Questionamentos sobre o fazer-se da Justiça
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.5, n.1, p. 37-52, Jan./Jun., 2019
QUESTIONAMENTOS SOBRE O FAZER-SE DA JUSTIÇA: TRT
REGIÃO, FORTALEZA, ANOS 1940 E 1950.
Q
UESTIONS ABOUT MAKING
J
USTICE
: TRT 7
TH
R
EGION
, F
ORTRESS
,
YEARS 1940 AND 1950.
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L
V
A
1
RESUMO: O artigo é parte de uma pesquisa de doutorado sobre a Justiça do Trabalho e os
Trabalhadores em Fortaleza. Objetivando investigar a Justiça do Trabalho e sua atuação no mundo
do trabalho, e como os trabalhadores travaram lutas na arena jurídica para assegurar seus direitos
trabalhistas, é que nos propomos analisar fontes processuais do arquivo do TRT da 7a Região, nos
anos 1940, quando da instalação do Conselho Regional do Trabalho CRT, até os anos de 1950,
período em que esses processos questionadores das decisões judiciais deixaram de existir. Buscamos
fazer
uma análise depurada dos dissídios individuais e coletivos, de pessoas físicas e jurídicas,
questionando a morosidade nos julgamentos, a escolha de juízes vogais, contra o descumprimento
do acordo pela parte
patronal, dentre outras situações
que colocavam
em dúvida o fazer-se da Justiça
do
Trabalho no âmbito local. A pesquisa elucidou os meandros da Justiça do Trabalho na cidade de
Fortaleza, revelando os conflitos que engendraram sua formação e solidificação ao longo dos anos,
sendo ainda hoje referência de luta dos trabalhadores.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
: Conflito. Negociação. Classe patronal. Leis trabalhistas.
ABSTRACT: The article is part of a doctoral research on Labor Justice and Workers in Fortaleza.
With the aim of investigating Labor Justice and its work in the world of work, and as workers have
struggled in the legal arena to ensure their labor rights, we propose to analyze procedural sources
of the TRT file of the 7th Region in the 1940s, when installation of the Regional Labor Council
(CRT) until the 1950s, during which time these judicial questioning processes ceased to exist.
We sought to make a thorough analysis of the individual and collective decisions of individuals
and legal entities, questioning the delays in the judgments, the choice of vowel judges, against the
breach of the agreement by the employer, among other situations that cast doubt on the Labor
Law at the local level. The research elucidated the intricacies of the Justice of the Work in the city
of Fortaleza, revealing the conflicts that engendered its formation and solidification over the years,
being still today a reference of workers’ struggle.
K
EYWORDS
:
Conflict. Negotiation. Employer class. Work laws.
1Doutora em História pela UNICAMP. Professora efetiva da SEDUC-CE/CEMER-MN. Email: sangelasousa@
yahoo.com.br
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.04.p37
SILVA, M. S. S. S.
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1
I
NTRODUÇÃO
A história da Justiça do Brasil ainda está sendo desvendada por pesqui-
sas realizadas junto aos acervos dos Memoriais e Arquivos dos Tribunais em todo
o país. No Brasil, existem experiências exitosas de preservação e disponibilização
para consulta e pesquisa e de espaços da memória da luta dos trabalhadores, pela
conquista dos direitos, como esclareceu Droppa (2011).
O memorial e arquivo do TRT 7a Região em Fortaleza é um desses
espaços que buscam resguardar os processos restantes em meio ao montante que
foi “incinerado”, pois, de acordo com Silva (2007), esses processos representam
possibilidades de pesquisas a respeito das lutas coletivas e individuais dos traba-
lhadores, bem como da própria instituição da Justiça do Trabalho.
No entanto, o problema de armazenamento de processos enfrenta a
ameaça de outra incineração de processos do TRT da 7a Região, originários da
Juntas de Sobral e Crato que acumulam processos datados a partir do ano de sua
criação, 1970. O contato com universidades, porém, não despertou o interesse
pela preservação dos arquivos, diferentemente do que ocorreu na Universidade
Federal do Pernambuco, que conseguiu a guarda do TRT da 6a Região e hoje tem
sob a responsabilidade da Pós-Graduação e do Departamento de História, como
esclarece Montenegro (2010), que atualmente armazenou aproximadamente du-
zentos mil processos, disponíveis à consulta de estudantes e pesquisadores.
Neste artigo, analiso processos que questionaram o próprio fazer da
justiça, pois “[...] os poucos que sobraram compõem acervos de inegável valor his-
tórico e têm sido fontes primárias relevantes para pesquisadores das mais diversas
áreas do conhecimento.” (DROPPA, 2011).
.
Além disso, permitem conhecer as
tensões vivenciadas numa época em que o Direito do Trabalho era uma disciplina
recém-criada na universidade e os próprios professores das Faculdades de Direito,
como intelectuais, entenderam que [...] é sempre preciso tomar idéias, dialogar
com o mundo, mas de fazer delas as suas idéias”, no dizer de Gomes (2010).
.
Essa característica é encontrada, por exemplo, em Freire (1937), na dis-
sertação Direito do Descanso, pleiteando a vaga de professor catedrático da referida
universidade. Esse pesquisador, Aderbal Freire, também é o autor de “Ensaio de
uma síntese do direito trabalhista”, de 1938, dentre outros. Em 1941, Aderbal
Freire passou a editar Capital e Trabalho, revista cultural e informativa sobre tra-
balho, indústria e comércio. Longe de ser uma cópia da Carta Del Lavoro, como
adverte Fernando Teixeira, a legislação trabalhista brasileira foi se formando e
sendo construída paulatinamente em meio ao processo do fazer-se da própria
Justiça do Trabalho (SILVA, 2010).
Os processos analisados a seguir questionaram a autoridade e as deci-
sões dos profissionais e representantes da Justiça do Trabalho, como o juiz togado
e o juiz classista, quando os reclamantes se sentiram prejudicados pelas sentenças
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ou pediam agilidade no julgamento de processos, uma vez que a morosidade os
prejudicava. Foram discutidas as escolhas de juízes classistas
2
de Juntas de Conci-
liação de Fortaleza, Teresina e São Luís.
