(In)AcessIbIlIdAde nA grAduAção em pedAgogIA: nArrAtIvAs
de umA unIversItárIA com defIcncIA
(In)AccessIbIlIty In grAduAtIon In pedAgogy: nArrAtIves of
A unIversIty student wIth dIsAbIlItIes
Jackeline Susann Souza da SILVA
Doutora em Educação pela Universidad de Salamanca (Espanha). Professora
Adjunta da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
https://orcid.org/0000-0002-9779-7663 | jackeline.susann@uece.br
SILVA, Jackeline Susann Souza da. (In)Accessibility in graduation in pedagogy: narratives of a university student with
disabilities. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024.
Resumo: desde a entrada do presente século, a acessibilidade tornou-se um direito na legislação brasileira. Esse direito
estende-se à educação superior na busca por garantia da inclusão de estudantes com deficiência. Considerando esse
contexto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a experiência de uma universitária com deficiência a partir de
suas narrativas sobre (in)acessibilidade no Curso de Pedagogia. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista
semiestruturada com apoio de gravador e diário de campo. Os resultados indicam que o acesso à educação superior inicia
bem antes do exame vestibular, pois envolve a preparação adequada dos estudantes com deficiência na educação básica.
Já, durante a formação universitária, o empoderamento dos discentes com deficiência, no enfrentamento das barreiras
no cotidiano, é uma característica que tem contribuído para a permanência no curso superior – isso quando associado
à acessibilidade atitudinal dos docentes e discentes. Os resultados destacam ainda à inacessibilidade arquitetônica e
informacional que surge como entrave na formação universitária, restando, muitas vezes, a busca por soluções de
acessibilidade, de maneira individualizada, como forma de minimizar os efeitos da ausência de ações institucionais
efetivas em prol da garantia dos direitos dos discentes com deficiência na universidade.
Palavras-Chave: Educação Inclusiva. Acessibilidade. Estudantes com deficiência. Educação Superior.
Abstract: since the beginning of this century, accessibility has become a guideline in Brazilian legislation. is right
extends to higher education in the search for a guarantee of the inclusion of students with disabilities. Considering this
context, this research aims to analyze the experience of a university student with a disability based on her narratives
about (in)accessibility in the University Pedagogy Course. Data collection was carried out through semi-structured
interviews with the support of a recorder and field diary. e results indicate that access to higher education starts
well before the entrance exam, as it involves adequate training of students with disabilities in primary and secondary
education. Already, during university education, the empowerment of students with disabilities, in facing barriers
in everyday life, is a characteristic that has contributed to permanence in higher education, when associated with
the attitudinal accessibility of teachers and students. ere is also emphasis, in the results, on the architectural and
informational inaccessibility that appears as an obstacle in university education. Often, the only solution for these
students is the search for accessibility solutions, on an individual basis, as a way to minimize the effects of the absence
of effective institutional actions in favor of guaranteeing the rights of students with disabilities at the university.
Keywords: Inclusive Education. Accessibility. Students with disabilities. Higher education.
REVISTA DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS EM
EDUCAÇÃO ESPECIAL
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2024.v11n1.e0240004
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024. 1-17
(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
(In)AcessIbIlIdAde nA grAduAção
em pedAgogIA: nArrAtIvAs de umA
unIversItárIA com defIcIêncIA
(In)ACCESSIBILITY In GRADUATIOn In PEDAGOGY:
nARRATIVES OF A UnIVERSITY STUDEnT WITH
DISABILITIES
Jackeline Susann Souza da SILVA
1
Resumo: desde a entrada do presente século, a acessibilidade tornou-se um direito na legislação brasileira. Esse direito
estende-se à educação superior na busca por garantia da inclusão de estudantes com deficiência. Considerando esse contexto,
a presente pesquisa tem como objetivo analisar a experiência de uma universitária com deficiência a partir de suas narrativas
sobre (in)acessibilidade no Curso de Pedagogia. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada
com apoio de gravador e diário de campo. Os resultados indicam que o acesso à educação superior inicia bem antes do
exame vestibular, pois envolve a preparação adequada dos estudantes com deficiência na educação básica. Já, durante a
formação universitária, o empoderamento dos discentes com deficiência, no enfrentamento das barreiras no cotidiano,
é uma característica que tem contribuído para a permanência no curso superior – isso quando associado à acessibilidade
atitudinal dos docentes e discentes. Os resultados destacam ainda à inacessibilidade arquitetônica e informacional que
surge como entrave na formação universitária, restando, muitas vezes, a busca por soluções de acessibilidade, de maneira
individualizada, como forma de minimizar os efeitos da ausência de ações institucionais efetivas em prol da garantia dos
direitos dos discentes com deficiência na universidade.
Palavras-Chave: Educação Inclusiva. Acessibilidade. Estudantes com deficiência. Educação Superior.
Abstract: since the beginning of this century, accessibility has become a guideline in Brazilian legislation. is right extends
to higher education in the search for a guarantee of the inclusion of students with disabilities. Considering this context, this
research aims to analyze the experience of a university student with a disability based on her narratives about (in)accessibility
in the University Pedagogy Course. Data collection was carried out through semi-structured interviews with the support
of a recorder and field diary. e results indicate that access to higher education starts well before the entrance exam, as
it involves adequate training of students with disabilities in primary and secondary education. Already, during university
education, the empowerment of students with disabilities, in facing barriers in everyday life, is a characteristic that has
contributed to permanence in higher education, when associated with the attitudinal accessibility of teachers and students.
ere is also emphasis, in the results, on the architectural and informational inaccessibility that appears as an obstacle in
university education. Often, the only solution for these students is the search for accessibility solutions, on an individual
basis, as a way to minimize the effects of the absence of effective institutional actions in favor of guaranteeing the rights of
students with disabilities at the university.
