Eu também sou poesia Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 9, n. 2, p. 99-112, Jul.-Dez., 2022 105
literários, vericando-se o diálogo que os textos dos estudantes estabelecem com o gênero poema e
com o estilo de época estudado, quanto com os discursos que afetam e constituem cada sujeito, na
expressão de suas emoções e pensamentos.
3.2 Em vErsos mE (rE)faço
Em 2019, período pré-pandêmico, fui designada para lecionar a disciplina de Literatura
para uma turma de 1 ano do Ensino técnico em Instrumento Musical. As turmas especializadas
costumam ter um número reduzido de alunos em razão da maior atenção que solicitam. Isso, somado
ao fato de o curso ser recém-criado, resultara em uma turma com apenas cinco estudantes, todos
adultos, que denominarei por pseudônimos inspirados em compositores brasileiros para preservar-
lhes a identidade. Trata-se, pois, de Chiquinha Gonzaga, uma jovem cega, jogadora de goalball, que
possuía resíduo visual para locomoção; Heitor Villa-Lobos, jovem cego, com comprometimento
cognitivo, multi-instrumentista, ex-estudante do IBC e o único do grupo a dominar o Sistema
Braille; Pixinguinha, homem cego com cerca de 40 anos, que perdera a visão recentemente; Luiz
Gonzaga, um senhor de cerca de 70 anos, com baixa visão, e Noel Rosa, um rapaz de 18 anos, que
se encontrava em um rápido processo de perda da visão.
No decorrer do ano letivo, trabalhei os conteúdos da disciplina, que diziam respeito
aos gêneros literários e estilos de época da era medieval e clássica (Portugal) e colonial (Brasil),
explorando a estética dos textos, assim como as condições de produção, circulação e recepção,
sempre em uma perspectiva de letramentos, proporcionando a vivência do texto pela leitura,
apreciação, reexão e escrita, pois, conforme Cosson (2018):
A prática da literatura, seja pela leitura, seja pela escritura, consiste exatamente em uma
exploração das potencialidades da linguagem, da palavra e da escrita, que não tem paralelo em
outra atividade humana. Por essa exploração, o dizer do mundo (re)construído pela força da
palavra, que é a literatura, revela-se como uma prática fundamental para a constituição de um
sujeito da escrita (COSSON, 2018, p. 16).
Desse modo, em minhas aulas, estabeleci como objetivos apreciar e compreender o texto
literário em suas diferentes estéticas e dimensões; ressignicar o ensino dos estilos de época por meio
do diálogo entre leitura e produção literária, assim como explorar as diferentes linguagens como
parte do tecido literário.
No primeiro contato com a turma, constatei que dentre os estudantes cegos, apenas
Heitor Villa-Lobos dominava o Sistema Braille, os demais estavam iniciando o processo de
aprendizagem. Já em relação aos alunos com baixa visão, Luiz Gonzaga fazia uso do notebook em
sala e Noel Rosa utilizava como instrumentos de escrita caderno e caneta, mas não enxergava o que
escrevia e tão pouco conseguia ler a apostila com fonte ampliada. Ambos também se encontravam
nas aulas de Braille.
Assim, para que pudessem produzir os textos de forma autônoma, optei por transferir
as aulas para o laboratório de Informática, a m de, naquele momento, facilitar o acesso ao texto
tanto na escuta quanto na escrita, por meio do Dosvox, sistema computacional que utiliza síntese
de voz para que o/a usuário/a com deciência visual possa editar textos e navegar na internet. Para
as tarefas de casa, eu disponibilizava todos os materiais (apostilas e livros paradidáticos) em Braille e
em tinta no formato ampliado, conforme a demanda de cada um/a, e em arquivos no formato txt,