O ensino da língua portuguesa Artigos
Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 9, n. 1, p. 27-36, Jan.-Jun., 2022 27
O ensinO da língua pOrtuguesa: a realidade dO estudante surdO em
arapiraca – al
Anderson Francisco VITORINO
1
Maria Gabryelle da Silva SANTOS
2
Rita de Cácia Santos SOUZA
3
Resumo: O estudo tem por objetivo investigar as estratégias da prática pedagógica do docente em sala de aula que inclui estudantes
surdos, a partir da perspectiva da inclusão. Destaca também, os principais desaos encontrados no ensino de Língua Portuguesa na
modalidade escrita para estudantes surdos em sala. A pesquisa é de abordagem qualitativa, tendo por procedimento metodológico
o estudo de caso. Utilizamos a técnica da observação e a entrevista como instrumento para construção dos dados. São perceptíveis,
nas escolas atuais, os desaos que rodeiam o ensino de modo geral, mas, principalmente, quando temos como foco o estudante
surdo. A turma observada tinha duas estudantes surdas, a professora de sala de aula regular, a intérprete de Língua Brasileira de
Sinais – Libras e os estudantes ouvintes. Toda a interação estabelecida entre as estudantes surdas, a docente e os estudantes ouvintes,
acontecia por intermédio da prossional intérprete de Libras. Nas aulas não existiam recursos didáticos visuais na perspectiva de
práticas pedagógicas para compreensão das estudantes surdas. Com todos os enfrentamentos e a partir da realidade que o estudante
surdo é submetido, há séculos, percebe-se que a verdadeira inclusão social desta comunidade ainda não se efetivou. Assim, compre-
endemos que a pesquisa ganha cada vez mais relevância acadêmica, social, cultural e pertencimento lingüístico.
Palavras-chave: Ensino para surdos. Práticas pedagógicas. Inclusão escolar.
Abstract: e study aims to investigate the strategies of the teacher’s pedagogical practice in a classroom that includes deaf stu-
dents, from the perspective of inclusion. It also highlights the main challenges encountered in teaching Portuguese in the written
modality for deaf students in the classroom. e research has a qualitative approach, using the case study as a methodological
procedure. We used the technique of observation and the interview as a tool for data construction. e challenges surrounding
teaching in general are perceptible in current schools, but especially when we focus on the deaf student. e observed class had
two deaf students, the regular classroom teacher, the Brazilian Sign Language (Libras) interpreter and the hearing students. All
the interaction established between the deaf students, the professor and the hearing students took place through the professional
interpreter of Libras. In the classes there were no visual teaching resources from the perspective of pedagogical practices for the
understanding of deaf students. With all the confrontations and from the reality that the deaf student has been subjected for cen-
turies, it is clear that the true social inclusion of this community has not yet taken place. us, we understand that research gains
more and more academic, social, cultural and linguistic relevance.
Keywords: Teaching for the deaf. Pedagogical practices. School inclusion.
1
Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Paraná-UFPR. Professor de Libras da Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, Campus Arapiraca. E-mail:anderson.vitorino3@arapiraca.ufal.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1826-283X
Graduanda em Letras (Português) pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Campus Arapiraca. E-mail: gabryellemary07@
gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8710-5822
Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal de Sergipe – UFS, Campus São Cristovão. E-mail: ritacssouzaa@
yahoo.com.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0476-4414
https://doi.org/10.36311/2358-8845.2022.v9n1.p27-36
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
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VITORINO, A. F.; SANTOS, M. G. S.; SOUZA, R. C. S.
1 a surdeZ e a especialiZaÇÃO dOs prOFessOres
A construção dos seres humanos em sociedade perpassa por ambientes altamente
profícuos, seja em lugares pouco povoados, ou em pequenas comunidades. O mais importante
é perceber a ordem em que se vive e que é imposta pela própria comunidade. Pensando nisso, é
possível notar que em cada lugar existem regras e meios que devem ser levadas em consideração
para que a vida seja conduzida, coletivamente, em harmonia. Regras que, se seguidas pelas
pessoas, podem provocar uma organização capaz de manter a paz e o bem-estar, mesmo com o
convívio entre as adversidades e os posicionamentos contrários.
