Revolução e autocracia burguesa no Brasil
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REVOLUÇÃO E AUTOCRACIA BURGUESA NO BRASIL: SEUS REFLEXOS
NA EDUCAÇÃO APÓS O GOLPE DE 1964
1
REVOLUTION AND BOURGEOIS AUTOCRACY IN BRAZIL: ITS REFLECTIONS
AT
EDUCATION AFTER COUP IN
1964
George AMARAL
2
R
ESUMO
:
Este artigo, de caráter teórico bibliográfico, se propõe a realizar um debate sobre a relação
entre o processo de histórico institucionalização da autocracia burguesa de Estado e as reformas
educativas implantadas no Brasil no pós-golpe de 1964. O contexto do capitalismo periférico
brasileiro, que pressupomos estar em consonância com as políticas de ajustamento do Estado às
concepções de produção e reprodução da hegemonia de classe burguesa. Nos anos seguintes após
o golpe militar, apoiado por setores da sociedade civil e do empresariado, um conjunto de políticas
educacionais destinadas a educação escolar foram implementadas. Optamos, nesse sentido, pela
metodologia marxista onto-histórica por considerar como pressuposto que o nosso objeto compõe
o quadro da totalidade do ser social e seu contexto precisa ser desvelado para não ficarmos apenas
nas expressões fenomênicas do objeto em estudo. Com esse método, acreditamos aclarar a aparência
mistificadora posta pelo processo de alienação marcado pela sociedade de classes em seu estágio
imperialista. Nesse estágio, o capital busca imprimir na educação seu viés econômico voltado a
acumulação lucrativa, ao mesmo tempo, em que pese a alienação em favor da dominação de classe.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
:
Estado burguês. Autocracia. Ditadura civil-militar. Reforma educacional.
ABSTRACT: This bibliographical theoretical article proposes to hold a debate on the relationship
between the process of historical institutionalization of state bourgeois autocracy and the educational
reforms implemented in Brazil in the pos-coup in 1964. The context of Brazilian peripheral
capitalism, which we assume to be in line with the State’s adjustment policies to conceptions of
production and reproduction of bourgeois-class hegemony. In the years following the military
coup, supported by of civil society a business, a set of educational policies for school education
were implemented. We have opted for an ontological Marxist methodology because it assumes that
our object composes the framework of the totality of the social being and its context needs to be
unveiled so as not to remain only in the phenomenal expressions of the object under study. This
method can clarify the mystifying appearance posed by the process of alienation marked by class
society its imperialist stage. At this stage, capital seeks to impress on education its economic bias
aimed at profitable accumulation, at the same time, despite alienation in favor of class domination.
K
EYWORDS
:
Bourgeois state. Autocracy. Military civilian-business dictatorship. Educational reforms.
1
A presente reflexão é um recorte da pesquisa do projeto de doutorado Educação Profissional e Ensino Médio
no Brasil a partir do Decreto n. 5.154/2004: integração ou dualidade reformada para o mercado?
2
Doutorando em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciência, FFC-UNESP/MARÍLIA. Mestre em Educa-
ção e Ensino pelo Mestrado Acadêmico Intecampi (MAIE), FAFIDAM-FECLESC-UECE. Professor de Histó-
ria da rede pública Estadual do Ceará. Bolsista pela FUNCAP-CE. E-mail: betageorge2@gmail.com
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.09.p91
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1 INTRODUÇÃO: BASES DO DEBATE POLÍTICO-ECONÔMICO E O CENÁRIO HISTÓRICO
PRÉ-GOLPE
O período compreendido entre 1945-1964 aflorou as principais vias
político-econômicas para o desenvolvimento da sociedade brasileira. As disputas
de projetos entre diversos grupos econômicos, políticos e sociais era reflexo das
transformações ocorridas na composição das classes sociais do país. No decorrer da
primeira metade do século XX, os latifundrios, os trabalhadores do campo, na sua
maioria ex-escravos, viram o impulso industrial favorecer o surgimento da burgue-
sia industrial, do proletariado urbano e ampliação da categoria da burocracia estatal.
A estrutura fundiária do período colonial continuou praticamente inal-
terada, apesar das Lei de Terras do período monárquico. A atuação política hege-
mônica ainda se baseava na atividade econômica agrícola, contribuindo para que
a atuação política desse grupo dominante. Com as transformações econômicas
promovidas pela Revolução industrial, a urbanização e abolição do regime de
trabalho escravo, a reprodução social se tornava mais complexa. A se produção
e reprodução capitalista para continuar se constituindo, associa-se de forma su-
balterna e dependente ao capital externo. Seu status quo de espectro mais conser-
vador da sociedade e da política brasileira no século XX seria encaminhada pela
associada. Desse modo, entendemos com Prado Jr (2006) cujo processo histórico
de formação da burguesia brasileira nasce intimamente ligada a elite agrária.
Anotemos que após 1930, momento no qual a crise de 1929 na desva-
lorização do café, portanto, acelerou a decadência de um ciclo político hegemo-
nizado pela elite cafeicultora paulista. A ascendência de um grupo político com
o Golpe político de 1930
3
que derrubou a oligarquia paulista, formado e repre-
sentante de outros segmentos sociais de várias regiões brasileiras, sob a liderança
de Getúlio Vargas, a Aliança Liberal, promoveu importantes mudanças nas ativi-
dades econômicas, no papel do Estado frente a demandas sociais, principalmente
nas cidades industrializadas.
