Assistencialismo e representatividade alegórica das pessoas com deficiência Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 25-38, Jul.-Dez, 2023 25
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2023.v10n2.p25-38
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
AssistenciAlismo e representAtividAde AlegóricA dAs pessoAs com
deficiênciA
AssistentiAlism And AllegoricAl representAtion of people with
disAbilities
Viviane Nunes SARMENTO1
Wender Paulo de Almeida TORRES2
Resumo: no presente ensaio teórico, buscamos analisar os retrocessos relacionados aos direitos das pessoas com deficiência
mediante as estratégias de assistencialismo e representatividade alegórica do governo Bolsonaro e compreender como o
bolsonarismo ainda se faz presente nas práticas capacitistas, mesmo com o fim do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desta feita, organizamos as discussões em três pontos cruciais para aprofundamento do tema: 1. Assistencialismo e retirada de
direitos, evidenciando retrocessos normativos e/ou sociais durante o período de governo do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro;
2. Compreensão da representatividade sustentada como bandeira, mas utilizada como alegoria como principal estratégia para
implementação do bolsonarismo em relação a pauta das pessoas com deficiência; e, por fim, 3. refletimos sobre a atual conjuntura
mediante a retomada das políticas de inclusão. Analisamos que o governo Bolsonaro, de maneira dissimulada, apropriou-se das
pautas de representatividade e acessibilidade, fortificando no imaginário social a desumanização das pessoas com deficiência,
através do discurso sorrateiro do assistencialismo sendo, portanto, violados os direitos sociais, éticos e políticos desses sujeitos.
Consubstanciados nesse fato, mesmo com a recente posse de Luís Inácio Lula da Silva – o qual permanece inoperante em relação
à temática -, existem inúmeras consequências e enfretamentos às práticas bolsonaristas no que se refere a (re)construção desses
retrocessos que precisam ser realizadas.
Palavras-Chave: Assistencialismo. Representatividade Alegórica. Pessoas com deficiência. Bolsonarismo.
Abstract: this theoretical rehearsal, we seek to analyze the setbacks related to the rights of disabilities people through the assistance
and allegorical representation Bolsonaro government strategies and to understand how bolsonarismo still present in capacitist
practices, even with the end of the President Jair Bolsonaro mandate. is time, we organized the discussions into three crucial
points for deepening the theme: 1. Charity and withdrawal of rights, showing normative and/or social setbacks during the period
of government of former president of Brazil Jair Bolsonaro; 2. Understanding of representativeness sustained as a flag, but used
as an allegory as the main strategy for implementing Bolsonarism in relation to the agenda of people with disabilities; and,
finally, 3. we reflect on the current situation through the resumption of inclusion policies. We analyze that the former Bolsonaro
government, in a covert way, appropriated the guidelines of representativeness and accessibility, strengthening in the social
imaginary the dehumanization of people with disabilities, through the sneaky discourse of welfare, thus violating social, ethical
and political rights of these subjects. Embodied in this fact, even with the recent inauguration of Luís Inácio Lula da Silva - who
remains inoperative in relation to the theme -, there are countless consequences and confrontations with Bolsonarist practices
regarding the (re)construction of these setbacks that need to be carried out.
Keywords: Charity. Allegorical representation. Disabilities people. Bolsonarismo.
Doutora em Educação. Professora Adjunta da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – UFAPE. E-mail: viviane.
sarmento@ufape.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1594-5192
Pedagogo. Professor Tradutor intérprete de Libras da Rede Municipal de Educação de Pernambuco. E-mail: wenderpaulo20@
hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0785-520X
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SARMENTO, Viviane Nunes; TORRES, Wender Paulo de Almeida
introdução
Agradeço a Deus essa grande oportunidade de poder ajudar as pessoas que mais precisam. [...] É
uma grande satisfação, um privilégio, poder contribuir e trabalhar para toda a sociedade brasileira.
As eleições deram voz a quem não era ouvido e a voz das urnas foi clara: o cidadão brasileiro quer
segurança, paz e prosperidade. Um país em que sejamos todos respeitados. Eu gostaria de modo muito
especial de dirigir-me à comunidade surda, pessoas com deficiência e a todos aqueles que se sentem
esquecidos. Vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho esse chamado no meu
coração e desejo contribuir na promoção do ser humano” (Discurso da ex- primeira-dama, Michele
Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019).
Entre os anos de 2019 a 2022, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, de maneira
dissimulada, apropriou-se das pautas sobre acessibilidade, usurpando as vidas das pessoas com
deficiência e fortificando as opressões sociais que as desumanizam.
A partir da imagem constituída no discurso de benevolência, fé e caridade, a potência
transformadora das lutas das pessoas com deficiência foi atacada e esterilizada. Suas pautas e
bandeiras - inclusive com alguns representantes ocupando espaços de poder -, foram direcionadas a
proposições de caráter conservador, retrocedendo as conquistas e direitos desses sujeitos, a partir do
controle social sobre seus corpos e vidas.
