conjunto de comportamentos vinculados a esse campo de atividade,
enquanto a superdotação é geralmente identificada por meio de medidas unidimensionais e
padronizadas, de modo a conectar as características individuais que “explicam” o desempenho
observado (Gagné, 1985).
De mesma forma que os conceitos de inteligência e superdotação estão sujeitos a
avanços e retrocessos em termos temporais, pode-se afirmar que a caracterização do indivíduo
dentro do espectro autista também evoluiu no tempo, conforme apontam as classificações
internacionais. O conceito de autismo avançou bastante desde a publicação dos artigos
Autistic Disturbances of Affective Contact, escrito pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner (1943),
e Die Autistiche Psychopathen in Kindersalter, escrito pelo também psiquiatra austríaco Hans
Asperger (1944). Embora tenham usado o mesmo termo, os quadros clínicos descritos pelos
autores são bastante distintos entre si, uma vez que os sujeitos descritos por Asperger eram
mais velhos e não havia atraso significativo no desenvolvimento cognitivo ou na aquisição
da linguagem (Irwin et al., 2011; Volkmar; Mcpartland, 2014). Já Kanner (1943) descreveu
o comportamento de crianças que não demonstravam qualquer apego aos familiares ou
companheiros de brincadeira, vivendo ensimesmadas. O autor utilizou o termo autismo para
descrever o pensamento autocêntrico e aparente afastamento do mundo social de determinado
grupo de crianças com esquizofrenia. Kanner (1943) postulou que o distúrbio fundamental
em crianças autistas era a incapacidade de se relacionar da maneira comum com pessoas e
situações desde o início da vida.
Em 1952, a American Psychiatric Association (APA) publicou a primeira versão
do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), onde o termo autismo
apareceu inserido na descrição da Reação Esquizofrênica, do tipo infantil. A terceira
versão do DSM, publicada em 1980, foi a primeira a apresentar o autismo como entidade
nosográfica, reconhecido como subgrupo dentro da categoria geral dos Distúrbios Gerais do
Desenvolvimento (Volkmar et al., 2012).
4-15 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024.
MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de
Recentemente, tanto no documento publicado pela APA, quanto no International
Classification of Diseases (ICD), publicado pela World Health Organization (WHO), o conceito
de autismo foi revisado, passando a ser categorizado como Transtorno do Espectro Autista
(TEA). Desde então, o transtorno é caracterizado por déficits persistentes na capacidade de
iniciar e manter a interação social recíproca e de comunicação social e por padrões restritos,
repetitivos e inflexíveis de comportamento e interesses. Os déficits devem ser suficientemente
severos para causar prejuízo na vida pessoal, familiar, social, educacional, ou ocupacional e são
geralmente observáveis em todos os ambientes, variando de acordo com o contexto (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2019).
A despeito de um ou outro modelo teórico de superdotação ou mesmo das mudanças
no conceito de autismo, há indivíduos que conjugam habilidades e competências que os
permitem resolver problemas e/ou criar produtos e que, contudo, têm déficits na comunicação
e interação social. Esses indivíduos, caracterizados como duplamente excepcionais, são
identificados como superdotados em uma ou mais áreas, ao mesmo tempo que possuem
uma deficiência de aprendizagem, emocional, física, sensorial e/ou de desenvolvimento
(Yewchuk; Lupart, 1993). Considerando a diversidade quanto aos conceitos de inteligência e
superdotação em termos temporais, bem como a evolução do conceito de autismo, o presente
artigo discute a sub-representação de indivíduos dentro do espectro autista e superdotados,
identificados como duplamente excepcionais.
MÉTODO
Foi realizada pesquisa quantitativa transversal, através de questionário fechado
estruturado, com responsáveis por crianças e adolescentes participantes de dois eventos
distintos, destinados exclusivamente a estudantes superdotados: IV Simpósio de Altas
Habilidades ou Superdotação e no IX Curso de Verão para alunos superdotados. Os eventos
foram organizados respectivamente pela coordenação do Curso de Mestrado Profissional
em Diversidade e Inclusão (CMPDI) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo
grupo de pesquisa Desenvolvimento e Inovação em Ensino de Ciências (DIECI), da mesma
instituição. O grupo de pesquisa atende, na perspectiva extensiva, estudantes superdotados
em consonância com a legislação vigente que prevê atividades de enriquecimento curricular
desenvolvidas em interface com os núcleos de atendimento a superdotados e/ou com
instituições de ensino superior (Brasil, 2001, 2009).