Um projeto nacional-desenvolvimentista passou a ser gestado, o que
acentuou o papel do Estado como aglutinador das demandas sociais e principal-
mente econômicas. A utilização de recursos públicos estatais, isto é, um capital
estatal, passaria a assumir a tarefa de responder por uma indústria de base que a
burguesia e a elite latifundiária não conseguiram assumir. E é justamente aqui que
anotamos o crescimento do aparelho estatal e sua burocracia, fazendo emergir a
3 A “Revolução de 1930” como ficou conhecido o golpe de Estado liderado por grupos periféricos da socieda-
de brasileira descontentes com hegemonia paulista haja vista desde os primeiros anos da República brasileira
(1889-1930). Consideramos que o termo Revolução o seja o mais apropriado por o refletir transformações
profundas e radicais na estrutura da sociedade brasileira naquele eventos histórico-políticos. Ocorreu segundo
autores como Sodré e Furtado, embora com diferenças entre suas abordagens teóricas, o momento de 1930,
define um novo arranjo da política brasileira, refletindo ainda mais o estágio em se encontravam e os anseios
para fazer parte do Estado. Indicamos, portanto, o termo “revolução de 1930” pelo mesmo ser de uso corrente
na
historiografia brasileira.
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categoria que disputa, parasita, perpetua-se em cargos, capilarizando o domínio
das classes dominantes sobre as classes subalternas por dentro do Estado. Após o
golpe da Aliança Liberal sobre a oligarquia paulista em 1930, um longo período
político foi constituído sob a liderança de Getúlio Vargas. Durante esse ciclo que
vai até 1945 a indústria brasileira se expandiu. No cenário externo, a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) terminou e uma nova ordem mundial emergia do
mundo em pós-guerra.
No contexto de nossa particularidade histórica, o sistema político am-
parou a ascensão do grupo defensor de concepções nacionalistas a partir de um
Estado que atuasse como propulsor do desenvolvimento econômico. Tratava-se de
desenvolver a indústria e, por conseguinte, promover a modernização da so-
ciedade brasileira. Nesse sentido, fora implantado o modo de substituição das
importações, em dois momentos distintos: o primeiro de cunho nacionalista,
sustentava o controle estatal sobre a exploração dos recursos brasileiros e inves-
tiria na infraestrutura financeira de bens de capital. Essa via de desenvolvimento
alimentou disputas inter-burguesas, criando um ambiente de deterioração das
relações institucionais a ponto de Getúlio Vargas, então Presidente da República,
ter cometido suicídio, para então abrir o que tomamos de Lukács (2013), de pe-
ríodo de consequências. As tensões criaram forte instabilidade quanto ao controle
institucional pela burguesa brasileira associada ao capital internacional.
Um segundo momento, apresentamos e analisamos o contexto histó-
rico e as medidas do governo autoritária após o golpe de 1964. No quadro de
tensões entre os projetos políticos: o nacionalista, o autoritário, o comunismo.
Consideramos que análise que fazemos post festum pode contribuir para entender
por que as medidas implementadas à educação estreitaram os laços entre capita-
lismo e educação. Embora no âmbito superestrutural o objetivo fosse cunhar uma
educação conservadora, reforçando a ideologia dominante.
Não é demais lembrar que a estrutura educacional brasileira que pas-
sou a vigorar desde as reformas nos anos 1930-1940 traçou trajetória distintas,
reproduzindo a tendência história da educação brasileira a dualidade. O ensino
médio acadêmico direcionava para continuidade dos estudos no Ensino Superior,
enquanto os trabalhadores, de modo geral teria como opção o ensino profissio-
nalizante. A LDB 4.024/1961 estabeleceu a equivalência entre os diplomas de
ensino médio profissional e ensino médio acadêmico. Entretanto, logo a LDB foi
substituída por outra Lei, a de n. 5.692/1971.
Desse modo, apresentaremos o processo histórico do golpe de 1964
como uma contrarrevolução de bases autoritárias em torno da institucionalização
da autocracia burguesa e, com efeito, seus reflexos nas reformas atingiu áreas fun-
damentais, como a educação. Então, debater as reformas no âmbito da concepção
de Estado no pós-golpe institucional burguês encabeçado por militares e apoiada
em setores conservadores da sociedade civil brasileira.
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2 O GOLPE DE 1964 E O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO POLÍTICO DE
AUTOCRACIA BURGUESA
O processo histórico do golpe civil-militar brasileiro de 1964 configu-
rou um processo de contrarrevolução da burguesia, tanto agrária, quanto industrial
brasileira associada e dependente do capital externo. E aqui estamos nos referindo
ao capital imperialismo norte-americano. Entendemos aqui contrarrevolução como
processo histórico que aborta um conjunto de transformações econômicas, sociais e
políticas e imprime um outro processo de cunho conservador no plano superestru-
tural, embora tenha que promover mudanças sobre as bases econômicas, renovando
as condições de reprodução social do demiurgo societal burguês.
A contrarrevolução através do golpe de 1964 é uma forma preventiva da
burguesia brasileira resguardar o controle do poder político e através do Estado
exercer controle societal. Para Fernandes (1976), dada a condição de economia
periférica e dependente, a construção de um Estado nacional e a implantação de
modelos de organização econômica inspirados nas experiências das economias
centrais tendiam a saturação. Os problemas apresentados pela adoção de tais mo-
delos, revelam questão problemáticas em virtude das particularidades históricas do
Brasil. Segundo o autor, os centros urbanos absorveram elementos importan- tes
dos modelos, porém a base econômica era agroexportadora. Nesse sentido,
os
três elementos principais apontado por Fernandes (idem) que demonstram
como se erguem as bases de desenvolvimento dependente da burguesia brasileira:
“1) preponderância da exportação; 2) importação como mecanismo corretivo da
especialização na produção agrícola; 3) dependência em face do exterior para for-
mar e aplicar excedente econômico.” (FERNANDES, 1976, p. 87).
