Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.6, n.1, p. 9-20, Jan./Jun., 2020
INTRODUÇÃO
Todos os dias, em todo o mundo, os meios de comunicação divulgam
notícias sobre violências de diferentes tipos e intensidades contra as mulheres
- agressões psicológicas e morais, estupros, abusos físicos e homicídios, sendo
que a maior parte delas aponta o espaço doméstico como o local dos crimes.
Majoritariamente essa violência é perpetrada por homens que compartilham da
intimidade do lar destas mulheres - maridos, namorados ou companheiros –, o
que transforma o lugar onde deveriam ser exercidas relações de respeito, confiança
e afeto, em um espaço marcado pela brutalidade, onde o homem exerce domina-
ção e controle.
No Brasil, a violência doméstica pode ser medida pelo alto índice de
feminicídios, crime que, de acordo com Bandeira (2013), é designado como o
assassinato de uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher. Sempre cometidos
por homens, têm como motivações o ódio, o desprezo ou a perda do controle
sobre as mulheres, sem distinção de cultura, cor, classe ou credo, o que o torna,
segundo a autora, a “expressão perversa de um tipo de dominação masculina ain-
da fortemente cravada na cultura brasileira”.
Esse tipo de crime vem aumentando a cada ano, como aponta pesquisa
realizada em 2019 pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas e
pelo FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicada no Atlas da Vio-
lência 2019 (CERQUEIRA, 2019, p. 35): “entre 2007 e 2017 houve aumento de
20,7% na taxa nacional de homicídios de mulheres, quando a mesma passou de
3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil mulheres”, sendo que o
homicídio dentro das residências aumentou 17,1%, ao mesmo tempo em que a
taxa fora da residência diminuiu 3,3% no período (p. 42).
Porém, a morte é somente a última etapa de uma série de violências que
as mulheres enfrentam em casa. Frequentemente é precedida por todo o tipo de
agressão por parte dos homens que tentam submetê-las a seu poder: agressões ver-
bais, opressão, humilhações, ou seja, todo tipo de desconstrução moral da mulher
antes da morte efetiva. Trata-se do mesmo tipo de processo descrito por Semélin
(2009, p. 25) na análise da violência extrema empregada contra o inimigo nos
massacres políticos: para o autor, destroçar moralmente a vítima antes de matá-la
é uma maneira de estigmatizar o outro, “de rebaixá-lo, de anulá-lo”.
Bourdieu (1989) chama de violência simbólica este método de desmo-
ralização. Trata-se de um tipo de coação que não se utiliza de força física, mas que
investe contra o indivíduo de forma tão ou mais cruel ao objetivar a imposição
de poder por via moral ou psicológica. Neste texto, a ênfase é dada à violência
simbólica exercida contra as estudantes universitárias brasileiras por professores,
colegas e funcionários que compartilham com elas o espaço acadêmico, e que
constantemente é naturalizada pelos agressores, e, muitas vezes, também pelas
próprias vítimas. A hipótese é que neste processo são reproduzidas as estruturas