O simpósio foi realizado de forma remota entre os dias 03 e 05 de dezembro de 2021,
enquanto o curso foi realizado de forma remota entre os dias 24 e 28 de janeiro de 2022. Na
ocasião, o tema do simpósio era a identificação e o atendimento a alunos superdotados e uma
das propostas era ofertar atividades na perspectiva de Science, Technology, Engineering, Arts
and Mathematics (STEAM) para os participantes do evento. Já o curso de verão tinha como
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 5-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
objetivo atender a crianças superdotadas através de oficinas que utilizassem conhecimentos
científicos e matemáticos a fim de discutir alguma questão de cunho social. Feita a inscrição
pelos responsáveis em ambos os eventos e, feita a inscrição do menor em uma oficina, com
duração de 2h, voltada para CienciArte, foi enviado o questionário para os responsáveis. A
oficina constituía parte de um objeto de pesquisa de doutoramento em Ensino em Biociências
e Saúde.
O questionário para os responsáveis foi elaborado com o objetivo de caracterizar o
indivíduo superdotado participante da oficina (Gil, 2008; Vaughn; Jacquez, 2020). A coleta
dos dados ocorreu remotamente, por meio de um questionário desenvolvido na plataforma
Google Forms, enviado por e-mail na forma de lista oculta. Os dados quantitativos obtidos
por meio do questionário foram analisados por meio de planilhas utilizando o Microsoft
Excel, versão Office 365. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, tendo sido pautada na
eticidade, o que implica em consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção
a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes; ponderação entre riscos e benefícios; além da
garantia de que danos previsíveis fossem evitados (Brasil, 2012, 2016).
O questionário fechado foi construído com 11 perguntas, a saber: (a) grau de
parentesco com o menor; (b) data de nascimento do menor; (c) sexo; (d) menor foi identificado
como superdotado através de teste psicométrico; (e) segmento de escolaridade do menor no
ano de realização do evento; (f) tipo de escola onde o menor estuda em escola; (g) município
de residência do menor; (h) menor participa de algum extracurricular de enriquecimento para
superdotados; (i) menor apresenta dupla excepcionalidade; (j) menor faz acompanhamento
psicológico e/ou psiquiátrico; (k) se a resposta anterior for “sim”, o principal motivo para o
acompanhamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados representam a síntese de todas as respostas coletadas (n = 20
responsáveis), considerados os dois eventos. Do número total de questionários, 19 foram
preenchidos por pai ou mãe, enquanto 1 foi preenchido por tio ou tia. O indivíduo
superdotado foi caracterizado como majoritariamente do sexo masculino (n = 15), nascido
entre os anos de 2007 e 2010 (n = 8), sendo identificado, segundo relato dos responsáveis,
através de teste psicométrico (n = 13). O estudante está predominantemente matriculado no
Ensino Fundamental I (n = 8) de escola privada (n = 13) sendo residente no município de
Niterói (n = 7).
No Quadro 1, são apresentadas as informações referentes ao ano de nascimento,
ao segmento de escolaridade ao qual o indivíduo pertence e ao tipo de escola que frequenta.
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MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de
QUADRO 1- Síntese de informações sobre participantes das oficinas (n = 20)
Ano de nascimento Total Segmento de escolaridade Total Escola onda estuda Total
Entre 2003 e 2006 4 Educação Infantil 2 Pública 7
Entre 2007 e 2010 8 Ensino Fundamental I 8 Privada 13
Entre 2011 e 2014 6 Ensino Fundamental II 6
Entre 2015 e 2018 2 Ensino Médio 4
Total 20 Total 20 Total 20
Fonte: elaborado pelos autores.