É sabido que todos dos cidadãos têm direitos e deveres. E, que um dos deveres é
respeitar o direito do outro. Sabendo disso, esse artigo tem por objetivo investigar as estratégias
pedagógicas adotadas pela docente que ensinava as estudantes surdas em sala de aula regular
sob a perspectiva inclusiva.
Para conhecer a realidade das estudantes surdas mais de perto, realizamos um
levantamento de dados estatísticos coletados nas bases de dados do Instituto Brasileiro de
Geograa e Estatística (IBGE, 2010), em que 9,7 milhões de pessoas no Brasil possuem
deciência auditiva. Levando esses dados para a região Nordeste, temos uma estimativa de
3 milhões de decientes auditivos concentrados nesta região. Com os dados apresentados,
percebemos que há uma grande quantidade de pessoas que fazem parte da comunidade surda
do Brasil.
A lei 10.436 de 24 de abril de 2002 é resultado de grandes lutas e se constitui como
uma das enormes conquistas da comunidade, uma vez que, através dela, temos o reconhecimento
da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Apesar da legitimação da Libras, sabemos que há muitos desaos que ainda precisam
ser superados, tais como: o ensino eciente da Língua Portuguesa na modalidade escrita
para essa comunidade, respeitando a sua língua de instrução; o oferecimento do acesso ao
ensino de Libras na matriz curricular nas escolas; entre outros fatores que emperram para o
desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes surdos. Mesmo com
esses desaos apresentados, estamos cientes, também, que há muitos avanços educacionais que
a comunidade surda tem conquistado paulatinamente.
1.1 a grande cOnquista dO universO das pessOas surdas
A comunidade surda já atravessou grandes desaos que impossibilitaram/proibiram,
até mesmo, sua forma própria de comunicação. No passado, os surdos eram impedidos de
construir suas verdadeiras identidades, eram isolados da sociedade por serem tidos como
estranhos, e até mesmo não humanos. Além disto, eram marginalizados e mortos, pois não
apresentavam o padrão exigido pela sociedade. Sobre isto, Strobel (2008, p.23) diz que “Na
Roma Antiga, os romanos herdaram dos gregos o amor pela perfeição física, os recém-nascidos
que apresentavam imperfeições evidentes eram sacricados; é possível que do mesmo modo
muitas crianças surdas não fugiram daquele destino bárbaro”.
Diante da armativa de Strobel (2008), perguntamo-nos como as crianças surdas e
familiares sobreviviam diante de tanta brutalidade? Precisariam nascer com “perfeição física
para dizer que eram humanos? Essas e outras interrogações caram sem respostas por muitos
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anos, e, coloca anos nisso! Mas a bravura das pessoas surdas era tanta que apesar de muitos
surdos terem sido sacricados, não silenciaram e lutaram como verdadeiros guerreiros para
conquistarem o poder de “voz” através daquela armadura que os libertou dos romanos: a língua
de sinais.
Com o passar do tempo, iniciou-se o processo de educação os surdos, no qual a
pretensão era ensiná-los a falar e a compreender o que se falava. Mesmo não sendo ainda a melhor
solução, buscava-se a total oralidade dos surdos, embora os surdos tivessem a consciência de
que não conseguiriam a construção de suas identidades próprias. Naquele período, acreditava-
se na possibilidade de transformar as pessoas surdas em pessoas que pudessem “falar” e “ouvir”.
Atualmente, as pesquisas mostram que essa ideia oralista de fazer o surdo “falar”
oralmente vem, a cada dia, caindo por “terra”, porque os próprios surdos que são protagonistas
dessa história vêm galgando os seus próprios espaços por meio da sua verdadeira identidade
linguística. Compreendemos, dessa maneira, que “A busca histórica pela inclusão escolar das
pessoas com deciência foi permeada de sentimento marcado pela obscuridade, enclausuramento,
sofrimento, insegurança, preconceito e sobrevivência.” (VITORINO, 2017, p.23).
De acordo com Vitorino (2017) a evolução da sociedade está acontecendo
gradualmente por intermédio dos meios de comunicação e interação entre as pessoas. Dentre
os que ganham lugar socialmente está a Língua Brasileira de Sinais, a qual se constituiu como
meio legal de comunicação e expressão, além de ser uma das maiores conquistas alcançada pela
comunidade surda brasileira.