Keywords: Inclusive Education. Accessibility. Students with disabilities. Higher education.
Doutora em Educação pela Universidad de Salamanca (Espanha). Professora Adjunta da Universidade Estadual
do Ceará (UECE). E-mail: jackeline.susann@uece.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9779-7663
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SILVA, Jackeline Susann Souza da
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo analisar a experiência de uma universitária com
deficiência física à luz da sua narrativa sobre (in)acessibilidade no Curso de Pedagogia. A
acessibilidade no sistema de ensino é um direito garantido no marco político e legal brasileiro.
O Decreto n° 5.296/2004 regulamenta as leis de acessibilidade, n° 10.048/2000 e n°.
10.098/2000, para a promoção da igualdade de oportunidade e de acessos sociais às pessoas
com deficiência e com mobilidade reduzida. Neste texto legal, a acessibilidade é definida
como:
[...] Condição para a utilização, com segurança e autonomia, total ou assistiva,
dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de
transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por
pessoa portadora de com deficiência ou mobilidade reduzida (Brasil, 2004, Art. 8).
No mencionado decreto, a definição de acessibilidade envolve diferentes elementos
da vida cotidiana e não apenas a estrutura física, como banheiro adaptado ou estacionamento
preferencial. Este termo destaca também sistemas de comunicação e informação, serviços
e tecnologias (Brasil, 2004). Além disso, o público beneficiário direto da acessibilidade são
pessoas com deficiência” ou qualquer indivíduo, que a curto ou a médio prazo, tenha a
mobilidade reduzida. Neste sentido, todas as pessoas, em algum momento da vida, necessitam
de espaços construídos a partir de critérios de acessibilidade, como por exemplo, grávidas,
crianças, idosos, estrangeiros. A acessibilidade, desta forma, não é uma determinação restrita às
pessoas com deficiência, pois além de ser indispensável para esse grupo, fornece possibilidade
de acessos e qualidade de vida à sociedade em geral.
Portanto, um ambiente acessível é aquele que permite às pessoas, independentemente
de suas características físicas, cognitivas e linguísticas, o usufruto do lugar comum, dos recursos,
dos equipamentos tecnológicos, dos transportes públicos, das informações, da comunicação
e das interações humanas. Resumidamente, o conceito de acessibilidade se fundamenta
na “arquitetura acessível” (Oliveira, 2003, p. 06), mas também em aspectos subjetivos do
cotidiano, abrangendo o direito de trânsito, de liberdade e de uso de serviços, produtos e
tecnologias; o direito das pessoas de relacionarem e conviverem, de forma segura e autônoma
ou assistiva, acessando o que compõe geograficamente o lugar e as dinâmicas sociais.
Contudo, no senso comum, a acessibilidade é, muitas vezes, percebida como resultado
apenas da transformação física, isto é, da adequação arquitetônica do ambiente, para que, por
exemplo, pessoas usuárias de cadeira de rodas possam acessar o banheiro por meio de rampa.
Embora a dimensão arquitetônica seja primordial, o conceito de acessibilidade é amplo,
multifacetado e interdisciplinar (Silva, 2018). No caso da educação superior, este conceito
aplica-se tanto na arquitetura das instituições como nas dimensões da atitude comunitária,
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024. 3-17
(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
das práticas pedagógicas, da produção e disponibilização de recursos didáticos, científicos e
tecnológicos, da oferta de serviços e sistemas de informação e comunicação acessíveis, entre
outros.
Em suma, tornar acessível significa instalar um processo de transformação do
ambiente, das “organizações físico-espaciais, no uso de serviços, produtos e informações
[...]”, além disso, também “implica mudança de atitudes, de comportamento e na forma de
organização das atividades humanas” (Oliveira, 2003, p. 8). Por outro lado, a ausência da
acessibilidade é uma forma de segregação, exclusão e discriminação contra as pessoas com
deficiência e de todas aquelas pessoas que beneficiam-se com a aplicação deste conceito.
Em razão da acessibilidade ser um direito na legislação brasileira, há a crescente
mobilização social na luta por remoção das barreiras que impedem o usufruto dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais (ONU, 2006) – incluindo os obstáculos que
impedem o acesso e a permanência na educação superior (Brasil, 2015). Para esta etapa
de ensino, o Decreto nº 6.571/2008 estabelece que: “[...] os núcleos de acessibilidade nas
instituições federais de educação superior devem eliminar barreiras físicas, de comunicação
e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de
estudantes com deficiência” (Brasil, 2008, Art. 5°).
Apesar das determinações legais em favor da acessibilidade, as instituições de educação
superior brasileiras ainda enfrentam grandes desafios na promoção da acessibilidade (Mazzoni;
Torres, 2001; Oliveira, 2003; Silva, 2019). Muitas políticas e programas institucionais de
assistências aos estudantes com deficiência ainda não desenvolvem-se de maneira uniforme.
As políticas institucionais são regidas por ações isoladas que se diferem de universidade para
universidade. Esses e outros entraves têm representado obstáculos no acesso, na permanência,
na aprendizagem e na autonomia de estudantes com deficiência na educação superior (Silva,
2019).
