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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
contínua, 2023, e023028. DOI: 10.36311/1981-1640.2023.v17.e023028.
DESAFIOS DA ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO
NA BIBLIOTECA PRISIONAL BRASILEIRA
Challenges for the librarian’s performance in the Brazilian prison libraries
Francisca Liliana Martins de Sousa (1), Maria Giovanna Guedes Farias (2)
(1) Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil, lilianams@crateus.ufc.br;
(2) mgiovannaguedes@gmail.com
Resumo
Trata-se de resultado de pesquisa de dissertação desenvolvida com o objetivo de analisar a prática
bibliotecária no ambiente prisional, considerando os desafios e possibilidades de melhoria para atuação
nesse local. O percurso metodológico adotado resulta em um estudo guiado pela abordagem qualitativa, de
natureza exploratória e com objetivo descritivo. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se o
questionário e para analisar os dados pautou-se na análise de conteúdo com o estabelecimento de categorias.
Os resultados evidenciaram que a inexistência do cargo de bibliotecário prisional é percebida como um dos
maiores obstáculos para a prática bibliotecária na prisão. Além disso, os sujeitos participantes da pesquisa
destacaram dificuldades quanto ao aspecto financeiro e falta de discussão no âmbito da formação. Conforme
demonstram os resultados desta investigação, o primeiro aspecto que poderia favorecer a atuação do
bibliotecário no sistema prisional seria a legitimação da profissão, com a inclusão do cargo no quadro
funcional do Departamento Penitenciário. Conclui-se que, mesmo diante das dificuldades alguns
bibliotecários aceitam o desafio de assegurar as pessoas em privação de liberdade o direito ao livro e à
leitura, assumindo um papel que deveria ser do poder público. Ademais, entende-se que é necessária uma
junção de forças que englobe desde o poder público, as instituições de classe, as escolas de formação e a
sociedade civil para que a atuação do bibliotecário possa ser realizada de forma efetiva nas bibliotecas
prisionais, contribuindo para promover a apropriação da informação e da leitura, o desenvolvimento do
pensamento crítico e a autonomia da pessoa privada de liberdade.
Palavras-chave: Biblioteca prisional; bibliotecário; mediação da informação no cárcere; prática
bibliotecária no sistema prisional brasileiro.
Abstract
This is the result of a dissertation research developed with the objective of analysing the librarian practice
in the prison environment, considering the challenges and possibilities for improvement in this place. The
methodological course adopted results in a study guided by a qualitative approach, of an exploratory nature
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Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
contínua, 2023, e023028. DOI: 10.36311/1981-1640.2023.v17.e023028.
and with a descriptive objective. As an instrument for data collection, a questionnaire was used and to
analyse the data, content analysis was based on the establishment of categories. The results showed that the
lack of a prison librarian position is perceived as one of the biggest obstacles to librarian practice in prison.
In addition, the subjects participating in the research highlighted difficulties regarding the financial aspect
and lack of discussion within the scope of training. As shown by the results of this investigation, the first
aspect that could favour the work of the librarian in the prison system would be the legitimization of the
profession, with the inclusion of the position in the staff of the Penitentiary Department. It is concluded
that, even in the face of difficulties, some librarians accept the challenge of assuring people in deprivation
of liberty the right to books and reading, assuming a role that should belong to the public authorities. In
addition, it is understood that a joining of forces is necessary, ranging from public authorities, class
institutions, training schools and civil society so that the librarian's work can be carried out effectively in
prison libraries, contributing to promote the appropriation of information and reading, the development of
critical thinking and the autonomy of the person deprived of liberty.
Keywords: Prison library; librarian; mediation of information in prison; librarian practice in the Brazilian
prison system.
1 Introdução
Apesar de comumente destacarmos a garantia da biblioteca prisional a partir da Lei de
Execução Penal (LEP) de 1984 e da sua ratificação pela Constituição Federal de 1988, esse
instrumento tem seu estabelecimento bem anterior a isso, em 1824, ainda no decreto imperial
8.386, em seu artigo 277, onde é estabelecido que poderá haver biblioteca para o uso dos presos
com leitura edificante e amena (Brasil, 1824).
Portanto, a biblioteca prisional no âmbito das prisões brasileiras não é algo recente. No
entanto, esta temática tem ganhado um maior espaço para pesquisas no contexto da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação (CI) na contemporaneidade. É válido destacar que
recentemente foi possível identificar uma pesquisa do ano de 1967 de autoria da pesquisadora
Carmem Pinheiro de Carvalho no Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação
(CBBD) relacionado a biblioteca na prisão.
Entretanto, ao pesquisar nas bases de dados dessas áreas, como no caso da Base de Dados
em Ciência da Informação (Brapci), percebe-se que o aumento do número de publicações sobre
biblioteca prisional provém principalmente dos últimos cinco anos, o que vem ao encontro
justamente da criação do grupo de trabalho sobre bibliotecas prisionais pela Federação Brasileira
de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (Febab) no CBBD
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realizado em Fortaleza em 2017, e no ano seguinte o grupo de trabalho se constitui na Comissão
Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP).