O fato da maioria dos alunos estudar em escola privada ratifica a preocupação de
entidades da sociedade civil, como o Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer
Talentos (ISMART), que oferecem apoio a estudantes superdotados, através de atividades
suplementares, aulas de reforço ou até bolsas de estudo em instituições privadas de ensino
(Oliveira, 2021). A preocupação sobre a invisibilidade dos estudantes superdotados
especialmente na rede pública de ensino brasileira também preocupa os pesquisadores
brasileiros (Araújo, 2011; Pinheiro, 2020).
Ao analisar a situação de invisibilidade dos estudantes superdotados na educação
brasileira, com base em entrevistas realizadas com estudantes residentes na Baixada Santista,
Pinheiro (2020) observou que a invisibilidade ocorre, seja pela ausência de informações sobre
tais estudantes, seja pela ausência de ferramentas de matrícula e cadastro de alunos, o que
resulta, obviamente, na ausência de alunos classificados como superdotados. A invisibilidade
pode ser ainda maior, se forem consideradas questões étnicas, raciais ou de gênero (Cotton et
al., 2022). Em um estudo norte-americano, mulheres negras identificadas como superdotadas
compartilharam retrospectivamente seu(s) desempenho(s) ao longo de sua carreira acadêmica
e como essas experiências e atos de resiliência moldaram suas realidades em programas de
doutorado (Anderson, 2020).
Os resultados também atestam que a maioria destes indivíduos não participa de
atividade extracurricular de enriquecimento (n = 13), apesar do que preconiza a legislação
(Brasil, 2009). Apesar do questionário não ter coletado dados sobre o motivo pelo qual o
estudante não realiza qualquer atividade desta natureza, pode-se sugerir que ele não faça: (a)
por não haver interesse ou; (b) por não haver oferta.
A primeira hipótese pode ser justificada pelo fato dessas atividades serem mal
dimensionadas para os estudantes. Da mesma forma que algumas atividades podem subestimar
o potencial desses indivíduos, outras podem exigir conhecimentos que eles não possuem
previamente. Em relação à possibilidade de se estar subestimando tal potencial, Mendonça
e colaboradores (2022) observam que as atividades nos projetos de extensão normalmente
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 7-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
são classificadas como enriquecimento do tipo I ou II, enquanto as atividades promovidas
pela escola são do tipo I, o que não atingiria o interesse do superdotado. Por outro lado,
superdotados relataram desconforto ao participarem de um curso de robótica que demandava
um conhecimento prévio que eles não possuíam (Kandlhofer et al., 2019). A última situação
pode ocorrer sobretudo pela ideia equivocada de que o indivíduo superdotado seja autodidata
ou que seja apresente destaque em todas as áreas do conhecimento (Antipoff; Campos, 2010).
A segunda hipótese pode ser ratificada, como em um círculo vicioso, pela
invisibilidade destes alunos que, em função da falta de conhecimento sobre a área e de
reconhecimento de suas características pelos professores e gestores, são excluídos nas práticas
educacionais (Pérez; Freitas, 2011; Mota, 2022). Esta invisibilidade esbarra, entre tantas
questões, no desconhecimento da superdotação produtivo-criativa. Pérez (2004), ao tratar
da invisibilidade, empresta particularmente ao superdotado produtivo-criativo, o termo
fantasminha”. Segundo a autora, muitas vezes, identificam-se alunos talentosos entre aqueles
que desenham, cantam, dançam, representam ou têm destacado desempenho nos esportes,
mas esses desempenhos não são associados a superdotação.
No Quadro 2, são apresentadas as informações referentes à condição de dupla
excepcionalidade e ao acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. A maioria dos
responsáveis aponta que os estudantes não apresentam qualquer condição de dupla
excepcionalidade (n = 13) ou não soube responder (n = 4).
QUADRO 2 - Informações quanto à condição de dupla excepcionalidade (n = 20)
Apresenta dupla excepcionalidade? Total
Sim, Transtorno do Espectro Autista. 2
Sim, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. 1
Sim, deficiência de outra natureza. 0
o. 13
Não soube responder. 4
Total 20
Fonte: elaborado pelos autores.
