“Omnicrítica” Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 143-158, Jul.-Dez, 2023 143
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2023.v10n2.p143-158
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
“Omnicrítica”: das culturas, pOlíticas e práticas à perspectiva Omnilética
"Omnicritical": frOm cultures, pOlicies and practices tO the
Omniletical perspective
Allan Rocha DAMASCENO
1
Mônica Pereira dos SANTOS
2
Rosangela Costa Soares CABRAL
3
Resumo: este estudo teve por centralidade o debate que realizamos no III Simposio Latinoamericano y Caribeño sobre Investigación
de la Educación Inclusiva (2022) e objetivou compreender a relação existente sobre o conceito de “Inclusão em Educação”, numa
discussão teórico-epistêmica das culturas, políticas e práticas, adotando a “Perspectiva Omnilética” em diálogo com a Teoria Crítica
da Sociedade, com ênfase no pensamento de eodor Adorno. Face ao exposto, certifica-se a escolha das “lentes” do pensamento
adorniano como aporte teórico-metodológico por entender que nos permitem desvelar as questões históricas, sociais, políticas e
culturais relacionadas à “Inclusão em Educação”. As discussões permitem a reflexão conceitual e epistemológica sobre os conceitos
supracitados, permitindo a produção de novos sentidos e compreensões sobre os fenômenos relacionados ao debate. Os resultados
revelam que a luta permanente pela “Inclusão em Educação” tem indubitável relação com as compreensões que são estabelecidas
no campo teórico, pois a depender das “lentes” que são utilizadas para análise, determinadas contradições são invisibilizadas.
Palavras-Chave: Inclusão em Educação. Teoria Crítica. Perspectiva Omnilética.
Abstract: this study was centered on the debate that we held at the III Simposio Latinoamericano y Caribeño on Investigation of
Inclusive Education (2022) and aimed to understand the relationship existing on the concept of “Inclusion in Education”, in a
theoretical discussionof cultures, policies and practices, adopting the “Omnilexic Perspective” in dialogue with the Critical eory
of Society, with emphasis on the thought of eodor Adorno. In view of the above, the choice of the “lenses” of Adornian thought
is certified as a theoretical-methodological contribution because it allows us to unveil the historical, social, political and cultural
issues related to “Inclusion in Education”. e discussions allow the conceptual and epistemological reflection on the concepts
mentioned above, allowing the production of new meanings and understandings about the phenomena related to the discussion.
e results reveal that the permanent struggle for “Inclusion in Education” is undoubtedly related to the understandings that
are established in the theoretical field, because depending on the “lenses” that are used for analysis, certain contradictions are
invisibilized.
Keywords: Inclusion in Education. Critical eory. Omnilexic Perspective.
Doutor em Educação. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. E-mail: allan_damasceno@hotmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0577-805X
Doutora em Educação e Educação Especial. Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro – UFRRJ. E-mail: monicapes@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7057-7804
Mestra em Educação. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. E-mail: rosangellacabrall@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7702-7568
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DAMASCENO, Allan Rocha; SANTOS, Mônica Pereira dos; CABRAL, Rosangela Costa Soares
intrOduçãO
Neste estudo trazemos ao debate diferentes compreensões sobre conceitos e epistemologias
que permitem identificar aspectos relacionados ao cenário da inclusão em educação e na escola
contemporânea. Assim, inicialmente, é necessário afirmar nossa compreensão sobre “Inclusão em
Educação”, que não está reduzida à inclusão escolar e educacional da pessoa com deficiência, mas de
todos os sujeitos que fazem parte da sociedade, pois “[...] se inclusão é processo de luta (...) contra as
exclusões, não tem sentido falar em inclusão do sujeito ou grupo tal ou qual, apenas, e sim de todo
e qualquer sujeito em situação ou risco de exclusão.” (SANTOS, 2015, p.61).
Destacamos como referencial teórico-metodológico deste estudo a Teoria Crítica da
Sociedade, com ênfase ao pensamento de eodor Adorno (1995;2020), que por meio de análises
crítico-reflexivas pode contribuir para a formação da consciência crítica, onde os sujeitos assumem
a condição de protagonistas por meio de seus conhecimentos e afirmam uma concepção de uma
educação que desbarbarize, pois para Adorno (2020) “[...] desbarbarizar tornou-se a questão mais
urgente hoje em dia.” (p.169).
No que se refere à perspectiva Omnilética, considera-se a “Inclusão em Educação” um
processo que possui as dimensões: cultural, política, prática, dialética e complexa. Nesta direção,
recorreremos a Santos (2002; 2021) quando nos traz a ideia da “Inclusão em Educação” como
processos contra hegemônicos, para além da inclusão dos estudantes da Educação Especial.
Também neste escopo, recorreremos às contribuições de Morin (2015) com uma abordagem
multirreferencial e complexa em um processo de construção do conhecimento numa sociedade
sempre em movimento.
Utilizamos neste estudo para fundamentar nossas análises, também, o “Index para
inclusão”, que não se configura num manual, mas um referencial práxico, ou seja, um movimento
de resistência às exclusões, assumindo três dimensões do processo: políticas, culturas e práticas.
Assim, sob este viés, nos aportamos nos estudos de Booth e Ainscow (2011) e Santos (2002; 2021).
Por fim, ainda que Adorno não tenha organizado uma teoria acerca da “Inclusão em
Educação” e sobre as políticas, culturas e práticas deste processo, admite-se que suas contribuições
serão efetivadas na afirmação de uma educação crítico-emancipadora, pois “[...] a única concretização
efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem
toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência.
