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Arquitetura do lugar Artigos/Articles
ArquiteturA do lugAr: o espo como produtor de
subjetividAde
Place architecture: sPace as a subjectivity Producer
Isabella Valino Teixeira de Bessa
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resumo: Esse artigo tem por objetivo analisar como a arquitetura inuencia no processo de
subjetividade do individuo, desde como esse se organiza dentro do espaço privativo como quando
começa a se desenvolver a partir do rompimento de regras e do uso não programado do espaço
social/compartilhado. Para tanto propõe-se analisar a diferença de ver o espaço e viver o espaço,
visto que, viver o espaço é saber da possibilidade do encontro, das experiências, dos ritmos, dando
sentido à ele até que o mesmo torne-se um “lugar”. Para tanto, parte-se da questão: O espaço
enquanto obra arquitetônica experienciada é capaz produzir subjetividade individual e coletiva?
Nossa hipótese é a de que quando compreendemos o espaço como possibilidade de experiências,
damos a ele sentido de lugar, ou seja, produzindo assim singularidades capazes de proporcionar
autenticidade nas relações estabelecidas tanto sociais, como também de pertencimento individuais.
Metodologicamente, busca-se apoio teórico nos conceitos de Sujeito e Subjetividade (GONZALES
REY, 2005).
pAlAvrAs-chAve: Espaço. Experiência. Subjetividade.
AbstrAct: is article aims to analyze how architecture inuences the process of subjectivity of
the individual, from how it is organized within the private space as when it begins to develop from
the breaking of rules and the unscheduled use of social / shared space. erefore, it is proposed to
analyze the dierence of seeing space and living space, since living space is knowing the possibility of
meeting, experiences, rhythms, giving meaning to it until it becomes a “place”. “ erefore, we start
from the question: Is space as an experienced architectural work capable of producing individual
and collective subjectivity? Our hypothesis is that when we understand space as the possibility
of experiences, we give it a sense of place, that is, producing singularities capable of providing
authenticity in established relationships, both social and individual belonging. Methodologically,
theoretical support is sought in the concepts of Subject and Subjectivity (GONZALES REY, 2005).
Keywords: Space. Experience. Subjectivity.
Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Educação na UNESP/Marília (Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho”). Bacharela em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário de Votupo-
ranga (UNIFEV). Votuporanga, São Paulo, Brasil. E-mail: isabella-vallino@hotmail.com
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.02.p9
https://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5n2.04.p41
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introdução
Compreender a multimensionalidade da arquitetura enquanto arte,
linguagem e lugar privilegiado dos afetos dentro do espaço habitado individual e
coletivo pode nos ajudar a pensar como o processo de subjetivação se exterioriza.
O ato de habitar revela as origens ontológicas da arquitetura, lida com as dimensões pri-
mordiais de habitar o espaço e o tempo, ao mesmo tempo em que transforma um espaço
sem signicado em um espaço especial, um lugar e, eventualmente, o domicílio de uma
pessoa. O ato de habitar é o modo básico de alguém se relacionar com o mundo. É fun-
damentalmente um intercâmbio e uma extensão; por um lado, o habitante se acomoda
no espaço e o espaço se acomoda na consciência do habitante, por outro, esse lugar se
converte em uma exteriorização e uma extensão de seu ser, tanto do ponto de vista físico
quanto mental. (PALLASMAA, 2017, p. 7 e 8).
Na medida em que a obra arquitetônica se torna um transito infor-
macional essa contextualização gera a qualicação do espaço e sua identicação
social, acontece uma relação entre objetos, edifícios, pessoas e processos.
Ocorre uma produção de pontos de vista quando um espaço é utili-
zado, visto que o mesmo é usufruído por mais de uma maneira e por diferentes
pessoas e em tempos diferentes, ele torna-se um produtor de sentido, um espaço
criado para criar.
Sabemos que o espaço gera a possibilidade do encontro e das experiên-
cias, precisamos então nos deixar afetar pelo que o ele nos proporciona e compre-
ender que ele só existe e funciona em relação ao conjunto no qual esta situado,
ou seja, não só com suas divisões e subdivisões, mas também por aqueles que a
frequentam... Pelos sons, cheiros, sinais, pássaros, árvores e innitas coisas.