Para o autor, a característica básica de produção para o mercado exter-
no, assumindo primazia sobre o mercado interno, impossibilitou a criação de co-
nexões entre as bases estruturais e funcionais da economia nacional, acentuando,
ao mesmo tempo, conexões político-econômicos com burguesia de países de ca-
pitalismo desenvolvido. Isso significa que o Brasil “produzia para fora e consumia
de fora”. (idem). Para Fernandes, isso é um dos motivos que saturam os modelos
transplantados das economias centrais do capitalismo. No entanto, esses aspec- tos
não abortam a implantação do capitalismo na sociedade brasileira, significa,
outrossim, que modelos de organização transplantados das economias centrais,
ao mesmo tempo, em que saturavam, se associavam a elementos históricos na
direção de uma dependência externa em duplo sentido: subordinação interna aos
interesses dos importadores dos produtos tropicais e gêneros agrícolas e ligações
“preponderantes” com exportadores de bens estrangeiros acabados que pressio-
navam o comércio interno (Ibdem, p. 88). Desse modo, desde a independência
política do Brasil, o mercado externo controla, subordina e coordena de maneira
associada a econômica nacional.
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Os germes do domínio burguês haviam sido lançados, segundo Fer-
nandes (1976), durante a fase do Império e na Primeira República (1889-1930).
Para consolidar seu domínio, todo um processo histórico marcou as lutas políti-
cas na heterogênea luta de classes reunidas nas particularidades históricas do Bra-
sil. Segundo o autor, o poder burguês precisava coincidir com o domínio burguês
(idem). A imposição do domínio da burguesia pode assumir diferentes formas. Por
isso, o Estado capitalista é uma mediação orgânica da dominação burguesa.
A
burguesia pode aparecer mais ou menos democrática em um país, depender
da
correlação de forças entre a classe dominante e dominada (MOARES, 2014).
Após um longo período por meio do Estado que aglutinou os principais
interesses das classes dominantes, em 1945 se fez necessária à burguesia pressio-
nar e destituir Vargas. O retorno a ordem democrática viabilizava pela formação
dos partidos políticos retomou a cena nacional. Nesse sentido, Fernandes (1981)
argumenta que esse processo de redemocratização é edificado sobre a concepção
de democracia restritiva e representativa, isto é, a forma mais eficaz de domina-
ção burguesa na esfera da política. A limitação a participação dos trabalhadores,
resultado de uma democracia representativa e restrita visava conter qualquer pos-
sibilidade de “revolução” tanto “dentro quanto fora da ordem” (idem).
A democracia seria uma ameaça a dominação burguesa, entretanto,
ressalta Fernandes (1976) que burguesia brasileira nunca fora ameaçada histo-
ricamente de fato. Essa ameaça é, para o autor, um mecanismo de manipulação
mediante o temor exagerado das oligarquias e nacionalismo radical das classes
médias. Insiste Fernandes (idem, 213), “as tendências autocráticas e reacionárias
da burguesia faziam parte de seu próprio estilo de atuação histórica”.
A exposição de Fernandes (1976, p. 213) apresenta uma latente carac-
terística da burguesia brasileira, pois “o modo pelo qual se constitui a dominação
burguesa e a parte que nela tomaram as concepções da “velha” e da “nova” oligar-
quia converteram a burguesia em uma força social naturalmente ultraconserva-
dora e reacionária”. Os fatos históricos demonstram que a relação democracia e
burguesia nem sempre são coadunadas. Na verdade, para Moares (2014), demo-
cracia e burguesia são unidades de dois contrários e, nesse caso, o Estado capita-
lista pode ou não adotar a democracia como forma de organização política. Nessa
relação pesa muito mais a correlação de forças entre proletariado e burguesia,
prevalecendo ou a primazia de um outro e vice-versa.
A burguesia não tenho compromisso de princípio com a democracia; lutando contra a
ordem feudal, ela não se batia pela revolução democrático-burguesa, mas tão somente pela
revolução burguesa. Que sua realização se dê “pelo alto” (Alemanha) ou atras de uma
insurreição popular (França) é secundário para o capital. O caráter contraditório da de-
mocracia burguesa permite compreender que as diferentes espécies de autocracia burguesa
(falando apenas do século XX: o fascismo, os Estados militares nos países de capitalistas de-
pendentes etc.) não são “exceções” a uma pretensa vocação democrática do Estado burguês,
mas o resultado histórico concreto das lutas entre as diferentes classes e camadas sociais de
um dado país capitalista (MOARES, 2014, p.53, aspas e itálicos do original).
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A período entre 1946-1964 no Brasil, tido como democrático, signi-
ficou o retorno das instituições do Estado burguês. Instituições reguladas pela
Constituição de 1946. Nesse quadro, os partidos foram legalizados, exceto o Par-
tido Comunista Brasileiro que após um breve período de legalidade, novamente
é posto na clandestinidade pela Justiça do Estado burguês.
Entre 1946 e 1964, os partidos entraram na cena política novamente: o
Partido da Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) eram
de inspiração varguista; a União Democtica Nacional (UDN) de oposição a Vargas
e de cunho liberal e antipopulista, o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Entretanto,
o PCB teve um curto de período de legalidade. Esses partidos tinha uma base ideoló-
gica definida, ao contrio do Partido Social Progressista (PSP), o Partido Democrata
Cristão (PDC), Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido de Representação Po-
pular (PRP), o Partido Republicano (PR), o Partido Libertador (PL). Segundo Netto
(2014), esses eram partidos de inseão mais regional que nacional.
Nesse curto período, as instituições do Estado capitalista funcionaram
sob a pressão das lutas políticas e sociais internas e externas. No plano externo
o governo do general Eurico Gaspar Dutra, alinhou-se à ordem internacional
norte-americana, assimilando uma receita liberal e atuação estatal para que se in-
crementasse a atuação burguesa nacional e internacional. Entretanto, a eleição de
Vargas em 1950, realinha o projeto nacionalista em primeira instância, sem com
isso realizar nem uma mudança revolucionária. O que acontecia era que o capi-
tal estatal exerceria monopólio sobre determinadas áreas de recursos naturais, a
exemplo dos minérios e petróleo, contrariando o capital internacional, principal-
mente o norte-americano. Um período de coordenada ação política para desgas-
tar o governo e um espectro de golpismo que rondava as Forças Armadas, criaram
um ambiente político que levaram Vargas ao suicídio. A ação dos golpistas fora
abortada por setores da política, das forças militares e a pressão de partidos de-
fensores da ordem democrática, freou-se o movimento golpista (NETTO, 2014).