(ADORNO, 2020, p.200).
Então, este artigo se constituiu nas tessituras sobre as culturas, políticas e práticas em um
movimento de (re)construção e desenvolvimento da educação, contribuindo para perspectivas mais
inclusivas no que se refere a pensar e educação contemporânea, tendo como “lentes” a Perspectiva
Omnilética em diálogos com a Teoria Crítica.
perspectiva teóricO-metOdOlógica: prOduzindO nOvOs/OutrOs cOnhecimentOs
Tendo a pesquisa como foco principal a relação existente sobre o conceito de “Inclusão em
Educação”, e baseando-nos na Teoria Crítica em diálogo com a Perspectiva Omnilética, destacamos
em relação à primeira o pensamento de eodor Adorno (1995; 2020), além das contribuições de
Damasceno (2021), e em relação à segunda, as reflexões de Santos (2002; 2021).
Assim, o potencial da Teoria Crítica para este estudo pode ser entendido no sentido de que:
“Omnicrítica” Artigos
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[...] tem como objeto os homens como produtores de todas as suas formas históricas de vida.
As situações efetivas, nas quais a ciência se baseia, não são para ela uma coisa dada, cujo único
problema estaria na mera constatação e previsão segundo as leis da probabilidade. O que é dado
não depende apenas da natureza, mas também do poder do homem sobre ele. Os objetos e a
espécie de percepção, a formulação de questões e o sentido da resposta dão provas da atividade
humana e do grau de seu poder (HORKHEIMER, 1989, p. 69).
Por ser uma “lente”, a Teoria Crítica reflete sobre um sujeito crítico e emancipado,
contrária a qualquer manifestação de segregação ou exclusão dos considerados invisibilizados pela
sociedade. Neste sentido, entende-se que a Teoria Crítica se constitui o próprio método da pesquisa,
pois não há sentido qualificá-la como quantitativa ou qualitativa.
Então, tendo como “farol” aportes críticos na construção do conhecimento, passamos a
compreender as contribuições analíticas da “Perspectiva Omnilética”, que não se trata de uma teoria
em si, mas “é um modo de explicar/conceber e ser ao mesmo tempo. Um conceito, portanto, de
caráter tanto reflexivo e contemplativo quanto aplicativo às nossas práticas, ao nosso modo de ser”
(SANTOS, 2013, p.23). A “Omnilética” é uma perspectiva de análise e de apoio à diversidade em
educação. Por se tratar de uma “lentepráxica, dialoga perfeitamente com a Teoria Crítica. Sobre
esse aspecto, Adorno reflete sobre a relação entre teoria e práxis:
Se teoria e práxis não são nem imediatamente o mesmo, nem absolutamente distintas, então
sua relação é de descontinuidade. Não há uma senda contínua que conduza da práxis para a
teoria – isso é o que se quer dizer por momento espontâneo nas considerações que seguem. Mas,
a teoria pertence ao contexto geral da sociedade e é, ao mesmo tempo, autônoma. Apesar disto,
nem a práxis transcorre independentemente da teoria, nem esta é independente daquela. Se a
práxis fosse o critério da teoria, converter-se-ia, por amor ao ‘thema probandum’, no embuste
denunciado por Marx e, por causa disso, não poderia alcançar o que pretende; se a práxis se
regesse simplesmente pelas indicações da teoria, endurecer-se-ia doutrinariamente e, além disso,
falsearia a teoria (ADORNO, 1995, p. 227).
Então, tendo a “Perspectiva Omnilética” “(...) uma percepção relacional da diversidade,
do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente quanto oculta, ao mesmo e
um só tempo ou em tempos-espaços diferenciados” (SANTOS, 2013, p.23) identificamos nesta,
indubitavelmente, sua dimensão práxica. Assim, afirmamos que as reflexões entre estas “lentes” nos
levam à realização de um diálogo profícuo, pois suas bases epistemológicas são teórico-práxicas, ou
seja, não são fins em si mesmas, mas levantam hipóteses/criam possibilidades para a emancipação
do sujeito.
Desse modo, para que a sociedade caminhe por se desbarbarizar e estabeleça uma
autorreflexão crítica é urgente que se liberte dos modelos ideais sociais, que para Adorno (2020,
p.153) significa alienar a autonomia do outro, já que “(...) em relação a esta questão (...) no conceito
de modelo ideal, o da heteronomia, o momento autoritário, o que é imposto a partir do exterior.
Nele existe algo de usurpatório.
Dessa maneira, a “Perspectiva Omnilética” em diálogos com a Teoria Crítica nos
permitirão refletir sobre como a teoria e a praxis são indissociáveis, além de produzirem novos/
outros sentidos/compreensões sobre a “Inclusão em Educação”.
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inclusãO em educaçãO: perspectivas pró-diversidade
O termo inclusão vem do latim INCLUDERE, que significa “fechar em, inserir, rodear”,
de IN, “em”, + CLAUDERE, “fechar”. (DICIO, 2022). A este respeito, Santos (2002, p. 108),
ao discutir a relação entre os termos “inclusão” e “integração”, comentou que “Curiosamente,
em termos etimológicos “inclusão” origina-se do latim includere, que significa confinar, encerrar,
colocar dentro, ou até mesmo bloquear, ao passo que a origem da palavra “integração”, também do
latim integrare, significa renovar, tornar inteiro”. A autora alertou, a partir daí, para a importância
de termos
[...] cuidado aos nos desvencilharmos tão facilmente de “velhos” conceitos para prontamente
assumirmos “novos” conceitos. Estes, embora adotados com a melhor das intenções, podem,
por vezes, conduzir à perda do foco real de discussões [que para a autora deveria ser pensar-se
em]: o que é especial agora? Ou: o que deve ser especial na educação para que ela se torne de
fato aberta a todos?” (idem, idem) (SANTOS, 2002, p.108).