Apesar das conquistas, há muito a ser feito pela comunidade surda, há muitos
obstáculos que essa comunidade enfrenta, tanto no contexto escolar quanto no contexto
social, político e linguístico. A exemplo disto, está relacionado a falta de recurso em cursos de
formação continuada para os docentes que ensinam a estudantes surdos, ressignicando suas
práticas pedagógicas. Todo grupo considerado “minoria” tem um lugar menos privilegiado,
percebemos isso na observação do cotidiano.
Nesse sentido, Vitorino (2017, p.35), arma que “O processo educativo tem
desigualdades sociais”. Corroboramos com Vitorino (2017), porque notamos que no sistema
educacional há tratamentos estigmatizados no aspecto linguístico relacionado ao estudante
surdo. É sabido, também, que isto ocorre nos espaços de aprendizados quando não existe
a devida dedicação em processos pedagógicos que atenda a necessidade de aprendizagem ao
estudante surdo ou ao estudante com outra deciência. Por isso, devemos pensar sobre o
mundo e os indivíduos em sociedade, assim, Morin (2011) menciona,
Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas estamos em uma
sociedade e a sociedade está em nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em
nós. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós
[...]. (MORIN, 2011, p. 04).
Não podemos considerar o padrão de pessoa e rejeitar a singularidade dos indivíduos.
Há uma preocupação maior com o que é considerado padrão, do que com a individualidade de
cada um. É perceptível, portanto, apesar das grandes conquistas já alcançadas pela comunidade
surda, que ainda há muito a se fazer, embora convivamos numa mesma sociedade. Desde o
momento do nosso nascimento, estamos inseridos em uma sociedade individualizada, cheia de
desigualdades e preconceitos:
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VITORINO, A. F.; SANTOS, M. G. S.; SOUZA, R. C. S.
[...]cada vez o individualismo aparece mais, estamos vivendo numa sociedade
individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que
desenvolve o egocentrismo, o egoísmo que, consequentemente, alimenta a
autojusticação e a rejeição ao próximo. (MORIN, 2011, p.08).
O individualismo é um dos entraves encontrados na educação dos estudantes surdos.
É que acontece um equívoco quando se trata de inclusão de estudantes surdos, tanto no
ambiente escolar, quanto nos meios sociais como um todo. Inserir um estudante surdo dentro
de uma sala de aula comum e considerar isso como sendo uma inclusão, sem ter nenhum
recurso pedagógico que possibilite seu aprendizado, é um pensamento errôneo quanto a este
conceito.
A inclusão tem de acontecer efetivamente, e não de forma “maquiada”, como algo
que está dando certo, e que na verdade não estão sendo alcançados resultados satisfatórios. É
preciso a análise do que realmente se constitui como inclusão escolar, para que seja construído
um pensamento diferente do que se tem atualmente.
A comunidade surda precisa ser tratada com mais notabilidade, de modo a conseguir
exercer sua verdadeira singularidade. Para isso, é necessária a possibilidade de utilização de
sua língua (Libras), que promova ao surdo viver sua cultura linguística. Assim, “necessitam
desta língua para representar sua identidade linguística e cultural nos espaços escolares. Neste
sentido, eles estudam em um ambiente de ensino desfavorável para seu desenvolvimento
identitário, cultural e linguístico” (VITORINO, 2017, p. 35). Corroboramos com o autor,
pois compreendemos que um ambiente favorável ao surdo é imprescindível para que consigam
exercer sua singularidade e sua identidade.
Não podemos deixar de mencionar que “A educação inclusiva se destina aos alunos
pertencentes a minorias sociais que, por diversos motivos, não estavam, anteriormente,
presentes nas escolas e salas de aula regulares”. (CROCHÍK, 2011, p.38 apud VITORINO,
2017, p. 21), e deste modo, precisa acontecer verdadeiramente.
A sociedade precisa despertar para os fatos atuais que estamos vivenciando. Várias
instituições de ensino ainda não acordaram para a realidade do ensino brasileiro e suas
urgências. “Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa,
mal percebemos o que se passa ao nosso redor”(MORIN, 2011, p. 8).