Após relativa estabilidade com a posse de Juscelino Kubitschek, seu go-
verno reforçou a associação entre capital externo, capital nacional subdivido entre
Estado e indústria. Ao fim desse ciclo as tensões entre os segmentos políticos au-
mentaram. Tanto é que em 1961, o que ficou conhecido como golpe branco, após
a renúncia de Jânio Quadros, eleito presidente democraticamente. Legalmente o
Vice-presidente eleito era João Goulart
4
,
No entanto, João Goulart tomou posse na condição de aceitar o
regime parlamentarista. Isso significava a ruptura da legalidade estabelecida pela
Constituição de 1946. Para Netto (2014, p.31), o golpe branco, sendo um frus-
4 De acordo com a Constituição de 1946, a eleição para os cargos de Presidente e Vice-presidente se dariam de
forma independente, isto é, poderiam ser votados tanto o Presidente de uma chapa quanto o Vice-presidente de
outra. Portanto, nas eleições de 1960 foram eleitos Jânio Quadros para Presidente, candidato do da UDN. Para
Vice-presidente saiu vitorioso João Goulart do PTB, partido de base político varguista. Diante da renúncia de
Jânio Quadros, os governistas, encabeçados pela UDN se movimentaram para impedir a posse de João Goulart.
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trado, veio o “ensaio geral” do que ocorreria em 1964, indicando a conspiração
antidemocrática que vinha desde a década anterior avançava nas sombras.”
A conjuntura internacional marcada por variados movimentos de in-
surgência polarizava as tensões entre Estados Unidos e União Soviética. a Revo-
lução Cubana acendeu uma chama duplamente: para os países de capitalismo
dependente demonstrou a possibilidade vitória de um movimento insurgente,
mesmo com a pressão norte-americana. Por outro lado, serviu para alertar nos
Estados Unidos para uma possibilidade de insurreição contra o capitalismo atin-
gindo em cheio seu imperialismo. Desse modo, a potência capitalista intensificou
suas ações dentro e fora da ordem para. Neste raio de ação, favoreceu, instrumen-
talizou, apoio e chancelou golpes militares a partir de 1960 em toda a América
Latina. Na disputa com a União Soviética, os Estados Unidos orientaram sua
posição anticomunista, hegemonista e belicista conduzindo um extenso raio de
influência sobre o os povos das mais diversas nacionalidades.
A participação do Estados Unidos no golpe de 1964 no Brasil ficou
evidente historicamente. A Escola de Guerra aberta pelos norte-americanos no
Panamá ao final da Segunda Guerra, já recrutava nas Forças Armadas brasileira os
oficiais que reproduziriam o modus operando de uma ação militar em diversos
aspectos, inclusive na política. Uma outra área de atuação marcante foi a CIA
financiando entidades como o Instituto Brasileira de Ação Democrática (IBAD),
assim como outras organizações norte-americanas como empresas multinacio-
nais: Coca-cola, Souza Cruz, General Eletric, IBM, etc (NETTO, 2014).
A escalada golpista freada em 1961, voltou em 1963 com forças políti-
cas conservadoras, instituições da sociedade civil como a Igreja Católica, do meio
empresarial como a FIESP, partidos políticos de direita estava cada vez mais forte
em torno do golpe. As Reformas de Base do governo João Goulart era travada e as
forças políticas nacionalistas e democráticas eram francamente cercadas por todo
o conservadorismo e propagando ideológica anticomunista. O governo Goulart
apesar das Reformas de Base, não era um governo revolucionário e muito menos
comunista (NETTO, 2014). Era governo de composição de forças democráticas
e nacionalista, trabalhista e com apoio de segmentos da esquerda. Todavia, a con-
trarrevolução preventiva entrou na agenda e a mobilização conservadora passou a
contar com apoio amplo das Forças Armadas.
A conspiração avançou na clandestinidade e perante a coordenação
da Rede da Democracia, saltou à luz do dia para usar os termos de Netto
(idem). Os golpistas civis e militares contavam com o apoio norte-america-
no, as reuniões para que João Goulart capitulasse e assinasse um acordo que
travava as reformas de base. Diante da não inclinação de Jango, os militares
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deflagraram o golpe sobre as instituições liberais democráticas. A atmosfera
de caos e subversão criadas pela Rede da Democracia, liderado por grandes
meios de comunicação, Roberto Marinho, por exemplo, e o parlamentar Car-
los Lacerda favoreceu um ambiente aos militares. Em de abril de 1964 os
militares o fim do governo João Goulart.
3 O
GOLPE E A HEGEMONIA BURGUESA NA ESFERA EDUCACIONAL
.
Após o golpe institucional, a primeira etapa era inviabilizar a reação
ao movimento golpista da caserna. A nova fase consistiu em institucionalizar a
hegemonia burguesa, recorrendo a força e limitando ação política com suspensão
do parlamento, dos mandatos, dos partidos, medidas que foram sendo impostas
através dos Atos Institucionais (AI).
Após o golpe civil-empresarial militar de 1964, Saviani (2010) pontua
a
adoção de uma série de medidas do governo autoritário que trariam o desen-
volvimento econômico e social ao Brasil, medidas essas amparadas na Teoria do
Capital Humano
5
. Uma das medidas foi a Lei n. 5.692 de 1971, que alterou o en-
sino primário e médio. “Nessa nova estrutura, desapareceram as Escolas Normais.