Nos últimos cinquenta anos, as taxas de prevalência de TEA em crianças
aumentaram consideravelmente, de cerca de 0,05% para 1,0% (BURGER-VELTMEIJER
et al., 2011). De acordo com artigo veiculado através do Centers of Disease Control and
Prevention (CDC), a prevalência de autismo chega a ser de 1 para 36 entre crianças de 8 anos
de idade (MAENNER et al., 2023). Grande parte da variabilidade entre os estudos não é
etiológica e pode ser explicada por diferenças nos critérios diagnósticos e questões de desenho
8-15 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024.
MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de
do estudo (POSSERUD et al., 2010). O percentual quanto a superdotação é ainda mais
controverso. Pfeiffer (2002) observou que as taxas podem variar de 1%, utilizando um limite
de Quociente de Inteligência (QI) de 135, a cerca de 20%, utilizando múltiplos domínios
de talento. Escolhendo arbitrariamente como ponto de corte o QI de 130, a estimativa de
prevalência de superdotação é de aproximadamente 2,3%. Multiplicadas pelas estimativas
de TEA, as taxas estimadas de dupla excepcionalidade seriam de cerca de 1 a 2% (Burger-
Veltmeijer et al., 2011).
O confronto entre o último percentual (2%) e o percentual do estudo (10%), sugere
desacordo. A despeito do pequeno número de entrevistados (n = 20), o número de casos de dupla
excepcionalidade envolvendo superdotação e o TEA (n = 2) pode ser justificado, consideradas
as seguintes hipóteses: (a) parte dos indivíduos não foi identificada como superdotada através
de testes psicométricos; (b) os indivíduos, de fato, não estão dentro do espectro autista; (c) a
condição de dupla excepcionalidade é negligenciada. A negligência, por sua vez, pode estar
relacionada: (a) ao desconhecimento, especialmente no que tange os profissionais envolvidos na
identificação e atendimento; (b) ao preconceito relacionado ao autismo.
Dentre as diferentes hipóteses, fez-se a opção sobre discutir a questão da negligência.
A negligência, como consequência do desconhecimento, pode ser observada sob a perspectiva
histórica. Especialmente quanto a superdotação, até a década de 1960 predominava, de forma
geral, a ideia de que indivíduos superdotados seriam “melhores” que o restante da população,
sobretudo pela influência do trabalho de Terman (1925). Entretanto, entre a década de
1960 e 1970, duas publicações trouxeram à tona questões que colocariam em cheque essa
perspectiva: Children with developmental imbalances: a psychoeducational definition, de James
Gallagher (1996), e e gifted child with learning disabilities, de Joel Elkind (1973). Enquanto
o primeiro discutiu os picos e vales que demonstravam padrões de pontos fortes e fracos para
crianças superdotadas com dificuldades de aprendizagem, o segundo introduziu, de maneira
formal, a ideia de crianças superdotadas também teriam dificuldades de aprendizagem
(Baldwin et al., 2015).
Posteriormente, Meisgeier e colaboradores (1978) reconheceram que alunos
superdotados com dificuldades de aprendizagem precisavam tanto de suporte quanto de
programação avançada. Eles argumentaram que as questões emocionais, resultantes da
discrepância entre o que esses alunos podiam e o que não podiam, justificavam a atenção
especial. De todo modo, considerando, particularmente, a realidade estadunidense, a atenção
a estes estudantes só começou a melhorar a partir da virada do século XX, sobretudo em função
da promulgação de uma lei, nos Estados Unidos, que, pela primeira vez, fez-se menção de que
alunos com dupla excepcionalidade devessem ter prioridade nos programas de financiamento
(Baldwin et al., 2015).
A hipótese da negligência pelo desconhecimento pode ser corroborada por Foley-
Nicpon e colaboradores (2013), quando constatam que, mesmo em solo norte-americano,
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 9-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
professores e psicólogos escolares afirmam ter familiaridade passageira ou não têm ciência
desta condição. No Brasil, a situação não parece ser diferente. Coutinho-Souto e Fleith
(2021) afirmam que diversos atores no cenário educacional brasileiro ainda desconhecerem a
condição da dupla excepcionalidade.
