Editorial
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EDITORIAL
Somos seres humanos complexos, limitados, permeados de tensões, sentidos, anseios,
desejos e motivações que se transformam e nos acompanham nos diferentes cotidianos que vivemos.
Cada um com sua singularidade, sua identidade, seus desaos que fazem da relação humana única,
em um contínuo e dinâmico aprendizado. Nossa presença no mundo, “[...] não é a de quem a ele
se adapta, mas a de quem nele se insere.” (FREIRE, 2011, p. 53).
E nesse mundo de pessoas diferentes e únicas, padrões de comportamento, de hábitos,
de costumes, de corpos e de relações sociais foram – e ainda são – estabelecidos. Todavia, apesar de
vivermos em uma sociedade heterogênea, esses padrões criados desconsideram e deixam à margem
diferentes grupos minoritários, dentre eles, as pessoas com deciência.
Apesar de muitas conquistas viabilizadas por meio de diversos documentos internacionais,
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), terem contribuído para educação e
inclusão das pessoas com deciência, muitas delas ainda são excluídas da sociedade em função do
preconceito e da falta de acessibilidade. Santos (2020) sinaliza que, além do patriarcado, machismo,
colonialismo e capitalismo, as pessoas com deciência também precisam lidar com o capacitismo.
Nesse contexto social, insere-se a escola e os processos de educação formal e não formal
de pessoas com deciência, dentre elas, as com deciência visual (DV). Pessoas com o sentido
visual comprometido, mas que conseguem enxergar por meio dos sentidos remanescentes. E em
um mundo visual e estruturalmente padronizado, quais caminhos, práticas e recursos podem ser
utilizados para tornar a educação digna e de qualidade a todos com suas diferentes necessidades e
potencialidades?
Com objetivo de ampliar o diálogo sobre a escolarização e educação de pessoas com
DV em diferentes cotidianos e contextos, o presente dossiê, “Pesquisas e práticas pedagógicas na
educação de pessoas com deciência visual”, reúne textos de 17 autores internacionais e de diferentes
instituições e regiões do Brasil, com pesquisas, ensaios e narrativas de experiências que relacionam
teoria e prática, e podem ressoar em outros fazeres pedagógicos e contribuir com a formação e
atuação de professores para realização de práticas dignas, inclusivas, éticas e plurais em prol da
justiça social.
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2022.v9n2.p07-10
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O artigo que abre o dossiê, “Narrativas autobiográcas de um professor em (constante)
formação, negro, albino e com baixa visão: trajetórias, experiências e reexões”, escrito por João Marcos
e Michele Fonseca, é um texto que expressa a voz e a identidade de um homem negro, albino e com
baixa visão, que vive o dia a dia com as barreiras impostas à pessoa com deciência. Vozes que são
silenciadas e corpos que são invisibilizados nos cotidianos de escolas cada vez mais padronizadas
por políticas neoliberais e de controle. Os autores nos trazem uma narrativa rica de detalhes, de
sentidos, que expressa e nos remete emoções que irão contribuir signicativamente para práticas
inclusivas e conscientes, desde o ensino básico ao ensino superior.
Também apresentando a trajetória de formação de dois estudantes com DV, por meio
da história oral, José Ricardo e Cleonice Almeida escrevem o texto “Trajetórias formativas na
escolarização de dois estudantes com deciência visual”. Nessa rica conversa e resgate das memórias dos
estudantes, os autores abordam questões importantes aos professores, pesquisadores e prossionais
da educação, como a estrutura e o preparo das instituições para receberem os estudantes com DV, o
contexto da escola especializada e o da escola regular na percepção dos estudantes, a formação dos
professores, dentre outras questões. Lembranças do percurso formativo acadêmico de estudantes
com DV, passando pela escola regular, pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e
pelo ensino médio técnico. Um texto que visibiliza a voz dos estudantes e, a partir de suas percepções
e trajetórias, fazem-nos (des)construir conhecimentos em prol de uma escola justa e inclusiva.
No texto seguinte, de minha autoria, “A Orientação e Mobilidade nas aulas de Educação
Física: saberes de experiência (des)construídos no Instituto Benjamin Constant”, busco apresentar, por
meio de narrativa autobiográca (PASSEGGI, 2020), como a Orientação e Mobilidade pode ser
desenvolvida nas aulas de Educação Física. A partir de meus saberes de experiência (LARROSA,
2020) (des)construídos em um cotidiano singular junto aos meus alunos, em uma instituição
especializada, escrevo com intuito de compartilhar conhecimentos que podem ressoar em outras
práticas, em outros cotidianos, contribuindo para inclusão escolar de estudantes com DV.
Na sequência, a professora Luisa de Souza e os professores Jairo Maurano e Leonardo
Santos escrevem um rico ensaio sobre a utilização do cão-guia no Ensino Superior. O texto “Cães-
guia em contextos educacionais: acessibilidade atitudinal e informacional na perspectiva dos disability
studies” apresenta informações importantes sobre a quantidade de cães-guia em atuação por região,
além do processo de seleção e preparação desses animais, o treinamento do cão e de seu usuário, as
instituições que se responsabilizam por tais questões, e a aposentadoria do cão-guia. Enm, uma
série de informações relevantes e necessárias para disseminar tal saber tão necessário à sociedade e
suas instituições, contribuindo para acessibilidade e autonomia de pessoas com DV.
