Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 117-138, Jul./Dez., 2019 123
Mal-estar e utopia democrática Artigos/Articles
Assim, a eleição ao cargo de conselheiro tutelar tem como objetivo tornar-se um
trampolim para obter visibilidade e popularidade para, depois, candidatar-se ao
cargo de vereador nas eleições proporcionais na Cidade. Além de passar pela ex-
periência de uma eleição, mesmo que não obrigatória, é uma espécie de simulacro
eleitoral onde se tem na rua carros de som com seus jingles, o denominado “san-
tinhos” com a foto do candidato, pessoas nas ruas no denominado porta a porta
atrás de angariar votos, e tudo isso se congura como um ensaio para a campanha
eleitoral proporcional com o objetivo de ascender socialmente e chegar ao poder.
Há, pois, no cargo de conselheiro tutelar uma proximidade com famí-
lias fragmentadas (ROUDINESCO, 2003), que veem seus direitos sociais sendo
dilacerados pelos entes governamentais (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011).
Situação que abre espaço para o oportunismo daqueles que buscam arregimentar
adeptos a sua candidatura. Segundo Leal (2012), a “situação de dependência e
subjugação das pessoas é incontestável” (p.44) diante de uma estrutura socioeco-
nômica na qual estão inseridas. Assim, tornam-se “presas fáceis” para aqueles que
dispõem de poder político local.
As pessoas que procuram os serviços do CT ainda veem a atuação dos
conselheiros tutelares como que sendo um favor, ou como diz o antropólogo
Mauss (1989), uma dádiva, e se veem numa situação de “pagar” – contra dádiva
- por tal serviço prestado. Bobbio (1986) arma que uma das condições indis-
pensáveis para o funcionamento da democracia é que as pessoas tenham as reais
condições de poder escolher entre uma e outra opção. E o que se observa é que
as condições ou realidade objetivas (LESSA, 1996) de existência da população,
seu entrelaçamento contextual, fatores socioeconômico
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inuenciam para que as
mesmas sejam facilmente manipuladas quando em contexto de vulnerabilidade.
Considerem, por exemplo, o caso do atual vereador do município de
Horizonte, E.S.N. Este, em 2010, concorreu ao cargo de conselheiro tutelar ob-
tendo o primeiro lugar no pleito com mais de mil e quatrocentos votos. Em
2012, nas eleições proporcionais ao cargo de vereador o mesmo candidatou-se
conseguindo obter êxito em primeiro lugar, sendo eleito com quase mil e trezen-
tos votos
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. Em conversa, ele concedeu a seguinte informação “a minha intenção
desde quando me candidatei a função de conselheiro tutelar era de futuramente
galgar uma vaga na Câmara Municipal, e deu certo”, enfatiza.
O que foi garantido na Constituição Federal de 1988 está muito longe da realidade. A mesma garante edu-
cação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à ma-
ternidade e à infância, assistência aos desamparados, entre outros. Isso é obrigação do Estado Democrático de
Direito, e na ausência destes os cidadãos se veem reféns daqueles que possuem poder político e econômico local.
Logo, a não concretização dos princípios constitucionais também se conguram em um fator que resvala na
subserviência da população corroborando com o “mandonismo, o lhotismo, o falseamento do voto, a desor-
ganização dos serviços públicos locais” (LEAL, 2012, p. 44). E isso é constatado quando o agente Legislativo
executa algumas funções no cotidiano que não diz respeito as suas prerrogativas legais: disponibilizando matérias
de construções, intermediando consultas e cirurgias médicas, doando cestas básicas entre outras necessidades.
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Fonte do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).