A inacessibilidade infringe o direito constitucional de ir e vir (Brasil, 1988), o direito
ao currículo inclusivo e aos níveis mais elevados de formação, conforme redação atualizada
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB, n° 9394/1996 (Brasil, 1996). Para
examinar a efetividade da lei “na prática”, faz-se necessário aproximar-se da vivência real dos
universitários com deficiência para colocar em evidência as barreiras que esses estudantes
enfrentam no dia a dia da universidade; inclusive quando necessitam realizar atividade
aparentemente simples como o deslocamento até as salas de aulas, refeitórios e banheiros.
Deste modo, considerando a participação direta das pessoas com deficiência na
efetivação do direito à acessibilidade na educação superior, é importante, antes de qualquer
ação institucional, a escuta desses estudantes acerca das suas demandas de inacessibilidade para
que, assim, as barreiras possam ser identificadas e superadas. Com o propósito de evidenciar as
experiências das próprias pessoas com deficiência, este estudo apresenta a narrativa de Maria,
4-17 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024.
SILVA, Jackeline Susann Souza da
mulher com deficiência física. A vivência da estudante é o ponto de partida para refletir sobre
acessibilidade na educação superior e sobre a necessidade de investimento institucional para
a eliminação das distintas barreiras na formação universitária.
cAmInHo metodolÓgIco
Este artigo tem como objeto de estudo a acessibilidade na educação superior com
ênfase nas narrativas de uma universitária com deficiência sobre a experiência cotidiana
de (in)acessibilidade no curso de Pedagogia. A pergunta que conduz a análise dos dados
coletados é a seguinte: Como a acessibilidade ou a ausência dela é percebida e narrada por
uma universitária com deficiência física na formação universitária?
Para explorar este tema, conduziu-se um estudo qualitativo que, segundo Deslandes
(2004, p. 24), é opção de pesquisa que busca “[...] explicar a dinâmica das relações sociais
para que, no universo da pesquisa, seja possível refletir acerca da cultura, interação social,
crença e atitude. No caso específico do presente estudo, as narrativas da participante colocam
em evidência a vivência, a experiência e a cotidianidade de uma mulher com deficiência na
universidade como ponto de referência para a compreensão das estruturas e das instituições
sociais e, consequentemente, da percepção da (in)acessibilidade como resultado da ação
humana.
A partir da abordagem qualitativa optou-se pelo estudo do tipo exploratório que busca
trazer exemplos que estimulem a compreensão do tema (Silva, 2004). O recorte apresentado,
neste artigo, trata-se de um estudo de caso que tem o propósito de explicar, a partir de uma
narrativa particular, uma problemática mais ampla com ênfase na luta pela efetivação da
política de educação inclusiva para as pessoas com deficiência na educação superior. O estudo
de caso é importante na pesquisa científica porque permite análises contextualizadas de um
fenômeno a partir de vivências particulares, contribuindo, assim, para a descrição e o exame
crítico de situações complexas da vida real, por meio da identificação de padrões, insights e
validação ou contraste de conceitos e teorias.
Para a coleta de dados, convidamos uma estudante universitária com deficiência,
regularmente matriculada no Curso de Graduação Presencial de Pedagogia de uma universidade
do Nordeste brasileiro. A razão para tal escolha deve-se ao fato de que a universitária é
membro de grupo de pesquisa na área de inclusão e acessibilidade, no qual a pesquisadora do
presente estudo é parte, existindo, assim, um espaço aberto de convivência entre pesquisadora
e participante. Vale destacar que durante as interações no grupo de pesquisa, a participante
chama atenção para os elementos da sua trajetória de vida, situando suas vivências como
objetos de análise para questões relacionadas à deficiência e à acessibilidade na educação
superior e isso tem sido de grande valia para ampliar as reflexões do grupo de pesquisa.
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024. 5-17
(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
Na continuidade, as etapas de levantamento de dados caracterizaram-se,
primeiramente, pela elaboração de um roteiro de entrevista semiestruturado, construído
com base no estudo do marco teórico e político-legal brasileiro em favor da acessibilidade
na educação superior. De maneira geral, o roteiro de entrevista foi o ponto de partida da
coleta de dados e auxiliou a entrevistadora a manter o foco no objeto de estudo delimitado
na pesquisa. Contudo, é importante destacar que a entrevista foi aberta e espontânea com
o propósito de deixar a entrevistada à vontade para narrar suas experiências, assim como
expressar suas emoções e posicionamentos.
Em concreto, os subtemas explorados no roteiro de entrevistas foram os seguintes:
Figura 1 – Diagrama de Venn com seções temáticas do
Roteiro de Entrevista Semiestruturada
Fonte: elaboração própria.
Como parte da coleta de dados, a entrevista semiestruturada com o roteiro foi
aplicada em um teste piloto, com uma estudante com deficiência voluntária a fim de melhorar
a qualidade da técnica e do instrumento. Após o teste piloto, o instrumento foi adequado e
conduziu a entrevista com a participante direta da pesquisa. A entrevista ocorreu no campus
universitário onde ela estuda e foi realizada no horário posterior às aulas. No momento da
entrevista, foram mapeadas as experiências do dia a dia universitário da participante com o
foco em aspectos que narram o ingresso no curso superior, as atividades de ensino, pesquisa e
extensão, assim como a acessibilidade e barreiras nas suas dimensões curriculares, atitudinais,
comunicacionais e informacionais (Figura 1). Cabe destacar que o nome utilizado no artigo
é fictício, com o propósito de resguardar a identidade da participante.