Os autores dos processos são pessoas físicas e entidades sociais, como
sindicatos, que solicitaram mais agilidade na avaliação do seu julgamento ou re-
quereram a substituição do juiz vogal, por este não representar a categoria. En-
contrei ainda conflitos de jurisdição, em que um juiz da primeira vara, ao entrar
de
férias, transferiu o processo para a segunda vara, cujo juiz, por sua vez, não
aceitou fazer o julgamento, devolvendo o processo à vara de origem. O caso che-
gou ao TRT para que fosse definida a competência para o julgamento do pro-
cesso. Outros processos foram instaurados contra empresas que descumpriram
acordos realizados no tribunal.
No início do seu funcionamento, em 1941, a Justiça do Trabalho re-
presentava os estados do Ceará, Maranhão e Piauí, logo os processos foram ori-
ginados nas capitais dos respectivos estados: Fortaleza (CE), São Luís (MA) e
Teresinha (PI) além do interior do estado do Ceará, no município de Quixadá, e do
interior do Piauí, Parnaíba. Sobre a instalação da Justiça do Trabalho no Ceará,
o
então procurador da 7a Região, João da Rocha Moreira, quando da realização no
I Congresso Brasileiro de Direito Social, em 1941, no Distrito Federal, Rio
de
Janeiro, esclareceu em relação à Justiça do Trabalho que “não se trata, pois, de
atender a tudo o que o trabalhador possa desejar, mas ao que aspire dentro dos
limites do justo, do razoável, do equitativo, do oportuno.” (MOREIRA, 1941).
Porém, a ainda recente instituição jurídica já mostrava dificuldades,
explicitadas pelo procurador: “o caráter gratuito conferido aos encarregados de
aplicar as leis sociais e a incapacidade do novo organismo de executar as suas
decisões demoraram o andamento do feito e criaram uma série de embaraços.”
(MOREIRA, 1941, p. 54).
.
Embora não esclareçam os “embaraços”, tais palavras
deixam transparecer as tensões, resistências e dificuldades enfrentadas desde sua
implantação e que perdurou pela década de 1940 e a seguinte, como foi possível
perceber nos processos.
Em plena solenidade de inauguração da Justiça do Trabalho no Ceará,
João da Rocha Moreira rebateu as críticas à criação da instituição, fazendo uma
analogia com a justiça comum, defendendo-a como foro especial, pois “os feitos
trabalhistas necessitam de rapidez para que se torne numa realidade as leis de
proteção ao proletário. Além disto, trata-se aqui, de um juízo eminentemente
conciliatório, arbitral em caso extremo, de impossibilidade absoluta de acor-
do.” (MOREIRA, 1941).
2
A incorporação dos juízes classistas, representantes de trabalhadores e dos patrões, está pautada no princípio de
conciliação entre as partes e são vistos como facilitadores no processo. Para Ângela Gomes, essa concepção está
pautada no projeto de Estado Corporativo (GOMES, 2006).
SILVA, M. S. S. S.
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Em sua maioria, os processos consultados foram abertos nos anos de
1940, apenas dois em 1950 e nenhum nos anos de 1960. O que é compreensível,
uma vez que, na década de 1940, com a instalação da Justiça do Trabalho e, em
virtude de seus princípios de funcionamento gratuidade, acessibilidade e orali-
dade −, sem o rigor da justiça comum, as pessoas sentiram-se mais à vontade para
expressar e reivindicar seus direitos. Mas em geral ocorreu sempre o contrário: o
número de processos aumentou. Nas palavras de Gomes (2006, p. 62), “[...]
tratava-se de uma justiça que deveria ser de fácil acesso, donde as orientações de
gratuidade dos custos, de dispensa de advogados, de oralidade e de maior infor-
malidade no julgamento de processos.”
O fato de poder conversar pessoalmente com o juiz, sem intermediação
do advogado, gerou expectativas quanto à possibilidade de intervir e alcançar
a aprovação da causa. Os processos são, assim, significativos por permitirem a
percepção de conflitos e tensões que permearam a formação e a composição da
própria Justiça do Trabalho como instituição sólida e regrada por normas claras e
conhecidas de toda a sociedade. Nos anos de 1950, após mais de uma década de
funcionamento, a diminuição considerável das questões sugere que a Justiça do
Trabalho contava com uma estrutura mais sólida, talvez mais acreditada pela
população, pelas organizações sociais. Outra possibilidade, porém, é que tivesse
se fechado a contestações desta natureza.
2 CONTRA DESCUMPRIMENTO DE ACORDO
Os trabalhadores conheciam a legislação e por isso procuravam a justiça
para usufruir de seus direitos, sendo, além de beneficiários, fiscais, pois viven-
ciaram no dia a dia o descumprimento de tais leis. Aderbal Freire, professor de
Direito Industrial e Legislação do Trabalho da Faculdade de Direito do Ceará, na
revista Capital e Trabalho, referendava-se no jurista Cesarino Júnior, afirmando
que os beneficiados da Justiça do Trabalho seriam seus melhores fiscais e garan-
tiriam o cumprimento da legislação. Abordando o tema “O futuro Código Bra-
sileiro do Trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador”, tese aprovada no
I Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em 1941, Freire (1941) expôs
a necessidade de uniformização das leis em um único código, reunidos em um
único texto,
3
o que ocorreu em 1943.
Atento aos seus direitos, o trabalhador Theodor Ziesemer, admitido dia
11 de junho de 1945, foi demitido do emprego por Frederico João Lundgren,
da empresa do ramo têxtil, Lundgren & Cia. Ltda., que alegou desobediência,
indisciplina e insubordinação. Acompanhado pelo advogado Raimundo Girão,
3
A biblioteca do professor Aderbal foi doada ao TRT 7a Região e conta com um vasto acerco sobre o direito
do trabalho, incluindo obras de juristas italianos, alemães, franceses, dentre outros. São visíveis o estudo e a
pesquisa sobre o direito do trabalho em vários países, que possivelmente influenciaram suas várias produções
sobre o tema.
