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A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
A músicA e formAção humAnA nA educAção básicA: os estudos
de gênero e os direitos humAnos dAs mulheres pArA A formA-
ção integrAl
Human music and training in basic education: gender studies
and Human rigHts of women for integral training
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
1
Mariane dos Santos Gomes
2
Vandeí Pinto da Silva
3
resumo: A Educação é estabelecida na Constituição Federal Brasileira como um Direito Fun-
damental, devendo ser incentivada para o desenvolvimento integral da pessoa humana (art.205,
CF/88). Desta forma, embasadas pela Lei Máxima (CF/88) em conjunto com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira (LDB, nº 9394/96) é direito das alunas e alunos, um ensino para além
dos conteúdos obrigatórios curriculares, assim como, o saber da historicidade contida na luta das
mulheres por seus direitos, patriarcado, cidadania, ou seja, questões envolventes de gênero, cultura
e direitos humanos. Louro (2015) enfatiza a questão do gênero, perante uma sociedade que foi
construída historicamente sob corpos sexuados, e, diante da conjuntura de extremo conservado-
rismo político-social brasileira (eleições presidenciais 2018), é notável a urgência dos estudos de
gênero nas escolas para a desmisticação de conceitos falaciosos sobre o presente tema. Valorando a
seriedade dos estudos de gênero com os aportes artísticos, enaltecendo a música, pretendemos com
o presente artigo, mostrar a possibilidade da sensibilização para com a humanidade no processo
Educativo, além da conscientização de que, para mudar a cultura social, é necessário ressaltar a
importância do conhecimento para com o aprendizado histórico da sociedade em que vivemos. Em
acordo com Lima e Akuri (2017) para o aprendizado, a criança precisa de motivação para agir, ou
seja, possui a necessidade de sentir e se envolver, indo ao encontro da pedagogia histórico-crítica
sistematizada por Demerval Saviani (2013) que inclui o aprendizado da criança com a realidade,
desaando pedagogas e pedagogos a aderirem a processos formativos mais humanos.
pAlAvrAs-chAve: Educação. História da Educação. Gênero. Direitos Humanos das Mulheres.
Música.
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM (2016). Mestranda em
Educação (PPGE – UNESP/Marília). boninianalaura@yahoo.com.br
Pedagoga – UNESP/Marília (2017). Mestranda em Educação pela pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (PPGE – UNESP/Marília). mariane.dsg@gmail.com
Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – PPGE – UNESP/Ma-
rília (1998). Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (PPGE –
UNESP/Marília). vandei.pinto@unesp.br
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.02.p9
https://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5n2.06.p59
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
AbstrAct: Education is established in the Brazilian Federal Constitution as a fundamental right,
which should be encouraged for the integral development of the human person (art.205, CF/88).
us, based on the Maximum Law (CF/88) in conjunction with the Law of Directives and Bases of
Brasilian Education (LDB, nº 9394/96) it is the right of the students, a teach beyond the obligatory
curricular contents, as well as the knowledge of the historicity contained in the struggle of women
for their rights, patriarchy, citizenship, that is, issues involving gender, culture and human rights.
Louro (2015) emphasizes the issue of gender, before a society that was historically constructed un-
der sexed bodies, and, given the situation of extreme Brazilian political-social conservatism (presi-
dential elections 2018), the urgency of gender studies in schools for the demystication of fallacious
concepts on the present theme is remarkable. Valuing the seriousness of the studies of gender with
the artistic contributions, extolling the music, we intend with the present article, to show the pos-
sibility of sensitization towards humanity in the educational process, in addition to the awareness
that, in order to change the social culture, it is necessary to emphasize the importance of knowledge
to the historical learning of the society in which we live. According to Lima and Akuri (2017) for
learning, the child needs the motivation to act, that is, has the need to feel and get involved, going
to the encounter with the historical-critical pedagogy systematized by Demerval Saviani (2013) that
includes the child’s learning with reality, challenging pedagogues and    
   .
Keywords: Education. History of Education. Genre. Womens Human Rights. Music.
introdução
A escola reverbera e reproduz o pensamento vigente em nossa socieda-
de, construída culturalmente pelo patriarcado, sendo assim, abordando os estu-
dos de gênero nas escolas, correlacionados à arte musical, verica-se o reforço das
relações de poder para com a categoria feminina, além da falta de problematiza-
ção presente em composições com características sexistas, machistas e patriarcais.
Em contraponto, observa-se também, a abordagem positiva de letras musicais
equipadas de conscientização sobre os temas de violência contra as mulheres, sen-
do ambas vertentes musicais, passíveis de estudo e aprendizado, os quais podem
ser construídos por alunas e alunos em conjunto com as/os docentes.
Sendo a música facilitadora do alcance na sensibilidade e afetividade
das alunas e alunos, possibilitando discussões sobre assuntos como, os direitos hu-
manos das mulheres, empoderamento feminino, o ensino do pensamento crítico
para com a criminalidade contra a existência feminina, além de denúncias e ree-
xões contra violências de gênero, verica-se sua grande relevância e necessidade de
ser abordagem de discussão no âmbito educacional.