Percepto é o processo de pensamento que não se tem exatidão, pois não
se pode esperar descrever o que se sente, vê ou ouve, exatamente como se sente, vê
ou ouve. As imagens xam de modo instantâneo. Acaba sendo uma relação com
o receptor e seu universo num momento de descoberta e encantamento. Deleuze
nos esclarece em sua entrevista à Claire Parnet no Abecedário,
Há os conceitos, que são a invenção da Filosoa, e há o que podemos chamar de per-
ceptos. Os perceptos fazem parte do mundo da arte. O que são os perceptos? O artista
é uma pessoa que cria perceptos. Por que usar esta palavra estranha em vez de percep-
ção?Porque perceptos não são percepções. O que é que busca um homem de Letras, um
escritor ou um romancista? Acho que ele quer poder construir conjuntos de percepções
e sensações que vão além daqueles que as sentem. O percepto é isso. É um conjunto de
sensações e percepções que vai além daquele que a sente. Vou dar alguns exemplos. Há
páginas de Tolstoi que descrevem o que um pintor mal saberia descrever. Ou páginas de
Tchekov que, de outra maneira, descrevem o calor da estepe. Há um grande complexo
de sensações, pois há sensações visuais, auditivas e quase gustativas. Alguma coisa entra
na boca. Eles tentam dar a este complexo de sensações uma independência radical em
relação àquele que as sentiu. Tolstoi também descreve atmosferas. As grandes páginas de
Faulkner! Os grandes romancistas conseguem chegar a isso. Há um grande romancista
americano que quase disse isso. Ele não é muito conhecido na França, e gosto muito
dele. É omas Wolfe. Ele descreve o seguinte: ‘Alguém sai de manhã, sente o ar fresco,
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o cheiro de alguma coisa, de pão torrado, etc., um passarinho passa voando... Há um
complexo de sensações. O que acontece quando morre aquele que sentiu tudo isso? Ou
quando ele faz outra coisa? O que acontece? (DELEUZE, 1997)
A junção de juízo e percepto acabam por acarretar uma proposição de
existência (visto que juízo é uma formação de uma proposição mental combinado
com um “de acordo” ao pensamento em si referido) determinada pelo percepto
(uma sucessão de imagens/sentimentos corridos) que ele interpreta e conclui. Ou
seja, quando se torna válido o argumento daquilo que não se consegue explicar.
No primeiro caso percebe-se, no segundo, inventa-se a percepção.
Relacionando todo o contexto inserido ao processo de construção do
projeto de arquitetura, ca claro que quando o percepto é associado à contiguida-
de ocorre uma produção de ideias, ou seja, num ato projetual seria a explosão de
sentimentos e possibilidades vista num terreno vago, já quando o juízo perceptivo
é associado à contiguidade ocorre um raciocínio de lembrança de ideias, uma
aproximação de experiências deslocadas no tempo, como quando no ato projetual
inicia-se o desenho arquitetônico, limitando as experiências que anteriormente
foram obtidas. Retorno à Deleuze,
E há um terceiro tipo de coisa e muito ligada às outras duas. É o que se deve chamar
de afectos. Não há perceptos sem afectos. Tentei denir o percepto como um conjunto
de percepções e sensações que se tornaram independentes de quem o sente. Para mim,
os afectos são os devires. São devires que transbordam daquele que passa por eles, que
excedem as forças daquele que passa por eles. O afecto é isso. Será que a música não seria
a grande criadora de afectos? Será que ela não nos arrasta para potências acima de nossa
compreensão? É possível. (DELEUZE, 1997).
Viver o espaço cotidiano é descobrir no outro uma potência e no entor-
no uma possibilidade e não como uso programado e especico de determinado
ambiente, mas olhar por um viés de que tudo isso se deu através do encontro e
das experiências que foram nele obtidas.
gonzAles rey: guAtArri e suA contribuição pArA o cAmpo dA subjetividAde.
Guatarri, como o autor Gonzales Rey cita, foi um grande crítico das
formas tradicionais de produção de conhecimento. Para Guatarri, “a subjetividade
é sempre uma produção social” (REY, 2005, p.113), ou seja, precisamos ir contra a
subjetividade maquínica para sermos capazes de produzir autenticidade de afeto
nas relações sociais.