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dirigiu-se à Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) para reclamar da empresa
que descumprira o acordo firmado no Conselho Regional do Trabalho (CRT),
processo JCJFConselho Regional do Trabalho (CRT) nº 280/41, de reintegra-
ção no cargo de co-gerente e pagamento de salários dos dias afastados, datado
de dezembro de 1941. O funcionário, Theodor, com sete anos de serviço, foi
suspenso e transferido para outro estabelecimento localizado em Manaus, no
Amazonas, com salário mais baixo do que recebia e em função inferior a que
exercia. O patrão, Frederico, para justificar as medidas punitivas e se prevenir
contra uma possível ação na Justiça, entrou com inquérito na Junta de Conci-
liação e Julgamento de Fortaleza (JCJF). Não houve acordo entre as partes e o
processo foi transferido para a Procuradoria Regional do Trabalho (PRT)
4
que
o julgou improcedente pelo procurador João da Rocha Moreira, dando parecer
de reintegração no emprego e pagamento dos salários. Inconformado, o patrão
interpôs recurso
5
extraordinário no Conselho Regional do Trabalho (CRT), cujo
presidente, Adonias Lima
6
, reafirmou a decisão da procuradoria. O patrão, então,
pôs os seus bens (tecidos) à penhora e emitiu embargos
7
solicitando a nulidade
da execução até o pronunciamento do Conselho Nacional do Trabalho (CNT).
A reação do trabalhador foi imediata. Contestou os embargos e argumentou, por
meio de seu advogado, que o patrão havia desrespeitado a legislação trabalhista,
não acatando o acórdão de reintegração e fez ainda publicar, na imprensa local,
que ele não fazia mais parte do quadro de funcionários. O advogado do trabalha-
dor demonstrou, ademais, que a atitude do patrão representava um desrespeito
ao Conselho Regional:
Esse espírito de rebeldia da embargante é tão forte que se reflete na pessoa dos seus
ilustres advogados, os quais, perdendo a serenidade, se dirigem a esse colendo Conse- lho
em linguagem desrespeitosa, a ponto de ser levada à Presidência, sempre liberal, a mandar
riscar as expressões inconvenientes da sua petição de embargos. (TRT, Proc.n
o
64/42,
fl. 24).
Há, de fato, parágrafos riscados, nos quais havia ofensas à instituição e
aos magistrados. Com efeito, o juiz determinou a perícia da contabilidade da em-
presa, constatando que o trabalhador tinha salários a receber, pois além do fixo,
4
O cargo de
procurador
regional
do Trabalho foi criado pela
Constituição de
1937,
assim
como as Procurado-
rias
Regionais do Trabalho, cujo funcionamento deveria estar atrelado aos Conselhos Regionais do Trabalho;
hoje,
Tribunal Regional do Trabalho. A tarefa dos procuradores consistia em “assegurar o cumprimento da
legislação do trabalho, representando os fracos e hipossuficientes” e atuando, com os magistrados, para o forta-
lecimento da justiça social (MORAES FILHO, 2004, p. 10-11. apud GOMES, 2006).
5
O recurso objetivava a impugnação da sentença (GUIMARÃES, 1951).
6
Adonias Lima foi o Primeiro Presidente do CRT do
Ceará.
Natural da
Paraíba,
formou-se
em
Ciências Jurí-
dicas
pela Faculdade de Direito do Recife, em 1912, quando veio para Fortaleza assumir o cargo de Promotor
de
Justiça na Comarca local. Em 1913 tornou-se Juiz Substituto Federal na secção do Ceará, e em 1941 foi
nomeado Presidente do CRT 7a. Região. Revista Capital e Trabalho, Fortaleza, outubro de 1941, p. 55.
7
Quer dizer, defesa. “É o recurso apontado em lei a todo aquele que se julga prejudicado na causa, ou por ato
de terceiro, em seus direitos ou bens, para obs-lo mediante a intervenção do juiz ou reforma da decisão consi-
derada como gravame.” Regimento interno do STT (GUIMARÃES, 1951, p. 269-272).
SILVA, M. S. S. S.
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ganhava por comissão. Além disso, mandou executar a venda de bens, por edital,
para o pagamento dos direitos do trabalhador. A história, contudo, não parou por
aí. A resistência do patrão o levou a entrar com agravo de instrumento
8
contra o
despacho do presidente do Conselho Regional, que negou encaminhamento de
recurso extraordinário ao Conselho Nacional contra a sentença de reintegração
no emprego e pagamento salarial. Os conflitos entre justiça, empresa e trabalha-
dor aumentavam a cada audiência. O CRT acusou, então, a empresa por infração
do art. 217 do Decreto n
o
6.596, de 12 de dezembro de 1940, segundo o qual: “o
empregador que deixar de cumprir decisão passada em julgado sobre readmissão
ou reintegração de empregado, além do pagamento dos salários deste, incorrerá na
multa de 10$0 a 50$0 por dia até que seja cumprida a decisão”.
9
Em seguida, a empresa discordou da acusação de infração argumen-
tando que “ainda não passou em julgado”, pois interpôs recurso extraordinário
junto ao Conselho, que teria se recusado a enviá-lo à instância superior. Todavia,
a reclamação foi encaminhada ao Conselho Nacional onde aguardava pronun-
ciamento, por isso se indagava sobre a improcedência da infração. O advogado,
Olinto Oliveira, não duvidava da decisão do juiz:
O Presidente do Conselho Regional, de maneira estranhável, entendeu de proferir novo
despacho, denegando o recurso extraordinário, que ele próprio havia recebido, o que
constitui um fato inédito nos anais judiciários, inclusive do foro trabalhista. Mas esse
despacho é absolutamente inoperante e de nenhum efeito, por isso mesmo que o recurso
estava recebido, e, destarte, só o Tribunal poderia conhecer do mesmo, como fosse de
direito, competindo ao Presidente do Conselho Regional tão somente mandar remeter
os autos ao Conselho Nacional do Trabalho. (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 7-8).