A análise dos dados coletados foi realizada à luz do marco político e legal delimitado
na investigação e do estudo teórico sobre a problemática em questão. Para sistematização da
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SILVA, Jackeline Susann Souza da
informação coletada em campo, considerou-se os seguintes aspectos: a) Escuta ativa: atenção
às narrativas de forma integral, porém considerando trechos que elucidam a problemática
de estudo; b) Codificação: identificação de categorias nos dados a partir das respostas da
participante; c) Teorização: comparação de padrões semelhantes ou divergentes que emergiram
no campo, tendo como fundamento conceitos, teorias, trechos das leis e políticas de educação
inclusiva na educação superior e inferências da pesquisadora d) Reflexão ética: elaboração de
análise, considerando princípios éticos da pesquisa, na confidencialidade da participante e da
instituição campo.
Considerando esses aspectos, a seção a seguir apresenta os dados coletados na
entrevista semiestruturada.
relAto de umA estudAnte com defIcIêncIA fÍsIcA sobre A
eXperIêncIA unIversItárIA
Esta seção estrutura a narrativa coletada na Entrevista Semiestruturada a partir de
tópicos sobre dados biográficos da estudante e dos relatos experiência universitária no Curso
Presencial de Graduação em Pedagogia. A entrevista de Maria durou vinte minutos e foi
registrada em um gravador e no Diário de Campo.
Maria nasceu em Brasília e veio residir junto com a sua família na região Nordeste em
2008. A entrevistada é estudante do segundo período do curso de Graduação em Pedagogia,
na modalidade presencial, em uma universidade federal do nordeste brasileiro. Ela tem 32
anos, pele clara, é de baixa renda e possui deficiência física resultante de um acidente de
veículo durante a adolescência. Em razão disso, a participante utiliza uma prótese na perna
esquerda.
Além da prótese, Maria tem uma moto de pequeno porte que, segundo ela:
“[...] não é só um transporte. A moto me apoia na acessibilidade, pois sem ela
seria difícil caminhar na universidade e fora dela. A moto representa pra mim a
liberdade de ir e vir” (Relato de Maria).
Constitucionalmente, todas as pessoas têm o direito de ir e vir (Brasil, 1988, art.
5°). Contudo, se tratando das pessoas com deficiência, esse direito é violado com frequência,
inclusive no espaço universitário (Silva, 2019). O relato da participante indica como a
pessoa com deficiência, muitas vezes, tem que buscar alternativa de ordem pessoal para
suprir barreiras arquitetônicas e garantir seu direito de ir e vir. Tais soluções implicam em
investimento financeiro.
Nesse aspecto, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011) afirma que as pessoas
com deficiência estão mais vulneráveis a vivenciar situação de pobreza e menor ascensão
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024. 7-17
(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
econômica devido aos gastos adicionais para suprirem barreiras na vida regular em comparação
às pessoas sem deficiência, por exemplo, para acessar tecnologias, equipamentos, transportes,
sistemas de comunicação e serviços sociais básicos. Considerando isso, há maior probabilidade
de evasão do curso superior para os universitários com deficiência que não dispõem de recurso
financeiro para adquirir equipamentos de acessibilidade ou tecnologias que ajudem a suprir
barreiras institucionais. Sendo assim, a aquisição da moto por parte de Maria é um fator
que impacta positivamente na sua permanência na universidade, mas é uma solução pessoal
que pode não representar a realidade de outros universitários, indicando, com isso, que a
universidade necessita planejar ações que eliminem barreiras, focando a permanência dos
estudantes com deficiência (Brasil, 2015).
Seguindo o roteiro de entrevista, ao descrever suas características pessoais, a
participante considera-se:
“[...] uma pessoa tímida, pois não falo com frequência nas aulas. Fico mais na minha
(Relato de Maria).
No entanto, ela afirma que quando sente confiança, participa de atividades em grupo.
Apesar de considerar-se uma pessoa tímida, no relato, ela expõe que é sempre solicitada:
“[...] pelos colegas para falar com o coordenador do curso sobre os assuntos da turma... para
resolver alguma coisa” (Relato de Maria).
Ela disse ainda que é uma das lideranças discentes no Diretório Acadêmico (DA) e,
neste espaço, organiza eventos com os colegas. A estudante admite que tem boa relação com
os docentes e funcionários e, quando surge oportunidade, sempre decide sobre as atividades
do curso e de lazer no seu grupo de colegas da universidade. Além disso, Maria acrescenta
que busca resolver, nas estâncias acadêmicas, questões que envolvem inacessibilidade para ela
e demais colegas com deficiência.
As características relatadas por Maria, a aproximam de um perfil empoderado de
estudante (Silva, 2014), uma vez que ela reforça, na entrevista, que busca o diálogo com seus
pares e representantes institucionais para conseguir apoio (Relato de Maria) nas suas demandas
pessoais e dos seus colegas. O fato de Maria demonstrar empoderamento, especificamente, no
contexto da educação superior é um dado que merece destaque, pois tratando-se de grupos
sociais que foram desempoderados ao longo da história da humanidade – como no caso de
mulheres com deficiência – o empoderamento é uma ação indispensável, pois tanto no plano
individual como coletivo, pode provocar mudanças; além de potencializar o protagonismo e a
representação social de grupos que são excluídos das relações sociais (Dantas; Silva; Carvalho,
2014).
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SILVA, Jackeline Susann Souza da
No caso de Maria, a participação e a postura ativa na tomada de decisão, sendo ela
uma mulher com deficiência na educação superior, contribuem para o fortalecimento da
presença desse grupo na universidade por meio da sua representatividade na comunidade
universitária.