Em Ver com (outros olhos) no Instituto Benjamin Constant: modos como vamos nos formando
professoras, as autoras Daiana Pilar e Leidiane dos Santos nos fazem pensar em outras formas de ver para
além do que já conhecemos e somos condicionados em uma cultura socialmente e majoritariamente
visual. Ver para além da visão de um órgão humano, de uma compreensão médica.
A partir de suas experiências no Instituto Benjamin Constant (IBC) – centro de referência
nacional em deciência visual – as autoras nos mostram como a prática pedagógica e os encontros
singulares e coletivos do cotidiano são ricos e potentes para a formação dos professores. Um saber
de experiência (LARROSA, 2020) de quem está aberto ao afeto e ao envolvimento com o outro.
Um texto potente para nos fazer reetir e compreender que o ver e as formas de enxergar a realidade
também são construções sociais, permeadas de tensões, de desejos, de afetos, de signicados e de
sentidos. E que nos mostra que há conhecimentos que só são (des)construídos na prática pedagógica,
na experiência cotidiana, junto aos estudantes com DV.
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Graciele Massoli e Maria João, por meio do texto “Educação Física e inclusão: narrativas de
graduandos com deciência visual”, nos trazem a reexão sobre os processos formativos para a inclusão
de universitários com DV no curso de Licenciatura em Educação Física. A partir da narrativa de três
estudantes com DV, as professoras abordam o respeito à singularidade de Ser, do Outro, das práticas
homogeneizantes, da falta de recursos, da formação dos professores e da sensibilidade necessária
para ensinar/educar na diversidade, respeitando as características e necessidades de cada estudante.
No texto “Eu também sou poesia: práticas de letramentos literários para estudantes com
deciência visual”, Márcia Gomes escreve um recorte sobre sua experiência de pesquisa, realizada
em 2019, com base em pesquisa-ação, com cinco estudantes com DV do ensino técnico do IBC,
nas aulas de Literatura. A autora aborda questões importantes, como as estratégias e os recursos
necessários para o ensino de Literatura para pessoas com DV, e como a construção de poemas é
inuenciada pela subjetividade e tensões da vida do estudante. Aborda a Literatura enquanto Arte,
como possibilidade de (des)construção do mundo e de (re)pensar a si mesmo.
Para fechar o dossiê, temos dois textos de revisão de literatura. No primeiro, intitulado
Análise da literatura: desenvolvimento de estratégias de ensino para estudantes com deciência visual
nas aulas de Educação Física”, Milena Pedro de Moraes e José Pedro Ferreira fazem um estudo de
revisão buscando trabalhos que abordem as estratégias de ensino para o estudante com DV na
escola. Após os critérios de inclusão e exclusão, os autores fazem a análise de 20 trabalhos publicados
em diferentes países e nos dão um panorama atual e necessário de parte do desenvolvimento dos
estudos sobre as pessoas com DV no campo da Educação Física.
O segundo estudo de revisão é escrito por Carla Cristina e Waldirene Ribeiro, intitulado
Cartograa inclusiva: o potencial dos mapas táteis no ensino de Geograa”. As autoras apresentam
parte da história, dos conceitos e das possibilidades de construção da cartograa tátil, tendo como
foco de suas escritas a educação do estudante com DV no ensino de Geograa. Abordam ainda
a formação de professores e a importância de tal conhecimento ser desenvolvido nos cursos de
licenciatura para que chegue também à educação básica na formação e educação dos estudantes
com DV.
O presente dossiê, composto de nove textos, escrito por várias mãos, de professores
pesquisadores de diferentes áreas, instituições e regiões, expressa a diversidade de saberes (des)
construídos nas singularidades dos cotidianos e das relações sociais constituídas no fazer pedagógico.
Organizar e compor esse mosaico de saberes, de pesquisas, de narrativas, de práticas, de sentidos
e de signicados é uma honra e uma felicidade para um professor complexo e limitado, que não
nasceu educador, mas se forma, se (des)constrói e se faz educador, “[...] permanentemente, na
prática e na reexão sobre a prática”. (FREIRE, 1991, p. 58).
Finalizo a escrita deste editorial agradecendo a todos que contribuíram para elaboração
deste dossiê, aos autores e à equipe da Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, com a
esperança de que esses textos possam ressoar em outras práticas e cotidianos, contribuindo para uma
educação digna, ética, plural e inclusiva de pessoas com DV, na busca da justiça social.
Prof. Dr. Arlindo Fernando Paiva de CARVALHO JUNIOR
Instituto Benjamin Constant – IBC
Novembro de 2022
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REfERêncIAs
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Paris: UNESCO, 1948. Disponível em: https://
www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 14 mar. 2022.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991. 144 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
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LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. 176 p.
PASSEGGI, Maria da Conceição. Enfoques narrativos en la investigación educativa brasileña. Revista
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SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020. 32 p.