Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 9-24, Jul./Dez., 2019 9
Os princípios da ética e da política Aristotélica Artigos/Articles
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.02.p9
Os princípiOs da ética e da pOlítica aristOtélica aplicadOs
aO cOtidianO da sala de aula: alguns apOntamentOs.
The principles of arTicle eThics and policy applied To classroom
daily: some poinTs.
Adão Alves de Araújo.
1
resumO: Este artigo tem como nalidade, discutir de forma reexiva, alguns conceitos da ética e
da política de Aristóteles, com vistas a sua aplicação na escola, por parte de professores, visando o
aprendizado e o desenvolvimento das virtudes propostas pelo lósofo, que são os pilares da boa
convivência e da justiça entre alunos e professores, tendo como pilar fundamental a amizade entre
os indivíduos, tanto professores entre si, como alunos, também entre si, e, estes entre professores,
visando um bem maior: o desenvolvimento e o aprimoramento das virtudes éticas e políticas. Do
exercício da liberdade e da amizade, pautados na justiça, no bom conviver comunitário na busca de
melhores condições de exercício do aprender, do estudo, das virtudes morais e da afetividade entre
professores e alunos. De forma alguma sugere a resolução de todas as diculdades e fracassos da
educação. Reete sobre alternativas possíveis, imagináveis e realizáveis que contribuam de forma a
acrescentar opções e escolha para o aprimoramento e o desenvolvimento da amizade para o bom
relacionamento no dia a dia, do quotidiano da escola e da sala de aula, tão desgastados por políticas
de isolamento e afastamento dos elementos de amizade e justiça, presentes no quotidiano, causados
pelos mais variados discursos e políticas educacionais, produtos de sucessivas tentativas ao longo
do tempo.
palavras-chaves: Aristóteles. Filosoa. Filosoa da Educação.Ética. Política. Educação. Sala de
aula. Amizade. Virtude. Cidadania.
abstract: e purpose of this article is to reectively discuss some concepts of Aristotle’s ethics
and politics, with a view to their application in the school by teachers, aiming at the learning and
development of the virtues proposed by the philosopher, which are the pillars. good coexistence
and justice between students and teachers, having as its fundamental pillar the friendship between
the individuals, both teachers and students, also among themselves, and, among teachers, aiming
at a greater good: the development and improvement of ethical and political virtues. e exercise
of freedom and friendship, based on justice, good community life in search of better conditions for
the exercise of learning, study, moral virtues and aection between teachers and students. It in no
way suggests solving all the diculties and failures of education. Reects on possible, imaginable
and achievable alternatives that contribute to adding options and choice for the enhancement and
development of friendship for the good relationship in everyday life, school and classroom, so worn
Professor Titular, Filosoa e História – Secretaria Estadual de ensino do Estado de São Paulo. Mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Estadual Paulista. araujozz@yahoo.com.br
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ARAÚJO, A. A.
out by isolation policies and distancing from the elements of friendship and justice, present in
everyday life, caused by various educational discourses and policies, products of successive attempts
over time.
Keywords: Aristotle. Philosophy. Philosophy of Education. Politics. Education. Classroom.
Friendship. Virtue. Citizenship.
intrOduçãO
Ao referirmo-nos ao cotidiano da sala de aula como um ambiente, um
local real de múltiplas possibilidades, variações de personalidades, costumes, prá-
ticas, relações interpessoais e pessoais, facilmente somos levados a compreendê-lo
como um lugar especialmente estruturado para uma nalidade: o estudo e o ensi-
no. Assim, a busca pela realização deste intento se inscreve em um m maior, qual
seja, a formação de indivíduos aptos a se adaptarem às exigências de um mercado
de trabalho cada vez mais complexo e mutável, capacitados para exercerem sua
cidadania, enquanto seres autônomos. Esse é o m maior. Em outras palavras, a
sala de aula, sua estrutura, sua organização, as ações e práticas educacionais, bem
como o estudo propriamente dito, são um meio utilizado para a busca de um m
maior, a formação do indivíduo, seu desenvolvimento cognitivo e afetivo, além
dos objetivos já citados acima. Nesse contexto, compreende-se que a atividade-
-meio, a que Aristóteles dene como a capacidade de fazer o que nos propomos
mediante o uso dos materiais disponíveis (ARISTÓTELES, 2007, p. 50), tem
de ser diária, ou seja, é a partir de disciplinas e conteúdos singulares, atividades e
tarefas, descanso, e trabalho, que se forma o que se pode chamar de cotidiano de
sala de aula. Atividades rotineiras e regradas dentro do ambiente escolar, por um
período determinado.
Sob essa perspectiva, o que se denomina como cotidiano de sala de aula
apresenta-se como uma forma estática e rígida, na qual todos os elementos estão
previamente dados; concebidos e estruturados de maneira que todo o processo de
estudo, ensino e aprendizagem ocorra, no mínimo, satisfatoriamente. Distúrbios
e desvios de aprendizagem, que podem acontecer, e ocorrem, são deste ponto de
vista prontamente analisados, determinados e solucionados na própria sala de
aula e, quando da impossibilidade de solução nesta, há agentes externos previa-
mente determinados a resolver, fazendo desaparecer pouco a pouco tais situações
conituosas, pois a estrutura maior, a Escola enquanto instituição, já está prova-
velmente montada e preparada a lidar, também com essas ocorrências cotidianas.
É importante observarmos que as informações e explicações acima ex-
postas representam, apenas uma concepção técnica do processo e dinâmica esco-
lar cotidiana, uma concepção na qual pessoas são como que excluídas de qualquer
consideração. Os procedentes e conceitos assim tratados denotam uma forma
teórica de abordagem dos procedimentos a serem tomados em sala de aula em que
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as pessoas, alunos e professores, entre outros, estão excluídos destas considerações.
