Direito à educação dos estudantes com deficiência intelectual Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 107-122, Jul.-Dez, 2023 117
Sob essa perspectiva, concordamos com Lima (2009) ao afirmar que os processos
de exclusão continuam sendo construídos e reproduzidos nos espaços escolares por políticas
educacionais emanadas do Estado e destinadas à escolarização de estudantes com DI, pois “[...]
os mecanismos que historicamente têm funcionado para excluir não estão sendo desmantelados e
continuam presentes nas atuais políticas públicas” (LIMA, 2009, p. 23). A autora salienta, ainda, que
os documentos oficiais instituem e propõem políticas educacionais “[...] sob o discurso em defesa
da garantia de acesso, permanência e sucesso” (LIMA, 2009, p. 23) no processo de escolarização
direcionado aos estudantes com DI na rede regular de ensino, revelando incoerências e contradições
em termos de práticas e discursos. Assim como vemos no relato do PREE 1:
Vou ser bem sincera, o que eu vejo que a partir do momento que o aluno vem com o laudo
de DI, e ele tem segundo professor, esse aluno fica de responsabilidade apenas do segundo
professor. Se o aluno não progride é como se a responsabilidade fosse só desse profissional. O
que tenho feito aqui na CRE, é a orientação que se garanta a aprendizagem, e não posso fazer
de conta como está acontecendo, alguns professores não querem entender o processo de ensino
e aprendizagem dos alunos e isso tem feito com que eles saiam sem saber o currículo daquela
disciplina, mas não posso responsabilizar o segundo professor pelo ensino de matemática,
porque ele tem formação de pedagogia, ou deveria ter né? Esse também é um grande problema,
não temos professores qualificados, eles possuem a especialização de educação especial, mas
na prática poucos sabem atuar. Mas voltando para os professores das disciplinas específicas,
poucos se responsabilizam pelo ensino dos estudantes da educação especial, poucos repassam
planejamento. Poucos participam das formações, ou não existe formação para todos os
professores, quando tem e faz tempo que estamos sem, é direcionado ao AEE. A rotatividade
de professores é grande o que dificulta qualificar esses professores. Muitos estão indo para as
APAEs que lá tem muita formação da FCEE e da Federação das APAEs. Precisamos mudar o
foco, o aluno não pode estar por estar, precisamos garantir que ele aprenda, a função da escola
é ensinar, não é só mais um aluno (Trecho do relato de PREE 1).
Percebemos, nesse sentido, que esses modos de operar com os processos educativos
dos estudantes com DI colaboram para a disseminação da “patologização” dessa população; e,
se esses estudantes apresentam dificuldades ou não atendem aos requisitos “esperados” pelas
escolas, permanecem à margem do acesso à educação em virtude do modelo médico e capacitista
presentes nesses espaços. Podem, muitas vezes, perpetuar a segregação focada no modelo médico e
psicológico e nas desvantagens que foram construídas ao longo da história, resultando na exclusão
e vulnerabilidade escolar. Resulta, portanto, em uma concepção capacitista de desvantagem,
de incapacidade, além de comparação do estudante com os colegas, na busca de um estudante
idealizado (IACONO, 2004; LUNARDI, 2005, 2011; MENDES, 2008; LIMA, 2009; BÖCK;
GESSER; NUERNBERG, 2020; PAGAIME; MELO, 2021).
Para Slee (2013), discursos são socialmente construídos e disseminados com muita
naturalidade e são legitimadores de desigualdade ou de “[...] desvantagem e exclusão educativa e
podem ser evidenciadas de diversas formas, que por vezes são ‘claras e óbvias’ e por outras ‘ocultas’ e
operar no mundo nebuloso” (Ibidem, p. 121, grifo do autor). Tais desvantagens o autor denomina
como “culturas escolares”, as quais são cotidianamente perpetuadas no contexto escolar por meio
de “[...] aglomeração de práticas pedagógicas, escolhas de currículo, regimes de avaliação e o
contexto político e demográfico da educação” (Ibidem, p. 121), materializados também na estrutura
organizacional, no posicionamento e nas concepções de sujeito e investimento de recursos nos
sistemas educacionais de ensino, considerado pelo autor um “[...] processo óbvio e vergonhoso de
exclusão educativa e social de proporção atordoante” (Ibidem, p. 121).