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MAFEZOLLI, Elisiane; PRADO, Jorge Moisés Kroll do. Os Lugares de Memória na Produção Científica da Ciência
da Informação. Brazilian Journal of Information Science: research trends, vol. 17, publicação contínua, 2023,
e023030. DOI: 10.36311/1981-1640.2023.v17.e023030
OS LUGARES DE MEMÓRIA NA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
The places of memory in the scientific production of Information Science
Elisiane Mafezolli (1), Jorge Moisés Kroll do Prado (2)
(1) Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil, elisiane@unifebe.edu.br
(2) jorge.exlibris@gmail.com
Resumo
Lugares de memória são espaços destinados à manutenção e preservação das informações, objeto daquele
local. Um lugar digital de memória, além de preservá-la, oportuniza o acesso, de qualquer lugar, em
qualquer tempo. A Ciência da Informação auxilia esses lugares na organização, armazenamento,
recuperação, transmissão e utilização da informação, identificando-a como área interdisciplinar. O objetivo
dessa pesquisa foi identificar a produção científica em torno do objeto lugar de memória e a sua relação
com a Ciência da Informação, motivados principalmente pela hipótese de uma baixa produção em torno do
assunto mesmo com uma consistência teórica da Ciência da Informação e suas correntes de pensamento.
Para o alcance do objetivo, foram realizadas pesquisas por meio de buscas com combinação de palavras,
nos idiomas português, inglês e espanhol, nas bases: Base de Dados em Ciência da Informação, SCOPUS,
Scientific Eletronic Library Online e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, tendo como
requisito o texto completo. A partir dos resultados encontrados, foram selecionados 24 artigos de periódicos
e 14 dissertações de mestrado e três teses de doutorado. A leitura dos artigos selecionados nos levou a
concluir que a preocupação dos autores com o tratamento dado à informação, seja com sua guarda,
preservação ou disseminação; a interdisciplinaridade com áreas como memória; e o quanto as tecnologias
da informação podem contribuir para criação de espaços digitais de memória, além de preservar também a
informação contida nos documentos.
Palavras-chave: Ciência da Informação; Memória; Documento; Lugar Digital de Memória.
Abstract
Places of memory are spaces destined for the maintenance and preservation of information, the object of
that place. A digital place of memory, besides preserving it, provides the opportunity to access it from
anywhere, at any time. Information Science helps these places in the organization, storage, retrieval,
transmission and use of information, identifying it as an interdisciplinary area. The objective of this research
was to identify the scientific production around the object place of memory and its relationship with
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Information Science, motivated mainly by the hypothesis of a low production around the subject even with
a theoretical consistency of Information Science and its currents of thought. To reach the objective, research
was carried out through word combination searches in Portuguese, English and Spanish, in the following
databases: Information Science Database, SCOPUS, Scientific Eletronic Library Online and Brazilian
Digital Library of Theses and Dissertations, with the requirement of a full text. From the results found, 24
journal articles and 14 master's theses and three doctoral dissertations were selected. The reading of the
selected articles led us to conclude that there is the concern of the authors with the treatment given to
information, whether with its safekeeping, preservation or dissemination; the interdisciplinarity with areas
such as memory; and how information technologies can contribute to the creation of digital memory spaces,
besides also preserving the information contained in the documents.
Keywords: Science Information; Memory; Document; Digital memory place.
1 Introdução
Lugares de memória podem ser caracterizados como espaços destinados à preservação e
manutenção de registros e informações que podem ser institucionais, pessoais ou coletivas.
Conforme os esforços em preservá-la aumentam, criam-se mais espaços destinados com um
objetivo em comum: a sua salvaguarda. Além dos museus, surgem os centros de memória,
arquivos, acervos culturais, entre outros, que têm como característica “a reunião, a preservação e
a organização de arquivos e coleções [...] e de conjuntos documentais diversos [...] reunidos sob o
critério do valor histórico e informativo, em torno de temas ou de períodos da história” (Camargo
1999 p. 50).
