Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023 173
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2023.v10n2.p173-188
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
Formação docente em perspectiva inclusiva: retrocessos, lacunas e
distanciamentos no contexto brasileiro
Teacher Training in an inclusive perspecTive: seTbacks, gaps and
disTancing in The brazilian conTexT
Ana Paula Dias Pazzaglini ROLDI
1
Erica Pereira NETO
2
Décio Nascimento GUIMARÃES
3
Resumo: a formação docente em perspectiva inclusiva constitui um caminho para assegurar a igualdade das pessoas com deficiência,
e instrumentos legais visam proteger direitos. Sendo assim, este estudo objetiva investigar a forma com que o direito à educação das
pessoas em situação de deficiência está constituído nos documentos norteadores da Política Nacional de Formação de Professores -
BNC Formação e BNC Formação continuada. Para este fim, foi utilizada uma metodologia exploratória do tipo documental, com
reflexões na busca por atravessamentos que viabilizem as discussões e estudos sobre inclusão nos cursos de formação de professores.
Observaram-se retrocessos, lacunas e distanciamentos nas políticas educacionais com a construção de um currículo omisso que
apresenta tímidos diálogos sobre a formação docente em perspectiva inclusiva.
Palavras-Chave: Educação inclusiva. Formação docente. Pessoas com deficiência. Direto à educação.
Abstract: teacher training in an inclusive perspective is a way to ensure equality for people with disabilities and legal instruments
aimed at protecting rights. erefore, this study aims to investigate how the right to education of people with disabilities is
constituted in the guiding documents of the National Policy for Teacher Training- BNC Formação and BNC Formação
Continuada. For this purpose, an exploratory methodology of the documentary type was used with reflections in the search
for crossings that enable discussions and studies on inclusion in teacher training courses. Setbacks, gaps, and discrepancies in
educational policies were observed with the creation of an omissive curriculum that presents feeble dialogues about teacher
training in an inclusive perspective.
Keywords: Inclusive education. Teacher training. People with disabilities. Right to education.
introdução
A Declaração Universal de Direitos Humanos proclama o direito de todas as pessoas à
educação e considera a discriminação no campo educacional como uma violação de direitos. Ela
Mestra em Educação. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense – IFF. E-mail: ana.roldi@
iff.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2278-4873
Mestra em Ciência da Motricidade Humana. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense –
IFF. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1518-5883
Doutor em Cognição e Linguagem. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense – IFF. E-mail:
decio.guimaraes@iff.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1496-5407
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ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
enfatiza que a educação deve promover a plena expansão da personalidade humana, reforçar os
direitos humanos e as liberdades fundamentais, além de favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos (ONU, 1948). Já a Constituição Federal
afirma que a educação é um direito social (Art. 6º), direito de todos e dever do Estado e da família,
com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa (Art.205), e que o ensino deve ser ministrado com
base no princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (Art. 206).
Entretanto, apesar da existência desses documentos abrangentes, nem sempre o direito à educação
das pessoas com deficiência foi assegurado.
A luta pela equidade dos direitos humanos das pessoas com deficiência resultou na
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) em
2008. Essa política tem o objetivo de assegurar a inclusão escolar dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, promovendo a
participação, a aprendizagem e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino. A PNEEPEI
também defende a transversalidade da educação especial em todos os níveis de ensino, a
formação de professores, a participação da família e comunidade, a acessibilidade e a coordenação
intersetorial na implementação das políticas públicas.
Em 2009, o Brasil promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (CDPD), com o propósito de promover, proteger e garantir o pleno exercício dos
direitos humanos das pessoas com deficiência. Em 2015, foi instituída a Lei 13.146, conhecida
como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) ou Estatuto da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2015). Essa lei busca assegurar e promover, em condições de igualdade, o
exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão
social e cidadania.
Apesar dos instrumentos legais que objetivam proteger o pleno exercício dos direitos
humanos das pessoas com deficiência e assegurar que gozem de plena igualdade perante a lei, os
cotidianos escolares ainda configuram espaços não inclusivos, onde, na maioria das vezes, encontram-
se adaptações razoáveis para minimamente aparentar observância às legislações em vigor.
Nesse contexto, é essencial que a formação inicial e continuada dos docentes seja
embasada em um Projeto Pedagógico de Curso (PPC) que aborde o direito à educação das pessoas
com deficiência, a fim de ampliar a compreensão sobre a inclusão escolar nas escolas regulares.
Isso implica a necessidade de desenvolver práticas pedagógicas que permitam a participação e
o aprendizado de todos(as), superando o modelo de educação especial que ainda se baseia em
acomodações, flexibilizações e adaptações individuais dos currículos e espaços escolares para
estudantes com deficiência.
É fundamental também promover a articulação entre diferentes setores para a
implementação de políticas públicas, destacando-se a importância da Política de Formação de
Professores. Diante dessas questões, amparados na metodologia exploratória do tipo documental
(GIL, 2008), este artigo se propõe a investigar a forma como o direito à educação das pessoas com
deficiência está estabelecido nos documentos legais que orientam a formação inicial e continuada
de professores.