Recorreu-se ao art. 31 do Regimento Interno dos Conselhos Regionais
para reforçar a ideia de ilegalidade no ato do juiz: “apresentadas as razões ao
recorrido, ou decorrido o prazo de que trata o artigo anterior, o processo será re-
metido ao Conselho Pleno, ou à Câmara da Justiça do Trabalho”. Para não deixar
dúvidas, acrescentava:
Nestas condições, o ato do Presidente do Conselho Regional, negando-se, contra dispo-
sição expressa de lei, a remeter o processo ao Conselho Nacional do Trabalho, para o qual
fora
interposto o recurso, é um ato ilegal e, por isso mesmo, irrito e nulo, que nenhuma
consequência poderá produzir. (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 7-8).
Houve, igualmente, tensões de atores que questionavam a competência
dos Conselhos Regional ou Nacional no julgamento de recursos extraordinários.
Situações conflituosas proporcionavam a reformulação do próprio regulamen-
to interno da instituição ou o seu melhor funcionamento em cada instância. A
8
Acontece quando o despacho da JT denega a interposição do recurso. O objetivo do agravo de instrumento é conduzir
o recurso à instância superior, para melhor exame da questão. Art. 897, let. B CLT. Jurisprudência TST
pr. 3.274-
49 no DJ de 21.10.49 (GUIMARÃES, 1951).
9TRT, Proc. n
o
60/42, fl.7.
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competência para julgamento de recursos extraordinários, por exemplo, foi con-
testada pelo procurador regional, citando o art. 39, n
o
VIII do regulamento da
Justiça do Trabalho: “competem privativamente aos Presidentes dos Conselhos
Regionais, além das que forem conferidas neste regulamento e das decorrentes de
seu cargo, as seguintes atribuições: VIII despachar os recursos interpostos pelas
partes”. E esclarece o significado de despacho de dar solução a um pedido”. Para
o procurador, o juiz nega ou concede, defere ou indefere:
Os Presidentes de Conselhos devem despachar todos os recursos interpostos pelas par-
tes. A lei não faz distinção e, portanto, não pode o intérprete fazê-las, forçando o
espírito do dispositivo. [...] O novo sentido que se quer emprestar ao caso importa em
subverter uma regra seguida por todos os regimes processuais vigorantes e defendida
pelos nossos melhores tratadistas. (Regimento da Justiça do Trabalho, art. 206 apud
TRT, Proc. 4600/42, fl. 18).
A interpretação de leis gerou o conflito, com cada um querendo que
prevalecesse seu entendimento. Interpretação diferente da lei, segundo o juiz, era
vista como “subversão à regra”, sendo, portanto, inaceitável. Diante disso, a in-
dignação do juiz tornou-se visível ao recorrer novamente ao regimento da Justiça
do Trabalho, art. 206:
Seria absurdo encaminhar todos os recursos extraordinários interpostos, mesmo os que
não fizessem referência a possíveis choques de interpretação de uma mesma lei. Conver-
ter-se-ia ele em recurso ordinário e num sistema protelatório que seria usado sempre pelo
vencido no pleito, em última instância. O critério sugerido pelos infratores, se aceito,
nada mais seria do que a morte do princípio de celeridade nos feitos que o legislador quis
garantir aos processos trabalhistas. A parte vitoriosa seria altamente prejudicada, pois a
execução da sentença respectiva se operaria até a penhora. (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 18,
TRT, Proc. n
o
64/42).
São, pois, os princípios da justiça, como a celeridade, que favorecem a
credibilidade da Justiça perante a sociedade. Em defesa da justiça, o procurador
afirmava que, mesmo que o Conselho Nacional tivesse solicitado informações
sobre o processo, isso não invalidaria o acórdão. E reforçava o desrespeito em
relação às decisões da Justiça manifesto pela empresa, cujos representantes “estão
no firme propósito de desrespeitar a decisão que os condenou e que sua desobe-
diência é flagrante e irrefutável.” (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 19). Assim, ratificava o
pagamento da multa:
[...] sendo a multa prevista uma espécie de medida coercitiva, o seu quantum diário deve
corresponder à gravidade da desobediência e ao nível de negócios da empresa. É patente
o desrespeito dos infratores ao acórdão que se comenta, desrespeito esse que vem sendo
praticado por uma poderosa organização comercial. (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 19).
A “poderosa organização comercial” recorreu até a última instância a
fim de modificar o parecer inicial e conseguir a revogação de multas e da obriga-
toriedade de readmissão de funcionário indesejável e pagamento de salários. Por
SILVA, M. S. S. S.
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outro lado, o juiz se esforçou em reafirmar sua posição com adeptos, pois, afinal,
o que estava em jogo era o “respeito” para com a Justiça do Trabalho.
Negado o recurso extraordinário, o advogado patronal encaminhou
agravo de instrumento
10
, indeferido pelo juiz presidente do CRT, e encaminhou
reclamação do TST para que o Conselho Regional enviasse recurso ao TST. In-
dignado, o advogado interpretou as decisões tomadas como “pontos de vista pes-
soais, que não podem nem devem subordinar-se nem à lei, nem aos arestos dos
tribunais superiores” (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 33). O noticiário na imprensa,
enquanto isso, tratava o funcionário como ex-empregado. A esse respeito, o advo-
gado dizia se tratar de “equívoco de quem redigira a publicação” (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 34-35). Por fim, pediu que a decisão do CRT fosse reformulada e, no
caso de infração, que se aplicasse a multa mínima.