Fato é que a palavra “inclusão” foi utilizada pela primeira vez na Declaração de Salamanca
(1994), como princípio fundamental da educação de
[...] crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de
origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas,
étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados
(UNESCO, 1994, p.3).
Percebe-se que o contexto da declaração não remete apenas à inclusão da pessoa com
deficiência, mas também a um público invisibilizado pela sociedade da época, legitimado o direito
à educação para além dos estudantes da Educação Especial. O documento propõe que,
[e]stas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-
se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação
para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias
pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. É
preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades
especiais dentro da escola. (UNESCO, 1994, p. 11-12).
No entanto, no contexto político e educacional do Brasil, a palavra inclusão, de maneira
geral, costuma ser traduzida nos diferentes textos legais das políticas públicas como “educação
inclusiva” e remete à pessoa com deficiência. Nesse estudo, a partir da “Perspectiva Omnilética” em
diálogo com a Teoria Crítica, intencionamos revelar a incompletude desta expressão e apresentar o
conceito de “Inclusão em Educação”, que vai além da educação escolar, a partir de uma autorreflexão
crítica sobre a abrangência/aprofundamento do conceito, que para Adorno:
[q]uanto mais a realidade social se afastava da consciência cultivada, tanto mais esta se via
submetida a um processo de reificação. A cultura converteu-se totalmente numa mercadoria,
difundida como uma informação, sem penetrar nos indivíduos dela informados. O pensamento
perde o fôlego e limita-se à apreensão do factual isolado. Rejeitam-se as relações conceituais
porque são um esforço incômodo e inútil (ADORNO, 1995, p. 93).
“Omnicrítica” Artigos
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Com base na elaboração da reflexão crítica a respeito dos desafios que estão postos para
que o conceito de “Inclusão em Educação” nos permita avançar na direção da emancipação para
todos e todas, pensa-se num passado não muito distante, delineando suas tramas histórico-políticas.
Para refletir sobre as Políticas públicas de “Inclusão em Educação” é preciso retornar ao
passado onde foram concebidas diversas políticas que estão presentes no Brasil contemporâneo.
Adorno (2020, p. 31) esclarece a esse respeito quando diz que “o desejo de se libertar do passado
justifica-se: não é possível viver à sua sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência; e não
se justifica porque o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo”.
Nessa perspectiva, trazendo ao debate as concepções, conceitos e diferenças entre
“Educação Inclusiva” e “Inclusão em Educação”, numa análise à luz da “Perspectiva Omnilética”,
onde “[...] vários contrários serão possíveis, ao mesmo tempo e em um mesmo contexto, inclusive
aqueles que ainda não conseguimos vislumbrar com clareza” (SANTOS, 2015, p. 56), é importante
destacar que as políticas oficiais de inclusão não se restringem à pessoa com deficiência, pois o
debate deveria considerar a diversidade de forma geral. Damasceno destaca que a “Inclusão em
Educação” é,
[...] um movimento cultural inserido na dimensão social contemporânea, tendo por
pressuposto a democratização tanto da educação quanto da sociedade. Há, nesse movimento,
a busca da efetivação de oportunidades de acesso à escola pública por parte dos grupos vítimas
da segregação histórica. Para a problematização da discussão sobre educação inclusiva
4
, faz-se
necessário pensar as dimensões de cultura, sociedade, educação e indivíduo, nas contradições
sociais e suas consequências na formação de preconceito, sua manifestação e segregação dos
grupos vítimas (DAMSCENO, 2015, p. 17).
Corroborando com o autor, os documentos legais estabelecidos atualmente no cenário
brasileiro consideram a urgência de ampliação da concepção de “Educação Inclusiva” para a de
“Inclusão em Educação”, desmitificando a questão de que as políticas de inclusão se destinam
exclusivamente às pessoas com deficiência, pois só há sentido pensar este debate considerando a
diversidade humana.
inclusãO em educaçãO: epistemOlOgia dO cOnceitO
Em nossas reflexões, a epistemologia da “Inclusão em Educação” vai além do que
está expresso na concepção de “Educação Inclusiva”, adotada nos documentos oficiais, pois são
concepções que se fundamentam em sentidos político-pedagógicos e epistemológicos diferentes.
“Inclusão em Educação” é uma concepção de educação para todos e todas, além dos estudantes da
Educação Especial, sendo um conceito aberto e em constante construção. Explicitando, significa:
Um conceito que não se limita às pessoas com deficiência, muito mais amplo do que eu podia
imaginar. Um conceito, portanto, que diz respeito a um processo, e não a um fim determinado
ao qual se quer chegar. A partir das relações construídas durante o seminário, fui convidada
a fazer parte do grupo e, assim, estudar os fenômenos inclusão\exclusão. E dessa forma, meu
objeto, que entendi inicialmente ser a Educação Especial, passou a ser o processo de inclusão
em educação. (SILVA, 2021, p.34)
Destacamos que o termo foi empregado na época da escrita do livro supracitado, mas o conceito Inclusão em Educação é muito
bem entendido neste trecho e utilizado atualmente pelo autor.