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
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metodologia
Um dos objetivos para a implementação da PNEEPEI (BRASIL, 2008, p.14) é a
formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da
educação para a inclusão”. Dessa forma, são enfocados dois tipos de formação de professores para
subsidiar o processo de escolarização de estudantes com deficiência em turmas de ensino comum: a
formação para a atuação de professores na Educação Especial e a formação de gestores, educadores
e outros profissionais da escola para a educação inclusiva.
Diante disso, com apoio na metodologia exploratória do tipo documental (GIL, 2008;
SAMPIERI; COLLADO; LÚCIO, 2006), foram feitas análises nos documentos norteadores
da Política Nacional de Formação de Professores – BNC- Formação (2019) e BNC- Formação
continuada (2020) – na busca por atravessamentos que viabilizem as discussões e estudos, nos
cursos de formação de professores, sobre o direito de aprender das pessoas em situação de deficiência
que potencializem a formação docente na perspectiva da inclusão escolar.
Sobre a análise de documentos, destaca-se:
É importante que o pesquisador considere as mais diversas implicações relativas aos documentos
antes de formular uma conclusão definitiva. Ainda em relação a esse problema, convém lembrar
que algumas pesquisas elaboradas com base em documentos são importantes não porque
respondem definitivamente a um problema, mas porque proporcionam melhor visão desse
problema ou, então, hipóteses que conduzem a sua verificação por outros meios (GIL, 2002,
p.47).
Os documentos legais foram analisados pelo viés da metodologia exploratória, já que:
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses
pesquisáveis para estudos posteriores. [...] Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico
e documental (GIL, 2008, p. 27).
De acordo com Sampieri, Collado e Lúcio (2006), os estudos exploratórios geralmente
determinam tendências, identificam contextos e situações de estudo ou estabelecem enfoques para
produção de futuras pesquisas, não tendo, na maioria das vezes, um fim em si mesmos.
a dialogicidade entre Formação de proFessores e educação em direitos humanos:
o que dizem os documentos legais sobre inclusão e aprendizagem das pessoas com
deFiciência?
Vive-se em um contexto de emergência para a promoção de uma cultura dos Direitos
Humanos, a fim de transcender os documentos jurídicos e as políticas públicas e alcançar todos os
âmbitos sociais. Os direitos humanos constituem um componente fundamental para a afirmação
dos processos democráticos e, mesmo sendo exaltados e continuamente violados, não podem ser
negados, sob o risco de que a barbárie invada cada vez mais as relações sociais (CANDAU et al.,
2013). Para além disso,
176 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023
ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição, e na verdade a sua própria
existência, depende tanto das emoções quanto da razão. A reivindicação de autoevidência se
baseia em última análise num apelo emocional: ela é convincente se ressoa dentro de cada
indivíduo. Além disso, temos muita certeza de que um direito humano está em questão quando
nos sentimos horrorizados pela sua violação (HUNT, 2009, p. 24).
Mesmo com todos os documentos que pretendem, para além do acesso ao ensino regular,
garantir a permanência e iguais possibilidades de aprendizado de estudantes com deficiência, não é
rara a violação dos direitos humanos no que diz respeito ao direito de aprender desse público. Nesse
sentido, para que todos esses discursos apresentados nos referidos documentos reflitam realmente
na prática educativa e que a cultura dos direitos humanos seja efetivada, a formação de professores
tem um papel fundamental.
Nessa perspectiva, Melo e Mafezoni (2019, p.107) “entendem que o direito de aprender
passa, também, pelas práticas pedagógicas daqueles envolvidos diretamente na tarefa de ensinar:
professores regentes e professores especialistas”. Isso “[...] inclui não somente não impedir o outro
de aprender, mas oferecer a ele todas as possibilidades de fazê-lo [...]” (LEMONS, 2015, p. 55).
Os documentos norteadores da Política Nacional de Formação de Professores, a
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019 (BNC- Formação) e a
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020 (BNC- Formação continuada),
foram produzidos mediante orientações contidas em alguns documentos legais, a saber: O § 1º do
art. 5º das Resoluções CNE/CP nº 2/2017 e CNE/CP nº 4/2018, que, dentre outras disposições,
estabelece que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve contribuir para a articulação e
a coordenação das políticas e ações educacionais em relação à formação de professores. O § 8º do
art. 62 da LDB estabelece que os currículos dos cursos destinados à formação de docentes para
a Educação Básica terão por referência a BNCC e a Lei nº 13.415/2017, em seu art. 11, que
estabelece o prazo de 2 (dois) anos, contados da data de homologação da BNCC, para que seja
implementada a referida adequação curricular da formação docente.
Para além desses documentos legais que são considerados para as propostas de formação
inicial e continuada, esta última se ampara nas metas 15 e 16 do Plano Nacional de Educação
(PNE-2014 a 2024), que versam sobre a qualificação de professores(as).