Em meio a isso, um aspecto permanece inalterado ao longo da premissa da existência da
biblioteca nos estabelecimentos penais no Brasil: a atuação do bibliotecário nesse ambiente ainda
persiste com de caráter meramente assistencialista, pois mesmo a biblioteca sendo assegurada por
lei, o cargo de bibliotecário não integra o quadro funcional do Departamento Penitenciário
Brasileiro (Depen), que regulamenta as contratações e concursos dos profissionais que atuam no
sistema prisional da país.
Diante disso, o bibliotecário que se dispõe a atuar para promover ações no contexto das
bibliotecas prisionais, que envolvem o livro, a leitura, o fomento a educação prisional e a remição
de pena por meio dos estudos e da leitura, o faz majoritariamente de forma voluntária, por acreditar
que o seu trabalho nesse ambiente pode fazer a diferença e promover uma mudança no cotidiano
das pessoas presas.
No entanto, toda essa conjuntura, em consonância com a própria estrutura das prisões
brasileiras, que prima pela segurança, pela punição, pela normatização do(a) apenado(a) para uma
vida no cárcere, torna a atuação do bibliotecário uma tarefa complexa e suscita o enfrentamento
de diversos desafios a serem superados para que a prática bibliotecária ocorra efetivamente no
ambiente prisional.
Perante o exposto, esta pesquisa tem como objetivo analisar a atuação do bibliotecário no
cárcere, considerando os desafios e as possibilidades de melhoria para a atuação nesse local, com
base na percepção de bibliotecários que atuam ou atuaram no ambiente prisional brasileiro. A
amostra da pesquisa resultou em nove participantes, que integraram um levantamento realizado
em 2020 pela CBBP, para identificar profissionais que atuavam ou atuaram com a leitura nos
ambientes com privação de liberdade no país.
2 Biblioteca prisional: breve contextualização
A biblioteca prisional está instituída por lei no Brasil desde 1984 por meio da LEP, e a
garantia também foi reafirmada pelo art. 21, capítulo V, da Constituição Federal de 1988, o qual
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determina que devem existir bibliotecas nos estabelecimentos penais para todas as categorias de
reclusos, com livros instrutivos, recreativos e didáticos (Brasil, 1988). Em 2015, por meio da Lei
13.163, que institui o ensino médio nas prisões, a biblioteca prisional ganhou mais relevância
no contexto da LEP, sendo assim endossados a determinação de sua existência e o seu
funcionamento no cárcere. Desse modo, concorda-se com Costa et al (2016, p. 875) quando
enfatizam que a “[...] Biblioteca Prisional não é regalia para detento algum, mas prerrogativa
prevista por Lei mais de 30 anos [...]”, direito desconhecido por muitos e não garantido de
acordo com o determinado, que é atender às necessidades das pessoas em privação de liberdade.
O silêncio que imperou por muito tempo sobre as bibliotecas prisionais vem aos poucos
sendo rompido no contexto da CI e da Biblioteconomia brasileira, seja por meio do aumento das
publicações científicas, seja com o incremento das discussões sobre a temática em eventos
científicos dessas áreas. Ainda sobre essa expansão, destacamos a importante atuação da Febab,
que em 2017, no Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, considerado um dos
maiores eventos nacionais da área, abriu espaço para o Grupo de Trabalho sobre Biblioteca
Prisional, contribuindo para que a temática ganhasse visibilidade. Além disso, ainda em 2017, esta
Federação formou a primeira Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais, que reuniu
bibliotecários das diversas regiões do Brasil com atuação nesse tipo de biblioteca, para que fosse
composta a sua primeira gestão, com a seguinte missão:
[...] dar ao Brasil uma representatividade oficial no que tange às bibliotecas
prisionais, por meio da disponibilização de fontes de informação concernentes a
temática das bibliotecas de estabelecimentos penitenciários, alinhando às diretrizes
existentes no âmbito da Biblioteconomia com a legislação vigente no país
(Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais, 2018, p. 1).
Com isso, a temática que antes era de conhecimento de poucos, tem ganhado mais destaque
no âmbito científico, levando à discussão para junto das escolas de formação em Biblioteconomia.
E visando à sua inserção em algumas disciplinas da sua estrutura curricular, principalmente
naquelas que tratam das tipologias de bibliotecas, já que a existência da biblioteca prisional é uma
garantia e um direito como qualquer outra e necessita ser apresentada e discutida no âmbito da
formação do bibliotecário.
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Sabe-se que a falta de explanação ou discussões sobre as bibliotecas prisionais no contexto
dos cursos de Biblioteconomia é um fator que invisibiliza ainda mais esse tipo de biblioteca, e
reflete na falta de conhecimento sobre a atuação do bibliotecário nesses espaços. No ambiente
prisional, as bibliotecas enquadram-se na “[...] categoria do tipo especial pelo grupo social a qual
se dirigem, seu status, orientação e organizações das quais depende [...]” (Allendez 2010 p. 2,
tradução nossa).