Nesse sentido, discutimos nesse estudo a estratégia da “representatividade alegórica
utilizada durante o período do ex governo supracitado. Muito embora não tenha sido a nossa
pretensão destrinchar alegoria como conceito, utilizamos o termo para intitular esse estudo, pois
partimos do pressuposto de que a representatividade defendida e apresentada nesse cenário, segue
os moldes de uma alegoria literária que, segundo o dicionário (FERREIRA, 2004), se traduz em
um modo de expressão ou interpretação, o qual consiste em representar pensamentos, ideias e
qualidades sob forma figurada.
Nos aportamos, portanto, no pressuposto de que os corpos das pessoas com deficiência
são utilizados a partir de um caráter assistencialista em defesa de “direitos”, para marcar de maneira
figurada uma preocupação com as demandas dessa população, entretanto, suas expressões materiais
e objetivas durante o período em xeque, foram duramente marcadas por opressões, infantilização,
desrespeito e apagamentos de suas pautas.
Isso posto, na busca por compreender e embasar os diversos fatores referidos acima,
desenvolvemos, através desse ensaio teórico, o seguinte objetivo: analisar os retrocessos relacionados
aos direitos das pessoas com deficiência mediante as estratégias de assistencialismo e representatividade
alegórica do governo Bolsonaro e compreender como o bolsonarismo ainda se faz presente nas
práticas capacitistas3, mesmo com o fim do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desta feita, buscando responder ao objetivo lançado, organizamos o presente estudo na
seguinte sistemática: Assistencialismo e retirada de direitos, evidenciando retrocessos normativos e/
ou sociais durante o período de governo do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro; Compreensão da
representatividade sustentada como bandeira, mas utilizada como alegoria, em que desenvolvemos
A autora Itxi Guerra (2021) ao discutir o que é capacitismo, diz que este é a opressão que as pessoas com deficiência enfrentam
que surge do sistema capacitista, no qual se sustenta uma organização social, política e econômica que discrimina, violenta,
marginaliza e assassina pessoas com deficiência pelo fato de o serem. Complementa dizendo que é um sistema no qual corpos e
mentes são valorados diante de uma proposição de normalidade, a qual é definida pelo capitalismo e pelo Estado.
Assistencialismo e representatividade alegórica das pessoas com deficiência Artigos
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uma discussão acerca das estratégias figurativas, em que corpos com deficiência ocupavam espaços
de poder, mas concomitantemente tinham seus direitos atacados; e, por fim, refletimos sobre a atual
conjuntura governamental, no que se refere a retomada das políticas de inclusão.
AssistenciAlismo e retirAdA de direitos
Apresentando a discussão de maneira cronológica, após a sua posse no início do ano de
2019, Jair Bolsonaro, inicia o processo de retira de direitos da população com deficiência, uma vez
que extinguiu o CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Após
este ato, a população perdeu o direito de ter seus representantes legitimamente eleitos, para que a
ex-ministra Damares Regina Alves os engolisse em seu Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos, retirando-lhes uma representação duramente conquistada pela militância.
Durante o decurso do supracitado, no mês de dezembro, ainda no ano de 2019, foi
anunciada uma emergência na China, do novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela
pandemia de COVID-194. Diante disso, a humanidade passou a enfrentar uma grave crise sanitária
e, impactados pela emergência da situação, buscou por medidas de isolamento, as quais escancaram
de maneira escandalosa a desigualdade social existente.
No Brasil, a crise é evidenciada em 2020, no dia 11 de março, em que a Organização
Mundial de Saúde caracteriza a COVID-19 como pandemia. Nesse sentido, o país que emergiu
desta crise sanitária não conseguiu esconder de si a imagem que revelou as milhões de pessoas
que viviam (vivem) desprovidas de condições mínimas, sem possibilidade de cumprimento das
normas sanitárias preconizadas para o controle da pandemia, como por exemplo: ficar em casa,
manter distanciamento social, lavar as mãos e se alimentar adequadamente (COSTA; RIZZOTTO;
LOBATO, 2020).
Diante desse contexto, em 6 de maio do ano de 2020, o Secretário-Geral da ONU
(Organização das Nações Unidas), António Guterres, aproximadamente três meses após a situação
ser notificada como emergência, reconhece a vulnerabilidade das pessoas com deficiência e lança
recomendações para resposta a COVID-19. Dessa maneira, são organizadas ações de enfrentamento
e mitigação das consequências do vírus realçando a necessidade de se pensar em estratégias específicas
para as pessoas com deficiência (PERREIRA et al, 2021).