Pensando assim, embora não seja o foco de nossa pesquisa, não podemos deixar de
mencionar que a família é peça fundamental para o desenvolvimento da pessoa surda. Algumas
famílias de crianças surdas encontram-se, ainda, adormecidas e precisam entender melhor a
realidade de suas crianças e da comunidade surda. Mesmo com todo o avanço social, ainda
existem famílias que não querem que seus lhos surdos se vejam como surdos e os privam do
acesso à Libras. Consciente disto, Laboritt e Strobel armam que:
Os adultos ouvintes que privam seus lhos da língua de sinais nunca compreenderão o que se
passa na cabeça de uma criança surda. Há a solidão, e a resistência, a sede de se comunicar e
algumas vezes, o ódio. A exclusão da família, da casa onde todos falam sem se preocupar com
você. Porque é preciso sempre pedir, puxar alguém pela manga ou pelo vestido para saber, um
pouco, um pouquinho, daquilo que se passa em sua volta. Caso contrário, a vida é um lme
mudo, sem legendas. (LABORITT, 1994, p. 59. Apud STROBEL, 2008, p. 25).
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De acordo com as armações das autoras Laboritt e Strobel, compartilhamos uma
sensação angustiante de imaginar as pessoas surdas assistindo ao lme, sem a telinha com
o prossional intérprete de Libras e sem legenda da Língua Portuguesa. Com esse mesmo
pensamento de falta de acessibilidade, camos nos perguntando o quanto deve ser desaador
para os docentes e os estudantes surdos vivenciarem essa sensação de impotência psicológica,
social e intelectual diante do cenário de sala de aula sob uma perspectiva de inclusão. Segundo
Morin (2003, p. 2) “o nosso sistema educativo privilegia a separação em vez de praticar a
ligação”. Quando levamos isso para o ensino dos surdos, percebemos que ao invés de haver a
junção do ensino de Libras com o ensino de outras disciplinas, é feita uma separação radical,
o que também precisa ser mudado. A educação precisa interligar os conhecimentos, para que
possamos estabelecer um diálogo entre as diversas dimensões que o sistema educativo nos
apresenta.
2. O caminHO percOrridO das eXperiÊncias eXitOsas
O estudo versa pela abordagem qualitativa. A respeito disto, Flick (2009, p.25)
sustenta que “[a]pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodológico
unicado”. De acordo com Flick (2009), notamos a importância de pesquisar com esta
metodologia qualitativa, pois é capaz de permitir e acompanhar a realidade do objeto no
aspecto social, histórico e cultural. Com a intenção de conhecer o contexto do nosso objeto,
utilizamos como procedimento metodológico, o método do estudo de caso.
O método do estudo de caso possibilita um leque de estratégias de pesquisa. Sabendo
disso, podemos utilizar o método para descrever, bem como investigar os fenômenos que
acontecem no percurso individual, complexo e social das questões de pesquisa (YIN, 2015).
Na perspectiva de investigar o objeto, utilizamos como cenário de pesquisa uma
turma do 8º ano, numa escola da Rede Municipal da cidade de Arapiraca – Alagoas.
A construção da coleta de dados efetivou-se por intermédio da técnica da observação
nas aulas de Língua Portuguesa. Para isso, (ZAMBELLO et al, 2018) abordam a necessidade
da prática de observar por meio de uma sensibilidade de observação atenta, analisando os fatos
e/ou objetos que se pretendem investigar.
Neste sentido, utilizamos como instrumento metodológico, a técnica de entrevista
semiestruturada. Sobre isto, (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1999), especicam
que as entrevistas estruturadas ou semiestruturadas permitem utilizar fontes que geram:
aprofundamento em pesquisas já realizadas; agregar as teorias; realização de observações;
permissão de conversas informais; além de possibilitar a aproximação do seu objeto (pais,
professores, família), entre outras fontes investigativas.
Pensando nisto, na nossa pesquisa utilizamos a entrevista estruturada e semiestruturada
que foi direcionada à professora que ensinava a disciplina de Língua Portuguesa da sala de aula
no ensino regular e à prossional intérprete de Libras, ambas as participantes da pesquisa que
contribuem para o aprendizado do estudante surdo. Para a entrevista, elaboramos um roteiro
com perguntas abertas e fechadas, previamente preparadas, que serviram como parâmetro de
entrevista. A seguir, serão mostradas as situações presenciadas no decorrer da pesquisa com a
utilização dos métodos apresentados.