Fora dos preceitos neoliberais, o empoderamento fortalece o poder interno de grupos
vulneráveis, fazendo com que essas pessoas sintam-se encorajadas a lutar por mudanças no
contexto local. No caso de mulheres com deficiência, o empoderamento auxilia na tomada
do poder de gerência e decisão pessoal, bem como auxilia essas mulheres a libertarem-se
da excessiva tutela familiar e institucional (Dantas; Silva; Carvalho, 2014). Neste sentido,
a expressão do empoderamento na educação superior é um elemento fortalecedor para a
permanência de Maria na universidade, já que a ação protagonista da estudante com
deficiência é uma dimensão relevante na busca por participação social e supressão de barreiras
institucionais.
Outro aspecto que teve destaque na entrevista foi o ingresso na universidade. Maria
ingressou na educação superior por meio Processo de Vestibular Seletivo Seriado, realizado
em 2010. Ela decidiu começar a carreira universitária 13 anos após a conclusão do Ensino
Médio; isso porque, durante parte deste período a estudante esteve isolada dos vínculos
extrafamiliares:
“[...] me senti muito sozinha na reabilitação devido ao acidente que causou a minha
deficiência. Foram anos difíceis e de aceitação da minha nova condição” (Relato de
Maria).
A aceitação da condição de pessoa com deficiência, por parte de Maria,
“[...] foi um processo complexo e doloroso” (Relato de Maria).
A autoaceitação da condição da deficiência apareceu no relato da participante como
elemento relevante. Ao abordar a autoaceitação da deficiência, Silva et al. (2014) argumentam
que esse evento acontece na vida de muitas pessoas com deficiência e de seus familiares,
independentemente, se a deficiência adquirida ou congênita. Os autores alegam que há,
muitas vezes, um processo de dor, luto e até negação da deficiência frente à representação
social da deficiência, uma vez que tal representação é limitante, estereotipada e preconceituosa
na sociedade (Silva et al., 2014).
Assim, a autoaceitação da deficiência não restringe-se à experiência individual de
Maria, pois é um fenômeno que resulta da ação coletiva frente aos preconceitos e à visão
social negativa da deficiência. Em outras palavras, a autoaceitação da deficiência forma-se
na interação social a partir da percepção da própria pessoa com deficiência acerca do seu
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024. 9-17
(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
valor humano em face aos demais (Silva et al., 2014). No âmbito das relações sociais, a
autoaceitação é um elemento empoderador na vivência acadêmica e pessoal das pessoas com
deficiência (Silva, 2014), sendo uma característica relacional fortalecida na disseminação de
novos valores para a representação social positiva da deficiência (em oposição à visão social
negativa) e no apoio da família, dos amigos e da sociedade (Silva et al., 2014).
No apoio grupal, Maria revela como as relações sociais e a possibilidade de criar
vínculos constituíram-se em elementos motivadores para o ingresso na universidade, pois
além de ser
“[...] um grande sonho, estar na universidade foi a possibilidade conhecer novas pessoas e
fazer amizades na nova cidade que cheguei” (Relato de Maria).
Maria acrescenta que queria muito conhecer novas pessoas e ampliar seu ciclo de
amizades para, assim, sair do isolamento, pois
“[...] era residente de Brasília e estou há pouco tempo nessa cidade. Sinto a necessidade de
ampliar meu ciclo de convivência e amizade” (Relato de Maria).
Neste trecho, a convivência aparece como variável que influenciou a participante
na decisão de ingresso na educação superior, remetendo ao fato de que a convivência no
contexto social – além do familiar – embora seja extensão da vida das pessoas sem deficiência,
não acontece de igual maneira na vida da maioria das pessoas com deficiência, uma vez que
historicamente esse grupo foi “[...] cortado das relações sociais [...]”, sendo a convivência
restrita, muitas vezes, ao contato familiar, dos pares e dos profissionais de instituições
especializadas (Ferreira, 2004, p. 05).
Ainda sobre o acesso à educação superior, Maria narra o desafio que foi a aprovação
no vestibular, principalmente, porque sabia
“[...] que tinha capacidade de passar no vestibular, mas minhas irmãs não acreditavam
muito na minha aprovação, pois não demonstravam entusiasmo quando eu falava no
tema e até diziam algo desmotivador. Talvez por medo da minha frustração com a possível
reprovação” (Relato de Maria).
A expectativa negativa das irmãs de Maria pode ser relacionada com o que é
denominado na literatura como “capacitismo” (Mello; Fernandes, 2013; Silva, 2019).
Segundo Mello e Fernandes (2013), capacitismo é a visão limitante e preconceituosa acerca
das capacidades das pessoas com deficiência. Tal como nos outros tipos de discriminação
social, a exemplo do machismo e do racismo, o capacitismo é uma discriminação estrutural
contra as pessoas com deficiência nas diferentes áreas da vida. Na noção capacitista, os espaços
10-17 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024.
SILVA, Jackeline Susann Souza da
sociais são concebidos a partir da percepção da normalidade das pessoas sem deficiência,
transpassada por padrões normativos de gênero, etnia, sexualidade, entre outros.