Já o documento BNC- Formação não cita o PNE e ambos deixam de fora orientações
para que a meta 4 saia do papel. A meta 4 orienta:
Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e
ao atendimento educacional especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino,
com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes,
escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL, 2014, grifo nosso).
De acordo com o censo 2021, considerando apenas os estudantes de 4 a 17 anos da
Educação Especial, verifica-se que o percentual de matrículas de discentes incluídos em classes
comuns vem aumentando gradativamente, passando de 90,8%, em 2017, para 93,5%, em
2021 (BRASIL, 2022). Apesar de constituir uma grande conquista, cabe problematizar se as
universalizações do acesso à Educação Básica e ao AEE asseguram o aprendizado das pessoas com
deficiência.
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
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Como promover um sistema educacional inclusivo com um esvaziamento sobre Educação
em Direitos Humanos e inclusão nos documentos que definem as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação de professores?
bnc- Formação: diálogos com a educação inclusiva
O documento BNC-Formação define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial em Nível Superior de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional
Comum para essa formação. O documento tem como referência a implantação da Base Nacional
Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas Resoluções CNE/CP nº 2/2017
e CNE/CP nº 4/2018, e visa assegurar no Art. 2º:
[...] o desenvolvimento, pelo licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-
Educação Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes,
quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional de sua formação, tendo
como perspectiva o desenvolvimento pleno das pessoas, visando à Educação Integral (BRASIL,
2019, p.2).
Observa-se que, assim como a BNCC, o documento BNC-formação tem cariz normativo,
tecnicista e se guia pelos mesmos princípios das competências e habilidades que substituíram os
direitos de aprendizagem no documento. Na busca pelos diálogos com a formação numa perspectiva
inclusiva, encontra-se no Art. 6º inciso I da BNC-Formação o seguinte princípio:
A formação docente para todas as etapas e modalidades da Educação Básica como compromisso
de Estado, que assegure o direito das crianças, jovens e adultos a uma educação de qualidade,
mediante a equiparação de oportunidades que considere a necessidade de todos e de cada um
dos estudantes (BRASIL, 2019).
Entretanto, os diálogos são tímidos, e as orientações sobre a construção de um currículo
inclusivo são mínimas. Em nenhum momento o texto cita as tecnologias assistivas e/ou o desenho
universal, que ampliariam as possibilidades equitativas de aprendizagem dos estudantes com
deficiência. As orientações para inclusão são generalistas, pois a BNC-Formação visa a formação de
professores(as) detentores(as) de habilidades e competências e capazes de “transmitir” os conteúdos
que serão cobrados nas avaliações em larga escala.
Os marcos legais, conhecimentos e conceitos básicos da Educação Especial acerca das
propostas e projetos para o atendimento dos estudantes com deficiência e necessidades especiais
aparecem como temáticas a serem trabalhadas nos currículos de formação de professores. Entretanto,
o Art. 16. diz que:
As licenciaturas voltadas especificamente para a docência nas modalidades de Educação Especial,
Educação do Campo, Educação Indígena, Educação Quilombola, devem ser organizadas de
acordo com as orientações desta Resolução e, por constituírem campos de atuação que exigem
saberes específicos e práticas contextualizadas, devem estabelecer, para cada etapa da Educação
Básica, o tratamento pedagógico adequado, orientado pelas diretrizes do Conselho Nacional de
Educação (CNE)(BRASIL, 2019, p.9, grifo nosso).
178 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023
ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
Os professores que atuarão nas diversas disciplinas da Educação Básica, que se pretende
inclusiva, não necessitam de saberes específicos e de práticas contextualizadas para atender ao
público da Educação Especial? Nesse viés, é notório o retrocesso em relação às políticas educacionais
que priorizam cada vez mais o mercado e seu produtivismo capitalista. Um currículo cada vez mais
capacitista
4
para provimento de mão de obra para o mercado de trabalho que exclui as pessoas com
deficiência.
As grandes participações de empresas privadas nas políticas educacionais nos chamam
atenção para a intencionalidade destas. Nesse contexto, Corrêa e Morgado (2018) problematizam
sobre isso:
Sem deixar de reconhecer a possível “bondade” de um currículo nacional, preocupa-nos que
a sua construção traduza, sobretudo, desejos e vontades de grupos privados que, por meio de
acordos velados, definam um currículo nacional de cariz essencialmente normativo e que, a
priori, defendia os direitos de aprendizagem de todos, direitos esses que se foram diluindo ao
longo do documento. (pag. 11).
Na opinião de Macedo (2015, p. 901), os objetivos e os conteúdos “não parecem derivados
dos direitos, como promete o documento do MEC”, o que lhe permite julgar “que a fragilidade do
vínculo entre eles pode nos informar muito sobre os processos políticos de articulação”.