Nota-se que um aspecto importante dos documentos é o seu conteúdo. Através desse
suporte, é possível identificar inúmeras informações que podem estar nos mais diversos formatos
como “textos, imagens, sons, sinais em papel/madeira/pedra, gravações, pinturas, incrustações e
outros. (Fachin 2006 p. 146). Essas informações, por sua vez, trazem aspectos do passado,
podendo contar uma história há muito esquecida, ou ainda nem conhecida.
A preservação desses documentos que possuem memória/informação do passado, deixou
de ser apenas de modo físico. A digitalização, por exemplo, veio como mais uma forma de manter
a memória, além de facilitar a acessibilidade. Esses acervos digitalizados, passam a compor um
‘espaço digital de memória’ ou também chamado de ‘lugar digital de memória’. Esses locais,
popularmente falando, também podem ser os chamados repositórios, museus, arquivos ou
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bibliotecas virtuais, uma página web com conteúdo histórico, enfim, ambientes virtuais que
contenham informações de memória digitalizadas.
É importante ressaltar que a Ciência da Informação (CI), na sua característica e
desenvolvimento interdisciplinar, é responsável por auxiliar os profissionais que trabalham com a
guarda de documentos a partir dos contributos teóricos que recebeu em sua fase embrionária da
Documentação. É dela que advém a orientação para guarda, preservação, organização,
processamento da informação e de todos os outros aspectos responsáveis para a curadoria desses
materiais.
Dito isso, o objetivo dessa pesquisa é identificar a produção científica em torno desses
lugares de memória e sua relação com a Ciência da Informação. Justifica-se por investigar o quanto
o assunto tem sido discutido e com que frequência esses lugares têm sido criados, planejados e
utilizados.
Sendo assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e descritiva sobre o tema nas
seguintes bases de dados de artigos científicos: Base de Dados Referenciais de Artigos de
Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), SCOPUS e Scientific Eletronic Library Online
(SCIELO); e também na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) enquanto
espaço de produção de trabalhos de conclusão em nível de pós-graduação.
Previamente ao levantamento da produção científica e sua análise, viu-se a necessidade de
versar sobre alguns conceitos-chave, distribuídos nas seções a seguir: memória, lugar de memória,
informação e Ciência da Informação.
2 Lugares de memória
Por memória, entende-se a capacidade de reter e recordar fatos ocorridos, remetendo às
informações daqueles momentos. Le Goff (2003 p. 419) destaca que A memória como
propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de
funções psíquicas, graças as quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas.”.
Essas informações são essenciais para a construção do que somos hoje e, por essa razão, faz-se
necessário ações de preservação dessa memória, pois memória esquecida, é memória perdida.
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E esquecer, é irremediável. Para Ricoeur (2007) o esquecimento é o inimigo da memória:
é a perda irreparável do acesso aos rastros deixados pelas experiências vividas e sentidas. Os
rastros, segundo ele, são os resquícios de algo que nos marcou e que persistem em nosso espírito
e que, consequentemente, não nos deixa esquecer. Porém, a ameaça do apagamento desses
rastros, o que causa o esquecimento definitivo. E é por conta disso, o esforço em se trabalhar pela
memória.
É por conta da sombra contínua do esquecimento, que se fazem os lugares de memória.
Esclarece Nora (1993 p. 8) “Se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de
lhe consagrar lugares”. Em seu interior esses lugares precisam caracterizar as vivências, as
crenças, a cultura, os costumes de alguém, algo ou alguma determinada sociedade. E complementa:
Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. [...] Museus, arquivo, cemitério
e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos,
santuários, associações, são os marcos testemunhais de uma outra era [...] Os
lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversario,
organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas [...] (Nora 1993
p. 12-13)
Essa busca constante em registrar o passado em algum suporte, indica como a memória
precisa de lugares “concretos” para continuar “viva”. Pierre Nora (1993 p. 7), afirma que “Há
locais de memória, porque não mais meios de memória.”, ou seja, é necessário mantê-la em
algum suporte e armazená-la em espaços físicos ou digitais, na tentativa de fazê-la sobreviver ao
esquecimento. A esses espaços construídos, Nora denomina “lugares de memória”, que são,
portanto, lugares que “[...] se organizam para servir de apoio à salvaguarda da materialidade
simbólica concebida como elemento de representação coletiva.” (Silveira 2007 p. 44).
