Cães-guia em contextos educacionais Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 9, n. 2, p. 53-70, Jul.-Dez., 2022 57
produÇão CientÍfiCa
A partir da década de 2000, alguns estados brasileiros editaram suas próprias normas
no intuito de preconizar os direitos relacionados aos usuários de cães-guia, ou seja, pessoas com
deciência visual (cegueira ou baixa visão)
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. É o que zeram, por exemplo, o estado de São Paulo,
por meio da Lei Nº 10784/2001; do Rio Grande do Sul, ao editar a Lei Nº 11.739/2002; e do
Espírito Santo, que sancionou a Lei Nº 7.789/2004.
Em nível nacional, por sua vez, cumpre destacar uma grande conquista: a promulgação
da Lei Federal Nº 11.126/2005, a qual assegura às pessoas com deciência visual e que sejam
usuárias de cão-guia o “direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de
transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo”,
desde que observados os requisitos elencados pela referida norma (BRASIL, 2005, Art. 1º).
Somou-se a essa Lei Federal, sua regulamentação por meio do Decreto Nº 5.904/2006,
o qual apresentou mais alguns conceitos sobre a matéria, especialmente em relação aos espaços e
pessoas envolvidos na formação
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e no uso do cão-guia. Assim, além de assegurar o respeito desse
direito em todo o território nacional, trouxe certa uniformidade sobre o assunto.
Destaca-se a importância das regulamentações em nível federal, uma vez que elas podem
impedir eventuais exigências descabidas e inconstitucionais. Esse foi o caso do estado de São Paulo
que, por meio da Lei Estadual Nº 12.907/2008, exigiu que os usuários se liassem à Federação
Internacional de cães-guia. Todavia, por exceder as determinações contidas na Lei Nº 11.126/2005
e até mesmo por violar dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil, a norma
estadual foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 22/10/2021, quando
do julgamento proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4267, proposta pela
Procuradoria Geral da República (STF, 2021).
Atualmente, de acordo com a União Nacional de Usuários de Cães-Guia (UNUCG),
associação sem ns lucrativos, em decorrência da referida legislação, 155 cães-guia estão em atividade
funcional no Brasil (UNUCG, 2022). Com uma média 5,8 anos de idade, os dados censitários
indicam que 95 desses são machos (61,3%) e 60 são fêmeas (38,7%). Ainda, em uma perspectiva
de distribuição regional, 82 cães-guia atuam na região Sudeste (52,9%), 51 na região Sul (32,9%),
11 na região Nordeste (7,1%), 10 na região Centro-Oeste (6,5%) e 1 na região Norte (0,6%).
Contudo, ainda que esses dados revelem uma importante atuação de cães-guia em um
país com dimensões continentais como o Brasil, inclusive legitimados com respaldos normativos
nacionais e internacionais, um dado curioso e um tanto quanto preocupante se desvela: a partir de
revisão sistemática da literatura no Banco Digital de Teses e Dissertações – BDTD e no Scientic
Eletronic Library Online – SciELO, valendo-se dos descritores “cão-guia”, “cães-guia”, “guide dog”
e “guide dogs”, sem delimitação de índices ou período, foram identicados apenas três estudos
cientícos desenvolvidos no Brasil sobre a temática.
Difundida pela Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, a pesquisa de Von der Weid
(2019), visou compreender etnogracamente, na fase de formação, a trajetória das transformações
Com base na Lei nº 14.126, de 22 de março de 2021, as pessoas com visão monocular passaram a ser consideradas pessoas com
deciência sensorial, do tipo visual.
O presente ensaio considera o termo “formação de cães-guia” para fazer referência ao signicado do termo treinamento, enquanto
um processo mais amplo. O termo adestramento não foi adotado no texto, por fazer referência à aquisição de habilidades mais
renadas do cão, como “agility”, muito voltadas para atividades competitivas.