Segue-se, portanto, à análise para a análise do anexo do documento BNC-formação
(2019), o qual apresenta as competências gerais e específicas da formação docente. Buscou-se as
citações sobre a Educação em Direitos Humanos e sobre a Educação Inclusiva. Das dez competências
gerais, duas dialogam com a Educação em Direitos Humanos (Quadro 1).
Quadro 1- competências gerais docentes que dialogam com a Educação em Direitos Humanos
COMPETÊNCIAS GERAIS DOCENTES
7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender
ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência
socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o
respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover
ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem.
Fonte: Os autores
Em relação às competências específicas, o quadro abaixo (Quadro 2) apresenta as três
dimensões (Art. 4º) da ação docente que dialogam com a educação inclusiva.
Campbell conceitua o capacitismo como “Uma rede de crenças, processos e práticas que produz um determinado tipo de corpo (o
padrão corporal) que é projetado como perfeito, típico da espécie e, portanto, essencial e totalmente humano. A deficiência é então
moldada como um estado diminuído de ser humano” (CAMPBELL, 2001, p. 44 apud GESSER et al. 2020, p. 18).
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023 179
Quadro 2 - competências específicas docentes que dialogam com a educação inclusiva
DIMENSÕES DAS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS
Competências específicas Habilidades
I - conhecimento profissional. 1.1 Dominar os objetos de conhecimento e
saber como ensiná-los.
1.2 Demonstrar conhecimento sobre os
estudantes e como eles aprendem.
1.1.2 Demonstrar conhecimento sobre os
processos pelos quais as pessoas aprendem,
devendo adotar as estratégias e os recursos
pedagógicos alicerçados nas ciências da
educação que favoreçam o desenvolvimento
dos saberes e eliminem as barreiras de acesso
ao currículo.
1.2.5 Aplicar estratégias de ensino
diferenciadas que promovam a aprendizagem
dos estudantes com diferentes necessidades e
deficiências, levando em conta seus diversos
contextos culturais, socioeconômicos, e
linguísticos é requerido.
II - prática profissional. 2.4 Conduzir as práticas pedagógicas dos
objetos do conhecimento, das competências
e habilidades.
2.4.2 Utilizar as diferentes estratégias e
recursos para as necessidades específicas de
aprendizagem (deficiências, altas habilidades,
estudantes de menor rendimento, etc.) que
engajem intelectualmente e que favoreçam
o desenvolvimento do currículo com
consistência.
III- engajamento
profissional.
3.2 Comprometer-se com a aprendizagem
dos estudantes e colocar em prática o
princípio de que todos são capazes de
aprender espera-se do profissional as
seguintes habilidades.
3.2.2 Comprometer-se com a aprendizagem
dos estudantes e colocar em prática o
princípio de que todos são capazes de
aprender.
3.2.3 Conhecer, entender e dar valor
positivo às diferentes identidades e
necessidades dos estudantes, bem como ser
capaz de utilizar os recursos tecnológicos
como recurso pedagógico para garantir
a inclusão, o desenvolvimento das
competências da BNCC e as aprendizagens
dos objetos de conhecimento para todos os
estudantes.
3.2.4 Atentar nas diferentes formas de
violência física e simbólica, bem como nas
discriminações étnico-raciais praticadas nas
escolas e nos ambientes digitais, além de
promover o uso ético, seguro e responsável
das tecnologias digitais.
Fonte: Os autores.
Observa-se um tímido diálogo e amparo na cultura em direitos humanos para orientação
dos currículos de formação de professores. É nítida a predominância de um currículo prescritivo
com foco no domínio de competências e habilidades pelo(a) professor(a), a fim de dominar o
conteúdo para transmiti-lo de forma eficiente. Eficiência essa, comprovada por meio de avaliações
em larga escala, o que contribui para minimizar a autonomia do(a) professor(a) e da própria escola,
no que se refere à construção do currículo.
As ausências nas diretrizes curriculares sobre direitos e aprendizagem dos(as) estudantes
com deficiência comprovam uma despretensão em relação à aprendizagem deste público, e, cada vez
mais, as formações continuadas se estruturam para suprir tal falta.
180 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023
ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
Böck et al. (2020, p.363) afirmam que “com atitudes que supervalorizam as capacidades
na educação formal, produzem-se currículos capacitistas que hierarquizam e elegem um único modo
de aprender”. Ainda de acordo com Böck et al. (2020), o Desenho Universal na Aprendizagem
(DUA), constitui:
[...] Um princípio do cuidado na prática docente, o qual pode contribuir para a efetivação
de processos educativos inclusivos em todos os níveis de ensino e promover direitos humanos
ao romper com práticas normocêntricas e currículos capacitistas que hierarquizam os modos
de se relacionar com o conhecimento nos espaços formais de aprendizagem. (BÖCK et al.,
2020, p. 364).