A negligência pode ser também vista pela perspectiva do preconceito. Se tratando
da dupla excepcionalidade envolvendo superdotação e o autismo, é bastante importante
a sub-representação dos indivíduos autistas, quando também superdotados, porque: (a) a
condição de superdotação pode mascarar ou minimizar os possíveis prejuízos decorrentes do
transtorno; (b) as pessoas atribuem valores diferentes a uma e outra condição.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, adultos
dentro do espectro autista sem comprometimento intelectual são capazes de desenvolver
estratégias compensatórias para alguns desafios sociais, sofrendo com o esforço e a ansiedade
para, de forma consciente, calcular o que é socialmente intuitivo para a maioria dos indivíduos.
Estes adultos aprendem a suprimir comportamentos repetitivos em público. Os indivíduos que
conseguem viver e trabalhar regularmente tendem a ter linguagem e capacidades intelectuais
superiores, conseguindo encontrar um nicho que combine com seus interesses e habilidades
especiais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Nesse sentido, é possível confrontar, por exemplo, o conceito de superdotação de
Renzulli com as características de uma pessoa com TEA sem comprometimento intelectual.
Considerando a hipótese de que este indivíduo tenha uma condição intelectual superior,
seus padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesse ou atividade podem ser
interpretados como o comprometimento com a tarefa, conforme um dos anéis da teoria.
Se for acrescentada à discussão a ideia de que indivíduos não precisam manifestar todos
os três grupamentos; mas apenas serem identificados como capazes de desenvolver essas
características (Renzulli, 2004), é bastante compreensível que o superdotado e o indivíduo
dentro do espectro sem comprometimento intelectual sejam confundidos ou mesmo que a
dupla excepcionalidade seja negligenciada.
Neihart (2000) aponta a frequência de relações feitas entre autismo e superdotação,
sem embasamento teórico na própria literatura. Nesse caso, considera particularmente
o autismo sem comprometimento intelectual, normalmente associado à Síndrome de
Asperger, de acordo com a literatura do início do século XXI. Como contraponto, oferece
um conjunto de características que distinguem os indivíduos superdotados daqueles com
TEA e superdotação: embora ambos os grupos possam ser altamente verbais, indivíduos com
TEA são tipicamente pedantes; embora ambos sejam resistentes à rotina em casa ou na escola,
indivíduos superdotados não são tão rígidos quanto às rotinas como alguns indivíduos com
TEA; embora ambos possam ser considerados excêntricos, os indivíduos com TEA não têm
ciência de que sua excentricidade possa parecer estranha aos outros; embora ambos sejam
10-15 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024.
MARTINS, Felipe Rodrigues; CARDOSO, Fernanda Serpa; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de
desatentos, nos superdotados, a desatenção “vem de fora” enquanto nos indivíduos dentro do
espectro, a desatenção “vem de dentro”.
Vieira e Simon (2012) também oferecem características que podem distinguir os
superdotados dos indivíduos dentro do espectro sem comprometimento intelectual. Neste
caso, tais características são divididas em quatro categorias: cognição, interação social,
comportamento adaptativo e comunicação. Sobre a cognição, os superdotados costumam ter
alto grau de curiosidade, atenção concentrada, interesse por problemas filosóficos, morais,
políticos e sociais, assim como criatividade. Em relação à área da interação social, os sujeitos
com TEA apresentam comprometimento grave e persistente, com dificuldades em se colocar
no lugar do outro, rigidez de pensamento, dificuldade em discernir a ficção da realidade e
dificuldade em perceber o perigo.
Em relação ao comportamento adaptativo, superdotados mostram-se independentes,
autônomos, perfeccionistas, persistentes, contrários a atividades curriculares regulares e
questionares de regras. Finalmente, quanto à comunicação, os sujeitos com TEA costumam
ter dificuldades para iniciar ou manter conversa, não têm discernimento de um assunto
como adequado e/ou falta de linguagem corporal adequada, além da fala pedante e exagerada
(Vieira; Simon, 2012).