No entanto, quando comportamos a situação em um contexto sócio-cultural-econômico,
mediante a invisibilidade, opressão e isolamento das pessoas com deficiência, compreendemos que a
crise agravou de forma substancial as barreiras atitudinais, comunicacionais, físicas, entre outras, o
que potencializou significativamente as situações de vulnerabilidade ainda mais intensificadas pela
demora de posicionamentos e resoluções, já que o pronunciamento só ocorre após três meses de
silêncio. Sobre isso Perreira et al (2020) afirmam:
Na Argentina, no Brasil, Chile e Peru foram analisados 72 documentos oficiais publicados
entre 01/02 e 22/05/2020 com o objetivo de compreender as respostas governamentais para as
pessoas com deficiência durante a pandemia [...] mesmo editando recomendações, os países não
construíram maneiras concretas de colocar em prática a proteção às pessoas com deficiência.
Reconhece-se que questões de ordens política, técnica e logística influenciam na implementação
de ações. Entretanto, é importante ressaltar que pouco foi realizado para mudança da realidade
das pessoas com deficiência na pandemia (PERREIRA et. al, 2021, p. 14).
 Coronavirus Disease, 2019
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SARMENTO, Viviane Nunes; TORRES, Wender Paulo de Almeida
Por isso, apesar de estar contido de forma explícita na lei 13.146/15 (Lei Brasileira de
Inclusão) no capítulo sobre o Direito à vida, art. 10, que “compete ao poder público garantir a
dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida”, especificando em seu Parágrafo único
que “em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência
será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança
(BRASIL, 2015), o silêncio acerca do assunto, evidenciou as faltas.
Isso posto, devemos lembrar que a presença da COVID-19 não fundou a situação de
exclusão das pessoas com deficiência, entretanto, a ausência de dados e medidas em relação a estes
sujeitos, diante do contexto pandêmico, trouxe em evidência a negação de dignidade as suas vidas,
agravada não apenas pela existência da doença, mas também pelas decisões arbitrárias e equivocadas
de um Estado e um governo que as desconsiderou como vidas (SARMENTO, 2021).
Sabendo disso, ao voltar nossa análise à educação, mesmo sem amparo para a população
de uma maneira geral, o governo decreta a possibilidade de ensino remoto durante esse período,
medida esta que necessitaria de recursos como internet, computadores, soberania alimentar,
moradia, higiene, etc, os quais a maioria da população não teria acesso.
Nesse sentido, não seria diferente para as pessoas com deficiência, visto que “a falta de
condições materiais para acessar as aulas, ausência de conhecimento dos professores para adaptar
materiais para esse ambiente, a falta de pessoas próximas com condição de tempo e conhecimento
para auxiliar esses estudantes” (PERREIRA et. al, 2021, p. 16), além da ausência de políticas para
dirimir esses fatores, eram apenas alguns, dos inúmeros motivos os quais poderiam impedir o
processo de escolarização dessa população.
Assim, algumas das reflexões realizadas na época (FUMES, CARMO, 2021) questionavam
sobre como um governo em que uma das suas principais pautas era a acessibilidade e inclusão de
pessoas com deficiência, as silenciavam e invisibilizavam cada vez mais, fortificando a naturalização
destes continuarem sendo exceções aos Direitos Fundamentais, bem como ao princípio ético e político
da vida, sendo a educação, portanto, mais uma dessas inúmeras negações (SARMENTO, 2021).
Mesmo com a intensa circulação da COVID-19, as medidas de afrouxamento das práticas
de isolamento começam a ser implementadas. Em consonância com isso, o governo, eficiente em
seu apagamento, iniciou os programas de “contenção de gastos”, reafirmando a necessidade de uma
suposta recuperação econômica.
Assim, suspendeu por impossibilidade ou inconveniência de continuidade da execução,
conforme está contido na portaria 1.848 de 2020, publicado no Diário Oficial da União,
aproximadamente 70% do orçamento voltado ao programa de apoio à saúde das pessoas com
deficiência, impedindo a continuidade de diversas ações, terapias e tratamentos que garantiam a
qualidade de vida dessas pessoas durante o período pandêmico.
Mais adiante, foi revogado o art. 11, inciso IX, da Lei 8.429/92 de improbidade
administrativa que obrigava os gestores públicos a cumprirem as exigências de acessibilidade sob
pena de incorrer em ato de improbidade administrativa. Melhor explicando o art. 11 que antes
constava em seu texto:
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: IX deixar de cumprir a exigência de
requisitos de acessibilidade previstos na legislação (BRASIL, 1992).
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Após modificação, fora extraído o inciso IX que exigia os requisitos de acessibilidade,
passando a ser regulamentado sem a obrigatoriedade dos requisitos de acessibilidade em logradouros
públicos e privados.
Essa medida foi coroada em discurso realizado em 3 de dezembro de 2021, em um evento
comemorativo -no qual foram entregues premiações a instituições filantrópicas (associações, ONGS,
Institutos, etc) e pessoas físicas com deficiência - organizado pelo programa Pátria Voluntária,
presidido na época pela ex primeira-dama Michelle Bolsonaro, transmitido pelo Youtube (2021) no
Canalgov. Aqui, destacamos a fala da ex-ministra Damares Regina Alves:
[p]or exemplo: você que tá construindo um restaurante, uma igreja - atenção igrejas, pastores
- eu vou nas igrejas e não vejo o banheiro rebaixado, o vaso rebaixado para as crianças com
nanismo. E nós estamos fazendo esse apelo todo, porque não precisamos de uma lei para
ter acessibilidade. Eu acho que uma nação que precisa de uma lei para impor ao seu povo
acessibilidade é uma nação que fica longe do ideal, nós podemos fazer tudo isso sem multa, sem
posição e sem penalidade (CANALGOV, 2021).