Discussões relacionadas com os estudos de gênero nas escolas foram
dignas de holofotes nas últimas eleições presidenciais do Brasil, com abordagens
falaciosas sobre o conceito de gênero, sendo este implícito de uma construção
social e histórica, em consonância com Louro (2014, p. 25):
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A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
Ao dirigir o foco para o caráter “fundamentalmente social”, não há contudo, a pretensão
de negar que o gênero se constituiu com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada
a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida
sobre as características biológicas.
Tais considerações, articiosas, sobre assunto tão sério e amplo, acaba-
ram prejudicando o entendimento social sobre as necessidades e reais objetivos
das discussões de gênero e as barreiras socioculturais da moralidade tradicional e
arcaica, as quais são enfrentadas também no campo cientíco. Lázaro e Monte-
chiare (2014) ressaltam a inadequação da comemoração de ato heroico, além da
falta de reconhecimento do grande esforço das mulheres que estudam, trabalham,
além de assumirem as responsabilidades domésticas:
O melhor reconhecimento desses esforços realizados pelas mulheres brasileiras
é garantir a adequada divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres,
maior liberdade na escolha dos cursos que pretendem fazer e a superação da
persistente desigualdade que no mercado de trabalho discrimina o rendimento
entre homens e mulheres, criando desníveis tão maiores quanto maior for a
escolaridade. (LÁZARO; MONTECHIARE, 2014, p.04).
O Projeto de Lei nº 7180/2014, denominado “Escola Sem Parti-
do”,que foi arquivado por falta de quórum
4
, trouxe a proposta da retirada dos
estudos de gênero no meio escolar, demonstrativo de uma sociedade que, pau-
latinamente, se desapropria de seus Direitos e ignora o Estado Democrático em
que vive.
Neste sentido, nosso país regride em questões como a liberdade de pen-
sar e de aprender, o que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB n.9394 de 1996) além do descaso com os nossos Direitos Humanos (1948)
e ferimento da nossa Constituição Federal Brasileira (CF/1988).
A cultura escolar evidencia a distinção de gênero em um ambiente que
deveria ser possibilidade de vivências integrativas, representando o cotidiano so-
cial, com análises críticas e aprendizado integral, porém, irracionalidades baseadas
no ódio diante da diversidade humana, resultam na naturalização do que não
deve ser natural, colocando o aprender na esfera da cultura patriarcal e machista,
embasando com o senso comum um espaço em que é necessário ter como base os
valores de humanidade e saberes cientícos.
Como acontece com projetos não aprovados, o texto será arquivado. Na próxima legislatura, a proposta
pode ser desarquivada com pedido de qualquer parlamentar. Segundo Marcos Rogério, em 2019 deve-
rá ser formada uma nova comissão especial para analisar a proposta que passar a tramitar na Câmara.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro chegou no m da comissão e se registrou no plenário, mas não ha-
via quórum para dar continuidade à votação dos requerimentos.Disponível em: https://oglobo.globo.com/
sociedade/educacao/projeto-do-escola-sem-partido-arquivado-em-comissao-da-camara-23297089. Acesso em:
20/02/2019.
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
O pensamento de que há cores e padrões para meninas e meninos,
as formas de ensino baseadas apenas nos conteúdos apostilados, prejudicam o
entendimento e aprendizado sobre a realidade histórico-sócio-cultural em que
as/os docentes e as alunas ou alunos vivem, nos distanciando de uma formação
integral, ou seja, da formação de seres humanos detentores de humanidade, que
pensem criticamente sem desconsiderar a diversidade humana.
O Fanatismo, homofobia, machismo e o descaso da sociedade para
com os direitos das mulheres, mostram diariamente, a necessidade da abordagem
do presente tema nas escolas, sendo que a música é uma das possibilidades artísti-
cas de ensinar. O aprendizado em conjunto com a arte para os estudos de gênero
e direitos humanos das mulheres, é de grande valia, trazendo às alunas e alunos,
a sensibilidade, afetos, empatia e a inquietação para com a nossa realidade social.
A Educação é essência para o desenvolvimento humano, bem como,
no trabalho pedagógico, é necessário permitir-se a criação de possibilidades vi-
sando novas formas de participação das crianças na cultura (VIGOTSKI, 2009).
A relação com o outro, consigo próprio e o meio escolar, deve estar em diálogo
ao que é plural, diversicado, dando possibilidades ao processo criador. Portanto,
relativizar e minimizar situações e relações de desigualdades, não faz da escola um
ambiente integrador e propício para a formação plena do ser humano.
Compreendemos que as formas de silenciamento e naturalização, ocor-
rentes na sociedade brasileira, são também representadas no campo Educacional,
inserindo o aprendizado na cultura patriarcal, machista e sexista, caminhando de
encontro com as Leis brasileiras. Deste modo, acreditamos que aludidas padroni-
zações não são compatíveis com um mundo em que se busca o progresso.
É preciso ressaltar que, com caráter de urgência, a nossa sociedade ne-
cessita do aprendizado do pensamento crítico, sendo que é infortuna, a música
como mercadoria para uma população alienada.
Em concordância com Vasquez (2011) ao analisar a tese de Karl Marx
(1818-1883), que relaciona a contradição entre arte e capitalismo, percebe-se
grande parte das produções musicais destinadas às determinadas parcelas da so-
ciedade, rearmando que o patriarcado e as violências contra as mulheres, catego-
rizam a música como simples mercadoria coisicada e alienada.