Precisamos produzir singularização, é justamente nesse processo que
conseguirmos nos envergar para uma criação. Criando os próprios tipos de refe-
rencias práticos e técnicos, não necessariamente dentro das relações sociais, mas
também como nos relacionamos com a música, os objetos, as coisas dispostas no
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entorno, gerando percepções e sensibilidades totalmente novas, pensemos dessa
maneira nas micro-relações. Essas construções individuais proporcionam resistên-
cia dentro dos sistemas de servidão maquínica dos quais vivemos.
Entretanto o pensamento de Guatarri, como aponta o autor aponta o
autor, não se reduz apenas a eliminação das formas de organização padronizadas,
mas também compreende os sujeitos implicados dentro dela, assim ganha cons-
tante desenvolvimento nas formas processuais entre suas ações.
Relacionamos-nos com tudo a nossa volta, estabelecemos conexões que
nos potencializam em nível singular, assim como com a arquitetura e o espaço em
que habitamos. Foucault vai buscar em Vigiar e Punir (2002), a dominação dos
corpos diante dos dispositivos disciplinares que estabelecem regras de controle.
Essa vigilância contrai as paixões, os corpos, a aprendizagem e a vida, dociali-
zando-os para que eles não pensem, não ajam, se não sob a ordem de alguém,
alocando no corpo apenas a produtividade de ser submisso. Isso ocorre devido o
poder disciplinar, no qual o adestramento dos corpos gera normativas de compor-
tamento sobre os indivíduos.
O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como
função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e
melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e uti-
lizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] (FOUCAULT, 2005, p.143).
Nos espaços concebidos sob a ótica contemporânea, o ser agenciador
tem total maestria dominante sobre as funções espaciais. Em outras palavras as
funções denidas previamente inexistem e cam a cargo da apropriação do usuá-
rio como gerador de potências de uxo. Conforme Foucault,
Nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus de-
sempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma la, ora outra; ele se desloca o tempo
todo numa série de casas; [...] que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades.
(FOUCAULT, 2005, p.125).
Ao apropriar-se do espaço, o habitante deixa rastros de subjetividade,
compartilhando experiências a cada nova exposição do fora. Enquanto acumu-
lador de potências o espaço busca se moldar através da relevância dos corpos que
são agentes transitórios e, portanto, responsáveis por inferir na matéria e agenciar
novos modos de sentir e desfrutar o espaço.
O que foi vivido esta segmentado espacialmente, é preciso atravessar,
sair do eixo habitual e perder-se no emaranhado de percepções e afetos que o
espaço proporciona. Propor ao corpo a reinvenção do espaço é “[...] abrir o corpo
a conexões que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções, superpo-
sições, limiares, passagens e distribuições de intensidades, territórios e desterrito-
rializações [...]” (DELEUZE, GUATARRI, 2008, p. 22).
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Os espaços quando habitados constroem representações perceptivas e
comunicantes, fazendo com que nossa visão se abra para além do espaço físico,
tornando-o também sensorial.
ArquiteturA dA experiênciA
Nada supera a obra arquitetônica desde sua principal função como: a
necessidade de proteção e convivência, porém a outra função pouco encontrada que
é a da possibilidade de pensar nela como meio de educar, pela relação na qual o
sujeito estabelece com o prédio em que convive. Não apenas transmitindo infor-
mação, mas convivendo e se comunicando com o espaço que habita, para assim,
nesse meio produzir conhecimento de si e do mundo.
Somos acostumados a ver uma arquitetura industrializada e padroni-
zada, cinza e dura... Ao debruçarmos em uma arquitetura leve, com propostas
diferentes nos chocamos, não acreditamos que possa dar certo. Essa arquitetu-
ra que conhecemos é enraizada da disciplinarização dos corpos em massa, onde
obriga os corpos a compreenderem o espaço na maneira de praticar uma ação já
estabelecida.
O espaço existencial e vivenciado estrutura-se na base dos signicados, intenções e va-
lores reetidos sobre ele por um individuo, seja de modo consciente, seja inconsciente;
assim o espaço existencial possui uma característica única interpretada por meio da me-
moria e da experiência do sujeito. (PALLASMAA, 2018, p. 23).
Parece natural essa forma de disciplinarização do corpo, entretanto há
corpos desviantes que esses dispositivos não dão conta de captura. Debruçaremos
sobre o pequeno trecho de Quintana, “O mais triste de um passarinho engaiolado
é que ele se sente bem.” (QUINTANA, 2008, p. 91).