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2.1 dadOs cOletadOs a partir de uma visita à secretaria municipal de educaÇÃO
Através de uma visita realizada à SMED - Secretaria Municipal de Educação do
município de Arapiraca, em 2019, foram buscadas informações sobre as escolas desta cidade
que comportam alunos surdos. Os dados coletados, fornecidos pela Secretária de Educação
Especial, foram os seguintes:
34 alunos fazem acompanhamento no Centro de Atendimento às Pessoas com
Surdez – CAS da cidade, dos quais 13 não estão inseridos no ensino regular;
8 alunos participam de uma turma de Educação de Jovens e Adultos – EJA, que
funciona à noite, na Escola de Ensino Fundamental Hugo José Camelo Lima.
Essa mesma escola comporta mais alguns alunos surdos espalhados do 6° ao 9°
ano;
Os surdos matriculados no ensino regular do município de Arapiraca são de 20
a 30, distribuídos em várias escolas.
Esses dados representam um conjunto de informações coletadas através de experiências
cotidianas da própria SMED do setor de Educação Especial, somada ao senso de 2018, já que,
até o momento da pesquisa, ainda não tinham resultados do senso do ano corrente (2019).
2.2 visita à escOla nO municípiO de arapiraca – alagOas
Com as informações fornecidas pela SMED observamos duas estudantes surdas
(chamaremos aqui de A1 e A2), na Escola de Ensino Fundamental Hugo José Camelo Lima.
As observações foram realizadas em uma turma de 8° ano, que comporta além dos estudantes
ouvintes, as estudantes surdas A1 e A2. A professora de Língua Portuguesa (LP) é ouvinte e
conta com o auxílio de uma intérprete de Libras.
As estudantes surdas A1 e A2 ocupavam as primeiras carteiras, cando visíveis a elas
tanto a intérprete de Libras (que cava bem à frente), como a professora de LP. O conteúdo
foi trabalhado por meio de um ditado realizado com o uso da letra “S” e do “SS”. Dessa
forma, como um ditado tradicional, a professora falava as palavras e a intérprete sinalizava
em Libras. Quando a Libras “não dava conta” de fazer as estudantes surdas entenderem, a
intérprete utilizava a prática da gesticulação, de modo que houvesse o entendimento por parte
das estudantes surdas. Porém, mesmo recorrendo a gesticulações, em alguns momentos, as
estudantes A1 e A2 não conseguiam entender a palavra que estava sendo solicitada no ditado;
quando isso acontecia, passava-se para a próxima palavra, e não se buscava outra forma de
esclarecimento.
Esse tipo de atividade de sala utilizando o método tradicional conduziu as estudantes
surdas a escreverem poucas palavras, em comparação à quantidade que o ditado continha. As
estudantes surdas A1 e A2 focavam seus olhares na intérprete de Libras, pois a professora de
LP apenas falava, não apresentava nenhum recurso visual, nem gesticulação. Após o término
do ditado e sua correção, foi passada uma atividade, que, por conta do tempo, não foi possível
realizar em sala, cando como atividade para casa.
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A intérprete de Libras mantinha uma boa interação com as estudantes surdas.
Porém, não era usado por ela nenhum outro recurso que pudesse esclarecer, a não ser a Libras
e gesticulações, o que torna o aprendizado desaador para as duas estudantes surdas. Em vários
momentos as estudantes surdas não conseguiam entender o que estavam sendo dito.
Um outro ponto de observação é que a escola observada não tinha o professor de
Atendimento Educacional Especializado – AEE, tornando ainda mais desaador tanto o ensino
como aprendizagem das estudantes surdas da escola. É importante destacar que a interação dos
estudantes ouvintes com as estudantes surdas A1 e A2 era muito pouca, visto que os ouvintes
recorriam à intérprete para interagirem com A1 e A2.
2.3 as ObservaÇões aOs prOFissiOnais que estÃO em sala de aula cOm as estudantes
surdas
As observações em sala de aula com as estudantes surdas permitiram investigar
como acontece a prática de ensino da professora de Língua Portuguesa na escola supracitada.
Quando colocamos o foco de vericação nas estudantes surdas, percebemos o quanto as
escolas e prossionais falham em relação ao ensino efetivo. Notamos que a professora de LP
não tem conhecimentos em Libras, além de nunca ter participado de nenhuma capacitação/
especialização, na escola, com temática referente à educação de surdos. Essas armações
estão de acordo com as respostas das perguntas realizadas durante a entrevista realizada com
a professora. Desse modo, serão expostas a seguir algumas das perguntas feitas, juntamente
com suas respostas, para que possamos ter uma maior visão da prática realizada na escola.