Nesse sentido, Facchini e Ferreira (2016) armam que as mobilizações
sobre feminismo e violência de gênero no Brasil, estão articuladas a pesquisas que
apontam resultados preocupantes sobre acontecimentos cotidianos que eviden-
ciam a violência contra a mulher, demonstrando dados de pesquisas apresentados
no 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto de Pesquisa Eco-
nômica Aplicada (Ipea), com indicativos de que “a cada 11 minutos uma pessoa
é estuprada no Brasil” [...], além de, “somente 10% dos casos são denunciados
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A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
e, em aproximadamente 70% dos casos, os agressores são conhecidos ou mesmo
pessoas próximas da vítima” (FACCHINI; FERREIRA, 2016, p. 05).
Sendo assim, diante das violências de gênero construídas mediante as
relações histórico-culturais, buscamos relacionar a música, justicando-a nas pos-
sibilidades do meio artístico poder ser capaz de ensinar e sensibilizar alunas e
alunos quanto às desumanidades que ocorrem e são naturalizadas, com relação
às mulheres, possibilitando o trabalho das/os docentes, para com o envolvimento
com a realidade social e reexões com maior alcance as questões de gênero e di-
reitos humanos.
Constatou-se a importância de trabalhar nas escolas as músicas que são
reexivas possibilitando formar indivíduos pensantes, que denunciam violências,
abominam preconceitos, ensinando e desenvolvendo pensamento crítico de cada
aluna e/ou aluno, considerando a música como instrumento pedagógico, sendo
um meio de comunicação capaz de transmitir ideias e pensamentos, constituindo
uma linguagem com capacidade transformadora.
2 o feminismo e A educAção humAnistA
A categoria Mulher, abrangente de toda a condição feminina, por mui-
to tempo foi abafada e silenciada, tornando-a invisível perante a sociedade centra-
da na supremacia do homem ante as mulheres, sendo assim, patriarcal, sexista e
machista, existente até os dias atuais, com a diferença de que no tempo presente,
podemos reivindicar, possuímos nossos direitos registrados nas letras das Leis.
Salienta Louro (2014), sobre o movimento feminista com caracteres de
organização e movimento social, o qual remete-se ao século XIX no Ocidente:
Ações isoladas ou coletivas, dirigidas contra a opressão das mulheres, podem ser
observadas em muitos e diversos momentos da História e, mais
recentemente, algumas publicações, lmes, etc. vêm se preocu-
pando em reconhecer essas ações. No entanto, quando se refere
ao feminismo como um movimento social organizado, esse é
usualmente remetido, no Ocidente, ao século XIX.” (LOURO,
2014. p. 18)
Lafer (1988), por sua vez, salienta que a surdez social para com as ques-
tões como, a razão contida na proteção da pessoa humana no ordenamento ju-
rídico, dialoga com Hanna Arendt, em sua obra: A reconstrução dos direitos
humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, valorando pensa-
mentos da autora, a qual assinala sobre a importância da liberdade, diversidade e
dignidade humana, além da ocorrência da persistência de situações segregadoras
em um mundo contemporâneo plural.
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Com a condição humana de subordinação e degradação da mulher, em
meios domésticos e industriais, inconformismos inaram, desencadeando o mo-
vimento feminista, nomeadas mais tarde, como “ondas”, conforme apresentado
por Louro (2014), sendo a primeira onda feminista detentora de reivindicações
ao modelo tradicional das famílias, acesso aos estudos, assim como algumas pro-
ssões, e, principalmente na luta pelo direito ao voto feminino
5
(sufragismo), em
consonância com mencionada autora (idem, 2014), na primeira onda, os objeti-
vos eram ligados aos interesses de mulheres brancas, de classe média.
A segunda onda feminista, ao nal da década de 1960, Louro (2014),
disserta a ocorrência do início da problematização do conceito de gênero, cons-
truindo teorias entre militantes, estudiosas/os e criticas/os advindo em 1968, o
ressurgimento do movimento feminista contemporâneo, em um marco histórico,
no qual se iniciaram reexões sobre os arranjos sociais tradicionais de um mundo
androcêntrico, discriminatório e segregacionista.
Além da exploração da mulher no trabalho, esta também era explorada
no âmbito doméstico, possuindo assim, jornadas ininterruptas de trabalho, repre-
sentando o proletariado em domínio familiar, conforme Andrade (2018). Dessa
forma, é possível a percepção de que a partir da divisão social do trabalho, foram
abertos novos espaços para lutas sociais das denominadas minorias.
A tradicional cultura violenta contra as mulheres, com as rotineiras
explorações do lar a indústria, sendo os abusos desde as péssimas condições de
trabalho em períodos gestacionais e pós, com a inexistência de creches, além dos
salários com caracteres de renda suplementar, salienta Schino (2016, p. 95), o
aporte valioso das feministas na contribuição da Educação Infantil:
[...] com consequentes direitos como mãe trabalhadora e ao direito para uma Educação
de qualidade nas creches e pré-escolas, nos respectivos artigos, da Constituição Federal
do Brasil de 1988, 7º (inciso XXV)
6
e 208 (inciso, IV)
7
, sendo resultados de lutas nos
anos 1970 e 1980.