A deficiência é concebida, no capacitismo, como característica negativa, sendo
essas pessoas discriminadas pelo estigma de incompletas, anormais e incapazes de trabalhar
e de estudar. No plano pessoal, as pessoas com deficiência são discriminadas pela noção de
incapacidade de convivência em sociedade, de ter amigos, de amar, de ter vida sexual, de
expressar feminilidade/masculinidade, de viver a maternidade; o que restringe muitas áreas da
sua vida (Silva, 2014). Portanto, o capacitismo coloca as pessoas com deficiência em posição
de inferioridade, pois reforça a crença de que elas não são hábeis de assumir funções e papéis
sociais, como no caso de Maria, em que parece haver baixas expectativas dos familiares acerca
da sua capacidade cognitiva.
Mesmo enfrentando o desestímulo no âmbito familiar, Maria prestou o vestibular.
Ela afirma que as provas não foram os principais obstáculos para entrada na universidade:
“[...] a prova do vestibular não foi o mais difícil para entrar na universidade. Eu estava
preparada. Estudei em boas escolas. Sabia dos conteúdos e as questões tratavam de aspectos
do dia a dia de qualquer pessoa. Acho que o formato das provas e o conteúdo no geral
contribuíram muito para a minha aprovação. Mas, sei que quando tenho um objetivo, me
esforço, sempre busco acreditar e me preparar até conseguir. A aprovação na universidade
foi a confirmação do meu esforço e dedicação” (Relato de Maria).
Dada as estruturas físicas acessíveis, a acessibilidade pedagógica-curricular durante
a educação básica, é indispensável na experiência discente no vestibular, pois amplia as
possibilidades de acesso à educação superior e inserção profissional dos jovens com deficiência.
Além de afirmar que a escola foi um espaço que forneceu preparação adequada para prestar
o vestibular, Maria enfatiza que as provas do vestibular foram acessíveis tanto no formato
como na apresentação das questões. O planejamento das provas de admissão na educação
superior é um critério de acessibilidade primordial uma vez que vestibular é a principal
barreira apontada por muitos estudantes com deficiência no acesso, sobretudo, aqueles com
deficiências específicas como surdez, cegueira e autismo (Silva, 2014; 2019).
Ao mesmo tempo que Maria relata que o formato e o conteúdo das provas de
admissão não foram barreiras para ela, a estudante destaca que o seu esforço e a preparação
tiveram impacto na sua aprovação no vestibular. Essa atribuição da participante baseia-se na
lógica do mérito no acesso à educação superior; lógica orientada constitucionalmente (Brasil,
1988). Segundo a Carta Magna Brasileira (Brasil, 1988, art. 208), o acesso aos níveis mais
elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística deve seguir critérios de seleção com base
na capacidade de cada estudante. O que parece positivo e contrário à estrutura capacitista
no reconhecimento da capacidade das pessoas com deficiência, na participação em exames
altamente competitivos, converte-se em armadilha, uma vez que acaba sustentando o ideal de
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(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
meritocracia neoliberal de que se uma pessoa com deficiência consegue ascender na pirâmide
educacional, as outras podem conseguir apenas pelo esforço e determinação (Silva; Carvalho,
2021).
Portanto, o reconhecimento da capacidade intelectual da pessoa com deficiência, em
oposição ao capacitismo, precisa estar fundamentado na visão crítica acerca do desempenho
individual exigido na educação superior, pois os critérios de elegibilidade, sem o teor crítico,
aproximam-se da ideologia da meritocracia neoliberal e acabam “justificando” não a inclusão
como se almeja, mas a exclusão da maioria desse grupo ao aludir à retórica da incapacidade
da maioria de chegar à educação superior (Silva; Carvalho, 2021).
Por outro lado, na perspectiva crítica, o auto/reconhecimento da capacidade
cognitiva da pessoa com deficiência é representatividade social necessária para impulsionar a
permanência no curso superior, uma vez que reconhecer que esses estudantes são capazes de
aprender, por parte deles mesmos, dos docentes e dos colegas de classe, é uma ação que vai
contra o imaginário coletivo da incapacidade (Silva, 2014). Isso porque, ainda há a prevalência
da crença de que deficiência é sinônimo de dificuldade de aprendizagem (Silva, 2019). Nesse
aspecto, antes de ingressar na universidade, Maria relata que em muitos momentos achou que
não seria capaz de aprender:
“[...] Antes de entrar na universidade não imaginava que tivesse capacidade de estar
aqui. Eu imaginava que o Curso de Pedagogia era muito difícil. Como aprender tanta
coisa? Estou na universidade, né?! É o sonho de muita gente estar aqui. Mas, quando
conheci os professores e colegas fui notando que eu era sim capaz de aprender. Comecei a
participar de tudo: do grupo de pesquisa e também buscar eventos na área de educação. Me
sinto bastante motivada” (Relato de Maria).
A motivação para permanecer na educação superior é um elemento que, além de
distintos fatores, depende da acessibilidade atitudinal dos docentes. A atitude é uma tendência
interna que revela uma reação favorável ou desfavorável, com graus diferentes, a objetos,
situações, proposições e pessoas. Sobre isso, indagar professores acerca do que eles acham a
respeito de uma pessoa com deficiência ter acesso ao ensino superior, seguramente, suscitará
em reações de espanto e descrença ou até de apoio e defesa deste direito.
No âmbito da acessibilidade, a atitude docente fundamenta-se na percepção das
próprias reações na abertura às potencialidades dos estudantes com deficiência para que o
professor oportunize o envolvimento desses discentes nas atividades de ensino, pesquisa e
extensão, conforme aparece na experiência de Maria:
“[...] Fiquei muito feliz por ser convidada por uma professora para participar do grupo de
pesquisa na área de deficiência. Este acontecimento foi importante, pois foi logo no começo
do curso, e isso me deu ainda mais vontade de estudar e continuar no curso de Pedagogia.