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DAMASCENO, Allan Rocha; SANTOS, Mônica Pereira dos; CABRAL, Rosangela Costa Soares
Nas palavras de Santos (2009, p.12):
O processo de inclusão se refere a quaisquer lutas, nos diferentes campos sociais, contra a
exclusão de pessoas: tanto as que se percebem com facilidade, como aquelas mais sutis. Refere-
se ainda, num nível mais preventivo, a todo e qualquer esforço para se evitar que grupos e
sujeitos em risco de serem excluídos de dados contextos, por qualquer motivo que seja, acabem
sendo excluídos de fato (SANTOS, 2009, p.12).
Aqui reside uma diferença central entre os conceitos. Enquanto “Inclusão em Educação
se caracteriza por ser um processo de oposição a todo e qualquer mecanismo de exclusão, o conceito
“Educação Inclusiva” enseja um caráter finalístico, ou seja, um estado, ao invés de um processo, que
ignora as contradições, as lutas, os conflitos para promoção de perspectivas mais orientadas pela
inclusão como um princípio. A expressão revela um devir, isto é, como a educação deve ser sem
problematizar o processo para torná-la “mais inclusiva”.
Outra diferença importante de se mencionar diz respeito à concepção de uma “Educação
Inclusiva” que ignora o contexto de exclusões do mundo hodierno. Em nossa reflexão não é possível
termos uma educação totalmente inclusiva, como expressa o sintagma “Educação Inclusiva”,
num mundo marcado pelas desigualdades produzidas pelo modo de produção capitalista. Assim,
entendemos que a concepção de “Inclusão em Educação” nos parece ser mais adequada sob o
prisma da processualidade e das contradições de pensar inclusão escolar e em educação no mundo
contemporâneo.
Santos, em palestra dada em 2022, pontuou ainda uma questão gramatical que diferencia
as expressões de forma contundente no sentido de apoiar o que aqui argumentamos sobre adotarmos
“Inclusão em Educação”, e não mais “Educação inclusiva”. A autora mostrou que, ao realizarmos
uma breve análise sintática das expressões, podemos ver que “Educação Inclusiva” é composta por
um substantivo feminino (educação) mais um adjetivo (inclusivo), cuja função, obviamente, é
qualificar o substantivo. Assim, usa-se o termo “inclusiva” para dizer se a educação possui ou não
esta “qualidade”, ou seja, se ela demonstra este estado em sua forma de ser. É ou não é. Vejamos
que, segundo o site Clube do Português (2022), o adjetivo “Serve para caracterizar, delimitar e
qualificar o substantivo" (grifo nosso), tendo, ainda, duas subfunções: como predicativo e como
adjunto adnominal. No caso em questão, trata-se da segunda subfunção, a de adjunto adnominal, o
que significa dizer que se a retirássemos da expressão a palavra principal à qual "inclusiva" se refere
(educação), esta não perderia seu sentido nem valor.
Ou seja: "inclusiva" não faz a menor diferença para educação! Por outro lado, na análise
sintática da expressão "Inclusão em educação", o que temos são dois substantivos femininos
("inclusão" + "educação" unidos pela preposição "em". Considerando que a preposição "em"
serve para estabelecer entre palavras e orações relações de sentido e de dependência (grifo nosso),
separamos alguns sentidos possíveis aos quais gostaríamos de dar um foco maior para reafirmarmos
a importância de adotarmos "Inclusão em Educação": lugar ou situação (Inclusão no campo da
Educação); modo, meio (Inclusão por meio da Educação); fim, destinação (Inclusão para o campo
da Educação); lugar para onde vai um movimento, sucessão (Inclusão no campo da Educação).
A "moral da história" é que o termo "educação inclusiva" remete à ideia de um estado
final ao qual, supostamente, se possa chegar um dia; ao passo que "inclusão em educação" remete
ao reconhecimento do movimento, da dinâmica processual necessária a qualquer campo social (em
nosso caso, o da Educação) para que transformações existam e sejam reconhecidas e compreendidas.
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Nessa perspectiva, ao assumirmos o conceito de “Inclusão em Educação” invocamos a
inadiável participação efetiva de todos e todas nos mais diferentes cenários educacionais. Para Booth
e Ainscow (2011, p.11) existem valores para pensar os alicerces da “Inclusão em Educação”, pois um
desenvolvimento inclusivo não existe sem essas condições, que estão expressas na Figura 1.
Figura 1 – O que é um desenvolvimento inclusivo?
Fonte: Index para Inclusão (2011)
A imagem da figura 1 foi extraída do “Index para Inclusão”, que é uma contribuição práxica
para responder a diversidade, não sendo um manual, mas um “[...] instrumento potencializador de
discussões, reflexões e ações com foco nos processos institucionais de inclusão/exclusão.” (SANTOS,
2020, p. 955). A concepção de “Inclusão em Educação” ainda envolve como questões centrais:
- Colocar valores em ação.
- Ver cada vida e cada morte como tendo o mesmo valor.
- Apoiar a todos para que sintam que pertencem.
- Aumentar a participação de crianças e adultos nas atividades de aprendizagem e de
ensino, e nas relações e comunidades das escolas locais.
- Reduzir a exclusão, a discriminação, as barreiras à aprendizagem e à participação.
- Reestruturar culturas, políticas e práticas para responder à diversidade de modo a
valorizar cada um igualmente.
- Ligar a educação a realidades locais e globais.
- Aprender com a redução das barreiras para algumas crianças, de modo a beneficiar a
mais crianças.
- Ver as diferenças entre crianças e entre adultos como um recurso para a aprendizagem.
Reconhecer o direito das crianças a uma educação de alta qualidade em sua localidade.