Favorável a uma legislação para a proteção de mulheres e crianças, Marx
defendia o trabalho não doméstico para as mulheres, para que assim pudessem
começar a se desfazer as ideias moralistas das famílias tradicionais, para que dessa
forma, as mulheres pudessem agir com igualdade na luta de classes (ANDRA-
No Brasil, o direito ao voto feminino, tornou-se realidade depois da revolução de 30, sendo mencionado voto
incorporado à Constituição brasileira de 1934, com a ajuda de Carlota Pereira de Queirós, a primeira consti-
tuinte brasileira (TELES, 1993, p.46).
6
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: XXV - assistência gratuita aos lhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em
creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) (BRASIL, 1988).
Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: IV - Educação infantil,
em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006) (BRASIL, 1988).
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A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
DE, 2018). Sendo, para tanto, a necessária mudança no âmbito social sobre a
humanidade de cada ser, já que a condição desumana da mulher persistiu dentro
e fora dos lares, percorrendo por todas as classes sociais, necessitando de medidas
protetivas legislativas, com penalidades impostas.
A gura feminina, ainda desvalorizada, mostra a necessidade de cons-
cientização da sociedade, sendo o ensino desde tenra idade sobre as questões de
gênero, alicerce de mudanças, para que lentamente a cultura social violenta e
segregacionista em que vivemos, possa se transformar.
E a escola é um lugar com propriedade e força de luta feminina de
grande valia para o possível trabalho pedagógico abrangente da realidade social.
Enfatizando as construções sociais e históricas, salienta-se que aspectos signicati-
vos embasaram as transformações educacionais no nal do Século XIX no Brasil,
Souza (1998) disserta sobre a importância à Educação popular e a feminização do
magistério em São Paulo, pela necessidade de mais prossionais no campo edu-
cacional, além de salários pouco atrativos aos homens, sendo a renda da mulher
vista como complementar, homens ocupavam cargos altos da Educação, como
diretor de ensino e supervisor.
Desta forma, o espaço da docência pode ser denido como um lugar
de emancipação e luta, além de conquista feminina, assim como devemos nos
apropriar deste caminho que ainda percorremos. Um ambiente marcado pela
luta e emancipação feminina vai ao encontro com a necessidade dos estudos de
gênero, de acordo com a nossa LDB (n. 9394/96), qual em seus artigos preza por
uma Educação com desenvolvimento nas manifestações culturais, movimentos
sociais e convivência humana, com a vinculação da Educação e a prática social. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, dita princípios a serem bases do
ensino, assim sendo:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte
e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância. (BRASIL, 2015, p. 09 grifo nosso).
Professoras e professores que se norteiam em estudos baseados na reali-
dade social prezam pela formação integral das alunas/os, colocando em prática os
princípios mencionados nas Diretrizes da Educação Brasileira (LDB nº 9394/96),
sendo assim, contribuem para a formação de seres com conhecimentos sobre seus
Direitos Humanos, além do cumprimento com as suas funções sociais como docen-
tes, assim como também colaborando e evitando que pensamentos não progressis-
tas, preconceituosos e irracionais, consigam alcançar cargos políticos.
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
Com a situação retrógrada que os brasileiros estão vivendo, em que a Mi-
nistra dos Direitos Humanos, Damares Alves (2019), salientou “Meninos vestem
azul e meninas vestem rosa”, o BBC NEWS, em janeiro de 2019, desmisticou, o
pensamento sexista, da ministra mencionada, publicando que Rosa nem sempre foi
cor de menina” - nem o azul, “de menino” em entrevista com Jo Paoletti
8
:
Quando as cores foram introduzidas no vestuário infantil, tinham tons pastéis, mas não
importava se era rosa ou azul. Geralmente, eram escolhidas de acordo com o tipo físico
da criança. Era muito comum ver bebês de olhos azuis vestindo azul. E bebês de olhos
castanhos vestindo rosa. As pessoas achavam que combinava mais”, continua Paoletti.
O uso das cores também variava de acordo com a região, explica a pesquisadora. “Em
alguns países católicos, era comum encontrar o uso de azul para meninas, porque o azul
era associado à Virgem Maria. Em outros locais católicos, como França e Bélgica, o pri-
meiro lho costumava ser dedicado à Virgem Maria e vestido de azul, fosse menino ou
menina. (BBC NEWS, 2019).
Ante aos acontecimentos preconceituosos com características irracionais,
a Educação humanista coloca-se em atitude de urgência, em concordância com a
Lei Máxima (CF/88), visando o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania, ensejando às crianças e adolescentes, uma formação
consciente dos caminhos e lutas percorridos pelas mulheres até o tempo atual.
3 A músicA como possibilidAde ArtísticA no ensino e estudos de gênero
A feminização do campo Educacional começou a ganhar força no -
nal do século XIX, vista a necessidade de maior número de prossionais para a
Educação, além de salários pouco atrativos aos homens, conforme Souza (1998):
A feminização do magistério foi um fenômeno vericado desde o início da República no
Estado de São Paulo. A maior parte do corpo docente dos grupos escolares era composto
por mulheres, no início do século. [...] A feminização do magistério acabou por vencer
barreiras morais. (SOUZA, 1998, p. 51).