Dessa forma, uma proposta para a efetivação de processos educativos inclusivos, com
vistas a ampliar as possibilidades equitativas de aprendizagem dos estudantes com deficiência, deve
estar pautada no Desenho Universal na Aprendizagem (DUA).
bnc- Formação continuada: diálogos com a educação inclusiva
Antes das Resoluções de 2019-BNC Formação e de 2020-BNC Formação Continuada,
os currículos eram norteados pelo Parecer CNE/CP nº2/2015, de 09 de julho de 2015, sobre
as Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da
Educação Básica, que, no capítulo VI “Da formação Continuada dos Profissionais do Magistério”,
conceituava essa formação.
Art 16. A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e
profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve
atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para
além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como
principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico,
pedagógico, ético e político do profissional docente. (BRASIL, CONSELHO NACIONAL
DE EDUCAÇÂO RESOLUÇÂO Nº.2, DE 1ºde JULHO DE 2015, p.53)
No atual cenário da educação no Brasil, tem-se observado um aumento de projetos para
formar professores(as) a fim de atender às demandas do mercado, e a formação continuada tem
por objetivo preparar esses profissionais. Infelizmente, a educação continuada, muitas vezes, é vista
como algo supérfluo na formação docente, além de ser compreendida como uma compensação
de uma formação inicial com carências na qualidade, “[...] e não propriamente de atualização e
aprofundamento em avanços do conhecimento, sendo realizados com a finalidade de suprir aspectos
da má-formação anterior, alterando o propósito inicial dessa educação […]” (GATTI, 2008, p. 58).
Segundo Freire (1996), a formação continuada é um processo contínuo e permanente,
em que a formação inicial e a continuada são interarticuladas, que se completam. Freire (1996,
p.43-44) destaca que “[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o
da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática.
Essa formação permanente, que não se esgota e não termina na formação inicial e
permanece em todo o percurso da existência do ser humano, baseado no princípio do inacabado,
afirma que:
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023 181
A melhora da qualidade da educação implica a formação permanente dos educadores. E a
formação permanente se funda na prática de analisar a prática. É pensando sua prática,
naturalmente com a presença de pessoal altamente qualificado, que é possível perceber
embutida na prática uma teoria não percebida ainda, pouco percebida ou já percebida, mas
pouco assumida. (FREIRE, 2001, p.72).
Aproximando-se desta perspectiva freireana, havia o PARECER CNE/CP Nº2/2015, que
norteava os cursos de formação de professores com a seguinte concepção de formação continuada:
A formação de profissionais do magistério deve assegurar a base comum nacional, pautada
pela concepção de educação como processo emancipatório e permanente, bem como pelo
reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à práxis como expressão da
articulação entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a realidade dos ambientes
das instituições educativas da educação básica e da profissão (...) (BRASIL, PARECER CNE/
CP nº2/2015, p.24).
Porém, a BNC-Formação Continuada substitui o parecer nº 2, de 2015, no que tange
às normativas relacionadas a essa formação, e apresenta uma proposta de formação performática.
O Art. 4º diz: “A Formação Continuada de Professores da Educação básica é entendida como
componente essencial da sua profissionalização[...]para a constituição de competências[...]”
(BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020, p. 2). O documento
visa a qualificação para o trabalho com um grande esvaziamento de amplas dimensões dessa formação,
evidenciando um currículo performático em que o(a) docente se “capacite” cognitivamente para dar
conta de desenvolver as competências, em seus discentes, requeridas pela BNCC.
O Art. 5º apresenta os princípios norteadores das políticas de formação de professores e
mostra claramente, no inciso II, uma visão tradicional do processo de ensino-aprendizagem, com
foco na transmissão e na assimilação do conhecimento.
Reconhecimento e valorização, no âmbito da Educação Básica, das instituições de ensino
- com seu arcabouço próprio de gestão, e condicionada às autoridades pertinentes - como
estrutura preferencial para o compartilhamento e a transmissão do conhecimento acumulado
pela humanidade, promovendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas - para assimilá-lo,
transformá-lo e fazê-lo progredir - e a aquisição de competências sociais e emocionais- para fruí-
lo plenamente. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020,
p. 2, Grifo nosso).
Já no Art. 6º apresenta, no inciso VII, os fundamentos pedagógicos da formação
continuada de docentes da Educação Básica:
Desenvolvimento de capacidade gestora (gestão inclusiva e democrática) de equipes, instituições
e redes de ensino, de forma a construir e consolidar uma cultura institucionalizada de sucesso e
eficácia escolar para todos os alunos e membros das equipes, levando em consideração as características
institucionais, as normativas, os costumes, o contexto sociocultural das instituições e das redes
de ensino, bem como a sua clientela e o seu entorno. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CP Nº
1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020, p. 4, Grifo nosso).
Apesar de a redação acima levar em consideração os contextos socioculturais das
instituições e dos(as) estudantes e pretender desenvolver nos docentes a capacidade gestora inclusiva
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e democrática, problematiza-se que uma cultura institucionalizada de sucesso e eficácia escolar para
todos(as) pode balizar o sucesso e o fracasso sem levar em consideração as diferentes formas de
aprendizado de cada sujeito. Nesse caso os(as) estudantes com deficiência jogariam um jogo de
cartas marcadas? Seriam as avaliações em larga escala as indicadoras da eficácia escolar?