Aqui no grupo, discuto temas importantes sobre inclusão e educação, tenho muitas colegas,
12-17 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024.
SILVA, Jackeline Susann Souza da
organizo evento com elas e ainda posso falar da minha vivência como universitária, das
questões de acessibilidade” (Relato de Maria).
O convite da docente para participação no grupo de pesquisa teve impacto na
formação de Maria e, conforme indica seu relato, ampliou as oportunidades de participação e
interação, consequentemente, de aprendizagem. As situações de interações entre os estudantes
dentro e fora da sala de aula são momentos que podem oportunizar a troca de experiências/
saberes, colaboração, convivência e parceria (Silva, 2014; 2019). Segundo Maria, nas
atividades acadêmicas, suas colegas:
“[...] na maioria das vezes procuram ouvir minha opinião e sempre estão preocupadas em
me incluir” (Relato de Maria).
Esses dados indicam, portanto, a importância da acessibilidade atitudinal na
educação superior tanto na relação com os docentes como com os colegas.
É importante destacar que a acessibilidade atitudinal é a base para a promoção
dos demais tipos de acessibilidade, porque, por exemplo, quando um docente demonstra
expectativas positivas e maior predisposição para incluir os estudantes com deficiência, logo
este docente terá mais chance de planejar aulas acessíveis, mesmo quando o próprio não
domina conhecimentos especializados na área de didática inclusiva.
Do mesmo modo, um arquiteto ou engenheiro que tem interesse em conhecer as
diretrizes para acessibilidade e direitos das pessoas com deficiência, certamente, tem maior
possibilidade de realizar seus projetos arquitetônicos acessíveis. Contrário a isso, Maria relata
que encontra muitas barreiras arquitetônicas na universidade. Segundo a universitária, vários
setores da instituição são locais de difícil acesso para estudante com mobilidade reduzida ou
deficiência física, como no seu caso. Maria pontua que as barreiras não são apenas a:
[...] falta de piso adaptado, calçada plana sem buraco e a ausência de barras de apoio
nas rampas e escadas. Também, a distância de um setor para outro, sem a existência
de transporte que nos permita ir de um centro acadêmico ou setor para outro” (Relato
de Maria).
Ainda sobre as barreiras físicas, do centro que Maria estuda até biblioteca central
“[...] há uma distância grande. A gente precisa caminhar por uns 20 minutos ou mais
(Relato de Maria).
Nesta situação, Maria, por meses, evitou andar por esses espaços, pois
“[...] o ato de caminhar por muito tempo faz com que a prótese me machuque” (Relato
de Maria).
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(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
Devido a essa condição, a estudante teve que adquirir e aprender a conduzir uma
moto e hoje esse transporte é essencial para ampliar a sua mobilidade, minimizando as
barreiras arquitetônicas no ambiente universitário, conforme a estudante destacou no começo
da entrevista.
Além disso, Maria evita fazer uso dos banheiros, pois geralmente
“[...] estão sujos; além de não existirem barras de apoio nas paredes próximas aos sanitários.
Também, não tenho acesso ao ambiente dos professores porque há escadas, sem acesso via
rampa ou elevador” (Relato de Maria).
Esses aspectos indicam que a inacessibilidade arquitetônica está presente no
cotidiano dos estudantes com deficiência física matriculados no curso de Pedagogia da
instituição investigada, restando a esses estudantes se adequarem à estrutura inacessível. Tal
barreira restringe a mobilidade e a liberdade de ir e vir na universidade (Brasil, 1988; ONU,
2006). É importante destacar que, a instituição investigada registrou em 2017
2
, que há a
porcentagem de 3 a 4% de discentes com deficiência do total de mais de 39 mil estudantes
matriculados na graduação – informação coletada no núcleo de acessibilidade da instituição.
Na entrevista, Maria foi indagada sobre a qualidade da acessibilidade comunicacional
e informacional. Acerca dos serviços e programas que a universidade oferece, Maria relatou
que:
“[...] as informações nunca chegam até nós estudantes com deficiência. É muito difícil
para a pessoa que acabou de chegar aqui conseguir informações sobre os espaços, os
serviços de apoio e os departamentos. Não somos informados de nada: nem sobre eventos,
congressos, seminários e palestras. Quando eu preciso de alguma informação procuro
colegas que estão em semestres mais avançados, os professores ou o próprio Diretório
Acadêmico” (Relato de Maria).
Tanto Maria como seus colegas de sala de aula sofrem com a ausência de informações
sobre os serviços e eventos que ocorrem na instituição. O inacesso da informação e a ausência
de informações acessíveis são também barreiras institucionais. A respeito disso, o Decreto n°
5296/2004 define barreira na comunicação e informação como “[...] qualquer entrave ou
obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens” (Brasil,
2004, Art. 8). Na entrevista, Maria detalha que:
“[...] os murais dos corredores são desorganizados e com muitos cartazes. Uma verdadeira
poluição visual. Muitos funcionários não sabem sobre os eventos ou processos seletivos, assim
não têm como nos informar. Por isso, a informação fica restrita a poucos. Isso prejudica
aos estudantes com deficiência principalmente no acesso à seleção para bolsa de iniciação
 Último ano da divulgação de dados institucionais pela gestão na universidade campo.
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SILVA, Jackeline Susann Souza da
científica. Fico pensando também nos colegas com deficiência visual. Essa situação é ainda
pior” (Relato de Maria).