Em consonância com Arendt (2010), a condição humana caminha ao
encontro com as condições de trabalho, desta forma, sendo o trabalho feminino
Jo B. Paolettié Professora Emerita de Estudos Americanos na Universidade de Maryland em College Park,
onde lecionou cursos relacionados à vida cotidiana americana, incluindo cultura popular, moda e consumismo
e cultura material.Ela ganhou um BS em design de roupas da Universidade de Syracuse, um MS em têxteis da
Universidade de Rhode Island, e um PhD em têxteis da Universidade de Maryland.A formação de Paoletti está
na história do vestuário e da moda, e publicou muitos artigos sobre diferenças de gênero em roupas infantis
americanas.Seu primeiro livro,Pink and Blue: Contando os Garotos das Meninas na América, foi publicado
pela Indiana University Press em 2012. Ela seguiu com Sex and Unisex: Moda, Feminismo e Revolução Sexual
(2015, também IU Press).Em seguida: um livro sobre idade e sexo - roupas de mulheres idosas, vestidos de mãe
da noiva, pumas e outras tolices apropriadas à idade.Disponível em: https://translate.googleusercontent.com/
translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google.com&sl=en&sp=nmt4&u=https://www.
pinkisforboys.org/about.html&xid=17259,15700022,15700186,15700191,15700248,15700253&usg=ALk-
JrhiZW5oFBdF_ydxHtkagYnNI5DN3kA. Acesso em: 03/03/2019.
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019 67
A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
desvalorizado desde até o tempo presente, é possível armar que a mulher possui
humanidade, sendo hoje, considerada uma cidadã detentora de direitos, na esfera
das formalidades legislativas, consistindo a cultura patriarcal, machista e sexista,
uma grande muralha para a ascensão da categoria feminina.
A posição desumana que as mulheres são destinadas demonstra a ur-
gência de colocar na prática os direitos das mulheres sistematizados nas Leis, sen-
do de grande importância para tanto, os estudos transversais baseados na pedago-
gia histórico-crítica (SAVIANI, 2013), conectando conteúdos com a realidade de
vida, assim formando pensadores críticos, com capacidade de reexão, salientam
Silva e Castro (2015, p. 1826, tradução nossa):
O conceito de formação interdisciplinar implica a preservação do disciplinar: inter dis-
ciplinar, tal como o termo evoca. A perspectiva interdisciplinar coloca o disciplinar no
conjunto das demais disciplinas e áreas do conhecimento, numa relação dialogal e inte-
grada que facilita aos indivíduos uma melhor compreensão das coisas. Na interdiscipli-
naridade o disciplinar não é negado e nem dissolvido, mas também não é absolutizado
9
.
Reduzir a Educação apenas a transmissão de conteúdo é caminhar ao
encontro da miséria humana e a música é uma das formas artísticas das/os docen-
tes encontrarem a sensibilidade em suas alunas e alunos, para o entendimento de
que todos os seres humanos possuem direitos que devem ser respeitados. Vejamos
a letra da música intitulada Disk denúncia
10
(Nina Oliveira e Gabi da pele preta):
Alô, aqui quem fala é Geni
Eu tô ligando de um orelhão
Eu tenho uma denúncia
E, eu sou baiana
Mas acontece que ele não é
Ontem ele me beijou
E me deixou marcas
Mas não eram de batom
Não eram de batom
Ô moça, ontem eu tava caminhando
Perto daquela praça e um homem me parou
E me deixou marcas
Mas não eram de batom
Não eram de batom
E eu não sou a culpada
Pelo estupro, a pedrada
Pelo meu sangue que vaza
e concept of interdisciplinary formation implies preserving the disciplinary: inter disciplinary, as the term
evokes. e interdisciplinary perspective places the disciplinary in all the other disciplines and areas of knowl-
edge, in a dialogical and integrated relationship that facilitates individuals a better understanding of things. In
interdisciplinary, the disciplinary is not denied nor dissolved, but it’s not made absolute.
10
Disponível em: <https://www.cifraclub.com.br/nina-oliveira/disque-denuncia/letra/>.Acesso em: 17/02/19.
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
Pela minha pele que racha
Por estar sexualizada
Por ser comercializada
Por ter no corpo, as marcas
Que não eram de batom
Não eram de batom
Nesta letra, há a possibilidade de trabalhar com as/os alunas e alunos,
dois temas latentes da realidade brasileira, especicamente no trecho “E, eu sou
baiana/Mas acontece que ele não é/ Ontem ele me beijou /E me deixou marcas”,
sendo, de forma respectiva, o primeiro importante tema a ser trabalhado, a xe-
nofobia, a qual é embasada pela Lei nº Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989,
punindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional, e o segundo com a mesma seriedade, a violência
contra a mulher, com aporte evidenciado na Lei nº 11.340, de 07 de agosto de
2006
além de outras legislações, que coíbe a violência contra a mulher, sendo
ambas as leis mencionadas, envolventes de conteúdos favoráveis aos Direitos Hu-
manos das mulheres.
É evidente em nossa sociedade, a necessidade de pensar em propostas
que contribuam na construção de uma coletividade igualitária, para que aconte-
ça, de forma efetiva, o desenvolvimento humano, sendo assim, o uso da música
para o aprendizado, colabora para que a aluna e o aluno compreendam questões
presentes nas variedades culturais.
Considerando que a escola é a representação da diversidade humana e
cultural, as alunas e os alunos podem desenvolver em conjunto com as/os, ree-
xões críticas da problemática social.