Conforme instituída na LEP, a biblioteca prisional tem como premissa dar suporte a toda
formação pela qual o apenado passará, assim como na assistência da remição da pena pela leitura,
que a resolução n. 321 de 2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina a necessidade
de haver biblioteca e um acervo capaz de suprir a demanda do projeto implementado. Destaca,
inclusive, a formação do acervo dessas bibliotecas, assim como a LEP. Nesse ponto, adentra-se
em um universo complexo e próprio da Biblioteconomia, no qual o bibliotecário terá de
desenvolver atividades fundamentais como: elaboração de políticas de coleções, classificação,
catalogação, estudos de uso e de leitor, conservação e restauro. Além de atuar para mediar a
informação e a leitura, favorecendo a apropriação pelo leitor a partir da interação com diferentes
suportes informacionais, que permitam a atribuição de sentido pela pessoa em privação de
liberdade.
Ainda sobre o auxílio da biblioteca prisional para a educação das pessoas em privação de
liberdade, Colares e Lindemann (2015) destacam que se trata de um dispositivo importante nas
prisões, que visa auxiliar a Administração Penitenciária no que se refere à educação, e se constitui
em uma forma de ocupar o tempo ocioso do interno por meio da leitura, além de possibilitar uma
mudança na rotina cotidiana do cárcere, que favorece aos internos a oportunidade de vislumbrar
novas perspectivas extramuros.
Considerando a importância da leitura e da educação para o desenvolvimento humano, a
biblioteca prisional pode contribuir no processo educacional da pessoa privada de liberdade,
atuando em prol de auxiliar na formação cidadã dessas pessoas, propiciando um espaço dialógico,
capaz de ouvir os anseios e agir em prol de possibilitar mudanças na realidade. Como considera
Paulo Freire, 1991, p. 126 “[...] a educação não é a chave das transformações do mundo, mas
sabemos também que as mudanças do mundo são um quefazer educativo em si mesmas”. Ao
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pensar a biblioteca prisional e o bibliotecário como agentes comprometidos com a democratização
da leitura, ressalta-se a importância da sua atuação pautar-se na perspectiva de promover uma
educação libertadora, sendo capaz de desenvolver ações que propiciem para as pessoas em
privação de liberdade autonomia para construir seus conhecimentos, colaborando nesse processo,
mesmo diante de um espaço restritivo.
As especificidades do ambiente prisional revelam alguns aspectos que devem ser
considerados quando se trata das bibliotecas prisionais, no que se refere ao emprego das
teorias/técnicas aprendidas no âmbito da Biblioteconomia, principalmente quanto à disposição das
estantes na biblioteca prisional, uma vez que elas precisam seguir um padrão em que deixe visível
o apenado que entra no espaço. Nesse sentido, Colares e Lindemann (2015) enfatizam que:
[...] no cárcere as regras modificam as teorias bibliotecárias do que é estabelecido
como aplicação correta da boa técnica. Por essa razão é necessário adaptar e muitas
vezes reinventar padrões de ação, considerando que se trata de usuários com suas
especificidades. Essa realidade afeta o planejamento de bibliotecas propriamente
dito [...] (Colares e Lindemann 2015 p. 205).
É preciso renunciar a algumas práticas que devem ser implementadas em outros tipos de
bibliotecas, já que as especificidades do cárcere exigem certas adaptações. Entretanto, em meio às
características inerentes às bibliotecas prisionais, existe também muita semelhança com os outros
tipos de bibliotecas existentes. Desse modo, seus serviços assemelham-se aos de uma biblioteca
pública, ofertando, por exemplo, a promoção da leitura, da cultura, cursos, oficinas e outras formas
de aprendizagem. Diante disso, Silva Neto e Leite (2011) asseveram o seguinte:
Ao contrário do que se possa pensar, as semelhanças entre as bibliotecas de
estabelecimentos prisionais e as bibliotecas públicas são maiores do que as
diferenças. Pela sua condição de reprodução da sociedade os estabelecimentos
prisionais recriam no seu interior uma micro sociedade com as mesmas
características da existente extramuros. (Silva Neto e Leite 2011 p. 2).
Destarte, a finalidade da biblioteca prisional não destoa dos demais tipos de bibliotecas,
apenas é necessário que sejam consideradas as suas especificidades, tal como deve ser realizado
no contexto das bibliotecas extramuros.
Nessa perspectiva, a biblioteca prisional pode ser considerada um importante instrumento
de apoio à educação, à cultura e ao lazer. Todavia, sabe-se que a realidade das bibliotecas prisionais
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é diversa, pois países nos quais o serviço de bibliotecas na prisão se encontra bem estruturado;
Canadá e Reino Unido são exemplos disso. Enquanto outros, como é o caso do Brasil, ainda
enfrentam dificuldades para disponibilizar um efetivo serviço de biblioteca às pessoas em privação
de liberdade. Mas, mesmo diante das limitações enfrentadas, ações são desenvolvidas nas
instituições prisionais pelos profissionais que atuam na biblioteca.