- Melhorar as escolas para funcionários, pais/responsáveis e as suas crianças.
- Enfatizar o desenvolvimento dos valores e sucessos da comunidade escolar.
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DAMASCENO, Allan Rocha; SANTOS, Mônica Pereira dos; CABRAL, Rosangela Costa Soares
- Alimentar relações mutuamente sustentáveis entre as escolas e suas comunidades.
- Reconhecer que inclusão em educação é um aspecto da inclusão social. (BOOTH e
AINSCOW, 2011, p.11).
Nesse sentido, a “Inclusão em Educação” se refere a todos e todas, o que reivindica a
mudança do conceito de que a inclusão se reduz às pessoas com deficiência. Em suas dimensões,
o Index reitera que só é possível fazer inclusão a partir da implementação de culturas, políticas e
práticas inclusivas. A figura 2 demonstra tais dimensões, que só transformam quando realizadas
sincronamente, ou seja, de forma indissociável.
Figura 2 – Dimensões do Índex
Fonte: Index para Inclusão (2011)
Sob essa perspectiva, só é possível mudar as práticas se transformarmos simultaneamente
as políticas e culturas, isto é, mudanças nas práticas pelas práticas não se sustentam, pois não teriam
possibilidades de manutenção em cenários culturais e políticos excludentes.
Olhando para a figura 2, observa-se que a base que reflete as ações e valores das dimensões
do Index são as culturas inclusivas, que criam comunidades acolhedoras em que todos e todas são
valorizados(as). Criar culturas inclusivas é um dos principais desafios na educação, pois implica em
mudanças significativas no saber/fazer docente, flexibilização para atendimento das demandas de
aprendizagem de todos os estudantes constituindo cenários inclusivos de colaboração com/entre
professores, estudantes, famílias, entre outros. É pensar a diversidade numa rede de inclusão! Assim,
as culturas se traduzem em questões que se desdobram em várias outras, sempre em um caráter
amplo ou mais específico.
As políticas não se reduzem à ação governamental, pois a ação pedagógica também é
política. Estar no mundo é político, a nossa presença no mundo é política, que como reitera Freire
(2006, p. 53), “seria irônico se a consciência de minha presença no mundo não implicasse já o
reconhecimento da impossibilidade de minha ausência na construção de própria presença”, é o
saber/fazer político.
“Omnicrítica” Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 143-158, Jul.-Dez, 2023 151
As práticas inclusivas são mais complexas, pois os processos de ensino-aprendizagem são
responsáveis por acolher a diversidade de estudantes, todos e todas assumem responsabilidades pela
aprendizagem em um compartilhamento de sucessos e dificuldades, numa construção de currículos
para todos e todas.
O Index é ajustável em quaisquer contextos institucionais, não se reduzindo
ao uso em instituições escolares, porque trabalha inclusão numa concepção ampla.
Ele tem sido utilizado por inúmeros países pelo mundo. Assim, suas dimensões das
culturas, políticas e práticas são fundamentais, o que muda, às vezes, de país para
país são seus indicadores (problematizações decorrentes das dimensões).
inclusãO em educaçãO: diálOgOs entre a teOria crítica e a perspectiva
Omnilética
Seguindo na direção do aprofundamento conceitual e epistêmico da concepção de
“Inclusão em Educação”, passamos ao debate sobre a “Perspectiva Omnilética”. Trata-se de uma
“lente” que caracteriza uma perspectiva de análise de compreensão dos fenômenos sociais em sua
integralidade e na sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente (SANTOS, 2013).
Santos (2013), autora desta forma de compreensão dos fenômenos relacionados à inclusão, a define
como:
O termo omnilética foi criado por mim e é composto de três elementos morfológicos: o prefixo
latino omni (tudo, todo), o radical grego lektos (variedade, diferença linguística, mas aqui
enfatizando especialmente a variedade e a diferença) e o sufixo grego -ico (concernente a).
Resumidamente, omnilética significa uma maneira totalizante de compreender as diferenças
como partes de um quadro maior, caracterizado por suas dimensões culturais, políticas e
práticas em uma relação ao mesmo tempo complexa e dialética (SANTOS, 2013, p.23).
A partir desta compreensão de “Inclusão em Educação”, trazemos ao debate as reflexões
de Adorno (2020, p.153) quando nos oferece uma reflexão sobre os modelos ideais e autoritários de
educação, nos remetendo a algumas questões: Qual é o modelo ideal de educação? Há modelo ideal?
Nesse contexto, “[...] a educação tem muito mais a declarar acerca do comportamento no mundo
do que intermediar para nós alguns modelos ideais”. Nesse sentido, superpondo a “Perspectiva
Omnilética” à Teoria Crítica adorniana, construímos uma potente lente “Omnicrítica” que nos
permite reafirmar que a “Inclusão em Educação” está sempre em movimento, não é um conceito
fechado, é um processo.
Educar é emancipar constantemente para o pensar crítico e político, formando um
sujeito protagonista, “isto seria inclusive da maior importância política [...] uma democracia com o
dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas
(ADORNO, 2020, p. 154). A Teoria Crítica se alia com a “Perspectiva Omnilética” com o propósito
de juntas desvelarem os limites epistêmicos presentes na concepção de “Educação Inclusiva”.
Mas, qual significado poderia se atribuir à “Perspectiva Omnilética” acompanhada
pela ideia de emancipação da Teoria Critica adorniana? Seria mais uma lente? Seria mais um
atravessamento? Onde se quer chegar?