Em seu lugar foi instituída a habilitação específica de 2º grau para o exercício do
magistério de 1º grau (HEM)” (SAVIANI, 2009a, p. 147).
As medidas desse período expressam as concepções de Estado e de edu-
cação próprios de um regime que cerceava as liberdades civis aliadas ao interes-
se da burguesia nacional em tornar o Brasil uma potência econômica. O papel
assumido pelo Estado neste momento não foi o de mediador nas relações de
classe, mas, sim, o de agente de manutenção do predomínio de uma determinada
classe sobre a outra, atuando intensamente na criação de alternativas sob as
orientações do mercado para dinamizar as forças produtivas, proporcionando
a acelerada acumulação do capital industrial (IANNI, 1989). Ações tomadas,
nesse sentido, tinham em vista a orientação do mercado para dinamizar as forças
produtivas a fim de favorecer a acumulação de capital industrial. O Estado com-
parece como agente do processo produtivo operando no nível infraestrutural, isto
é, diretamente no processo de formão do capital.
Durante o regime autoritário, o Estado operou a reforma do ensino
superior através da Lei nº 5.540/1968, que modificou o currículo do curso de
pedagogia, fracionando-o em habilitações técnicas para formação de especialistas
5
A teoria defendida por Theodor Shultz concebe o “fator humano na produção” como elemento impulsiona-
dor
da produtividade a partir do trabalho humano qualificado por meio da educação. Dessa forma, o trabalho
qualificado tornar-se-ia um dos principais meios para a ampliação da produtividade econômica. Baseada nessa
ideia, o tecnicismo foi aplicado na educação visando ao desenvolvimento econômico por meio do investimento
no indivíduo “qualificado”. Essa tendência foi duramente criticada, principalmente nos debates que desenvol-
veram a partir da década de 1980, quando o regime empresarial-civil-militar era questionado nas ruas do país
por
setores populares e intelectuais do campo progressista da educação.
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e o professor do curso normal. Dando sequência ao autoritarismo, a aprovação
em 1967 de uma nova Constituição, o sancionamento do Ato Institucional 5
(AI-5/68) e, logo depois, o fechamento do Congresso Nacional com o Ato com-
plementar 38 (TANURI, 2000).
No mesmo período, outras medidas oficiais são adotadas em relação
à universidade. Três delas merecem destaque: o plano de assistência técnica es-
trangeira, consubstanciado pelos acordos MEC/USAID; o Plano Action (1966)
e o Relatório Meira Mattos (1968). Concebida como estratégia de hegemonia,
a intervenção da USAID na América Latina se processa de modo integrado, nos
anos 60, em várias áreas e sob três linhas de atuação: assistência técnica; assistên-
cia financeira, traduzida em recursos para financiamento de projetos e compra
de equipamentos nos EUA. Na implantação de um modelo educacional compa-
tível com o plano de modernização econômica das classes dominantes, o MEC
e Agency for International Development (AID) assinaram convênios para assis-
tência técnica e cooperação financeira visando a reorganização do sistema educa-
cional brasileiro. Essa medida que visava conter a crise produziu grande impacto
tanto na implementação de reformas quanto em revoltas no meio educacional.
Foi nessa altura que foram assinados todos os convênios atras dos quais o MEC entre-
gou a reorganização do sistema educacional brasileiro aos técnicos oferecidos pela AID.
Os convênios, conhecidos comumente pelo nome de “Acordos MEC-USAID” tiveram
efeito de situar o problema educacional na estrutura geral de dominação, reorientada
desde 1964, e dar um sentido objetivo e prático a essa estrutura. Lançaram, portanto, as
principais bases das reformas que seguiram e serviram de fundamento para a principal das
comissões brasileiras que completaram a definição da política educacional: a Comis-
são
Meira Matos. (ROMANELLI, 2012, p. 203).
Para isso, a implementação estratégica se deu através do plano de assis-
tência técnica estrangeira, consubstanciado pelos acordos MEC/USAID; o Plano
Action (1966) e o Relatório Meira Mattos (1968). Concebida como estratégia
de hegemonia, a intervenção da USAID na América Latina se processa de modo
integrado, nos anos 60, em várias áreas e sob três linhas de atuação: assistência
técnica; assistência financeira, traduzida em recursos para financiamento de pro-
jetos e compra de equipamentos nos EUA.
As medidas desse período expressam as concepções de Estado e de edu-
cação próprios de um regime que cerceava as liberdades civis aliadas ao interesse
da burguesia nacional em tornar o Brasil uma potência econômica. O papel as-
sumido pelo Estado neste momento não foi o de mediador nas relações de classe,
mas, sim, o de agente de manutenção do predomínio de uma determinada classe
sobre a outra, atuando intensamente na criação de alternativas sob as orienta-
ções do mercado para dinamizar as forças produtivas, proporcionando a acele-
rada acumulação do capital industrial (IANNI, 1989).
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Ações tomadas, nesse sentido, tinham em vista a orientação do mer-
cado para dinamizar as forças produtivas a fim de favorecer a acumulação de
capital industrial. O Estado comparece como agente do processo produtivo
operando no nível infraestrutural, isto é, diretamente no processo de formação
do capital. O progresso se daria através da industrialização, com forte planeja-
mento (ênfase na técnica), apoio total do Estado e tendo o capital estrangeiro
como aliado/associado neste processo de modernização. Em seguida delineia-se
os desdobramentos em torno desse projeto destacando a concentração de ri-
quezas, o arrocho salarial e restrições às liberdades civis (IMENES, 2012). Essa
autora ressalta ainda que “o projeto de desenvolvimento adotado pela ditadura
[civil-empresarial] militar engendrou um modelo autoritário de modernização
e promoveu um desenvolvimento concentrador de riquezas, com arrocho sa-
larial e restrições às liberdades civis” (IMENES, 2012, p.135). Na educação, a
relação entre a teoria do capital humano e o planejamento estatal foi comple-
mentada pela concepção pedagógica tecnicista.