Essa situação acarretou um grande incentivo para que as obras continuassem sendo
realizadas sem nenhum tipo de acessibilidade. Levantaram a bandeira da quebra das barreiras,
bem como, da necessidade de uma sociedade mais acolhedora e, como exercício prático acerca da
efetivação da situação, substituíram normas instituídas há anos e que são descumpridas diariamente,
pelo apelo da ex-ministra em uma cerimônia de premiação sem audiência.
Seguindo o desmonte, ainda no ano de 2020 – e esta discussão perdurou até o fim
do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022 - foi promulgado o fatídico Decreto
10.502\2020, o qual materializou a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva
e com Aprendizado ao Longo da Vida”, que instituiu o retorno das Instituições Especializadas.
Sobre isso, segundo análise de Pletsch e Souza (2021) o texto da Política Nacional de
Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizagem ao Longo da Vida (BRASIL, 2020a),
fora suspenso, por ser considerado inconstitucional, alvo de críticas não apenas da militância das
pessoas com deficiência, como por pesquisadores de todo o Brasil, representantes da ordem dos
advogados, entre outros.
Por outro lado, a contra- argumentação dos defensores do decreto tomam como base
dados oficiais como, por exemplo, as matrículas insuficientes no Atendimento Educacional
Especializado (AEE) e a falta de qualificação dos professores para atuar com esses alunos para
justificar e defender a segregação. Nesse momento, as autoras supracitadas Pletsch e Souza (2021)
expressaram concordância com a posição do Ministro do Supremo Tribunal Federal, o qual
argumenta que esses dados não poderiam ser usados como justificativa para involução dos Direitos
Humanos das pessoas com deficiência.
As autoras também chamam atenção para outro aspecto acerca do documento, o qual
nega de maneira contundente toda a produção acumulada ao longo de anos no que se refere aos
avanços legais, pedagógicos e científicos da população com deficiência. Neste sentido, a proposta
representou um retrocesso, o qual, segundo Pletsch e Souza (2021) acarretam três direcionamentos
sócio-políticos:
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O primeiro é que a proposta do governo rompe com o princípio de educação inclusiva no campo
dos Direitos Humanos ao defender fortemente a segregação por meio de escolas especiais, as
quais no nosso país, são, em sua maioria, instituições filantrópicas privadas. O segundo se
refere ao papel do Estado como fornecedor de educação às pessoas com deficiência, na medida
em que a nova política federal institui o primado da família na escolha do tipo de educação
a ser oferecida aos seus filhos, segundo o discurso neoliberal da soberania do consumidor em
eleger livremente o melhor provedor de serviço educacional (SILVA et. al,2020; PEREIRA;
PLETSCH, 2021, no prelo), dessa forma desresponsabilizando o Estado pela educação de
crianças e jovens com deficiência. O terceiro se refere a problemas de compreensão conceitual
(PLETSH; SOUZA, 2021, p. 1296).
A problemática do decreto 10.502/2020 se estendeu em discussão até o momento em
que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse no dia 1º de janeiro de 2023, data em
que revogou a lei em questão. No entanto, não foi com o “enterro” da referida normativa que os
retrocessos da Educação Especial e/ou dos direitos das pessoas com deficiência de um modo geral
tomaram rumos distintos, uma vez que as consequências da barbárie ficaram implementadas no
imaginário social.
Acreditamos que um dos caminhos para compreender o quadro social, político e
econômico que se desenha no momento, consiste em nos valer de uma das maiores ferramentas
para a apropriação das pautas das pessoas com deficiência, a qual, fora utilizada nos últimos anos
de maneira extremamente eficaz e que foi fundamental para aplicabilidade do desmonte aqui
discutido; a representatividade alegórica.
A representAtividAde sustentAdA como bAndeirA, mAs utilizAdA como AlegoriA
Gostaríamos de iniciar esse tópico lembrando a fala de Silvio Almeida –Advogado,
Filósofo, Professor Universitário e atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil
-no programa Roda Viva, exibido em 22/06/2020: “A representatividade importa, mas não resolve
os problemas estruturais do racismo”.
Destacamos essa afirmação fazendo uma alusão ao capacitismo, visto que fundamentados
no tópico anterior, os retrocessos protagonizados pelo ex-governo foram inúmeros e feriram as
várias conquistas em que as pessoas com deficiência lutaram bravamente ao longo dos anos, por
outro lado, foi um governo marcado pela pioneira presença de pessoas com deficiência em eventos
oficiais, pela presença do intérprete de Língua Brasileira de Sinais, bem como, por espaços de poder
ocupados dentro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos por estes.