Esse campo de trabalho no Brasil ainda não é legalizado, pois, como foi destacado
anteriormente, ele não faz parte do quadro funcional dos profissionais que atuam na prisão. Nesse
sentido, é possível identificar a falta desse respaldo para que a presença do bibliotecário na prisão
não ocorra somente quando da oportunidade concedida por alguns administradores, realidade
diferente de países como França, Itália e Espanha, dentre outros, onde a presença do bibliotecário
é viabilizada por meio de contratos formais com as bibliotecas públicas para atender à população
prisional. Entende-se que tal falta de respaldo se constitui como fator que limita e invisibiliza o
trabalho do bibliotecário nas unidades prisionais brasileiras.
Cabe destacar que além da ausência do bibliotecário como integrante do quadro funcional
do Depen, nem todos os estabelecimentos penais dispõem de bibliotecas para os reclusos. Das
1.459 unidades prisionais existentes em 2019 no Brasil, 796 possuíam biblioteca, conforme
revelado nos dados disponibilizados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(Brasil, 2019). No entanto, conforme evidenciado nos estudos realizados por Trindade (2009) e
Sousa (2017), dessas existentes, muitas funcionam sem que lhes sejam dadas as devidas condições
para cumprir o seu papel de favorecer o acesso à informação e contribuir para o despertar de um
pensamento crítico dos indivíduos ao qual se destina.
2.1 Atuação do bibliotecário nos ambientes com privação de liberdade no Brasil
O bibliotecário, ao integrar a categoria de profissionais da informação, tem como
fundamento em sua atuação, favorecer o processo de acesso, uso e apropriação da informação aos
cidadãos. Ele atua em diversos ambientes de informação no Brasil, no entanto, sua presença ainda
é escassa nos estabelecimentos penais brasileiros, e, quando ocorre, é uma prática voluntária ou
por meio da realocação de servidor do Estado para a Secretaria de Administração Penitenciária.
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Conforme o entendimento de Sousa e Farias (2020), uma explicação possível para isso,
pode derivar-se do fato da não inclusão do bibliotecário na legislação que rege a prestação de
serviços em instituições com privação de liberdade, no caso, o sistema prisional. Contudo, a LEP
7.210/1984 estabelece que toda instituição penal deve ser munida de uma biblioteca para
assistência de todas as categorias de internos. Assim, o bibliotecário deveria estar incluído no
quadro de colaboradores para atuar nesses espaços, em razão de ser o profissional qualificado para
gerir essa unidade de informação, ou mesmo, pela inexistência da biblioteca na ambiência da
prisão.
É viável inferir que no Brasil, a atuação do bibliotecário nos estabelecimentos penais ainda
é escassa, e não legitimada, enquanto em países como os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá,
o profissional atua nesse ambiente desde meados dos anos 1980. Sobre como ocorreu a inserção
do bibliotecário nas prisões nesses países, Lehmann (1999) evidencia que ocorreu progresso na
América do Norte e na Europa, suscitado por meio das associações nacionais de bibliotecas,
agências estaduais de bibliotecas, autoridades públicas e instituições acadêmicas, para que fosse
possível articular o desenvolvimento das bibliotecas prisionais, principalmente na questão de
equipá-las com recursos profissionais adequados. Com tal mobilização viabilizou-se que a maioria
das penitenciárias nesses países contratasse bibliotecário para integrar seu quadro de funcionários.
Verifica-se que, conforme evidenciado por Sousa e Farias (2020), o ingresso do
bibliotecário nas unidades prisionais dos países supracitados derivou da junção de esforços entre
as diversas instituições que circundam a profissão de bibliotecário, inclusive no que se refere à
formação acadêmica deste profissional.
Quanto à realidade brasileira, não há ainda nos cursos de graduação em Biblioteconomia
uma estrutura curricular que vise à inclusão da prática profissional do bibliotecário nesse ambiente.
Assim como não existe, por parte das associações bibliotecárias, cursos de formação que
contemplem a atuação do bibliotecário no cárcere. Desse modo, o estudante de Biblioteconomia
recebe uma formação geral, como é preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais, destacando
que “[...] os conteúdos dos cursos distribuem-se em conteúdo de formação geral, destinadas a
oferecer referências cardeais externas aos campos de conhecimento próprios da Biblioteconomia
[...]” (Brasil 2001 p. 33).
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As Diretrizes Curriculares Nacionais foram formuladas pelo Ministério da Educação em
2001, com a finalidade de definir as competências necessárias aos egressos de Biblioteconomia
para sua atuação profissional. A referida diretriz determina que o bibliotecário deverá ser capaz de
“[...] atuar junto a instituições e serviços que demandem intervenções de natureza e alcance
variados: bibliotecas, centros de documentação ou informação, centros culturais, serviços ou redes
de informação, órgãos de gestão do patrimônio cultural e etc.” (Brasil 2001 p. 32 grifo nosso).