Elaboramos um QUADRO 1, apresentando todas as perguntas que zemos e as respostas
dadas pela professora de LP, participante da pesquisa, 2019:
QUADRO 1 - ENTREVISTA COM A PROFESSORA DE LP (LÍNGUA
PORTUGUESA)
Perguntas do entrevistador
Dados da entrevista com a professora de LP
(2019)
1 - Como é feita a comunicação entre o professor
de sala de aula comum e as estudantes surdas?
“Por meio de um intérprete”.
2 - Qual a metodologia de ensino adotada pela
professora de sala de aula de ensino regular?
“Com a ajuda do intérprete, procuro ser o mais
clara possível, para que haja compreensão”.
3 - Quais os recursos didáticos para o ensino de
Língua Portuguesa que você utiliza para atender
essas estudantes surdas?
“Lousa, pincel marcador, apostila, apagador.
Creio que o visual ajuda no desenvolvimento da
aprendizagem.”.
4 - Qual o procedimento avaliativo utilizado por
você no tocante as estudantes surdas?
“Trabalhos em grupo, provas, acompanhamento
do conteúdo através do caderno.
FONTE: Dados da entrevistada, 2019
Conforme os dados disponibilizados no QUADRO 1, a professora de LP não
utilizava nenhum recurso pedagógico visual em suas aulas. A docente tomava com base de
ensino o auxílio da intérprete de Libras. Ainda que, em uma de suas respostas, a professora
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VITORINO, A. F.; SANTOS, M. G. S.; SOUZA, R. C. S.
cite o visual como ajuda para que a aprendizagem se desenvolva, em nenhum momento
ela menciona utilizar recurso visual nas aulas. A ausência de tais recursos diculta muito a
compreensão das estudantes surdas A1 e A2 em relação ao conteúdo da aula, comprometendo
seus aprendizados. O único meio de entendimento que as estudantes surdas têm é a intérprete
de Libras. Ademais, não podemos deixar de mencionar que no momento de avaliação realizada
pela professora com as estudantes surdas, a docente também não utiliza recursos visuais. Um
roteiro de perguntas também foi realizado com a “Intérprete de Libras”. É importante destacar
uma de suas respostas que coloca em evidência a importância de especializações em Libras:
Na sua opinião com essa perspectiva de inclusão trabalhada na escola, os alunos
surdos conseguem aprender os conteúdos transmitidos em sala de aula? “Às vezes
é muito difícil, pois os professores não sabem se comunicar com eles e expressar”
(Dados da entrevista, intérprete de Libras, 2019).
Assim sendo, é evidente a importância da especialização/formação de professores
em Libras, além da importância do oferecimento da Língua nos ambientes escolares, pois,
como bem menciona Vitorino (2017, p.21) “se faz necessário o esclarecimento da educação
bilíngue em espaços escolares que servirá de chave para a compreensão do diálogo acerca da
educação dos surdos”. Por isso, em relação à sala de aula observada, verica-se que nenhum dos
estudantes ouvintes – com exceção da intérprete – têm conhecimentos em Libras, e desta forma
não se mostram capazes de manterem uma comunicação efetiva com as estudantes surdas.
3. Ótica dOs pesquisadOres
Notamos que existem grandes desaos das estudantes surdas observadas, tanto
em relação ao aprendizado, quanto à interação social. Foi perceptível que, apesar de ter uma
intérprete em sala, em vários momentos não era dada a devida importância/assistência ao
aprendizado das estudantes surdas.
Ao analisarmos todo o contexto escolar em que esta pesquisa ocorreu, vimos o quão
importante é a presença da intérprete de Libras na sala de aula para que a comunicação entre
as estudantes surdas A1 e A2 e os estudantes ouvintes acontecesse. Nas observações realizadas,
houve um momento que a intérprete de Libras se ausentou da sala de aula por alguns minutos,
momento em que toda a interação entre estudantes ouvintes e estudantes surdas paralisou,
retornando apenas quando a intérprete voltou à sala. Com isso, é visível a falta de interação
sem esse auxílio, uma vez que não existia a utilização de nenhum outro recurso que ajudasse no
diálogo entre as duas comunidades.