Caracterizam-se dessa maneira, as bibliotecas, os arquivos e os museus. Diante do percurso
histórico, esses lugares físicos de memória tradicionais, foram erguidos primeiramente com o
intuito de salvaguardar os registros deixados em algum suporte.
No Renascimento, o crescente interesse pela produção humana, possibilitou o surgimento
dos primeiros tratados para a curadoria dessa “materialidade simbólica concebida”. As bibliotecas,
os arquivos e os museus, m como características “[...] a reunião, a preservação e a organização
de arquivos e coleções [...] reunidos sob o critério do valor histórico e informativo [...] (Camargo
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1999 p. 50). A partir disso, passou-se a tratar esses objetos com o interesse de guarda, preservação
e disponibilização às gerações futuras.
Mas foi no final do século XVIII, com a Revolução Francesa, que esses espaços sofreram
profundas transformações. O nacionalismo passa a compor os Estados modernos, surgindo assim,
as primeiras coleções; a aquisição e o acúmulo de acervos; e, a necessidade de pessoal qualificado
em cada campo, possibilitou o surgimento dos primeiros cursos profissionalizantes (Araújo 2014).
Já com o pensamento positivista da era Moderna, nota-se uma distinção crescente entre os
arquivos, as bibliotecas e os museus. Cada área passa a priorizar suas técnicas particulares de
tratamento de seus respectivos acervos: a Arquivologia com as técnicas arquivísticas; a
Biblioteconomia com as ciências das técnicas biblioteconômicas; e a Museologia, com a ciências
das técnicas museológicas (Araújo 2014).
As transformações em diversas áreas como as sociais, tecnológicas e políticas, ocorridas
ao longo do século XX, possibilitaram o aumento da produção científica, o surgimento das
tecnologias digitais e a interdisciplinaridade entre a Biblioteconomia, a Arquivologia e a
Museologia, transformando também, a esfera de atuação destes profissionais (Araújo 2014). Esses
lugares físicos de memória, que antes eram limitados apenas à conservação e pesquisa, tiveram
suas funções alteradas de maneira que, hoje, a comunicação com o público tornou-se um dever
(Martins e Dias 2019).
A partir dessas transformações, surgem novos lugares físicos de memória: Centros de
Memória e Acervos Culturais são exemplos de novas instituições na área. Mesclam-se, dessa
forma, os espaços e as atividades, e o que antes era próprio de cada campo, passa a ser
interdisciplinar “[...] um pouco museus, um pouco arquivos, um pouco bibliotecas [...]” (Dodebei
2011 p. 2).
Os lugares físicos de memória possuem acervos documentais que retratam finalidades
distintas, com documentos dos mais variados tipos: papeis, fotografias, mapas, tecidos, áudios,
entre outros. A esses suportes capazes de manter materialmente a memória, seja institucional,
pessoal, ou de uma sociedade, chamamos de documento.
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Salvaguardar um documento não é tarefa simples. Segundo o Tesauro Brasileiro de Ciência
da Informação, preservar um documento não é somente protegê-lo, mas também proteger a
“informação que eles contêm, por meio de ações que minimizem a deterioração química e física
dos mesmos, bem como impeçam a perda de seus conteúdos informacionais.” (Pinheiro e Ferrez
2014 p. 26).
Dentre os diversos esforços para a preservação da memória, a digitalização dos acervos é
um caminho que muitas instituições estão adotando. Preservar digitalmente a memória garante a
proteção da “inteligência social para a nossa e para as gerações futuras” (Siebra e Borba 2021 p.