Para Santos (2013, p.23) uma das potências desta lente está na “[...] percepção relacional
da diversidade, do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente quanto oculta,
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ao mesmo e um só tempo ou em tempos-espaços diferenciados”. Neste sentido, a superposição das
lentes da “Perspectiva Omnilética” à Teoria Crítica desvelaria fenômenos que estariam “invisíveis
com o uso de outras epistemologias, exatamente pela acurácia de seu foco ao “ampliar como uma
lupa” o que antes não se via.
A origem da perspectiva se dá a partir de cinco dimensões: culturas, políticas e práticas, que
estão sempre presentes na “Inclusão em Educação” e são indissociáveis, assim como o atravessamento
da dialética e complexidade, mas todas com a mesma importância na análise, uma influenciando
a outra e em permanente construção. Para melhor compreender essas cinco dimensões, adiante
iremos explorá-las um pouco mais e alinhavar conceitualmente com a emancipação adorniana.
Revisando as três dimensões apresentadas, a “Perspectiva Omnilética” ampliará para cinco
dimensões, trazendo duas outras que não foram inicialmente concebidas por Booth e Ainscow.
Contudo, aprofundaremos um pouco melhor as três dimensões, a partir dos estudos de Booth e
Ainscow (2011), sobre as culturas, políticas e práticas, para posteriormente correlacionar as duas
novas que se relacionam, tecendo análises à luz da Teoria Crítica adorniana.
As culturas são a base do currículo escolar e sustentam as políticas e práticas:
[...] refere-se à criação de comunidades seguras, acolhedoras, colaborativas, estimulantes, em que
todos são valorizados. Os valores inclusivos compartilhados são desenvolvidos e transmitidos a
todos os professores, às crianças e suas famílias, gestores, comunidades circunvizinhas e todos
os outros que trabalham na escola e com ela. Os valores inclusivos de cultura orientam decisões
sobre políticas e a prática a cada momento, de modo que o desenvolvimento é coerente e
contínuo. A incorporação de mudança dentro das culturas da escola assegura que ela esteja
integrada nas identidades de adultos e crianças e seja transmitida aos que estão chegando à
escola (BOOTH, AINSCOW, 2011, p. 46).
São criações de comunidades acolhedoras em que todos e todas são valorizados(as) e
nos remetem a princípios e valores. Para Booth e Ainscow (2011, p.35), “um sistema de valores é
uma forma branda de expressar compromissos e determinar conteúdos curriculares” na escola. E
essa preocupação dos autores é expressa no pensamento de Adorno (2020, p.129) quando traz a
memória do Holocausto sobre percepções equivocadas na educação, quando nos convida à reflexão
a respeito dos indicadores do Index que apontam para a não-violência e respeito à diversidade, para
que Auschwitz não se repita.
A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo
ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo
entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em
vista de toda monstruosidade ocorrida (ADORNO, 2020, p. 129).
Políticas de inclusão não se reduzem somente às Políticas públicas, pois permeiam todos
os planos pedagógicos para atender a todos e todas. A política na escola é determinante para o
sucesso da “Inclusão em Educação”, sendo a dimensão que lida com a organização institucional
para promover inclusão, configurando o que é realizado por exemplo, na gestão e no administrativo
da escola. A “Inclusão em Educação” precisa acontecer em todos os espaços da comunidade escolar.
Essa dimensão nos remete também às intenções e acordos, não se reduzindo apenas aos documentos,
mas sobretudo nas perspectivas que não são explícitas claramente nas legislações.
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Esta dimensão garante que a inclusão permeie todos os planos da escola e envolva a todos.
As políticas encorajam a participação das crianças e professores desde quando estes chegam à
escola. Elas encorajam a escola a atingir todas as crianças na localidade e minimiza as pressões
exclusionárias. As políticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade
da ambientação de responder à diversidade dos envolvidos nela, de forma a valorizar a todos
igualmente. Todas as formas de suporte estão ligadas numa única estrutura que pretende
garantir a participação de todos e o desenvolvimento da escola como um todo. (BOOTH,
AINSCOW, 2011, p. 46).
Práticas de inclusão não devem ser dissociadas das culturas e políticas escolares, na qual
todos e todas assumem responsabilidades pela aprendizagem dos estudantes, compartilhando
sucessos e dificuldades. Elas se referem ao cotidiano das instituições. “[...] refere-se a tudo que
fazemos e como fazemos” (SANTOS, 2015, p. 54). Outrossim, a autora reafirma que são,
Espaços educacionais que possuem práticas orientadas para a inclusão em educação tendem a
reconhecer o direito à diferença e o combate às diversas formas discriminação e desigualdade
social. Buscam superar as barreiras à aprendizagem e à participação, trabalhar conflitos
resultantes das relações entre grupos e pessoas pertencentes a universos culturais diferentes, sem
ignorar as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. (SANTOS, 2009, p.
14).
De acordo com Booth e Ainscow (2011, p. 46), a dimensão das práticas,
[...] refere-se a desenvolver o que se ensina e aprende, e como se ensina e aprende, de forma
a refletir valores e políticas inclusivos. As implicações de valores inclusivos para estruturar o
conteúdo de atividades de aprendizagem são trabalhadas na seção ‘Construindo currículos para
todos’ [...]. Esta liga a aprendizagem à experiência, local e globalmente, bem como a Direitos e
incorpora assuntos de sustentabilidade. A aprendizagem é orquestrada de modo que o ensino
e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos à diversidade de jovens na escola. As
crianças são encorajadas a ser ativas, reflexivas, aprendizes críticas e são vistas como um recurso
para a aprendizagem umas das outras. Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem
responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianças (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 46).