Entretanto, a Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação (Abecin), no
documento de avaliação do processo formativo na área de Biblioteconomia/Ciência da
Informação, destaca que o currículo deve seguir os parâmetros de flexibilidade, qualidade na
formação e interdisciplinaridade (Abecin 2001). Portanto, não inviabiliza que sejam incluídas as
pautas das bibliotecas prisionais e a atuação do bibliotecário nos estabelecimentos penais.
Desse modo, Sousa e Farias (2020 p. 16) evidenciam que [...] mesmo recebendo uma
formação que abarque a atuação generalizada, não serão todos os bibliotecários que terão aptidão
ou personalidade para atuar em determinados locais, como por exemplo, nas prisões”. No entanto,
é necessário vislumbrar esse ambiente não como mero espaço para trabalho voluntário, mas que
haja por parte das escolas de formação, do Conselho Federal de Biblioteconomia e das demais
instituições representativas dos bibliotecários ações que visem a inclusão do bibliotecário como
profissional legitimamente integrante do quadro funcional do Depen, considerando a biblioteca
prisional como instrumento de direito da comunidade encarcerada. Desse modo, é preciso lutar
para que existam bibliotecas nos estabelecimentos penais e, também, capacitar os bibliotecários
que tenham interesse em atuar nesses ambientes de informação.
3 Percurso metodológico
Este estudo foi alicerçado na abordagem qualitativa e exploratória, possibilitando uma
maior compreensão a partir da percepção das pesquisadoras sobre os sujeitos da pesquisa e a
realidade que os envolve. Segundo Marconi e Lakatos (2017 p. 40) a abordagem exploratória
aumenta “[...] a familiaridade do pesquisador com o ambiente, fato ou fenômeno”, o que favorece
a execução de um estudo e possibilita modificar e clarificar conceitos. Além disso, o estudo
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também possui um caráter descritivo, pois a partir da exploração dos dados, descreve categorias e
falas dos participantes da pesquisa.
Para coletar os dados utilizou-se como instrumento o questionário elaborado no Google
Forms enviado por e-mail aos participantes. Foram estabelecidas questões abertas especificamente
para a obtenção desses dados. Para a análise e discussão dos dados coletados, foram construídas
categorias com base no que preconiza Bardin (1999) para a análise de conteúdo. Conforme
estabelece esta autora, a técnica permite a construção de inferências tanto para pesquisas
qualitativas como quantitativas.
Vale ressaltar que a amostra foi constituída por nove bibliotecários, que atuam ou
atuaram em estabelecimentos penais distribuídos em várias regiões do país e que se dispuseram a
participar do estudo. A partir de um levantamento realizado pela pesquisadora principal desta
investigação junto à Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais, da qual a mesma é integrante,
foram selecionados os participantes que tinham a formação em Biblioteconomia, visto que o
levantamento incluía outros profissionais além de bibliotecários. Após a seleção, foi enviado um
formulário via e-mail para esses profissionais. A pesquisa não foi submetida ao conselho de ética,
pois o contato da pesquisadora com os participantes foi somente via respostas do formulário
elaborado no Google. Ressalta-se que a pesquisa está de acordo com os Critérios da Ética em
Pesquisa com Seres Humanos, conforme a Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde.
Os sujeitos desta pesquisa concordaram em participar do estudo e autorizaram a utilização e a
divulgação dos dados do questionário, por meio da concordância do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).
Diante disso, antes de iniciar a análise das categorias estabelecidas, a saber: entraves
enfrentados pelo bibliotecário para atuar no ambiente prisional, e como favorecer a atuação do
bibliotecário no sistema prisional brasileiro, considera-se necessário apresentar o perfil da amostra
participante, como pode ser observado no quadro 1.
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Quadro 1 Perfil da amostra da pesquisa
Participante
Gênero
Anos de atuação
Região
Tipo de estabelecimento penal
B1
Feminino
6 a 10 anos
Norte
Misto
B2
Feminino
6 a 10 anos
Sudeste
Masculino
B3
Feminino
3 anos
Sudeste
Masculino
B4
Feminino
4 anos
Sul
Masculino
B5
Feminino
1 a 5 anos
Sul
Feminino/misto /masculino
B6
Feminino
2 anos
Sudeste
Masculino
B7
Masculino
6 a 10 anos
Sudeste
Masculino
B8
Feminino
6 a 10 anos
Nordeste
Feminino/ Masculino
B9
Feminino
3 anos
Sudeste
Feminino/ Masculino
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
Percebe-se que há um predomínio de bibliotecárias atuando nesse ambiente, assim como a
região Sudeste concentra o maior número de profissionais com atividades nos estabelecimentos
penais. Verifica-se ainda que, a maioria dos bibliotecários já atuam ou atuaram por um tempo
considerável e que essas atividades contemplam os vários tipos de estabelecimento penais nas
diversas regiões brasileiras.