Neste sentido, a primeira coisa que nos importa lembrar é que a representatividade desses
sujeitos em papéis distintos no (des)governo de Jair Bolsonaro não preconizam uma conquista da
sua gestão, tampouco, do ex-presidente individualmente, configura-se sim, no resultado de anos
de lutas políticas e de intensas discussões e mobilizações dos movimentos sociais das pessoas com
deficiência, as quais, garantiram a necessidade de leis e debates que versassem sobre acessibilidade,
Libras, corponormatividade, direitos sexuais e reprodutivos, cotas, ética do cuidado, entre inúmeras
outras reivindicações.
Visto isso, outro ponto que precisa ser levantado é sobre a diferença entre a importância
da representatividade institucional e o rompimento dos problemas estruturais. Melhor explicando
tomamos as palavras de Almeida (2019) acerca do racismo estrutural quando diz que o fato de uma
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pessoa negra estar na liderança, não significa que esteja no poder, e muito menos que a população
negra esteja no poder.
Acreditamos que podemos nos aportar na mesma base de discussão quando se trata de
pessoas com deficiência, uma vez que não há dúvidas de que a ocupação desses sujeitos em cargos
de destaques, políticos ou não, são de grande valia e importância para a luta, visto que esta é sempre
uma conquista.
Entretanto, devemos lembrar que tal ocupação é sempre institucional e não estrutural,
portanto, estando a instituição a favor de pautas ultraconservadoras e que não atendem a uma
agenda emancipatória - tal qual os quatro anos de governo do Bolsonaro -, trata-se de uma alegoria,
isto é, uma apropriação a fim de preservar as relações de dominação.
Além disso, Almeida (2019) também nos alerta que apesar da importância, a pessoa
em posição de destaque pode não ser um representante no sentido de vocalizar as demandas por
igualdade do grupo em questão. Em muitos casos, as pessoas podem ocupar esses espaços, mas não
contribuírem em pautas significativas para o combate à desigualdade social, ao racismo, patriarcado
e capacitismo, por exemplo, visto que a deficiência não molda um bloco de pensamento, isto é,
existem várias camadas interseccionais que não serão totalmente contempladas.
A representatividade nesse caso tem efeito de bloquear posições contrárias ao interesse
do poder instituído e impedir que as minorias evoluam politicamente, algo que só é possível romper
com o exercício da crítica” (ALMEIDA, 2019, p. 113). Ainda assim, mesmo havendo o compromisso
político do representante com o grupo, isso não implica que ele terá o poder necessário para alterar
as estruturas políticas e econômicas que se servem aos modos de dominação (ALMEIDA, 2019)
Compreendemos, portanto, que um espaço de poder ocupado por uma pessoa com
deficiência é urgente e importante para um projeto de país democrático e justo, quando sustentado
por uma agenda política emancipatória, a qual coloque em debate as formulações históricas do
movimento e que garanta seus direitos. Neste sentido, tomamos as palavras da postagem em rede
social do Coletivo Hellen Keller (2022) que atua em defesa das pautas das mulheres com deficiência
ao se pronunciar sobre ocupar cargos políticos:
Não há dúvidas de que a representatividade de pessoas com deficiência, ocupando cargos no
legislativo e executivo é importante para nossa luta, mas precisamos ir além, precisamos de
governantes (com e sem deficiência) defendendo uma pauta “emancipatória”. E o que seria isso?
Seria a defesa de uma inserção (ou inclusão) de pessoas com deficiência, com uma perspectiva de
liberdade e transformação, onde nosso protagonismo tem prioridade, possibilitando que nossos
corpos ocupem todos os espaços de acesso à saúde, trabalho, lazer, educação com garantia de
acessibilidade, com respeito à dignidade das nossas vidas e das nossas escolhas, proporcionando
uma educação inclusiva nas escolas regulares, garantindo nosso direito de ir e vir com meios de
transporte acessíveis, fortalecendo as redes de suporte para que o cuidado possa ser um direito
básico, dentre inúmeras outras pautas que promovem emancipação e inclusão social de pessoas
com deficiência (COLETIVO HELLEN KELLER, 2022).
A lógica bolsonarista, em que as pessoas com deficiência eram apresentadas
individualmente – sob uma ótica meritocrática e sem discussões sobre desigualdade de classe, raça
e gênero - ou a partir de instituições, - corroborando com espaços historicamente segregadores e
orientados pela dominação capacitista – apresentou-se apenas para reforçar a não superação da
opressão corponormativa.
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SARMENTO, Viviane Nunes; TORRES, Wender Paulo de Almeida
A ideia de representatividade como eliminadora do desrespeito moral e histórico,
trabalhado na teoria do reconhecimento e valorização social, precisa estar combinado a um sistema
socioeconômico que não reproduza os estereótipos e práticas opressoras ao longo dos anos, tais
como as ações caritativas e hierárquicas as quais as pessoas com deficiência vivenciaram nos últimos
anos, pois é preciso mexer nas estruturas que constroem as desvantagens sociais.