27), garantindo que o documento permaneça em sua forma íntegra, viabilizando seu acesso de
forma remota, de qualquer lugar, em qualquer tempo.
Digitalizar, é tornar o físico, digital. Um documento digitalizado, auxilia na preservação
dos documentos físicos pois, o manuseio indevido pode causar danos irreversíveis. No mais, se
além de digitalizado, for disponibilizado online, em uma plataforma acessível, o alcance que esse
documento terá, será maior do que somente acondicionado em espaços físicos
A digitalização pode proporcionar um universo de possibilidades, desde o
acesso facilitado e instantâneo por mais de um usuário até a renovação de seus
significados a partir da inserção de novos contextos, o que acaba por gerar
interpretações e formas de utilização inéditas. (Martins e Dias 2019 p. 1)
O indivíduo que se valer desses novos acessos de memória, pode ressignificar
conhecimentos que possuía ou, até mesmo, criar novos conhecimentos e memórias. Dessa forma,
um ambiente digital pode ser considerado um espaço de memória: ou, em outras palavras, um
‘espaço digital de memória’.
3 Ciência da Informação
Devido ao grande número de autores que procuraram definir o que é a informação e o que
é a Ciência da Informação, adotou-se para esta pesquisa, o conceito de informação de Rafael
Capurro, e o conceito de Harold Borko para a Ciência da Informação.
Capurro afirma que o conceito de informação pode ser entendido a partir de três
paradigmas: o físico, caracterizado como o suporte onde ela está inserida e transmite a informação
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a um receptor; o cognitivo, que considera o que esem espaços cognitivos mentais do sujeito; e
como paradigma social, onde a informação está relacionada com a interação entre os distintos
grupos sociais que constituem uma comunidade (Capurro 2003).
No conceito de paradigma físico a informação surge através de sua dimensão material: sua
existência sensível em algum suporte, ou, popularmente “o que vemos”. Esse conceito teria
surgido a partir da teoria da informação de Claude Shannon e Warren Weaver, onde uma espécie
de objeto físico, chamado por Shannon de mensagem, que é transmitido de um emissor para um
receptor (Capurro 2003). Essas mensagens deveriam ser reconhecidas pelo receptor sem
interferência de qualquer coisa que perturbe a transmissão e a codificação, porém, tendo em vista
que ruído, faz-se necessário uma série de seleções que implicam essa codificação. A essa
seleção dá-se o nome de informação (Capurro 2003).
O paradigma cognitivo surgiu a partir da teoria dos três mundos de Karl Popper, a saber: o
físico, o da consciência ou dos estados psíquicos, e o do conteúdo intelectual (Capurro 2003). Essa
teoria relaciona o que o sujeito sabe, com aquilo que ele está passando a conhecer, e dessa forma,
altera o que ele sabia, gerando assim, um novo conhecimento (Araújo 2010).
o conceito da informação como paradigma social, trata a informação não como de um
sujeito, de forma separada, mas sim como algo construído das interações entre os vários sujeitos
(Araújo 2010). Capurro (2003), corroborando essa visão, traz a crítica que Heidegger faz à
separação entre sujeito cognoscente e o mundo exterior que alguns teóricos desenvolveram,
apontando que existir já significa estar socialmente envolvido em relações sociais com os outros e
com as coisas.
A Ciência da Informação em seus primórdios, além da guarda de documentos, se
preocupava com a circulação, disseminação e uso dos mesmos: mais tarde, o foco voltou-se para
o conteúdo desses documentos. Inicialmente muitas das preocupações teórico-práticas da área
atrelavam-se aos fluxos informacionais, especificamente o tratamento e a recuperação da
informação.
Borko (1968) esclarece que a Ciência da Informação é uma disciplina investigativa do
comportamento informacional, dos fluxos e dos significados dos processos da informação,