Mais adiante, no Art.7º, coloca-se como condição para êxito na vida profissional os
seguintes aspectos:
A Formação Continuada, para que tenha impacto positivo quanto à sua eficácia na melhoria
da prática docente, deve atender as características de: foco no conhecimento pedagógico do
conteúdo; uso de metodologias ativas de aprendizagem; trabalho colaborativo entre pares;
duração prolongada da formação e coerência sistêmica. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CP
Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020).
Há uma relação direta entre a eficácia da formação e a duração desta. No inciso IV,
afirma-se que “adultos aprendem melhor quando têm a oportunidade de praticar, refletir e dialogar
sobre a prática, razão pela qual formações curtas não são eficazes” (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/
CP Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 2020, p. 4).
A BNC-formação e a BNC-Formação Continuada têm caráter tecnicista e possuem
um discurso de instrumentalização técnica com a responsabilização docente pelo suposto fracasso
da educação do Brasil. Nesse caso, seria o docente o responsável pela desigualdade educacional,
retirando a responsabilidade do Estado sobre a qualidade educacional e sobre os demais fatores
ligados ao processo de ensino-aprendizagem.
Quanto à Educação Especial, na BNC-Formação Continuada, observa-se, no Art. 8º,
orientação semelhante à encontrada no Art. 16º da BNC Formação:
A Formação Continuada para docentes que atuam em modalidades específicas, como Educação
Especial, do Campo, Indígena, Quilombola, Profissional, e Educação de Jovens e Adultos
(EJA), por constituírem campos de atuação que exigem saberes e práticas contextualizadas,
deve ser organizada atendendo as respectivas normas regulamentadoras do Conselho Nacional
de Educação (CNE), além do prescrito nesta Resolução. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE_CP
Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO de 2020).
Percebe-se uma frágil interação em relação às abordagens sobre os direitos e possibilidades
de aprendizagem dos (das) estudantes com deficiência nos cursos de formação continuada. Todo(a)
educador(a), ou a grande maioria, em algum momento de sua vida acadêmica, lecionará para esse
público. Entretanto, o documento só orienta para a exigência de saberes e práticas contextualizadas,
para atender aos estudantes com deficiência, nos cursos de Formação Continuada para docentes que
atuam em modalidades específicas de Educação Especial. Como propor uma escola inclusiva com
propostas segregacionistas? Como orientar a formação fundada numa cultura dos direitos humanos
que inclua todos(as), se essa formação fica restrita a uma modalidade específica?
O anexo I do documento BNC-Formação Continuada se divide em competências gerais
docentes e em competências específicas vinculadas às dimensões do conhecimento, da prática e do
engajamento profissional e às suas respectivas áreas. Em relação às competências e habilidades sobre
a prática profissional pedagógica, encontra-se:
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023 183
Identificar diferentes estratégias e recursos para as necessidades específicas de aprendizagem
(deficiências, altas habilidades, alunos de menor rendimento, etc.) que engajem intelectualmente
e que favoreçam o desenvolvimento do currículo com consistência. (BRASIL, RESOLUÇÃO
CNE_CP Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO de 2020, p. 10).
Das dez competências gerais do anexo I, do documento BNC-formação continuada,
quatro se alinham à promoção aos direitos humanos (Quadro 3).
Quadro 3 - Competências gerais docentes da BNC-formação continuada que dialogam com a
educação em direitos humanos
COMPETÊNCIAS GERAIS DOCENTES
4. Utilizar diferentes linguagens - verbal, corporal, visual, sonora e digital - para se expressar e fazer com que o
estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes
contextos, produzindo sentidos que levem ao entendimento mútuo.
7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender ideias,
pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o
consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo,
dos outros e do planeta.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito
ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais,
seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover ambiente
colaborativo nos locais de aprendizagem.
10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência, a abertura
a diferentes opiniões e concepções pedagógicas, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos,
inclusivos, sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendizagem possa refletir esses valores.
Fonte: anexo I BNC-formação (modificada-grifo nosso)
Em relação às competências específicas vinculadas às dimensões do conhecimento, da
prática e do engajamento profissional e às suas respectivas áreas, apresenta-se abaixo um recorte da
tabela contida no anexo I do documento da base (Quadro 4) e seus atravessamentos com a Educação
em Direitos Humanos, que se pretende inclusiva. O quadro apresenta uma síntese das dimensões da
formação docente e, mais adiante, as competências atribuídas a cada dimensão, competências essas
que se busca analisar.