A forma como o governo Bolsonaro expôs as demandas das pessoas com deficiência –
tendo como roteiro as aparições sensacionalistas dos seus corpos, ao som dos “louvores de Deus”,
sem garantir a escuta das suas lutas históricas -, reforçam a falta de compromisso com uma política
emancipatória e/ou libertadora. Devemos lembrar que dar condições de existência, vai muito além
da execução de um discurso em Libras, seja ele realizado pelos próprios surdos ou pela ex-primeira-
dama. Ser visto não é diretamente proporcional a não ser violentado e descartado (SARMENTO,
2023).
Esse modus operandi confundiu, dividiu o segmento e, definitivamente, não o representou,
visto que reforça a naturalização do lugar de dependência, divinização e infantilização da pessoa
com deficiência, desta forma, despolitizando pautas de máxima urgência, rendendo suas vidas e,
consequentemente, suas possibilidades e sonhos (SARMENTO, 2023).
Representatividade importa, mas quando apropriada pelas contradições do capital e
ultraconservadorismo, os quais orquestram e autorizam a lógica de apagamento, espetacularizando
a precariedade vivida pelas pessoas com deficiência, o resultado consiste na naturalização do silêncio
diante da condição de dominado.
AtuAl conjunturA mediAnte AretomAdAdAs políticAs de inclusão
A segregação, exclusão e despojo se confundem com a história imposta à vida das pessoas
com deficiência. Ao longo dos anos estas têm se colocado à frente da luta contra os projetos de
exclusão os quais, uma vez paramentados em seus corpos, constroem princípios morais e opressores
que diagnosticam a normalidade (CANGUILHEM, 2020).
Historicamente, a supremacia da normalidade como estratégia desse projeto de exclusão,
consubstancia os seus parâmetros de tempo, funcionalidade e produtividade. Em oposição, no
intuito de romper essa estrutura, a luta das pessoas com deficiência avança em alguns aspectos,
tais como: o movimento de impulsionar o pensar sociológico acerca da deficiência, fortificando a
presença destas pessoas nas escolas, porém compreendendo que este é um, dos múltiplos espaços os
quais estes sujeitos possuem o direito de ocupar, pensar e transformar.
A medida em que as pessoas com deficiência crescem politicamente, a ideia de uma
inclusão neoliberal surge como um mecanismo que visa controlar a ameaça de revolta dos excluídos,
revolta essa que poderia se constituir um problema para as classes que se detém no poder (JANUZZI,
2004). Dessa forma, as lutas democráticas em defesa de alguns direitos sociais vão sendo capturadas
e as bandeiras defendidas incorporadas à lógica capitalista.
Exemplo disso é a maneira como sempre as pautas das pessoas com deficiência foram
apreendidas pela política institucional neoliberal conservadora, a partir de um viés caritativo e
assistencialista tendo como estratégia a representatividade alegórica. Ao mesmo tempo, diante da
mesma ótica capacitista, fora esquecida das agendas progressistas, mas seguem sendo utilizadas
como estética na maioria das suas campanhas.
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Após os anos do (des)governo de Bolsonaro o qual matou, encarcerou e dividiu o
segmento, a escola, por exemplo, antes um espaço conquistado pela militância no qual pessoas
com deficiência lutavam por melhorias, hoje, passa a ser um ambiente que coloca em dúvida o seu
direito de estudar, visto os efeitos do já revogado decreto 10.502/20 que, apesar de não ter validade
no ordenamento atualmente, preconizou o ensejo para que a presença das pessoas com deficiência
nas escolas fossem novamente questionadas e, sobretudo, recusadas.
Isso porque a opressão que assolou/a à vida das pessoas com deficiência vai além do ex-
presidente individualmente. É certo que sua eleição juntamente aos anos de governo, o qual feriu
potencialmente a sociedade, visto suas características fascistas, foi um fator primordial. Entretanto,
precisamos falar sobre o bolsonarismo que, apesar de levar o mesmo nome do ex- governante, não é
o mesmo que diretamente falar dele ou dos seus eleitores, como nos trouxe Nunes (2022), é muito
mais amplo, pois evidencia a convergência real de diferentes tendências da sociedade brasileira:
Bolsonarista refere-se, portanto a um segmento social que, ao longo dos últimos oito e tantos
anos, adquiriu uma orientação política explícita por meio de um processo de retroalimentação
com lideranças como Bolsonaro - ainda que o fato de que este último tenha vindo a dominá-lo
seja em si mesmo contingente (NUNES, 2022, p. 24).
Isso posto, Nunes (2022) sintetiza dizendo que o bolsonarismo é um projeto interclasses
sustentado pelas políticas no topo e, por fortes afinidades eletivas na base, o qual conflui uma junção
de diferentes elementos: militarismo, anti-intelectualismo, empreendedorismo, anticomunismo,
liberalismo econômico, discurso anticorrupção, conservadorismo social, os quais muito se
distanciam de qualquer política de emancipação da população e, consequentemente, das pessoas
com deficiência.