Um espaço que produz subjetividade.
Seja na escala da cidade ou na escala da casa, as edicações criadas pelo homem, além de
serem exteriorizações e extensões das funções corporais humanas, também são extensões
e projeções mentais; elas são exteriorizações de nossa imaginação, memória e capacidade
de conceitualização. As cidades e as edicações, assim como outros objetos feitos pelo
homem, estruturam nossas experiências existenciais e lhes conferem signicados especí-
cos. (PALLASMAA, 2013, p.119).
A tarefa então da arquitetura dentro do âmbito do educar, é abrir os
espaços para as percepções exteriores, criando assim coletivamente um espaço
onde todos possam interagir conforme suas necessidades e vontades, entendendo
os corpos não como uma massa a ser padronizada, mas como um conjunto de
singularidades.
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A ArquiteturA como ser-no-mundo
Experiências tocantes com o espaço promovem signicados e memórias
que são capazes de alterar nossas percepções enraizadas, transformando-as em
singularidades que servem de potência para nossa compreensão da vida, ou seja,
essências que deixamos ao nosso redor são capazes de apresentar traços de nossa
singularidade.
Há um relacionamento dinâmico especial entre os dois [nosso corpo e nossa casa], eles
podem se fundir e oferecer um senso denitivo de conectividade, ou podem estar distan-
tes um do outro, originando um senso de saudade, nostalgia e alienação. Nosso domicí-
lio é o refúgio e a projeção de nosso corpo, memória e identidade pessoal. Estamos em
constante diálogo e interação com o ambiente, a tal ponto que é impossível desconectar a
imagem da identidade pessoal de seu contexto espacial e situacional. ‘Sou o espaço onde
estou’, como diz o poeta Nöel Arnaud. (PALLASMAA, 2013, p.125).
Os olhos acabam se esquecendo de como eram as coisas, mas o corpo
ainda lembra, nossa memória sensorial emergem fragmentos para dar contingên-
cia a nossa experiência atual. Projetamos signicados e signicações em tudo que
encontramos, não falamos mais de sujeitos, mas de multiplicidades.
Compreendemos o espaço à medida que habitamos e o homem busca
na arquitetura construir /materializar seus desejos, suas inquietações, sua identi-
dade e ela nos proporciona uma descoberta de nós mesmos quando paramos para
observar o que nos rodeia.
O conceito de lugar dentro da arquitetura apesar de pouco tempo estu-
dado, tem conceituações ricas de grandes autores e de variados campos do conhe-
cimento (como o do geógrafo Milton Santos e da professora Lucrécia Ferrara),
entretanto buscamos aqui no autor Pallasmaa (2013)
2
uma contribuição na ma-
neira como ele, arquiteto e educador manifesta as qualidades afetivas possíveis da
arquitetura e dos lugares como identidade dos homens. Ou seja, essa inter-relação
que estabelecemos com as coisas, objetos, cheiros, cores, texturas, sons, etc. são
fragmentos que somam experiências do tempo vivido e que clamam, - intensi-
cam -, e evocam percepções sensoriais singulares potentes.
Entretanto os lugares mudam com o tempo, porem as pessoas que ha-
bitam também; um mesmo lugar é experienciado de maneiras distintas e provoca
reações e afetos distintos.
resistênciA no hAbitAr
Quando habitamos um espaço, damos sentindo a ele, tornando-o um
lar, um lugar onde imperceptivelmente organizamos nosso mundo. Se inverter-
 Juhani Pallasmaa é um arquiteto, crítico e professor de arquitetura nlandês.
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mos nosso olhar podemos perceber que a casa não serve apenas de proteção para
nosso corpo, mas também para nossas memórias, nossos sonhos e nossos afetos.
Habitar é exteriorizar nossa subjetividade, nosso “eu”. Segundo Pallas-
maa (2013), hoje a arquitetura deixou de ter seu signicado de moradia e celebra-
ção, pois pensamos apenas num mundo materialista e estético:
Ao sermos tocados pelo estranhamento somos forçados a declinar de
hábitos convencionados em busca de outros horizontes perceptivos. Pelos agen-
ciamentos dos afectos, somos constantemente desterritorializados, isso signica
que, os signos que circulam por nossos corpos enviando informações são os mes-
mos que nos ajudam a formular outros questionamentos, tais processos são efei-
tos do estranhamento que desconstroem certos modos de habitar as coisas e o
mundo, abrindo-nos às novas formas interativas de aprendizagem.