Quadro 4 - Competências específicas docentes e seus atravessamentos na
educação em direitos humanos
DIMENSÕES DAS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS
DIMENSÕES
CONHECIMENTO
PROFISSIONAL
PRÁTICA PROFISSIONAL
ENGAJAMENTO
PROFISSIONAL
PRÁTICA
PROFISSIONAL -
PEDAGÓGICA
PRÁTICA
PROFISSIONAL -
INSTITUCIONAL
SÍNTESE Aquisição de
conhecimentos
específicos de sua
área, do ambiente
institucional e
sociocultural e de
autoconhecimento.
Prática profissional
referente aos
aspectos didáticos e
pedagógicos.
Prática profissional
referente à cultura
organizacional das
instituições de ensino
e do contexto sócio-
cultural em que está
inserida.
Comprometimento
com a profissão
docente, assumindo
o pleno exercício de
suas atribuições e
responsabilidades.
Área do Conhecimento e de Conteúdo Curricular
184 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023
ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
COMPETÊNCIAS 1 3.1 Fortalecer e
comprometer-se com uma
cultura de altas expectativas
acadêmicas, de
sucesso e de eficácia
escolar para todos os
alunos.
3.1.1. Conhecer pesquisas
e estudos sobre como obter
sucesso e eficácia escolar
para todos os alunos.
Área Didática-Pedagógica
COMPETÊNCIAS 2 2a.4.3 Identificar
diferentes estratégias
e recursos para
as necessidades
específicas de
aprendizagem
(deficiências, altas
habilidades, alunos de
menor rendimento,
etc.) que engajem
intelectualmente
e que favoreçam o
desenvolvimento
do currículo com
consistência.
2b.2 Incentivar a
colaboração
profissional e
interpessoal com
o objetivo de
materializar
objetivamente o
direito à educação de
todos os alunos.
2b.2.6. Planejar
atividades integradas
que levem em
consideração as
necessidades de
desenvolvimento
integral dos alunos.
3.2.1. Oferecer suporte
adequado para que seus
alunos possam sempre se
desenvolver e
aprender de acordo
com seu potencial e
características pessoais.
3.2.2. Tratar os alunos de
maneira equitativa.
3.2.3. Abordar os erros e
os fracassos como ocasiões
para enriquecer o processo
de
Aprendizagem.
Área de Ensino e Aprendizagem para todos os Alunos
COMPETÊNCIAS 3 1.3 Conhecer sobre os
alunos, suas
características e como
elas afetam
o aprendizado,
valendo-se de
evidências científicas.
2a.3 Viabilizar
estratégias de
ensino que
considerem as
características do
desenvolvimento
e da idade dos
alunos e assim,
contribuam para uma
aprendizagem eficaz.
2b.3 Apoiar a
avaliação e a
alocação de alunos
em instituições
educacionais, turmas
e equipes,
dimensionando
as necessidades e
interagindo com
as redes locais de
proteção social.
2b.3.3. Identificar
e dar assistência
aos alunos com
problemas básicos de
aprendizagem.
Área sobre o Ambiente Institucional e o Contexto Sociocultural
COMPETÊNCIAS 4 2a.4 Utilizar
ferramentas
pedagógicas que
facilitem uma
adequada mediação
entre os conteúdos,
os alunos e as
particularidades
culturais e sociais
dos respectivos
contextos de
aprendizagem.
Fonte: anexo I BNC-formação (modificada-grifo nosso).
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023 185
Observa-se que a competência 1 está voltada para um processo educativo de “altas
expectativas acadêmicas”, pautado no sucesso e na eficácia dos estudantes. Eficácia esta ditada por
um currículo capacitista, que prioriza a dimensão cognitiva da aprendizagem em detrimento de
outras dimensões, que não são levadas em conta na categorização do (in)sucesso; “além disso, a
deficiência passou a ser compreendida como socialmente atribuída e construtora de respostas e
expectativas sociais conforme os padrões normativos” (LUIZ; SILVEIRA, 2020, p. 115).
Evidencia-se o reflexo, na política de formação de professores(as), da intencionalidade da
Educação Básica, guiada pela lógica do capitalismo neoliberal, que incide na corponormatividade
para capacitar mão de obra padronizada para atendimento ao mercado, pois, de acordo com Gesser
et al. (2020):
Outrossim, o capacitismo também tem relação com o aperfeiçoamento do sistema capitalista,
à medida que há o estabelecimento de um ideal de corponormatividade que corrobora com a
manutenção e aperfeiçoamento desse sistema econômico (GESSER et al., 2020, p 18).
A competência 2 dialoga com uma formação que se pretende inclusiva, em que o direito
à educação é evidenciado. Essa competência requer do(a) educador(a) a atenção aos educandos
de maneira equitativa, a identificação e o planejamento de diferentes estratégias e recursos para as
necessidades específicas de aprendizagem que potencializem o desenvolvimento integral dos(as)
estudantes. Apesar de ainda citar o fracasso, que se contrapõe à eficácia acadêmica pregada neste
documento, orienta para a formação de professores(as) que considerem o erro como ocasiões para
enriquecer o processo de aprendizagem. De acordo com as competências 2 e 4, o(a) educador(a)
deve oferecer suporte adequado para que seus(suas) educandos(as) possam sempre se desenvolver e
aprender de acordo com seu potencial e suas características pessoais.