4 Análise e discussão dos Resultados
A análise se deu mediante a categorização estabelecida para o estudo, com o objetivo de
compreender os desafios enfrentados pelo bibliotecário para atuar em prol de assegurar o que é
garantido por lei para as pessoas em privação de liberdade, que é dispor de bibliotecas que atenda
a todas as categorias de recluso como assevera a Lei de Execução Penal de 1984 e a Constituição
Federal de 1988. Além disso, sabendo que não há uma porta legítima para atuação nesse ambiente
diante da inexistência do cargo no quadro funcional do Depen, buscou-se identificar junto a esses
profissionais o que eles consideram como sendo os principais entraves para desenvolver seu
trabalho nesse local.
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Quadro 2 - Entraves para atuação do bibliotecário no cárcere
Participante
Entraves
B1
A falta de efetivação do cargo de bibliotecário como parte do quadro funcional.
B2
A falta de uma lei ou regimento que priorize o profissional bibliotecário, pois o sistema
não possui vagas para bibliotecários.
B3
Falta de políticas públicas e de conhecimentos sobre esse eixo no período de formação
no curso de Biblioteconomia.
B4
A ausência do cargo de bibliotecário no quadro de funcionários do sistema prisional, a
falta de entendimento do papel do bibliotecário e das bibliotecas dentro dos espaços de
privação de liberdade.
B5
A inexistência da profissão no quadro funcional do Depen. Não há uma porta aberta e
legítima para que o bibliotecário possa entrar e exercer, legalmente, sua função à frente
das Bibliotecas Prisionais.
B6
Financeiro
B7
A burocracia do Estado, a falta de interesse da população com essa problemática e,
principalmente, a lógica de funcionamento do cárcere.
B8
Infelizmente, a ideia de que a pessoa presa não tem capacidade de recuperação, muitos
acreditam que é perda de tempo ajudar essas pessoas a se inserirem na sociedade.
B9
Creio que um dos entraves é a pouca articulação dos profissionais bibliotecários no
sentido de exercer pressões que resultem na efetiva inclusão dos mesmos nos quadros
funcionais das instituições prisionais. [...] Nossa formação acadêmica ainda está em
falta, pois não cobre os aspectos da atuação profissional no ambiente prisional. Penso
que esta lacuna na formação não ocorre apenas pelo desinteresse de professores ou de
coordenadores de curso, mas que ela está ligada a pouca produção bibliográfica e a
poucas pesquisas sobre a temática, impactando diretamente a formação dos estudantes
[...].
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
Diante do exposto no quadro 2, constatou-se que muitos participantes destacaram
principalmente a falta de legitimidade do cargo de bibliotecário no contexto do sistema prisional,
corroborando com o que foi explicitado no decorrer deste estudo. Outra faceta que surgiu nos
discursos, se refere a pouca ou inexistente abordagem nos cursos de Biblioteconomia sobre a
atuação do bibliotecário no ambiente prisional.
Acredita-se que existe uma relação de causa-efeito em que uma problemática pode gerar a
outra, pois a inexistência do cargo legalizado de bibliotecário no sistema prisional e o não
cumprimento das leis que garantem a implantação de bibliotecas prisionais por parte dos
governantes brasileiros, pode refletir na falta de inserção da pauta de atuação deste profissional
nas prisões nos cursos de graduação em Biblioteconomia.
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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
contínua, 2023, e023028. DOI: 10.36311/1981-1640.2023.v17.e023028.
Quanto à inexistência do cargo, é facilmente comprovado ao analisar os editais do Depen
e das secretarias penitenciárias dos Estados, o cargo de bibliotecário nunca é contemplado, mesmo
existindo leis que assegurem que a biblioteca prisional deve existir em todo estabelecimento penal
brasileiro.
No caso da falta de abordagem nas escolas de formação, Santos e Prudêncio (2018)
realizaram uma pesquisa com discentes de três universidades do Rio de Janeiro, e constataram que
os estudantes têm interesse na temática, mas evidenciam a falta de discussão em sala. Ainda
constataram que os discentes demonstram interesse em conhecer o ambiente de atuação, mas,
conforme os autores, um dos fatores que pode contribuir para que essa atividade não seja efetivada,
são os aspectos burocráticos que podem desencorajar os docentes a levar seus alunos em uma visita
às dependências desse tipo de biblioteca. Questões burocráticas que tanto podem ser impostas pela
universidade como pelo local a ser visitado.
Para explicitar o que foi destacado como entraves para atuação nesse ambiente foi
elaborada uma nuvem de palavras que enfatiza os termos mais recorrentes citados pelos
bibliotecários participantes conforme mostra a figura 1.
Figura 1 - Termos em destaque no discurso dos bibliotecários quanto aos entraves para atuar no cárcere
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
contínua, 2023, e023028. DOI: 10.36311/1981-1640.2023.v17.e023028.