Os conflitos de interpretação das leis elucidam o emaranhado jurídico
do mundo do trabalho. O advogado patronal, para justificar a incompetência do
presidente do CRT no julgamento de recurso extraordinário, recorreu ao Código
de Processo Civil, art. 868, que ampara o agravo de instrumento, e ao Decreto n
o
1.237, de 2/5/1939, art. 39: “o direito processual comum será fonte subsidiária
do direito processual do trabalho”. O procurador da Justiça do Trabalho manteve
a decisão do CRT, pois “não se pode desautorizar um Presidente de Tribunal,
que usou tão-somente das suas prerrogativas legais, de conceder ou denegar se-
guimento ao recurso extraordinário” (Parecer n
o
10.801/42 do CNT/PJT apud
TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 39-40). O parecer foi aprovado pelo procurador-relator,
porém, o relator da mara da Justiça do Trabalho, Geraldo Batista, mostrou-se
favorável ao julgamento do recurso extraordinário pelo Conselho Nacional.
Os esclarecimentos do presidente do CRT, após considerações sobre a
interpretação das leis, justificando até mesmo o indeferimento do recurso extra-
ordinário, ampararam-se nas decisões do TRT deo Paulo, onde o presidente
julgava o pedido de recurso extraordinário. O advogado patronal solicitou então
ao Conselho Nacional “urgência e preferência” no julgamento do processo, ale-
gando ter sido marcada a penhora dos bens e requereu ainda o julgamento do
relator pelo conhecimento do teor do processo. O primeiro pedido foi atendido,
mas o segundo não: “pois o reg. Interno do CNT veda a distribuição dos proces-
sos para que funcionem como relator aqueles que o tenham sido nas câmaras
[...] Quanto à celeridade pedida, para o andamento do feito, desnecessário será
pleiteá-la, visto constituir a essência e fundamento do processo na Justiça do Tra-
balho” (TRT, Proc. n
o
60/42, fl. 44). Contudo, o relatório da Câmara da Justiça
do Trabalho condenou o ato do presidente do CRT:
10
De acordo com a jurisprudência, cabe agravo de instrumento da decisão frente à negativa de recurso de
revista sempre que houver controvérsia sobre a existência da relação de emprego. TST PR 1.703-50 DJ 6.9.50
(GUIMARÃES, 1951).
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Duas anomalias sobressaem no caso em julgamento, a da errônea interpretação do dis-
positivo legal e a modificação da própria decisão pelo Presidente, tanto mais aberrante
pelos fundamentos que apresentou. Para fazê-lo cita o reclamado que atendeu ao apelo do
empregado quando lhe foi dado vistas do recurso. Esta afirmativa lhe equivalia a dizerque
o estudo anterior o teria sido acurado. E como se isto não bastasse, o Presidente in-
deferindo o agravo interposto afirmou que o fizera por não existir tal recurso nas leis tra-
balhistas. (Relatório da Câmara da Justiça do Trabalho. In: TRT Proc. n
o
60/42, fl. 45).
Os erros do presidente do CRT eram graves, pois cabia a ele somente
julgar recursos ordinários e enviar os extraordinários ao Conselho Nacional. O
segundo erro dizia respeito à mudança de decisão: recebeu o recurso e, depois o
negou quando deveria -lo encaminhado à instância superior. Além disso, emi-
tiu parecer desfavorável à empresa recorrente. A decisão do CNT avaliou que a
empresa não desrespeitara o acórdão, pois não havia passado em julgado, por
ter entrado com recurso extraordinário. Diante do pronunciamento do CNT,
o advogado pediu sustação do andamento do processo de execução de sentença
e verificação de infração. Possivelmente o desfecho do processo embasou outros
de natureza semelhante, talvez gerando mais prudência por parte dos juízes no
julgamento dos recursos.
3
C
ONTRA ESCOLHA DE JUÍZES CLASSISTAS
A contestação da escolha do vogal parece ter sido comum no início do
funcionamento da Justiça do Trabalho como mostram os artigos produzidos so-
bre o tema em revistas do gênero. Encontrei, por exemplo, o artigo do promotor
adjunto de Fortaleza nos idos de 1941, Hélio Ideburque Carneiro Leal, no qual
afirmava que a imparcialidade do julgador é garantia da justiça, pois “[...] se não
se pode confiar em sua integridade moral, em virtude de fatos ou circunstâncias
especiais, para o decoro da própria justiça, permite a lei a substituição do juiz.”
(LEAL, 1941, p. 13). Entretanto, não me deparei, nos processos analisados, com
nenhum caso em que tivesse ocorrido a substituição, ao contrário, encontrei solu-
ções que prezaram pela permanência do juiz questionado. Em caso de suspeição,
o próprio juiz deveria declarar-se impossibilitado de julgar, portanto, de fazer
um julgamento com imparcialidade e desinteresse, de modo a garantir a “mora-
lidade e prestígio da Justiça”, como afirmou Leal (1941, p. 13), que citou como
exemplos de suspeição: “inimizade pessoal, amizade íntima, parentesco, interesse
particular na causa.”
Passo a apresentar os casos em que houve resistência às decisões jurí-
dicas com questionamento da escolha e pedido de exoneração de juízes vogais.
O primeiro caso refere-se a uma pessoa física que contestou o resultado de uma
eleição. Abílio Vieira de Melo havia participado da lista tríplice de escolha para
um cargo e não foi escolhido. Diante disso, alegou que o indicado, Aluisio Borges
Mamede, não tinha dois anos de filiação ao sindicato, o que o impedia de se can-
SILVA, M. S. S. S.
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didatar ao cargo. Todavia, segundo o regimento interno, o reclamante deveria ser
uma entidade e não pessoa física. Interpôs-se, então, outro processo; dessa vez por
entidade participante. O presidente do Conselho, Adonias Lima, acatou a solici-
tação, coletou informações na DRT e comprovou que o vogal tinha dois anos de
exercício na profissão. A decisão garantiu a permanência do eleito no cargo, sendo
novamente indeferido o processo (TRT Proc. n
o
191/43; TRT Proc. n
o
281/43).