Outro aspecto relevante, enfatizado pela participante, é que muitas informações
institucionais são transmitidas via internet e
“[...] nem todos os estudantes com deficiência, pelo menos os que convivo aqui, possuem
equipamentos acessíveis e acesso à internet de qualidade” (Relato de Maria).
A exclusão digital é intensificada pelo fato da instituição campo não disponibilizar
acessibilidade nos ambientes de informática e nem acesso à internet livre para os estudantes.
Essas barreiras comunicacionais e informacionais, associadas às barreiras arquitetônicas relatas
pela estudante, são aspectos que cotidianamente dificultam a permanência na universidade
de estudantes com deficiência. Tal dado vai contra a legislação que determina a acessibilidade
plena como direito desses discentes (Brasil, 2000; 2004; 2015; ONU, 2006).
consIderAçÕes fInAIs
É consenso que a promoção da acessibilidade é um direito que possibilita abrir as
portas das universidades públicas para coletivos específicos, como as pessoas com deficiência
que por, por muito tempo, foram mantidas foras das instituições universitárias. Por essa razão,
o objetivo deste artigo foi analisar a experiência de uma universitária com deficiência a partir
de suas narrativas sobre (in)acessibilidade no Curso de Pedagogia.
Os principais resultados dos dados coletados nesta pesquisa indicam que a estudante
demonstra um perfil empoderado e participativo, uma vez que ela está envolvida com
movimentos de representação estudantil, organiza eventos e tem iniciativa para solucionar
as demandas discentes junto aos colegas e aos profissionais da instituição. Na perspectiva
crítica e coletiva, o empoderamento é uma caraterística que fortalece o poder interno de
grupos que, historicamente, foram desencorajados. Na educação superior, o empoderamento
é uma dimensão importante do acesso e da permanência, uma vez que possibilita o auto/
reconhecimento do valor humano da pessoa com deficiência, da sua capacidade intelectual e
impulsiona o protagonismo discente – em oposição ao capacitismo.
O relato de Maria comprova que a acessibilidade à educação superior é um direito
que começa na educação básica. Ela afirma que a escola teve um papel fundamental na
preparação para o ingresso na universidade. Além disso, a acessibilidade do vestibular, no
que refere-se a contextualização do conteúdo e formato das provas é favorável para o ingresso
de pessoas com deficiência na educação superior, já que muitas vezes, é o vestibular a maior
barreira de acesso desses jovens e adultos à universidade.
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(In)Acessibilidade na graduação em pedagogia Artigos
Em consonância, a acessibilidade atitudinal apareceu em muitos momentos da
entrevista. Especificamente, na postura acolhedora da professora que envolveu a participante
em atividades de pesquisa, bem como dos colegas de sala de aula que a incluem nos processos de
tomada de decisão. Tal como o empoderamento da pessoa com deficiência é um elemento de
fortalecimento da permanência, o sentimento de pertencimento que provêm da acessibilidade
atitudinal interfere positivamente na motivação para continuidade no curso, conforme relata
a estudante em diferentes momentos da entrevista. Em particular, a acessibilidade atitudinal
docente amplia a possibilidade de participação dos estudantes com deficiência, pois abre
espaço de atuação discente como a presença em grupos de pesquisa e extensão.
Por outro lado, a experiência da participante serve de referência para perceber como
as paredes e as calçadas das universidades “comunicam” inacessibilidade no âmbito da estrutura
arquitetônica, assim como também revela barreiras institucionais no acesso à informação e à
comunicação. Esses obstáculos restringem a presença da pessoa com deficiência na educação
superior, impedindo a sua liberdade de trânsito e o acesso aos conteúdos e informes que circulam
na universidade. A opção desses estudantes, neste caso, é adequarem-se à estrutura inacessível
ou encontrar soluções para acessibilidade de maneira individualizada, por exemplo, na compra
de equipamentos e recursos que ajudem a minimizar problemas de ordem institucional, como
no caso da participante que precisou adquirir uma moto. Tais barreiras, cotidianamente,
empurram os universitários com deficiência para fora das universidades, quando esses não
dispõem de opções que os permitam minimamente continuar no curso. Com isso, a educação
superior ainda é tomada como direito excepcional, sendo responsabilidade muitas vezes dos
próprios estudantes superarem barreiras institucionais.
As exigências educacionais do século XXI impulsionam novos rumos nas discussões
acerca da função social da educação superior. A concepção atual de universidade não se
restringe a espaço de formação inicial para futuros profissionais. Mais que isso, essa etapa de
ensino conduz ao avanço científico e tecnológico, bem como oferece formação para que os
diferentes sujeitos interviram na sociedade. Nessa conjuntura, é necessário que as pessoas com
deficiência tenham representatividade na educação superior para que elas usufruam do que
esse tipo de educação oferece e colabore diretamente nas transformações sociais por meio da
produção de conhecimento profissional, científico e tecnológico.
Portanto, o estudo sobre (in)acessibilidade na formação universitária não se
esgota em si pois as pesquisas científicas são fundamentais para identificar os limites e as
contribuições da educação superior na formação de grupos que foram excluídos dessa etapa
de ensino, de modo que à luz dessas realidades seja possível colaborar na reformulação de
políticas institucionais e de ações coletivas em prol do fortalecimento da educação superior
como instituição, de fato, democrática e inclusiva.
16-17 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 11, n. 1, e0240004, 2024.
SILVA, Jackeline Susann Souza da
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