Essa tridimensionalidade se estrutura na indissociabilidade entre teoria e prática, o que
chamamos de “práxis”. Culturas, políticas e práticas caminham nessa direção, sem se deixarem
homogeneizar, sem criar “bolor”, que como afirma Adorno (2020, p.140) “combina com a
disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa.
Partindo dessa tridimensionalidade, Santos percebeu que essas dimensões não eram
suficientes para explicar os fenômenos pesquisados de “Inclusão em Educação”, com base na
realidade brasileira, e esse incômodo permeava as pesquisas que para Santos (2021)
5
ficava a questão:
tem uma liga aí que vai juntando essas três dimensões (...) e essa liga é importante (...) o que era
essa liga? (...) ficava a pergunta e ia se buscando nas pesquisas, (...) a partir das leituras marxistas, se
entendeu que era a dialética”.
Essas três dimensões tinham uma relação dialética,
5
Sobre a Omnilética. Reunião do LEPEDI. Transcrição de áudio. 2021. Disponível em https://www.youtube.com/results?search_
query=lepedi. Acesso em 23 jul. 2022.
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DAMASCENO, Allan Rocha; SANTOS, Mônica Pereira dos; CABRAL, Rosangela Costa Soares
elas existiam simultaneamente e concorrentemente em dados momentos e complementarmente
em outros momentos. Às vezes essa relação levava a uma conclusão de ampliação do quadro no
sentido de que pode existir isso e aquilo e às vezes levava uma situação de divergência mesmo.
(SANTOS, 2021).
Mas, o que se entende por dialética?
Seguindo as ideias e reflexões de Lukács, dialética “[...] trata-se de olhar para os
fenômenos humanos, sociais e ambientais e, no nosso entendimento, perceber as variações, os
modos totalizantes de análises, reflexões as quais podem ser perceptíveis (ou não)”. (AGUIAR,
2021, p. 117). Compreender a realidade enquanto movimento, transformação e compreensão no
que se refere à práxis, para Lukács (2003, p.67-68),
[...] a dialética é um processo constante da passagem fluida de uma determinação para a outra,
uma superação permanente dos contrários, que ela é sua passagem de um para dentro do outro;
que, por consequência, a causalidade unilateral e rígida deve ser substituída pela ação recíproca
(LUKÁCS, 2003, p.67-68).
Dialética é, deveria ser e não é, a manutenção do ser, é um processo de diálogo entre
interlocutores incorporando no vir a ser, numa transformação determinada pelo futuro. Quando se
fala de visão “Omnilética” isso precisa estar em consideração, por isso que não são apenas culturas,
políticas e práticas, há uma dimensão histórico-dialética, que traz essa dimensão do pensamento
espaço-temporal e ao mesmo tempo das contradições que vemos presentes.
Feita a “liga” uniu-se as três dimensões à dialética. Então, deu-se o nome de “Trialética”.
Mas, algo ainda faltava, o conceito ainda não estava fechado, faltava um elemento, “[...] pois
a dialética também não dava conta, que era o elemento invisível (...) um elemento que sempre
me angustiou (...) que era o elemento do impossível, o elemento daquilo que não está ali, mas
que pode estar [...]” (SANTOS, 2021). Foi a partir dessa reflexão que se chegou ao elemento da
complexidade, com base no pensamento de Morin. Para o autor “a complexidade não é a rejeição
do menos complexo pelo mais complexo, mas ao contrário, a integração do menos complexo na
diversidade. A complexidade ecossistemática nada é sem a diversidade”. (MORIN, 2015a, p.60).
A dimensão da complexidade é a possibilidade de analisar a diferença, é entender o
outro lado, como por exemplo sujeito x objeto, todo x parte, é compreender a totalidade e suas
relações. É uma constituinte do ser, desordem, caos e negação onde não há o “the end”, sempre há
um recomeço. Para Morin, (2015b, p.8) “a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a
enfrentar, por sua vez, o pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que
ajuda a revelá-lo e às vezes a superá-lo”.
O autor também propõe uma epistemologia de mudar a forma de pensar, pois as certezas
são provisórias, temporárias, podem ser derrubadas a qualquer momento e esse temporário pode ser
a curto ou longo prazo e mesmo assim incerto. Ele destaca que:
O trabalho com a incerteza incita ao pensamento complexo: a incompressibilidade
paradigmática de meu tetragrama (ordem/desordem/interação/organização) mostra-nos que
nunca haverá uma palavra-chave — uma fórmula chave, uma ideia-chave — que comande o
universo. E a complexidade não é só pensar o uno e o múltiplo conjuntamente; é também pensar
conjuntamente o incerto e o certo, o lógico e o contraditório, e é a inclusão do observador na
observação. (MORIN, 2015b, p.206).
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E a partir dessa ideia a perspectiva não era mais “[...] tetra (...) que palavra seria essa? (...)
pentalética, multilética, exa, pluri (...) e gostava do lética, porque é a ideia da leitura, mas a palavra é
um todo, não cabem essas palavras (...) e numa aula, um estalo! OMNI!” (SANTOS, 2021). Várias
pesquisas sobre a etimologia da palavra e sobre sua existência foram feitas, além de seu sentido
morfológico. Então, nasceu a “Perspectiva Omnilética”, conforme a autora relata, sobre a relação
das cinco dimensões:
[...] como por exemplo, a dinâmica – e, por vezes, contraditória – relação que se verificava entre
as três dimensões. Acrescentamos-lhe então o conceito de dialética e começamos a nos referir
ao conceito de trialética (para juntar a tridimensionalidade em relação dialética, e relacionar,
moto contínuo, inclusão com seu oposto complementar, a exclusão). Porém, constatamos, com
a realização de novas pesquisas, que mesmo a abordagem trialética permanecia numa lógica
binária, que não nos parecia suficiente para compreender todas as nuances da temática de
inclusão. Passamos a adotar, então, o conceito de complexidade neste modo de pensar, e assim
chegamos ao neologismo omnilética. (SANTOS, 2015, p.53-54).