Caso semelhante ocorreu com a categoria dos comerciários, represen-
tada por José Gurgel Nogueira Leite Barbosa, que solicitou a impugnação do juiz
vogal Francisco de Assis Lima, tesoureiro do Sindicato do Comércio Varejista de
Gêneros Alimentícios de Fortaleza. Escolhido pelo Conselho Regional, alegou es-
tar aposentado por invalidez pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Co-
merciários e, por isso, não pertencia mais à classe de empregadores. A contestação
fundamentou-se no art. 661 da CLT, elaborada pelos advogados José Colombo
de Sousa e Mário dos Martins Coelho, que exige para investidura da função que
o candidato esteja há mais de dois anos no efetivo exercício da profissão e seja
sindicalizado. A categoria:
[...] espera que V. Excia., no zelo que lhe é peculiar na administração da Justiça do
Trabalho nesta Região, velando pela sua regularidade, prestígio e bom nome, se digne
considerar os presentes fatos, aplicar, no caso, as medidas legais, e, de qualquer maneira,
determinar o afastamento do Sr. [...] do exercício de um cargo para o qual lhe faltam as
condições essenciais e previstas em lei. (TRT Proc. n
o
115/45, fl. 2).
Regularidade, prestígio e bom nome figuram como qualidades da Jus-
tiça do Trabalho, necessárias para a boa administração. Na ausência destas quali-
dades, a instituição ficaria comprometida. Tratava-se de um jogo de pressão para
que as solicitações fossem atendidas. A contestação partiu do juiz questionado que
alegou:
1.
A contestação foi apresentada fora do prazo legal (após 15 dias da nomeação); 2. Tem
mais de 2 anos na profissão; 3. A doença o o invalida a exercer a função de juiz, e quan-
do se fizer necessário, afastar-se; 4. Está em dia com o pagamento do imposto sindical
e o sindicato patronal; 5. Pediu cancelamento do benefício e mostrou atestado médico o
autorizando a exercer as atividades normais. (TRT Proc. n
o
115/45, fl. 6).
No processo, evidenciam-se os conflitos da classe patronal, pois o sin-
dicato questionou a escolha do vogal dos empregadores. Para o juiz classista, ele
foi questionado porque os empregadores temiam que seu voto fosse contrário aos
interesses do patronato.
O parecer do procurador Ubirajara Índio do Ceará julgava o caso como
improcedente por considerar que o período de doença ou a licença para cuidados
médicos não eram impedimentos para o exercício da função. O CRT, represen-
tado por Adonias Lima, julgou prescrita a contestação feita fora do prazo legal de
15 dias contados da data de posse.
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Hélio Leal esclarece que os vogais classistas foram retirados das agre-
miações profissionais de acordo com o princípio paritário para compor os tribu-
nais do trabalho. É notório que tinham vínculo com sua organização sindical por
interesse e sentimento de solidariedade da classe à qual pertenciam, própria de
uma vivência sindical e/ou profissional.
Contudo, foi uma situação inversa que mobilizou trabalhadores con-
tra a escolha de juiz vogal. Na Junta de Conciliação e Julgamento de Teresina
(PI) a contestação ocorreu com o vogal dos trabalhadores. Categorias profis-
sionais
11
entraram com processo de impugnação do vogal alegando que Para-
vecini Viana de Sousa não era de confiança dos trabalhadores, uma vez que era
conhecida sua posição no julgamento dos processos e que exercia a função de
escriturário e não empregado do comércio. Além do mais, sua postura profis-
sional não o legitimava no cargo: perdera a eleição para o Sindicato dos Co-
merciários do qual tinha sido diretor. Por isso, teria fundado outro sindicato, o
de Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio do Estado do Piauí, com
21 associados, a fim de se eleger vogal. Segundo o TRT, a escolha deveria ser
realizada a partir de uma lista tríplice, porém:
[...] tal o ocorreu, pois se os sindicatos cumprem a determinação dessa Egrégia Corte
de Justiça, fazendo eleição, prevalece, no entanto a escolha pessoal em que influi apenas
a vontade do Exmo. Sr. Juiz Presidente. Essa atitude revelou: 1) tolher a vontade dos
empregados quanto à indicação daquele que tem a sua preferência, 2) anular a finali-
dade das eleições que ele próprio determina. E o pior: impinge a toda uma classe, um
elemento que não merecendo a sua confiança é, porém, o seu legítimo, aliás, o seu legal
representante. (TRT, Proc. n
o
227/59, fl.7).
Para as categorias profissionais de Teresina, a vontade do presidente da
JCJT, João Soares da Silva, estava acima da vontade da maioria, pois eles indicaram
um candidato à lista que não fora escolhido em detrimento de outro que represen-
tava 21 sócios. Infringindo o princípio de escolha da maioria e na tentativa de respal-
dar sua alegação, contestou-se o caráter autoritário de escolha do vogal que “tolhe a
vontade dos empregados”. Nas contestões dos demais sindicatos, apareceram outras
características do vogal que o desautorizavam a representar os empregados:
[...] esse companheiro jamais mantivera com os demais sindicatos da capital o mais leve
contato, no sentido de bem informá-los ou orientá-los sobre casos pendentes na JT.
Afastando-se dos demais sindicalistas, evitando o contato com os sindicatos, dos quais
fizera agora mesmo referências desabonadoras, perante o Exmo. Sr. Juiz Presidente deste
Egrégio Colégio, inclinara-se por outro lado para a mais estreita amizade com aqueles que
pouco ou nada poderão fazer em benefício dos trabalhadores. Esse estado de coisas, aos
poucos foi sendo percebido pelos operários, em geral, nascendo a justa descrença
11
Sindicato dos Empregados no Comércio de Teresina, Sindicato dos Trabalhadores Da Indústria da Cons-
trução Civil de Teresina e Campo Maior, Sindicato dos Trabalhadores de Oficinas Mecânicas, S.T.I. Calçados,
S.T.I. Panificação e Confeitaria, S. Lustradores de Calçados do estado do Piauí, S. Condutores Veículos Rodo-
viários, S. Carregadores de volumes e bagagens, todos de Teresina. Representados pelos respectivos presidentes:
Deusdedit Sousa, Manoel Barbosa Lima, José Nunes de Oliveira, Floriano Gomes Leite, JoMaria Vicente de
Paula, Inácio José de Sousa, José Matos, Cantídio Francisco da Costa. TRT, Proc. no. 227/59.