A força do tecnicismo burocrático se estendeu para a educação e o dis-
curso ideológico da eficiência fora imposto como solução para os problemas edu-
cacionais. Isso pode ser verificado quando analisamos o contexto de implantação
dessas medidas. Pautado pelo autoritarismo repressivo, pela pressão dos organis-
mos econômicos internacionais e pelos Estados Unidos, o governo adota medidas
institucionais endurecendo o regime de exceção.
A pedagogia tecnicista ou tecnicismo é, de acordo com Saviani
(2009b), inspirada nos padrões de neutralidade científica, racionalidade,
eficiência e produtividade. Essa política educacional, implantada pelo regime
civil-empresarial-militar, “buscou planejar a educação de modo a dotá-la de uma
organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr
em risco sua eficiência (idem, 2009b, p. 11). Nestes termos, era essa a via única
para o
progresso que se daria através da industrialização, com forte planejamento
(ênfase
na técnica), apoio total do Estado e tendo o capital estrangeiro como aliado /
associado neste processo de modernização, isto é, dependente.
Nesse contexto, pautado pelo autoritarismo repressivo, pela pressão dos
organismos econômicos internacionais e pelo Estados Unidos, o governo aprova
a
Constituição de 1967, no ano seguinte a Lei n. 5.539/68 regulamentando a
carreira docente universitária, extinguindo, por exemplo, as cátedras. Também foi
encaminhada a Lei n. 5.540/68 e, como argumenta Santos (2012), um conjunto
de medidas arbitrárias conhecidas como AI-5/68 (Ato Institucional n. 5. O fecha-
mento do Congresso Nacional veio logo em com o Ato complementar 38. Res-
salta o autor, para muitos intelectuais de esquerda, tal significou o golpe dentro
do golpe. No ano de 1969, procuram amordaçar qualquer tentativa de resistência
através do Decreto Lei n. 477/69 que ameaçava os professores com perda do car-
go e os estudantes com expulsão sumária das universidades (SANTOS, 2012, p.
72). Professores e pesquisadores experientes foram compulsoriamente aposenta-
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dos; docentes jovens foram impedidos de ingressar e/ou de progredir na carreira;
reitores foram demitidos e, para o seu lugar, foram nomeados interventores; a
autonomia administrativa e financeira, já tão reduzida, foi ainda mais restringida;
o controle policial estendeu-se aos currículos, aos programas das disciplinas e até
às bibliografias (CUNHA, 2003).
O Estado, em pleno regime da ditadura civil-militar no Brasil, mol-
da-se aos interesses do poder estabelecido. Não obstante, esse Estado autoritário
também teve que enfrentar as lutas e resistências dos movimentos sociais e o fato
que eles muito contribuíram para o fim do regime, em 1985, momento que seria
justificado pela implantação de um novo projeto desenvolvimentista para o país.
Para melhor compreendermos as discussões aqui travadas, trataremos
as
concepções de estado buscando apreendê-las em seu contexto histórico. No
caso brasileiro, no regime pós-1964, a ideia de acumulação de capitais no Brasil
via elevação da escolarização da força de trabalho, ao mesmo tempo, não poderia
afrontar institucionalização da hegemonia burguesa. Forjar um sistema de ensino
que produzisse capital humano era uma assertiva perfeita para os interesses do
poder constituído. Nesse sentido, “a teoria do O capital humano, concebe que
partir dos investimentos em educação e pesquisa a tomará rumo de uma hege-
monia burguesa economia convergiu bem para os anseios já manifestados no
Simpósio do IPES em 1964 e no Fórum “A educação que nos convém”, de 1968
(SAVIANI, 2010a).
Uma das ações do governo militar foi a Reforma de 1968 pela qual
produziu efeitos inovadores, embora transitórios e de pequeno alcance, por outro
lado, abriu condições para o surgimento de um ensino privado o que podemos
aludir, na esteira de Florestan Fernandes, ao antigo padrão brasileiro de escola
superior, ou seja, instituições organizadas a partir de estabelecimentos isolados,
voltados para a mera transmissão de conhecimentos de cunho marcadamente
profissionalizante e distanciados da atividade de pesquisa, que pouco contribuem
com a formação de um horizonte intelectual crítico para a análise da sociedade
brasileira e das transformações de nossa época (FENRNADES, 1975, p. 51-55).
Trata-se de outro sistema, estruturado nos moldes de empresas educacio-
nais voltadas para a obtenção de lucro econômico e para o rápido atendimento de
demandas do mercado educacional. Esse novo padrão, enquanto tendência, subver-
teu a concepção de ensino superior ancorada na busca da articulação entre ensino e
pesquisa. Convém fazer uma relação com contexto histórico da época para melhor
compreendê-lo. Com a instaurão do regime militar, as medidas repressivas desen-
cadeadas pelos novos governantes, com relação ao movimento estudantil, e a estrita
vigilância dos docentes combinaram com propostas de modernização e de expan-
são do ensino superior. A solução encontrada pela Reforma para o aumento das
demandas de ensino superior foi a aprofundar a privatização dos estabelecimentos
acadêmicos. A adesão dos proprietários desses novos estabelecimentos aos valores
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do regime autoritário, assim como as alianças políticas subterrâneas que estabele-
ceram com os detentores do poder, criou condições vantajosas para a ampliação de
seus negócios. Além de introduzir uma mentalidade empresarial no ensino superior,
importaram também o controle de comportamento.