A música e a Educação em conjunto com questões relativas à huma-
nidade crescem à medida que damos lugar as artes no desenvolvimento das ca-
pacidades humanas, de maneira que as pessoas aprendam a se humanizar pelo
caminhar do processo educativo, em consonância com Saviani (2016).
Nesse sentido, Carroll (2010) apud Grant (2013, p. 244) arma que
a relação da Arte com a expressão (da morte, das relações amorosas, das vitórias
e sentimentos humanos, de modo geral) é fundamental, na medida em que este
é o meio prioritário utilizado para tornar “o mundo emocionalmente acessível,
[...] mostrando-nos coisas com as suas características humanas manifestas […]
a arte humaniza o mundo [e] apresenta-nos coisas de um modo humanamente
acessível”.
Saviani (2016) disserta que, “[...] o homem não nasce homem. Ele se
forma homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita
aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência” (SA-
VIANI, 2016, p. 88).
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019 69
A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
Marx e Engels (1974 apud SAVIANI, 2016), nos leva a reetir sobre
toda a produção dos homens e mulheres, em sua formação como um processo
educativo, assim, “A origem da Educação coincide, então, com a própria origem
do homem”. (SAVIANI, 2016, p.88).
A música, nesse sentido, pode ser considerada como colaboradora da
construção humana, atuando positivamente quando as letras proporcionam ree-
xões de ideias progressistas e humanas, bem como, podendo agir negativamente,
quando encaixada nos padrões arcaicos, sexistas e preconceituosos em que a nossa
cultura foi construída.
É possível a percepção, nas escolas, da concepção de silêncio e passivi-
dade às regras culturais impostas pelo padrão social patriarcal, o que acarreta na
diminuição de possibilidades expressivas, que envolvam a interação com o outro,
assim como, com o ambiente social em que se vive.
Nesse sentido, Brito (2003, p. 51) profere que a utilização da música
na Educação não deve estar presente apenas como: “suporte para a aquisição de
conhecimentos gerais, para a formação de hábitos e atitudes, disciplina, condi-
cionamento da rotina, comemorações de datas diversas etc.”, como foi trabalhada
historicamente, mas sim como possibilidade reexiva e criativa em um universo
de amplas possibilidades.
A música como um meio para ns determinados minimiza seu caráter
expressivo e sensível, salientando-a para a utilização mecânica, previsível e estere-
otipada, muito utilizada na trajetória história escolar, a serviço de apresentações
cívicas, como forma de controle e integração dos alunos (KRAMER, 2003).
Com Swanwick (1979), temos a defesa de que é essencial a reexão, por
parte das professoras e professores, sobre a importância do ensino com a música,
seus signicados e o valor de sua experimentação, pois, segundo o autor, a música
é parte fundamental dos processos cognitivos, ao considera-la “[...] um modo de
conhecer, um modo de pensar, e um modo de sentir” (SWANWICK, 1979, p. 7).
De acordo com Lima e Akuri (2017), as práticas educativas, pensando
desde a Educação Infantil, avançam para o desenvolvimento, dando ênfase ao
cultural, quando:
[...] O cenário pedagógico contempla situações sociais em que a cooperação, o respeito
a diversidade, a atenção, à necessidade do outro, a solidariedade, o altruísmo, o compro-
misso com a justiça e com o bem comum são vividas, diariamente, em vivências coletivas
que vão sendo internalizadas como necessidades de cada criança. (LIMA; AKURI, 2017,
p. 119).
São as experimentações, que propiciam condições adequadas para
aprender a pensar e agir de modo humanizado, ocasionando o desenvolvimento
70 Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019
SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
em níveis cada vez mais amplos no processo formativo, sendo as vivências, ele-
mentos fundamentais na Educação. (LIMA; AKURI, 2017).
A reexão do conteúdo presente nas letras musicais para além das sen-
sações e sentimentos que ela emana, é um passo relevante para Educação, ao
encontro da pedagogia histórico-crítica. Nota-se que, por mais que as canções
brasileiras sejam plurais, no âmbito das diversidades regionais e das classes sociais,
é possível perceber, em consonância com Ribeiro e Ponciano (2018), em muitas
composições a misoginia que envolve canções escutadas em diversas regiões e nos
mais diversos estilos musicais.
Observa-se em muitas letras, o esquecimento da mulher como uma
pessoa sujeita de direitos, possuidora de dignidade humana, colocando-a em pa-
tamar exclusivo de procriação e com função de dar prazer ao sexo oposto.
O machismo, patriarcado e preconceitos contra as mulheres estão em
todos os lugares e em todas as classes sociais, sendo comum encontrarmos letras
musicais que carregam visões diferentes sobre a imagem feminina
11
e que ferem a
dignidade e o respeito para com a mulher evidenciando e naturalizando a cultura
patriarcal e machista.
De acordo com Facchini e Ferreira (2016) as mobilizações sobre fe-
minismo e violência de gênero no Brasil, estão articuladas a pesquisas que apon-
tam resultados preocupantes sobre acontecimentos cotidianos que evidenciam
a violência contra a mulher, dessa forma, com a iniciativa da promoção da não
violência contra a mulher, com destinação aos alunos e alunas regularmente ma-
triculados no Ensino Médio ou na Educação de jovens e adultos (EJA), o Minis-
tério Público do Estado de São Paulo em parceria com a Secretaria da Educação,
com apoio da gravadora Midas Music, promoveu em 2016, a primeira edição
12
do
concurso musical: “Vozes pela igualdade de Gênero”, o qual trouxe a reexão das/
os participantes sobre a temática da violência contra a mulher.