A perspectiva Omnilética é “trans!”. É transcendente, no sentido de que permitiu ver o
que não foi visto ainda. Foi um momento de iluminação, me permita usar à luz do iluminismo.
(DAMASCENO, 2021
6
). É uma lente para outros movimentos, daí o diálogo possível com a Teoria
Crítica adorniana. Nesse sentido, reafirma a luta e mobilização para a efetivação da “Inclusão em
Educação”, pois “a exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia” (ADORNO,
2020, p. 185). E seguindo este pensamento, Damasceno (2021) complementa:
A Omnilética parte de um mesmo lugar, as pistas nos levam a acreditar
que exista (...). É uma ruptura com o absolutismo, a Omnilética não tem a
menor pretensão de se encerrar em si mesma e ser a palavra final (...) está em
total sintonia, com o princípio de incerteza de Heisenberg
7
, é uma variável
que rompe com esse determinismo na física clássica (...) é uma perspectiva
absolutamente concentrada ao desenvolvimento científico contemporâneo
(DAMASCENO, 2021
8
).
A “Perspectiva Omnilética” é como se fosse uma “omnilente”, um movimento, como
holofotes multicoloridos no sentido de trazer incertezas. Uma totalidade das mesmas partes, com
movimentos vistos e não vistos, que estão ali como potência provocando mudanças.
Sobre a omnilética. Reunião do LEPEDI. Transcrição de áudio. 2021. Disponível em https://www.youtube.com/results?search_
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Werner Karl Heisenberg, físico alemão, Prêmio Nobel de física e um dos fundadores da mecânica quântica. Disponível em
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Sobre a omnilética. Reunião do LEPEDI. Transcrição de áudio. 2021. Disponível em https://www.youtube.com/results?search_
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DAMASCENO, Allan Rocha; SANTOS, Mônica Pereira dos; CABRAL, Rosangela Costa Soares
Figura 3 – Representação da “Perspectiva Omnilética
Fonte: Santos, M. P.; 2013.
O pensamento omnilético quer enxergar essa figura, sabendo que ela é sempre
momentânea, por isso não é uma teoria, é uma perspectiva. Elas são marcadas historicamente,
como tem que ser, porque é dialética. O PENSER, pensar e ser Omnilética, é um movimento, ele
nos desloca o tempo todo. Nós somos culturas, políticas e práticas. Somos seres contraditórios.
Eu sou cultural, eu sou política, eu sou prática eu sou extremamente contraditória, mas eu
tenho uma potência enorme de ir levantando vários aspectos de uma mesma situação naquele
mesmo momento naquele tempo e compreendendo que isso é situado historicamente, eu
posso emitir, enunciar pequenos avanços e corroer as exclusões por dentro, mas sem me iludir,
sabendo que essas corrosões que eu provoco terão que ser contínuas e contínuas até que a morte
me separe disso. Percebem? Essa é a perspectiva Omnilética. (SANTOS, 2021
9
).
A perspectiva Omnilética, requer um posicionamento existencial da nossa parte, não só
como cientistas, também como pessoas, para conseguir usar essa lente. É um exercício cotidiano e
complexo. É onde queremos chegar!
cOnsiderações Finais
Ao chegar nessas considerações, que não chamamos de finais uma vez que a “Inclusão em
Educação” é um movimento que não tem fim em si mesmo, fica a sensação de que muito ainda há
para ser estudado sobre a sua importância, bem como alcançar possibilidades, a partir das diversas
pesquisas que ainda se darão, contribuindo na construção de possibilidades mais inclusivas em
diálogo com as lentes da “Perspectiva Omnilética” e a “Teoria Crítica”.
Pensar “Inclusão em Educação” significa consentaneamente superar exclusões vividas
numa sociedade da barbárie que se aliena através de uma suposta “civilidade” que mata, segrega e não
Sobre a omnilética. Reunião do LEPEDI. Transcrição de áudio. 2021. Disponível em https://www.youtube.com/results?search_
query=lepedi. Acesso em 23 jul. 2022.
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emancipa o sujeito, pois para Adorno (2020, p. 38), “a própria falta de emancipação é convertida
em ideologia [...]”. “Inclusão em Educação” significa pensar processos complexos e dialéticos de
forma crítico-reflexiva, para além dos processos de inclusão da pessoa com deficiência, indo em
direção a afirmação dos direitos de todas as pessoas excluídas na sociedade.
Pensar “Inclusão em Educação” é questão central para compreender a diversidade humana
em suas diferenças, sejam elas quais forem, contribuindo para uma sociedade emancipadora, pois
“[...] a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade” (ADORNO,
2020, p.170).
Se faz necessário, então, assumir uma posição crítico-reflexiva sobre o conceito/episteme
da “Inclusão em Educação”, problematizando culturas, políticas e práticas emancipatórias,
dialética e complexamente, afirmando a natureza práxica do processo, pois “há que se ressignificar,
urgentemente, o sentido da educação e, consequentemente, seu modus vivendi ” (SANTOS,
2013, p.60).
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