Nas palavras de Santos (2012), podemos, após essa breve análise, res-
saltar que a reforma universitária da ditadura civil-militar se molda ao processo
de
industrialização do país que tinha como motor a intensificação de setores de
bens de capital. De acordo com o autor, o modelo implantado não eliminava do
país a dependência sócio, econômica e cultural encontradas em nações desenvol-
vidas (SANTOS, 2012, p.73). Corrobora, dessa forma, com Florestan Fernandes,
quando trata das questões do capitalismo dependente e subdesenvolvido produ-
zido no Brasil. A continuidade dessa dependência é extremamente vantajosa para
os países centrais da ordem do capital, pois nessa posição continuam a determi-
nar os rumos da história. “A posição brasileira, marginal e dependente, é reflexo
tardio da história alheia, pois cada povo cria a sua história dentro das marcas da
civilização de que participa” (FERNANDES, 1975, p. 111).
No aspecto institucional, o Estado abandonou a maior parte dos avan-
ços da Lei de Diretrizes da Educação de 1961 (LDB 4.024/61). Outrossim, re-
alizou uma reforma com uma nova LDB. Um dos alvos da reforma foi o Ensi-
no Médio. Na década de 1960 e 1970 pela conjuntura institucional, o ensino
profissionalizante para classe trabalhadora passou a ter maior apelo, inicialmente
através da Lei n. 4.024/61, posteriormente modificada pela Lei n. 5.692/71 como
sendo obrigatório no nível médio de ensino. Regida por esta Lei, o ensino pro-
fissionalizante passou a ser compulsório, ligado ao então chamado grau. Essa
investida, disseram seus defensores, era uma tentativa de superar o dualismo edu-
cacional, atender as demandas de mercado de técnicos e diminuir a pressão por
vagas no ensino superior (FRIGOTTO et. al., 2012).
A reforma do ensino secundário, transformado em 2º grau, veio a rebo-
que da reforma do ensino superior. O aumento da demanda por vagas nas univer-
sidades pressionava o regime. Para Fernandes (1975), a Reforma Universitária de
1968, seu caráter repressivo e autoritário, reforça a tendência das iniciais do poder
público em favor do privado. Trata-se de outro sistema, estruturado nos moldes de
empresas educacionais voltadas para a obtenção de lucro econômico e para o
rápido atendimento de demandas do mercado educacional. Esse novo padrão,
enquanto tendência, subverteu a concepção de ensino superior ancorada na busca
da articulação entre ensino e pesquisa. A solução encontrada pela Reforma para
o aumento das demandas de ensino superior foi a aprofundar a privatização dos
estabelecimentos acadêmicos. A adesão dos proprietários desses novos estabeleci-
mentos aos valores do regime autoritário, assim como as alianças políticas subter-
râneas que estabeleceram com os detentores do poder, criou condições vantajosas
para a ampliação de seus negócios. Além de introduzir uma mentalidade empre-
sarial no ensino superior, importaram também o controle de comportamento.
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Para garantir a inserção de mão de obra no mercado de trabalho, pro-
mulgando uma nova LDB: a Lei n. 5.692/71, também conhecida como Reforma
Jarbas Passarinho. Tal lei, definida pelo governo como o instrumento que iria pôr
fim ao dualismo na educação, uma vez que o ensino técnico e o então chamado
Segundo Grau passariam a ser um só. A nosso ver, em entendimento com Santos
(2007), essa lei se configura, destarte, num retumbante fracasso, comprovado em
menos de cinco anos quando o mesmo regime assume sua falta, baixando o Pa-
recer n. 7.044/82, que tornou opcional a oferta de ensino profissional vinculado
obrigatoriamente ao secundário.
Uma outra área que foi alvo das reformas do Estado capitalista sob
controle dos militares foi a formação docente. A Lei n. 5.692/1971, alinhada
aos parâmetros do tecnicismo
6
, modifica a estrutura de formação docente ges-
tada pelas reformas educacionais da década de 1930, estabelecendo em seu Art.
29 o seguinte:
A formação de professores e especialistas para o ensino de e graus será feita em
níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais de cada região
do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às caracte-
rísticas das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos
educandos. (BRASIL, 1971).
Pela referida Lei, a formação de professores era feita em cursos regu-
lares, admitindo-se cinco níveis. No ensino de grau exigia-se dos professores
habilitação de 2º grau para atuar da 1a a 4a séries e no ensino de 1a a 8a série
era graduação superior, representada pela licenciatura de grau obtida em
curso de curta duração. Caso o professor tivesse o nível de licenciatura plena
poderia ensinar tanto no quanto no grau. Outros dois níveis existiam da
seguinte maneira: o professor com habilitação de grau poderia lecionar na 5a
e 6a séries do grau caso sua habilitação de 2º grau fosse composta de quatro
séries ou de três séries adicionados de um ano em formação pedagógica. os
professores com licenciatura curta poderiam lecionar até a 2a série do 2º grau
mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo (BRASIL, 1971
apud SAVIANI, 2009a).
O antigo Curso Normal de formação docente foi então substituído
por duas modalidades de habilitação para o magistério. O curso de grau, com
duração de três anos, acrescido de mais um ano de formação pedagógica para o
ensino de grau; e a graduação superior com dois tipos de licenciaturas: curta e
plena para o ensino de e graus. Conforme Saviani (2009a), o quadro de for-
6
A pedagogia tecnicista ou tecnicismo é, de acordo com Saviani (2009b), inspirada nos padrões de neutrali-
dade científica, racionalidade, eficiência e produtividade. Essa política educacional, implantada pelo regime civil-
empresarial-militar, buscou planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de
minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência (idem, 2009b, p. 11).
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mação de professores reduzidos à habilitação de grau fragmentou e precarizou
o ensino em contornos preocupantes.
Os cursos de licenciatura plena poderiam ser ofertados pelas universi-
dades e institutos superiores. As licenciaturas curtas de grau seriam ofertadas
também por faculdades, igrejas, escolas ou institutos criados para atender a essa
finalidade. No currículo de formação docente predominavam a1971, segundo
Saviani (2009a, p. 148-149).