Mencionada ação que foi realizada para a comemoração de uma década
da existência da Lei Maria da Penha, 11.340, de 07/08/2006
13
, assim como está
em sua 3ª edição, contribuindo e enfatizando o conhecimento e reexões sobre
desigualdades de gênero, o direito das mulheres, evidenciando a participação a
sociedade, promovendo aliança com o empoderamento feminino.
Aludido concurso nos mostra, que ações relacionadas às expressões ar-
tísticas podem ser de grande efetividade para a sensibilização das alunas e alunos,
11
O artigo intitulado “O discurso patriarcal através da música popular brasileira: uma análise das canções misó-
ginas doséculo XX” das autoras Arilda Ribeiro e Jéssica Ponciano (2018) as algumas das discussões que aqui nos
rerimos sobre as representações femininas na música popular brasileira.
12
Disponível em: https://mpd.org.br/05122016-vozes-pela-igualdade-de-genero-premia-vencedores/. Acesso
em: 01/03/2019.
13
Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=15909226&id_gru-
po=118. Acesso em: 01/03/2019.
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019 71
A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
além disso, é sabido que inserir as crianças e adolescentes em situações criativas
que promovam o desenvolvimento é essencial no processo educativo.
Em entrevista com promotoras/es do referido concurso, Nathan Pe-
reira, aluno de escola estadual de São Paulo/SP, vencedor da primeira edição do
concurso, expressa a nossa pretensão com o estudo para com o presente artigo,
relacionando música, Educação e gênero, ao dizer:
As pessoas falam disso, mas não falam realmente, sabe. É algo que ca meio por cima,
eles só dizem, ah, precisa ser mudado, aí tem um comercial lá na TV falando, ah, a vio-
lência contra a mulher, mas ninguém nunca fez nada mesmo para as pessoas abrirem o
olho e falar: Olha tá acontecendo todo dia! E você às vezes comete isso e não tá perceben-
do, você acha que é normal. Eu gosto de usar o rap que nem usavam antigamente, que
era pra contestar, pra dizer o que tá errado, pra tentar fazer as sua mensagem ser ouvida,
então, eu escrevo sobre o que eu acho que precisa ser mudado, que as pessoas precisam
prestar mais atenção.
14
A fala de Nathan evidencia a naturalização do machismo, notando que
a sociedade e a mídia, salientam os problemas de violência de gênero, porém, na-
turalizam a cultura patriarcal, machista e sexista existente. Em sua fala, observa-se
a inquietação em uma conjuntura romântica de que são expostos à sociedade, os
problemas de gênero, ou seja, a naturalização diante das desigualdades de gênero
no meio social.
Lima e Akuri (2017, p.119) ressaltam que, a relação entre experiências,
necessidades e realidade, é essencial desde a primeira infância e, se prolonga em
todas as etapas do ensino, com a intenção de um desenvolvimento cada vez mais
elaborado, na qual indica que para tanto, é necessário um motivo para a ação,
armando que: Para aprender a se desenvolver, a criança precisa ser tocada por
uma necessidade que deagre nela um motivo para agir, se envolver e atribuir
sentido ao processo vivido.
A música escrita pelo mencionado aluno Nathan, é o exemplo de que é
possível o aprendizado com a arte no campo educacional, sendo a obra produzida
pelo aluno, um clamor pela igualdade social e equidade de gênero, intitulada
“Primeiros Passos
15
” teve a participação da cantora e compositora brasileira Kell
Smith, em tentativa de evidenciar a presente causa, buscando mudanças na reali-
dade social brasileira, vejamos alguns trechos:
Primeiros Passos
[...] No mundo é hábito
Patriarcado e machismo
Preconceitos do passado
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7cJ3IZbDqU8. Acesso em: 01/03/2019.
15
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7cJ3IZbDqU8. Acesso em: 01/03/2019.
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
Ainda hoje conhecidos
O masculino se acha o rei
O feminino inferior
Conceitos ultrapassados
Que o ser humano criou
O preconceito é real
É pra quem der e vier
Quando tem a batida de carro Gritam:
Tinha que ser mulher
Antes era pior
Desigualdade realidade
Ela nascia pra ser piloto
E o fogão era sua nave
E a humanidade ainda beira
Seguindo a decadência
O preconceito continua
Até com elas na presidência
[...] O centro do problema diz pra mim:
Qual é?
Tú não conseguiu o emprego
Ou não deu por que é mulher?
Isso não é um sonho
É realidade
Vamos fazer a mulher
Ser livre de verdade
Elas lutam, buscam igualdade
Cansaram disso tudo
E agora querem liberdade
E agora
O seu conceito
O que pretende fazer
Vai car olhando
Ou vai fazer acontecer
Não precisa ser mulher
Para aderir à causa
Diariamente esses assuntos vão entrando em nossa pauta
Elas lutaram
E ainda lutam
O dia delas vai chegar
Quando isso acontecer
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019 73
A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
Quero poder prestigiar
[...] Aí... Esses exemplos de violência não são raros
Acontece todo dia já aconteceu no passado
A lei tá ai para interferir
Mas é você que precisa agir
Não adianta falar, mas não ajudar
A mensagem é essa
Todos façam sua parte
É melhor transmitir amor do que depois sentir saudade
Uma música, quando elaborada, escrita e cantada por um aluno ou
aluna, representando sua visão diante as desigualdades sociais, reetem o diálogo
e a apreciação a uma oportunidade de expressão da arte, construindo o saber, de
acordo com a pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2013).