Queremos dizer com isso que: o bolsonarismo não acaba com o fim do governo Bolsonaro,
por não ser um movimento de um sujeito individual, com isso, a consequência sobre como o modo
fascista impactou e ainda impacta a vida das pessoas com deficiência exige atenção, visto que as
subjetividades populares questionam cada vez mais a presença destes e não a sua ausência.
Corroboramos com Mariana Rosa, militante pela luta das pessoas com deficiência, em
entrevista cedida ao jornal Carta Capital (2023), quando afirma que:
O bolsonarismo não nos percebe como sujeitos de fato e de direito, mas como pessoas que
devem ser alvo de caridade, de benfeitoria, e eles se colocam no lugar de ‘salvadores’ dessas
pessoas que são vistas como coitadas. Um modelo que imaginávamos já estar superado [...]
Mesmo com a sinalização da nova conjuntura do governo Lula, em abarcar uma luta mais ampla
por políticas públicas inclusivas, as sementes plantadas no governo da exclusão continuam a
reproduzir injustiças, desigualdade e capacitismo, espalhando seus frutos e perpetuando a ideia
de desumanização das pessoas com deficiência (ROSA, CARTA CAPITAL, 2023).
O atual quadro situacional se desenha mediante as consequências do pós (des)governo
que se estende com o bolsonarismo, somado a atuação do governo Lula, por sua vez, defensor de
políticas inclusivas, o qual ainda não se colocou, seja em pronunciamento por novas políticas,
ou através da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos,
Diversidade e Inclusão), por exemplo, sobre a retomada dos programas que garantem o ingresso e
permanência das pessoas com deficiência na escola.
34 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 24-38, Jul.-Dez, 2023
SARMENTO, Viviane Nunes; TORRES, Wender Paulo de Almeida
Isso porque a consequência da discussão não se trata apenas de um documento em específico,
como o decreto 10.502/2020 que caiu em desuso, mas sim de um projeto de governo que, bem
sucedido em sua estratégia, fortificou no imaginário social o assistencialismo e, como consequência
desse movimento de naturalização, as portas das escolas e diversos outros espaços sociais têm sido
fechados por diversas mãos que apoiam o escaneamento da população com deficiência.
Trabalhando nisso, senadores como Damares Alves (Partido Liberal), Flávio Arns (PSB)
e Izalci Lucas (Partido Social Democrático), continuam cumprindo suas agendas a favor das
instituições segregadoras, propondo debates e argumentos para a retirada desses sujeitos das escolas.
Recentemente, em 10 de maio de 2023, os políticos acima citados encabeçaram um debate
sobre o papel e as condições das escolas e instituições especializadas no atendimento educacional aos
estudantes com deficiência, sem a participação efetiva dos movimentos que discutem a deficiência
e, tendo como principal motivação, o funcionamento de instituições especializadas no lugar das
escolas regulares inclusivas.
Ocorre que a perspectiva anteriormente construída em torno da inclusão, conforme
pudemos discutir, sofreu um desmonte, o qual deixou consequências extremamente nocivas,
resultantes da usurpação do governo que colocou a exclusão como principal meta e que, para
além de ter proliferado a ideia de incapacidade, infantilização e caridade, vinculada à vida
das pessoas com deficiência, atacou as conquistas dos seus direitos falseando a discussão sobre
representatividade e acessibilidade.
Nesse sentido, tal ataque transformou o direito aos múltiplos acessos e construções sociais
dessas pessoas em uma espécie de “escolha” e, por outro lado, determinou quem escolhe, referindo-
se à deficiência como um tipo que atrapalha, uma espécie de sigla e/ou situação a ser resolvida.
Assim, uma vez subjugados, estes são reafirmados como “problema”, a partir da patologização do
laudo, o qual reafirma que seus corpos físicos devem ser identificados e catalogados, para melhor
exercer vigilância e garantir seu isolamento, reforçando a lógica da submissão e hierarquização.
Esse movimento não apenas empurra as pessoas com deficiência para instituições
incapacitantes, através da lógica da expulsão e marginalização (GUERRA, 2021) – já que no
imaginário social está cada vez mais reafirmada a ideia do fracasso tendo por base a deficiência – como
também e/ou por consequência disso, as matam, visto à precarização da vida (GUERRA,2021).
Os direitos das pessoas com deficiência não são negociáveis e quando estão em disputa
é porque existem assimetrias de poder que devem ser duramente combatidas. A escolha, como o
bolsonarismo simplificou e não genuinamente relativizou ao longo desses anos, não tem sido das
pessoas com deficiência, na verdade, elas sempre estiveram do lado das lutas, porque quem escolhe,
normalmente, solidifica a supremacia dos corpos e essa história precisa urgentemente de reparação.