Com essa trajetória, Tanuri (2000) sublinha que as críticas ao modelo de
Habilitação Específica para o Magistério aumentaram, tornando-se cada vez mais
contundentes, resultado da desvalorização dos cursos e precarização da formação
docente. O teor das críticas se concentrava em atacar os seguintes problemas:
À dicotomia entre teoria e prática, entre conteúdo e método, entre núcleo comum e
parte profissionalizante; à inexistência de articulação entre o processo de formação e a
realidade do ensino de 1º grau; ao desprestígio social do curso e à sua inconsistência em
matéria de conteúdo; à inadequação dos docentes ao curso, em termos de formação,
tendo em vista a inexperiência de muitos deles no ensino de grau e a necessidade de
assumirem várias disciplinas; à insuficiência e à inadequação dos livros didáticos; aos pro-
blemas pertinentes à realização do estágio de Prática de Ensino (TANURI, 2000, p. 82).
Paralelamente a essas críticas, desencadeou-se, a partir de 1980, um
amplo movimento pela reformulação dos cursos de Pedagogia e licenciatura
(SAVIANI, 2009). Esse movimento se contrapõe à forte tendência tecnicista que
predominou durante o regime autoritário civil-empresarial-militar. Como ela
sinalizou um curso de enfraquecimento, os cursos de Pedagogia, principalmente na
década de 1980, tomaram a docência como identidade profissional. Dessa forma,
a formação dos professores se tornava parâmetro para todos os profissionais da
educação (idem). As preocupações das políticas educacionais com esses problemas
foram evidenciadas quando o governo lançou em 1982 os Centros de Formação
e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAMs) (Idem).
O golpe militar de 1964 não era para evitar o avanço de forças políticas
comunistas. Foi a forma encontrada pela burguesia nacional, aliada e dependente
do capital financeiro monopolista, de garantir sua posição hegemônica frente as
transformações, no nível internacional, do capital cada vez mais financeirizado. A
institucionalização do estado de exceção serviu também para implementar medi-
das no metabolismo socio-reprodutivo, contendo as forças políticas que ameaça-
vam a hegemonia do bloco histórico do poder.
As reformas educacionais encaminhadas nesse contexto se adequavam
nos moldes de reforço ideológico do viés dominante, como momento de a classe
dominante fazer de suas ideias, a ideia de todo sociedade. A teoria do capital hu-
mana adaptada a particularidade histórica brasileira colocaria a educação no pru-
mo do capitalismo internacional, reforçando a mão de obra como valor econômi-
co capaz de produzir mais e carecer de menos para sua subsistência. A investida
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sobre a educação foi ampla e complexa. Tentou atingir do ensino básico ao supe-
rior, da estrutura escolar a formação de professores, controlando a subversão de
forma autoritária, condizente com este processo de modernização conservadora.
4 À GUISA DE CONCLUSÕES
Pelo presente trabalho constatamos historicamente que ação institucio-
nalizada da burguesia perfaz um movimento de construção de sua hegemonia.
Para isso, recorreu a manobras de se associar em diversas esferas a grupo políticos,
camadas sociais, instituições e burocracia estatal, especialmente, a militar para
dominar os aparelhos, como define Gramsci (2014), de fazer dominante seus
ideais de classe. Para isso, entendemos a democracia apenas como um recurso para
a construção de um consenso. Se essa forma de organização não for eficaz a
burguesia pode recorrer a coerção, inclusive física, para garantir sua hegemonia
sobre as instituições estatais e civis.
Notamos que na medida em que o capital se transformava, as concep-
ções de estado e o papel social atribuído a educação seguia a trilha dos interesses
vigentes. Os ajustes estruturais, guardam estreita sintonia com as proposições das
agências internacionais de financiamento. Nesse sentido, a hegemonia burguesa
não se limitou ao golpe para tomar o poder, mas atingir várias esferas da sociabi-
lidade. O que imprime e expressa a necessidade de produção das bases capitalistas
e reprodução social das relações que constituem a hegemonia burguesa.
Nos anos 1970, temos a que foi chamada via única para o progresso
através da industrialização, com forte planejamento (ênfase na técnica), apoio
total
do Estado e tendo o capital estrangeiro como aliado/associado neste pro-
cesso
de modernização. Em seguida delineia os desdobramentos em torno desse projeto
destacando a concentração de riquezas, o arrocho salarial e restrições às
liberdades
civis.
O Estado, em pleno regime da ditadura civil-empresarial militar no
Brasil, molda-se aos interesses do poder estabelecido. O poder de classe que no
Brasil tem sua particularidade histórica. O período entre 1945 e 1964 é um exem-
plo do fenômeno que consagra a via da dominação pela legalidade institucional
que, por sua vez, pode abrir possibilidades de rupturas a depender da correlação
de forças entre as classes sociais e suas representações políticas. No entanto, a
institucionalização do golpe veio no contexto da autocracia burguesa na forma
de contrarrevolução, impedindo transformações que não fosse a modernização
conservadora da classe dominante.
O projeto de educação implementado pelo governo autoritária esta-
va carregado desse conteúdo conservador e reacionário por um lado, ao mesmo
tempo, que estreitava o círculo de relações entre capital e educação por outro. A
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teoria do capital humano se materializava nas condições de autêntica expressão do
controle do capital sobre o trabalho.
A fusão entre o ensino médio e o profissionalizante supostamente supe-
raria a dualidade estrutural da educação brasileira. No entanto, a medida ao refor-
çar caminho da profissionalização, não toca o problema estrutural da sociedade
dividida em classes antagônicas, erguida a partir de uma divisão social do trabalho
em função da produção capitalista. A dicotomia teoria e prática, todo e conte-
údo, continuava a prevalecer mesmo que a equivalência entre um nível de ensino
e uma modalidade educacional estivesse abrigada sob o mesmo guarda-chuva.
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Submetido em: 12/07/2019
Aprovado em: 13/07/2019
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