O aprendizado na construção da atividade artística exercida pelo refe-
rido aluno, possibilitou a reexão criativa e o pensamento crítico sobre uma si-
tuação de violência posta historicamente, envolvendo, desta forma, os conteúdos
aprendidos no ambiente escolar, com a realidade vivida e sentida.
4. considerAções finAis
Consideramos que, nas últimas décadas tivemos referenciais e diretri-
zes, entre tantos outros documentos que objetivam até o tempo presente, a con-
solidação dos direitos das mulheres, bem como da formação integral da criança
e adolescente.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, nº 9394/1996), preza
por um ensino livre de preconceitos, pautado nas práticas e movimentos sociais,
todavia, não é o que se pode ver na maioria dos ambientes escolares, desfavoráveis
para uma pedagogia humanista e afetuosa para com as/os próximos, dada a con-
juntura política do nosso país (eleições presidenciais 2018) e a nossa sociedades
brasileira, envolvida por ideais segregacionistas, com embasamentos na violência,
ódio e preconceito para com as minorias.
A relevância da música como possibilidade de formar seres humanos
integrais e passíveis de autonomia reexiva, necessita de prossionais da Educação
humanizados, com a compreensão histórica do caminho percorrido pelas mulhe-
res e suas lutas.
Machismo, sexismo, homofobia, todos os tipos de preconceitos e vio-
lências, indicam a realidade presente na nossa sociedade. A Educação deve se
posicionar para educar a humanidade das pessoas, e não se transformar em fábrica
aniquilação de poder do senso crítico e reexivo.
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SOUZA, A. L. B. R.; GOMES, M. S.; SILVA, V. P.
A Educação não humanista, a falácia da ideologia de gênero, o silen-
ciamento diante da cultura patriarcal, sexista e machista em que vivemos, xam
pensamentos retrógrados na sociedade, aumentando a profundidade da alienação
em massa.
Uma Educação que se preocupa em mostrar e denunciar violências de
gênero, abominando preconceitos, objetiva ensinar nossas crianças a respeitarem
a si e as/aos próximos e próximas, gerindo o desenvolvimento com qualidade as
alunas e alunos, o que irá reetir no desenvolvimento social.
Corriqueiramente, no campo Educacional, são notadas determinações
de espaços, e se escuta “azul é cor de menino e rosa é cor de menina”, como se as
cores determinassem o gênero ou sexo. O mesmo pode-se armar em relação a
lugares em que cada uma ou cada um deva ocupar “a menina brinca de casinha
e o menino de carrinho”, demonstrativos de que estereótipos de gênero precisam
ser superados.
Com a música na Educação, há a possibilidade da percepção de que
um ensino pautado na reprodução conteudista, é vazio e incompleto, além de
paulatinamente, ocorrer no meio social, o benefício da transformação dos estere-
ótipos e questões relativas ao gênero, Lima e Sanches (2009) salientam a gradual
percepção da diferenciação de gênero, assim como a construção das composições
musicais da categoria feminina, no Brasil.
Para o possível trabalho com a temática de gênero nas escolas, é ne-
cessário compreender que a formação de uma nova geração deriva de aptidões
criadas pelas gerações anteriores (PEDERIVA; COSTA; MELLO, 2017), assim,
abrindo caminhos para uma reconstrução cultural e novas possibilidades de uma
Educação despida de preconceitos.
Com a compreensão das movimentações geracionais, ou seja, a relação
das gerações passadas com as novas, visando às possibilidades de superações, é
possível a armação de que “é esse movimento que constitui a história humana”.
(PEDERIVA; COSTA; MELLO, 2017, p.14).
Nesse sentido, caminha também a música, sendo uma representação
artística da sociedade, que está em constante transformação, Murgel (2007) relata
sua conança na arte como um caminho para mudanças e transformações das
mulheres, assim como para novas visões para com as mulheres. Sendo assim,
música e estudos de gênero podem ser ofertados na Educação Básica, no contexto
pedagógico humanista, o qual acompanha a transformação social, criando possi-
bilidades e ofertas ao desenvolvimento pleno das alunas e alunos.
Sem pretensões de nalizar reexões, evidenciamos a compreensão de
que estamos em constante desenvolvimento sócio-cultural, além disso, não é ta-
refa fácil desmisticar na sociedade, assuntos tão estereotipados pela maioria da
sociedade. Não buscamos trazer considerações mecânicas e, nem uma receita a ser
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 59-78, Jul./Dez., 2019 75
A música e formação humana na educação básica Artigos/Articles
seguida, mas sim, a reexão das possibilidades de mudança social, através de um
ensino que busque a humanização com elementos artísticos, sendo que, o incô-
modo de tocar em feridas abertas, não deve superar a necessidade e urgência dos
problemas de violência de gênero.
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