Precisamos produzir singularização, é justamente nesse processo que
conseguirmos nos envergar para uma criação. Criando os próprios tipos de refe-
rencias praticas e técnicas, não necessariamente dentro das relações sociais, mas
também como nos relacionamos com a música, os objetos, as coisas dispostas no
entorno, gerando percepções e sensibilidades totalmente novas.
Pensemos dessa maneira nas micro-relações: essas construções indivi-
duais proporcionam resistência dentro dos sistemas de servidão maquínica (LAZ-
ZARATO, 2014)
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, dos quais vivemos.
A casa é como uma imagem objeto da nossa experiência existencial.
Como Pallasma (2013) resume a casa é “nosso ser-no-mundo” reetido por vezes
num porta retrato amarelado, num livro da Clarice ou numa oreira qualquer.
Para observa-la num todo precisamos desacelerar até sentir o movimen-
to do vento nos galhos. Cada casa é o que resiste de cada habitante, pode não fazer
sentido para outros visitantes, pois ali são as experiências materializas e singular
de quem as vive. A arquitetura assim como essas artes se faz na fronteira entre o
eu” e o “mundo”.
Contudo a arquitetura do lar/abrigo é a defesa da autenticidade da
vida, da resistência no tempo, da nossa experiência. Essas pessoas e essas casas
reetem a importância da nossa subjetividade nos dias atuais, da nossa singulari-
dade, hoje presenciamos o idêntico, a exarcebação das imagens e não mais damos
visibilidade as micro-existências/resistências desses seres.
Corresponde a um processo de subjetivação no qual o indivíduo passa a ser uma engrenagem, um componente
de um sistema. (LAZZARATO, 2014).
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velhA chácArA
A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.
Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou! (E a vida... nos desenganos...)
A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...
- Mas o menino ainda existe.
(Manuel Bandeira, Lira dos cinquent’anos)
considerAções FinAis
Compreendemos que se dermos sentido ao espaço que habitamos tanto
no privativo (casa) como no coletivo (cidade), somos capazes de gerar singularida-
des, produzir subjetividades e exteriorizar nosso eu-no-mundo. Destacamos então
que se experienciarmos os espaços e desaceleramos nosso tempo de observação
somos capazes de gerar múltiplas dimensões do aprender, ou seja, quando isso
ocorre produzimos movimentos; novas maneiras de pensar, ver/ouvir e de sentir.
Nesse instante, a convivência, o corpo, o espaço, o signo emitido, o poder de afe-
tar e ser afetado faz com que nossa potência seja elevada a tal modo que sejamos
capazes de criar.
A construção desse artigo é a tentativa de compreender como o espa-
ço e as obras arquitetônicas dialogam e são capazes de produzir subjetividades
individuais e coletivas quando não são vistas mais como repetição do cotidiano
que automaticamente repete os signos já codicados pela crença ou tradição. Ao
contrário, aqui, todo pensamento da criação ou da invenção torna-se mobilizado
pelo acaso, pelo imponderável e imprevisível encontro entre os signos que são
capazes de ativar a produção do novo.
reFerênciAs
BANDEIRA, M. Lira dos cinquent’anos. Global, 2013.
DELEUZE, G. O abecedário de Gilles Deleuze. Entrevista com G.Deleuze. Editoração: Brasil,
Ministério da Educação, TV Escola, 2001. Paris: Éditions Montparnasse, 1997, VHS, 459min.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 3. Rio de Janeiro:
Editora 34, 2008.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: História da violência nas prisões. São Paulo: Ática, 2002.
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Arquitetura do lugar Artigos/Articles
GONZÁLEZ REY, F. L. Sujeito e subjetividade: uma aproximação – Histórico-cultural. São
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Paulo, 2014.
QUINTANA, M. Para Viver com poesia. São Paulo: Globo, 2008.
PALLASMAA, J. A imagem corporicada: imaginação e imaginário na arquitetura. Trad.
Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2013.
PALLASMAA, J. Habitar. Trad. Alexandre Salvaterra. São Paulo: Editora G. Gili, Ltda, 2018.
Submissão: 23/03/2019
Aceito: 01/05/2019
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