Para isso, é urgente que os corpos com deficiência em suas subversões deixem de ser alvo
da proposição estética de participação e acessibilidade da política institucional atual, no intuito de
reafirmar o seu alcance a todos, passando a ser pauta de uma agenda política séria construída por/
com estes de maneira dialógica e interseccional.
Por isso, consideramos que uma das ações mais urgentes nesse momento é a retomada
da efetivação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008), bem como a reativação de investimentos e ações, no que tange a regulamentação e
aplicabilidade dos dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), como um importante
gesto que o atual governo precisa apresentar o mais rápido possível.
Assistencialismo e representatividade alegórica das pessoas com deficiência Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 25-38, Jul.-Dez, 2023 35
Dito isso, é preciso continuar questionando a ausência desses sujeitos, seja na escola,
na vida pública e/ou contexto social e econômico. Isso inclui, sobretudo, continuar tensionando
os silêncios e silenciamentos, os quais autorizam as suposições a respeito das suas vidas e de suas
identidades. Nesses termos, é fundamental o diálogo “com” e não “sobre” (SARMENTO, 2023).
Por fim, chamamos atenção para o lema utilizado pela militância “Nada sobre nós,
sem nós” e reafirmando que este não se trata apenas da representatividade, mas de uma colocação
tácita das pessoas com deficiência contra a definição imposta acerca da sua humanidade. Portanto,
qualquer lógica que as retire da vida social, seja por meio do discurso esdrúxulo ou do silêncio, é
uma forma de apagamento.
considerAções finAis
No presente ensaio, buscamos analisar os retrocessos relacionados aos direitos das pessoas
com deficiência mediante as estratégias de assistencialismo e representatividade alegórica do governo
Bolsonaro e compreender como o bolsonarismo ainda se faz presente nas práticas capacitistas,
mesmo com o fim do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desta feita, pudemos encontrar diversos retrocessos normativos e/ou sociais durante o
período de governo do ex-presidente do Brasil, evidenciando ainda mais a invisibilidade vivida pelas
pessoas com deficiência.
A compreensão supracitada partiu do pressuposto de que diversos direitos anteriormente
conquistados por esses sujeitos, diante de uma história de opressão/exclusão, foram retirados, a
exemplo da extinção do Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência, das ações e omissões
que durante o período da pandemia da COVID-19 invisibilizaram e intensificaram as situações
de vulnerabilidade desses sujeitos, por meio do apagamento em sistemas oficiais e do corte de
programas voltados à saúde das pessoas com deficiência.
Em continuidade, ainda durante o governo em questão foi promulgado, mesmo que
sendo suspenso para apreciação, por ser considerado inconstitucional, o decreto 10.502/2020,
autorizando o retorno das instituições especializadas e colocando em risco a garantia do Direito
social à educação até o final do (des)governo em 2022.
Diante dessas situações, analisamos que as estratégias para este fim constituíram-se em
torno de práticas fascistas, as quais usurparam a pauta da representatividade que foi sustentada
como bandeira durante o período do governo Bolsonaro, apropriando-se de forma alegórica dessa
legítima necessidade defendida pela comunidade das pessoas com deficiência, com fins a subverter
a ótica da participação plena e efetiva dessa comunidade na sociedade, a uma prática caritativa
e hierárquica, materializada através da divulgação da imagem benevolente da ex- primeira-dama
Michelle Bolsonaro.
No entanto, compreendemos também que o bolsonarismo vai muito além da figura
individual do ex-presidente Jair Bolsonaro, visto que, embora possamos reconhecer que suas
práticas fortificaram um projeto de despojo em relação à vida das pessoas com deficiência, também
compreendemos que a dimensão desse projeto ultrapassa sua figura autoritária e inconsequente,
pois reforça no imaginário popular a ótica de que pessoas com deficiência necessitam de tutela, que
serviços direcionados as suas respectivas qualidade de vida (saúde, assistência social, etc) podem
36 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 24-38, Jul.-Dez, 2023
SARMENTO, Viviane Nunes; TORRES, Wender Paulo de Almeida
ser mercantilizados e/ou removidos da responsabilidade pública e que a escola não é um lugar para
todos. Tais pressuposto perduram e seguem silenciando e apagando vidas.
Por fim, ao voltar o nosso olhar para a atual conjuntura, mediante a retomada das políticas
de inclusão, percebemos que mesmo com governo do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
qual se coloca a favor e, em mandatos anteriores, sancionou diversas normas/ações a fim de atender
as solicitações da militância das pessoas com deficiência e efetivar o movimento inclusivo, ainda não
há posicionamentos efetivos no combate desse desmonte, como por exemplo, o posicionamento do
Ministério da Educação em relação ao retorno das práticas e investimentos orientados pela Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).
Desta feita, compreendemos que o atual “silêncio”, embora em contextos políticos
absolutamente distintos, corrobora com as naturalizações bolsonaristas que ficaram implantadas
na sociedade e, por isso, realçamos a importância e urgência da regulamentação e efetivações de
leis e práticas que duramente combatam o projeto de apagamento, estigmas e silenciamentos
potencializados nos últimos anos.
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