De acordo com a construção dos dados percebemos que não existe a verdadeira inclusão
das alunas surdas observadas. Essa é uma realidade que cerca a maioria dos estudantes surdos
brasileiros. Devemos pensar como sociedade, e discutir ainda mais o ensino e aprendizagem
das pessoas surdas, assim como suas inclusões em todos os ambientes sociais. É necessário
incluir a Libras como disciplina na grade curricular de toda educação básica de ensino, desde a
educação infantil ao ensino médio. Assim, todos, estudantes surdos ou não, se familiarizariam
com a língua de sinais que é reconhecida no Brasil. É necessário levar esta língua para o sistema
educacional como um todo e apresentá-la ao estudante surdo como sua primeira língua e não
como uma língua complementar (segunda língua).
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Segundo Morin (2011, p.3) “nós seguimos em primeiro lugar, um mundo formado
pelo ensino disciplinar”, segue dizendo que “[...] o ensino por disciplina, fragmentado e
dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar, é essa capacidade
que deve ser estimulada e deve ser desenvolvida pelo ensino de ligar as partes ao todo e o todo
às partes.” (MORIN, 2011, p.4).
Com base na armativa de Morin (2011), podemos entender que a comunidade
surda é uma das partes que constitui a sociedade, fazendo-se necessário que no ensino como um
todo, seja incluído também aquilo que o favoreça. Além disso, é preciso levar em consideração o
contexto no qual estamos vivendo e perceber que é urgente a verdadeira inclusão dos estudantes
surdos em todos os ambientes educacionais e sociais.
4 algumas cOnsideraÇões
O ensino para os estudantes surdos deve ser considerado por toda sociedade. Com os
dados que já foram mencionados, podemos perceber a quantidade aproximada de estudantes
surdos que temos no Brasil, assim como os desaos que enfrentaram e continuam enfrentando.
Não podemos continuar com os olhos vendados em relação à realidade que nos cerca. Para
que a inclusão aconteça de forma efetiva, é necessário o uso de recursos visuais, assim como
o acesso à Libras em todos os espaços educacionais e sociais. É necessário o oferecimento de
especializações, capacitações. Além disto, é preciso que todos os prossionais da educação
coloquem-se ao dispor de todos os estudantes presentes na sala de aula, e assim, busquem meios
que contemplem a todos, fazendo parte da comunidade de pessoas surdas ou de qualquer outra
comunidade. É importante também que cada professor vigie a necessidade de cada aluno que
constitui a sala de aula, para que possa atender a necessidade de cada um.
Há enormes desaos em relação ao ensino da Língua Portuguesa como modalidade
escrita para pessoas surdas, principalmente quando querem que esta língua seja tratada, pelo
surdo, como sua primeira língua. Como sabemos a lei nº 10. 436 torna a Língua Brasileira
de Sinais como meio legal de comunicação, e esta sim deve ser a primeira língua (L1) da
comunidade surda. O que é acessível precisa ser reconhecido, por isso é preciso buscar formas
para incluir efetivamente o estudante surdo em todos os ambientes sociais, seja ele educacional,
político, entre outros.
Não podemos reduzir o outro e achar que apenas o que nos favorece é o que importa,
pois “A redução do outro é o que impede a compreensão, a visão unilateral” (MORIN, 2003, p.
8). Percebemos que a comunidade surda tem diversos direitos acobertados por lei, porém não
estão sendo exercidos efetivamente pelos surdos.
Precisamos aprender a compreender o outro e sua singularidade, para que consigamos
nos comunicar efetivamente, e para que exerçamos os nossos direitos sem negar os direitos dos
outros. Além disso, os indivíduos precisam se conscientizar de que os surdos têm uma língua
própria, e que podem exercer esta língua efetivamente.
Ainda seguindo no pensamento de inclusão, o bilinguismo (Português/Libras) é algo
que pode levar os estudantes surdos a desenvolverem-se em uma trajetória de conquista tanto
no ambiente escolar, quanto nos demais ambientes. Os surdos precisam exercer suas verdadeiras
identidades. Deste modo, é imprescindível que seja dada à pessoa surda a possibilidade de
36 Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 9, n. 1, p. 27-36, Jan.-Jun., 2022
VITORINO, A. F.; SANTOS, M. G. S.; SOUZA, R. C. S.
buscar sua verdadeira identidade. O reconhecimento de que na nossa sociedade convivemos
com pessoas de diferentes singularidades é um passo signicativo para a compreensão humana.
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