Todas estas nuances podem comprometer a diferenciação de um indivíduo
superdotado de um autista ou mesmo de outro com dupla excepcionalidade, de tal forma
que uma ou outra condição seja preterida. Nestes casos, costuma-se privilegiar a condição
de superdotação, dadas todas as questões míticas tanto sobre a superdotação quanto sobre o
autismo. Em um estudo de caso de uma criança superdotada em processo de diagnóstico de
autismo, fica evidente a preocupação no discurso da família. Segundo o relato, para a mãe, os
sintomas que o transtorno acarreta não são o maior problema; o que a preocupa é o estigma
(Vilarinho-Rezende et al., 2016).
Entretanto, um olhar mais atento sobre o tema revela haver também uma visão
estereotipada negativa sobre o superdotado. Em estudo que explora as experiências vividas
por oito crianças duplamente excepcionais, as narrativas revelam uma meta-narrativa de
estigmatização, seja pela questão da superdotação ou pelo TEA. Todos os participantes
relataram experiências negativas contínuas, principalmente na escola, que geralmente
envolviam interações interpessoais (Ronksley-Pavia et al., 2019).
Quanto ao estereotipo, um estudante descreve o superdotado como:
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 2, e0240018, 2024. 11-15
Uma reflexão sobre A caracterização do superdotado e a condição da dupla
excepcionalidade
Artigos
A boy wearing a white shirt with black polished shoes, suit pants with a sweater with a
bow tie, slicked hair, snooty nose, standing outside an old fashioned school, who plays the
piano and aces subjects, kids that are very good at school, people that get scholarships (op.
cit., p. 17).
4
Já, quanto à deficiência, outro estudante afirma que:
I dont see why I need a label, people have just looked down on me for being labeled
as that . . . they think youre dumber, you dont have the same ability to do things. I
am perfectly able to do the same things as others; sometimes I’m better than what is
considered normal. I didnt want that related to me anymore (op. cit., p. 16).
5
Frequentemente, esbarra-se na discussão sobre a importância para a identificação
do indivíduo superdotado e a possível estigmatização decorrente (Alencar; Fleith, 2001).
É inegável que a identificação do superdotado traz consigo o benefício do atendimento
adequado (Virgolim, 2007) e a visibilidade da questão em oposição a subnotificação das
estatísticas (Brero; Rondini, 2020; Dos Santos; Gusmão Coutinho, 2020). Por outro lado, se
argumenta que a definição pode limitar a visão sobre o indivíduo, tanto no sentido de rotulá-
lo quanto de não considerar sua individualidade e suas demandas duplamente específicas.
CONCLUSÕES
Os resultados mostram que a maioria dos alunos estuda em escola privada, o que
ratifica a preocupação sobre a invisibilidade dos estudantes superdotados especialmente
na rede pública de ensino brasileira. Os resultados também demonstram ser pequeno o
número de estudantes que participam de atividade extracurricular de enriquecimento, a
despeito da legislação vigente. O pequeno quantitativo de indivíduos na condição de dupla
excepcionalidade envolvendo superdotação e o espectro autista sugere a negligência, o que,
em última análise, pode comprometer o atendimento às demandas de um indivíduo nessa
condição.
Um menino de camisa branca com sapatos pretos engraxados, calça de terno com suéter com gravata borboleta, cabelo
alisado, nariz arrebitado, parado do lado de fora de uma escola antiquada, que toca piano e acerta nas matérias, garotos que
são muito bons na escola, pessoas que recebem bolsas de estudo (Ronksley-Pavia et al., 2019, p. 17, tradução nossa).
Não vejo por que preciso de um rótulo, as pessoas simplesmente me menosprezam por ser rotulado assim. . . acham que
você é mais burro, não tem a mesma capacidade de fazer as coisas. Sou perfeitamente capaz de fazer as mesmas coisas que
os outros; às vezes sou melhor do que o considerado normal. Eu não queria mais isso relacionado a mim (op. cit., p. 16,
tradução nossa).
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