SILVA, M. S. S. S.
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e a falta de confiança na ação desse companheiro como nosso representante na JCJT.
(TRT, Proc. n
o
227/59, fl. 27).
Sem ter bom relacionamento com trabalhadores e entidades sindicais,
desprestigiado pelos trabalhadores perante o tribunal e mantendo relacionamento
amigável com patrões, ao que parece, desde o exercício do cargo de juiz vogal dos
empregados, João começara a afastar-se, o que lhe rendeu a descrença dos trabalha-
dores. Para o presidente da JCT, a contestação deveria ser feita diretamente no TRT
e não na Junta. O processo foi encaminhado para o TRT. Contudo, o prazo de 15
dias desde a posse do juiz havia se esgotado, tornando o processo prescrito.
A investidura do cargo de juiz vogal dos empregados foi contestada
também em São Luís (MA) nos idos de 1940. Vários sindicatos de categorias
diferentes
12
pediram a impugnação do vogal João Freire Medeiros, por não re-
presentá-los e ainda ser filiado ao Sindicato dos Empregados no Comércio. Por
trabalhar em fábrica de tecidos, deveria ser filiado ao Sindicato dos Trabalhadores
em Fiação e Tecelagem, e não do Comércio. Além do mais, exercia as funções de
segundo secretário da Associação de Contabilistas e era professor de Contabilida-
de na Academia de Comércio, com filiação ao Sindicato dos Professores. Sendo
assim, não representava os trabalhadores, mas os patrões. O processo foi arqui-
vado porque foi encaminhada a petição ao Conselho Regional que, desde 1946,
fora extinto e substituído por Tribunal Regional. No acórdão, os juízes presidente
Adonias Lima, relator Francisco Autran Nunes, revisor Clóvis Arrais, corte Anto-
nio Alves Costa e José Juarez Bastos, afirmam:
Inicialmente, dirigem-se a uma entidade inexistente, qual seja, o CRT da 7
a
Região, para
afinal, assinarem em meia folha de papel em separado, dizendo-se todos, representantes
sindicais, sem, entanto, oferecerem nenhuma prova disso, e ainda, assinando um deles a
lápis, num flagrante apoucamento e menosprezo ao assunto de que se ocupam e ao órgão
a que se dirigem. Não bastassem tais invalidades à representação intentada, suficiente
seria ao seu não-conhecimento, o atalhoado de alegações desconexas, desacompanhadas
da mínima prova do alegado. (TRT, Proc. n
o
75/48, fl. 8).
Pelo comentário, nota-se que houve gestos de informalidade e descuido
na elaboração da petição, sendo isso entendido como afronta à instituição e às
autoridades judiciais. O fato de os sindicatos desconhecerem a mudança de Con-
selho para Tribunal é explicável por não recorrerem com frequência ou por não
terem necessidade de solução de conflitos de trabalho.
Os conflitos em torno da escolha dos vogais e dos resultados profe-
ridos pelos juízes, assegurando escolhas que não davam abertura a substituição
12
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de o Luiz, Sindicato dos Operários Navais, Sindicato
dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares, Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Carris Urba-
nos, Sindicato dos Operários Eletricistas. Representados pelos respectivos presidentes: Francisco Aurino Veloso,
Raimundo Pedro Queiroz, Eusébio Raimundo Fernandes, Sebastião Medeiros, José Ferreira dos Santos, Neuton
de Jesus Sampaio. TRT Proc. no. 75/48.
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dos mesmos, representam um esforço da parte dos magistrados de se impor e
preservar suas decisões. Todavia, para o promotor Hélio Leal, essa problemática
não passou despercebida pelos legisladores que, no intuito de evitar o desgaste e o
desprestígio da autoridade moral dos juízes preconizou a isenção de ânimo e
desinteresse dos juízes, elementos indispensáveis à segurança e garantia de justiça.
4 CONTRA MOROSIDADE DO JULGAMENTO
A morosidade foi um dos problemas que se acentuaram na medida em
que a Justiça do Trabalho crescia no atendimento à demanda. Nos anos de 1960 a
imprensa denunciou a protelação dos julgamentos. Combatida ainda hoje, a pro-
crastinação pesa no momento da decisão pela conciliação, quando, muitas vezes,
os trabalhadores preferem acertar um acordo, embora signifique perda de parte dos
direitos, do que esperar anos a fio, na incerteza de obter ganho de causa. A
dificuldade acumulada ao longo dos anos levou a aprovação da lei nº 9.957/2000
que instituiu o procedimento sumaríssimo da Justiça do Trabalho preconizando a
resolução das causas inferiores a quarenta salários mínimos na primeira audiência.
Cardoso e Lage (2007) consideram que o procedimento força uma conciliação
em que os trabalhadores perdem parte do direito.
Na JCJF encontrei muitos processos que questionavam a morosidade e
outros que discutiam o poder do judiciário trabalhista, nos quais os reclamantes
prejudicados solicitaram a agilização do julgamento de processos. Em um caso,
José de Lima Franklin culpava o advogado e o juiz, José Juarez Bastos, pela pro-
telação do processo. Após um ano sem resultado, o magistrado constatou falta de
documentos. Diante disso, entrou com outro processo no CRT, sob a presidência
de Adonias Lima, solicitando que o julgamento fosse encaminhado ao Conselho,
pois o presidente da Junta e os advogados estariam em complô contra ele e em
defesa da empresa, o que foi negado.
Na véspera do julgamento, o advogado, ausente da capital, transferiu o
processo para outro defensor que não o conhecia. O trabalhador solicitou, então,
ao secretário da Junta a anexação dos documentos, o que também foi negado.