Com base nos termos que estão em destaque, percebe-se que os bibliotecários consideram
a falta do cargo de bibliotecário no sistema prisional como principal entrave, o que leva o
profissional a atuar de forma voluntária. Portanto, infere-se que o trabalho não remunerado acarreta
dificuldades para a ação do bibliotecário nesse ambiente, contudo, notamos que tais dificuldades
não impedem a presença do profissional, conforme destacam Colares e Lindemann (2015) ao
retratar a experiência de implantação de biblioteca na prisão.
Obter apoio, tanto financeiro quanto mão de obra, tornou-se um percalço relutante
durante a execução do projeto. Trabalhar diariamente, de modo voluntário, sem
nenhuma verba e montar ainda assim uma biblioteca que se propusesse a atender
a demanda dos detentos foi desafio que provou ser possível e comprovou que basta
vencer as barreiras do preconceito e desafiar os entraves burocráticos para que se
possa chegar ao objetivo (Colares e Lindemann 2015 p. 213).
Entende-se ser importante a atuação do bibliotecário de forma voluntária, pois ela revela
que o profissional está engajado em uma luta pelo direito do acesso à leitura e à informação
garantido à população prisional. Mas destaca-se também a necessidade de ele ter sua atuação
legitimada no ambiente prisional para que os desafios enfrentados possam ser minimizados e para
que seja possível atuar como qualquer outro profissional integrante do quadro funcional do sistema
prisional, tendo seu trabalho remunerado.
O discurso dos bibliotecários, corrobora com o que retrata a literatura científica da área, ao
destacar que o trabalho do bibliotecário no ambiente prisional ocorre de sobremaneira de forma
voluntária, como destaca Trindade (2009) e Sousa (2018). Assim sendo, indagou-se aos
bibliotecários o que poderia favorecer a sua atuação nesse local, o que resultou na segunda
categoria de análise deste estudo.
No âmbito das ações do bibliotecário no ambiente prisional, foi indagado aos participantes
sobre o seu entendimento acerca de como sua atuação poderia ser favorecida, considerando as
dificuldades enfrentadas por eles para exercerem a profissão nos estabelecimentos penais
brasileiros.
Conforme o explanado pelos bibliotecários participantes do estudo e convergindo com o
que foi apresentado na categoria anterior, foi verificado que a principal ação que poderia favorecer
a atuação do bibliotecário no cárcere seria a criação ou a inclusão do cargo de bibliotecário no
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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
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quadro funcional do Depen, o que poderia contribuir para que as atividades desse profissional fosse
remunerada e não predominantemente voluntária, como ocorre na contemporaneidade, essa
percepção pode ser constatada no quadro 3.
Quadro 3 - Aspectos da atuação do bibliotecário no cárcere
Aspectos que poderiam favorecer a atuação do bibliotecário no cárcere
Existir a "exigência" de contratação de bibliotecários para as Bibliotecas Prisionais [...].
Primeiro necessita criar vagas para atuação do profissional (concursos ou contratos) para que o
bibliotecário possa conhecer e atuar neste espaço que é nosso por direito.
Com a criação de cargos de bibliotecário dentro do quadro de funcionalismo desses espaços.
Acredito que a divulgação dos serviços prestados, das técnicas obtidas. Explicar o que o
bibliotecário faz, para que uma biblioteca serve [...] dentro dos ambientes prisionais as pessoas
precisam entender como este profissional atua.
Com a criação do cargo de "bibliotecário prisional"
Com reconhecimento das autoridades públicas da importância do estudo/leitura para redução da
criminalidade, com liberação de verbas públicas para execução dos projetos.
A atuação do bibliotecário, pelo fato de ocupar um espaço institucional, iria favorecer a
existência do espaço de leitura em todos os ambientes prisionais.
Permitindo realização de mais atividades, mais incentivos financeiros nos projetos para executar
nessas instituições.
[...] com a instituição do cargo no corpo funcional das instituições prisionais, mas também com
investimento em pesquisa e na formação dos estudantes. Todos esses caminhos demandam
articulação dos profissionais atuantes com os professores e estudantes de Biblioteconomia.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
Fica evidente na percepção dos bibliotecários, que a falta da legitimação do cargo no
sistema prisional brasileiro é o maior entrave para a atuação desse profissional no cárcere. O que
resulta, segundo Teixeira e Campos (2019 p. 556), em uma atuação [...] sem vínculo empregatício
regulamentado com as esferas responsáveis pelas unidades prisionais ou por meio de programas e
projetos de extensão envolvendo universidades”.
É possível inferir que essa conjuntura apresentada da inexistência do cargo de bibliotecário
no âmbito prisional pode reverberar nos demais entraves apontados pelos participantes, pois com
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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
Biblioteca Prisional Brasileira. Brazilian Journal of Information Studies: research trends, vol. 17, publicação
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a não existência da legalização da profissão fica ainda mais difícil conseguir incentivos, bem como
não haverá um diálogo sobre a atuação do bibliotecário no ambiente prisional durante sua
formação, visto que o cargo oficialmente não existe no quadro funcional do Depen, órgão
responsável por gerir os profissionais que atuam no sistema prisional brasileiro.