A competência 3 requer do(a) educador(a) “conhecer sobre os alunos, suas características
e como elas afetam o aprendizado, valendo-se de evidências científicas”. Parece estar voltada às
incapacidades laudadas, inerentes de cada deficiência. Essa competência remete à medicalização e
ao retrocesso das políticas de Educação Especial, pois orienta no item “2b.3 Apoiar a avaliação e a
alocação de alunos em instituições educacionais, turmas e equipes, dimensionando as necessidades e
interagindo com as redes locais de proteção social”. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE_CP Nº 1, DE
27 DE OUTUBRO de 2020, p. 14).
Competência que retoma o decreto 10.502/2020, que tentou instituir a Política Pública
de Educação Especial, retrocedendo ao paradigma da segregação, com incentivo à matrícula em
instituições especiais. Entretanto, o decreto é discriminatório, pois está pautado na hierarquização
do ser humano em razão de suas aptidões ou habilidades, violando a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, numa lógica de que “as vidas que fogem dos padrões normativos,
como é o caso das pessoas com deficiência, são caracterizadas em nosso tecido social como menos
humanas e, por isso, mais difíceis de serem reconhecidas”. (LUIZ; SILVEIRA, 2020, p. 116).
Mais uma vez, fica evidente a ideia simplificada da educação inclusiva direcionada pelas
políticas públicas educacionais, que diluíram os direitos de aprendizagem nos documentos legais
BNCC e BNCC-EM e os transformaram em competências e habilidades, com cariz normativo
e tecnicista. O próprio documento BNCC-EM busca responder a essas críticas ao dizer no Art.
3º-Parágrafo único:
186 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 173-188, Jul.-Dez, 2023
ROLDI, Ana Paula Dias Pazzaglini; NETO, Erica Pereira; GUIMARÃES, Décio Nascimento
Para os efeitos desta Resolução, com fundamento no caput do art. 35-A e no § 1º do art.
36 da LDB, a expressão “competências e habilidades” deve ser considerada como equivalente
à expressão “direitos e objetivos de aprendizagem” presente na Lei do Plano Nacional de
Educação (PNE) (BRASIL, RESOLUÇÃO Nº 4, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018-Institui
a BNCC-EM).
Ainda sobre o capacitismo, muito marcado pelo domínio de habilidades e competências
responsáveis pela eficácia e sucesso escolares, Marivete Gesser (2019) considera que esse tende a
corroborar a produção de vulnerabilidades. Ainda de acordo com Gesser (2020), isso ocorre porque
os diferentes contextos sociais têm sido organizados com base em normas capacitistas que estabelecem
padrões específicos relacionados aos corpos, o que contribui para “a produção de uma condição de
precariedade da vida e produz relações ancoradas em concepções caritativas/assistencialistas e/ ou
patologizantes dos corpos”. (GESSER, et al., p. 19). Dessa forma, “o capacitismo corrobora para
tornar certas vidas mais ou menos inteligíveis e dignas de políticas voltadas à garantia dos direitos
humanos” (GESSER, et al., p.20).
considerações Finais
A pesquisa buscou evidenciar a necessidade de superação de hierarquias de opressão,
sustentadas pela lógica do capitalismo neoliberal, que incide na corponormatividade e se espraia nas
políticas educacionais, padrão este que atualmente define (in)sucesso escolar.
A partir da análise dos documentos, observou-se uma ausência nos aspectos relacionados
à inclusão de estudantes com deficiência, ao respeito à diversidade e à valorização das diferenças. A
BNC-Formação e a BNC-Formação Continuada privilegiam a centralização e a homogeneização
curricular, algo totalmente contraditório, já que se vive em um país com tanta diversidade.
Percebeu-se, também, que a BNC-Formação e a BNC-Formação Continuada foram
desenvolvidas por interesses econômicos, a partir de um discurso técnico e uma política neoliberal,
sem a participação dos(as) docentes nas decisões. Fica notório um retrocesso em relação às
políticas educacionais e um esvaziamento sobre a Educação em Direitos Humanos e a inclusão nos
documentos que definem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores(as).
É preciso idealizar políticas públicas educacionais que contemplem as práticas em
perspectivas inclusivas, que possibilitem ao(à) docente um processo de formação emancipatória
e humanizada. Como pensar em uma Educação Inclusiva verdadeira, que ocorra de fato, se não
discutir os documentos normativos, os projetos e ações de formação inicial e continuada que
problematizem a diversidade e os conhecimentos sobre a inclusão?
reFerências
BÖCK, Geisa Letícia Kempfer; GESSER, Marivete; NUERNBERG, Adriano Henrique. O desenho
universal para aprendizagem como um princípio do cuidado. Revista Educação, Artes e Inclusão, v.
16, n. 2, p. 361-380, 2020.
Formação docente em perspectiva inclusiva Artigos
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