Pediu adiamento da audiência, mas o advogado não o atendeu. Até mesmo sua
ameaça de se deslocar ao Distrito Federal para resolver o caso não o ajudou a
solucionar a questão. Enfim, o processo aguardava a emissão do parecer do pro-
curador regional do Trabalho, Walter Fontenelle da Silveira, mas foi arquivado
(TRT Proc. nº 18/44).
outras situações semelhantes em que houve arquivamento de pro-
cessos por estarem sendo julgados em instâncias inadequadas. Um trabalhador,
Eliezer Pereira de Souza, interpôs processo no tribunal para a agilização do jul-
gamento pelo juiz de Direito Garrido da Nóbrega, da comarca de Quixadá, no
interior do estado do Ceará. O pedido foi acatado pelo presidente Adonias Lima
SILVA, M. S. S. S.
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que notificou o juiz de Direito de Quixadá para informações. O julgamento ocor-
reu, sendo favorável ao trabalhador para receber indenização. Porém, como o
reclamante não havia sido localizado, não soube que havia ganhado a causa e o
processo foi arquivado (TRT Proc. nº 15/43).
5 CONFLITOS DE JURISDIÇÃO
Os conflitos de jurisdição acontecem em diferentes situações: na JCJ,
entre juízes de Direito que se encontram na administração da Justiça do Trabalho,
do TRT, de órgãos da Justiça ordinária ou do TST. Ainda acontece quando as
autoridades de ambas as partes se consideram competentes ou incompetentes. De
acordo com a jurisprudência explicada por Guimarães (1951), trata-se de conflito
negativo de jurisdição porque os dois juízes se julgaram incompetentes para co-
nhecer determinadas reclamações.
O conflito de jurisdição analisado ocorreu entre juízes de Direito da
primeira e da segunda varas de Parnaíba (PI). O processo foi recebido pelo juiz
da primeira vara, Salmon Noronha de Lustosa, e enviado para o magistrado da
segunda vara, Manuel Felício Pinto, que estava de férias, por isso o processo foi
repassado novamente para o da primeira que, alegando ser incompetente para
julgá-lo, devolveu o caso para o juiz da segunda vara que também alegou incom-
petência em virtude de o processo estar em andamento na primeira. Para o
advogado, havia conflito no “[...] princípio da identidade física do juiz do feito,
em que ambos os juízes conflitantes se arrimam para a prolação dos despachos
de incompetência em disposições do direito processual comum.” (TRT, Proc. n
o
165/51, fl. 2).
.
Questionou-se, então, o princípio da competência. Havia conflitos
entre magistrados sobre a interpretação das leis trabalhistas e o fazer da própria
Justiça do Trabalho. O procurador Ubirajara Índio do Ceará entendia que a com-
petência era do juiz da segunda vara, pois “na Justiça do Trabalho não se aplica
o princípio da identidade física do juiz, podendo o magistrado que vai proferir
a decisão renovar as provas que julgar necessárias ao seu convencimento.” (TRT,
Proc. n
o
165/51, fl. 8.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos que questionavam decisões da própria justiça foram jul-
gados no período de um mês a um ano e sete meses. Quantitativamente, um foi
julgado no período de um mês, outro em até dois meses e um terceiro foi julgado
em quatro meses. Três perduraram por seis meses e um, por sete meses. Somente
um se estendeu por dez meses enquanto quatro obtiveram parecer no período
de um ano e um ano e sete meses. Contudo, diferentemente dos processos de
categorias profissionais, a maioria nove (ou 75%) foi julgada improcedente; e
três (25%), procedentes. Desses, dois foram à instância superior, sendo julgadas
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um procedente e o outro, improcedente. Houve pronunciamento da Procuradora
Regional do Trabalho (PRT) em dez processos, cujos pareceres, na maioria, ou
seja, em sete deles, consideraram a improcedência dos casos. Os outros três foram
avaliados pela procedência da questão.
Recorreu-se ao TST em dois dissídios, sendo baixo o índice de recor-
rentes à instância superior, o que demonstra que as partes em conflitos ficaram sa-
tisfeitas com os acórdãos, ou simplesmente não consideraram vantajoso o recurso,
seja pela demora do julgamento ou pelo livramento de outra parte.
Considerando os resultados finais, houve cinco arquivamentos, cujas
justificativas variaram de acordo com o caso, sendo os mais recorrentes: o fato
de o processo ter sido resolvido pela JCJ, ou porque se encontrava em outra
instância para ser analisado, ou ainda porque o processo havia sido encaminhado
para o CRT, órgão inexistente nesse período, pois havia sido modificado para
TRT. Os três indeferidos diziam respeito ao questionamento da escolha do juiz
vogal, cujos indeferimentos se justificaram pela comprovação de sua representa-
ção classista. Os deferidos integralmente foram dois: um por conflito de jurisdi-
ção, pois a vara onde se originou o processo foi sentenciada como competente
para o julgamento; e outro, de sentença de reintegração no emprego e pagamento
de salários por parte da empresa. Ainda houve dois prescritos por terem recorrido
fora do prazo legal estabelecido pelo regimento interno da instituição.
Segundo Freitas (2007), a Justiça do Trabalho foi alvo de críticas que
questionavam seu funcionamento e seu papel como conciliadora de interesses
antagônicos das classes trabalhadora e patronal até 1954, quando então começou
a se afirmar como instituição jurídica de defesa do Direito do Trabalho. Por sua
vez, os trabalhadores começaram a ter mais clareza e consciência de seus direitos
ao mesmo tempo em que os parques industrial e comercial cresciam pelo país,
assim como se avolumavam os processos jurídicos na Justiça do Trabalho (FREI-
TAS, 2007)
.
Esses processos elucidam os meandros da Justiça do Trabalho na cidade
de Fortaleza, revelando os conflitos que engendraram
sua formação
e solidificação
ao
longo dos anos, sendo ainda hoje referência de luta dos trabalhadores.
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