Pode-se conceber que essa premissa destacada amplamente pelos bibliotecários
participantes como primordial para favorecer a atuação nesse ambiente pode reverberar em outro
fator apontado, no caso o incentivo financeiro, pois com a falta de incentivo financeiro, a atuação
do bibliotecário como o agente que conduz as ações de informação no cárcere torna-se ainda mais
desafiadora diante das diversas barreiras enfrentadas para desenvolver atividades nesse local,
conforme evidenciado por Castro (2017) a falta de investimentos financeiros dificultam o
desenvolvimento de atividades e a melhoria do espaço da biblioteca.
É importante destacar que o primeiro desses desafios começa pela falta das bibliotecas
prisionais em que o profissional possa atuar. Apesar dos dados apresentados pelo Depen indicarem
que até junho de 2020 existia o total de 617 bibliotecas nas 1.426 unidades prisionais brasileiras,
muitas delas são apenas uma cela com livros, sem as mínimas condições de serem consideradas
bibliotecas, e algumas foram implantadas com muito esforço de um bibliotecário, que tomou para
si uma responsabilidade que deveria ser do poder público.
5 Considerações finais
Foi possível constatar que a inexistência do cargo de bibliotecário no quadro funcional do
Depen se configura como um dos maiores entraves para que esse profissional possa desenvolver
suas atividades nesse ambiente, o que foi confirmado pelos participantes da pesquisa.
Diante disso, não seria impróprio considerar que as demais perspectivas apresentadas como
entraves, para que o bibliotecário atue de forma efetiva na ambiência da prisão, resulte
primordialmente dessa conjuntura macro apresentada, ou seja, da falta de legitimidade da profissão
no âmbito do sistema prisional brasileiro. Pois, considerou-se que aspectos como a pouca discussão
da temática de atuação do bibliotecário na prisão no âmbito da graduação em Biblioteconomia,
além da falta de recursos ou dificuldade para obter verbas para projetos ou mesmo a falta de uma
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remuneração para o trabalho desenvolvido pelo bibliotecário no cárcere derivam da inexistência
do cargo de bibliotecário prisional.
Nesse sentido, verificou-se que os bibliotecários indicaram que a atuação nesse ambiente
poderia ser favorecida com a criação do cargo pelo Depen, corroborando amplamente com o que
foi proferido como impedimento para sua atuação no sistema prisional brasileiro.
Cabe destacar, que mesmo diante da falta de legitimidade, alguns bibliotecários enfrentam
o desafio para cumprir com a sua responsabilidade social e do juramento que fizeram ao concluir
sua graduação, de tudo fazer para preservar o cunho humanístico da profissão fundamentado na
dignidade da pessoa humana. Deste modo, não medem esforços e enfrentam com perseverança os
desafios apresentados em busca de possibilitar que a população em privação de liberdade tenha
mesmo que minimamente seus direitos assegurados conforme determina a Lei de Execução Penal,
a Constituição Federal e os demais instrumentos que asseguram os direitos da pessoa humana.
Conclui-se que a atuação do bibliotecário no ambiente prisional tem contribuído para que
os estabelecimentos penais possam dispor de bibliotecas e salas de leitura, evidenciando a
importância desse instrumento para que as pessoas em privação de liberdade possam ampliar as
possibilidades de um retorno efetivo ao convívio em liberdade. No entanto, urge que o cargo de
bibliotecário seja instituído para que ele tenha uma porta de entrada legítima no ambiente prisional,
que permita desenvolver suas atividades de forma que sua prática, deixe de ser voluntária, e
minimize os entraves enfrentados para sua atuação.
Ressalta-se a necessidade de uma ampla junção de esforços para que haja bibliotecas nos
estabelecimentos penais e que o cargo seja instituído, que engloba a atuação dos governantes, das
instituições de classe da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, das escolas de formação e
da sociedade civil, somente assim, pode-se vislumbrar mudanças nesse cenário e a atuação do
bibliotecário possa deixar de ser vista como mero assistencialismo.
Finalmente, indica-se como pesquisas futuras a exploração de documentos que
regulamentam a biblioteca prisional, assim como as diretrizes elaboradas pela IFLA, a fim de
analisar o que consta na teoria e como é na prática no Brasil; assim como o estudo da terminologia
adequada para a biblioteca prisional, principalmente quanto a termos como: usuário, preso,
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SOUSA, Francisca Liliana Martins de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Desafios da Atuação do Bibliotecário na
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reinserção ou reintegração, até mesmo o termo biblioteca prisional, visto que se observa uma
variante de usos e muitos deles são considerados inadequados para pesquisas relacionadas às
pessoas em privação de liberdade.
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Received: 01/12/2021 Accepted: 10/06/2023