Daí a necessidade de se compreender que
Dar ao cotidiano na sala de aula o mesmo tratamento disciplinar que temos dado ou
devemos dar ao ensino e à aprendizagem de línguas, matemática, ciências e artes pode
ser um caminho para a boa realização da escola para todos. Para isso, é necessário desen-
volvermos competências e habilidades relacionadas às categorias e aos modos de ser do
real em sua expressão diária. (MACEDO, 2002, p. 10)
Todo o processo de formação da aprendizagem no contexto escolar de-
pende da atuação de pessoas, porque elas são o objeto e o m e dão vida e mo-
vimento às ações e interações propostas para o ensino, estudo e aprender. Estes
agentes são, no entanto, dotados de personalidade, vontades muitas vezes coni-
tantes, tanto no que diz respeito ao professor quanto aos estudantes. No limite
das ações, as relações entre esses dois agentes no cotidiano escolar, é determinante
para o sucesso ou o fracasso do processo educativo, uma vez que havendo um bom
relacionamento, tanto professores quanto estudantes tornam-se mais propensos a
aceitarem ou, de outra maneira, colaborarem mutuamente para a diminuição das
tensões e rejeições, a buscarem equilíbrio entre ações e emoções relativas uns aos
outros, bem como para todo o ambiente em sala de aula.
Ao contrário, relacionamentos afetados por emoções conitantes e,
mais que isso, indisposição para o diálogo e a amizade, imposições de compor-
tamentos e critérios resultam num maior grau de conito e desentendimento,
suscitando excessos, quando a melhor alternativa pode ser a ação ponderada, e,
também, na falta ou omissão, quando há necessidade de uma tomada de posição
ou ação, que seja, equilibrada; neste sentido a indisposição e o ressentimento,
sentimentos que se antepõem a dialogicidade e prejudicam o trabalho, tanto do
professor, quando do aluno.
Conforme Macedo (2002, p. 10)),
[...] administrar o cotidiano na sala de aula tornou-se um grande problema para profes-
sores e alunos. Indisciplina, dispersão, inconveniência, confusões, diculdades de todo
tipo perturbam a realização das propostas ou das tarefas pedagógicas. O sentimento é
de perda de tempo, caos espacial e descuido com objetos escolares, falta de sentido das
tarefas e relações entre pessoas marcadas pela indiferença ou pela negatividade. O sen-
timento é de incompetência, insuciência e desânimo. Penso que uma das razões para
isso é que ainda estamos marcados pela imagem de uma escola ideal, sonho de realização
de todos nós, em que alunos, dóceis e gratos aos seus professores, vão lá para aprender a
serem felizes. Graças a isso, os professores podem dedicar-se preferencialmente ao ensino
das matérias e à avaliação do que foi aprendido pelos alunos. Pensamos que tudo isso foi
talvez possível um dia e ainda se realiza hoje em algumas escolas. Porém, para tanto, o
preço a ser pago pelos alunos é o de conviver e aprender na escola de um modo condicio-
nado: se não obedecem às regras, se não aprendem o mínimo, se não aceitam a cultura
da escola, então são excluídos e reprovados.
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ARAÚJO, A. A.
Nesse sentido e conforme arma Macedo (2002), existe um sentimento
comum, compartilhado por muitos professores.
aristóteles: a ética e a pOlítica cOmO virtudes
O cotidiano escolar, principalmente a sala de aula e as relações que
nela ocorrem, caracteriza-se pelas mais diversas formas de personalidade, reunidas
neste ambiente que abriga e comporta diferentes concepções e comportamentos,
em outras palavras, um ambiente em que pulsam paixões e emoções das mais
distintas. Dessa forma, pode-se então inserir a sala de aula na categoria de uma
comunidade com seus líderes, seus representantes; palco de afetos e desafetos,
imersos em uma comunidade maior, que seja a escola.
Sob este ponto, aqueles que defendem a escola enquanto como um lu-
gar que se parece com uma prisão, em que impera apenas a vigilância e a punição,
ou a doutrinação de corpos, podem divergir acerca da proposição posta aqui, se-
gunda a qual, a escola enquanto instituição e mais especicamente, a sala de aula,
é neste contexto representada como uma comunidade. Sem discordar e, tendo
como entendimento, a concepção de que atividade escolar, isolada e afastada de
suas características de liberdade, alteridade, e tendo como princípio de suas suas
ações a repressão das individualidades, a sujeição e a dominação autoritária, como
forma de modelagem de indivíduos, é como uma prisão,
[...] óbvia também em sua tarefa, suposta ou exigida, de transformar os indivíduos. Ao
encarcerar, ao retreinar, ao reeducar e tornar dócil, a prisão apenas reproduz, de modo
acentuado, todos os mecanismos encontrados no corpo social: ela seria apenas um quar-
tel estrito, uma escola sem indulgência, uma ocina sombria e meticulosamente organi-
zada. (BENELLI, 2014, p. 69).
E, sem querer deter-me nesta forma de análise, tomemos como parâme-
tro o conceito de comunidade. Denomina-se comunidade escolar, e essa denição
já é corrente há um bom tempo, à um conjunto de habitantes com características
comuns, realizando atividades comuns em conformidade as regras desse lugar e
grupo, particular em relação ao todo: a escola. No interior da comunidade maior
que é a escola, insere-se o grupo que frequenta à determinada turma teoricamente
em consonância com suas normas e procedimentos. No entanto, pertencentes
também a grupos e comunidades exteriores à escola, os indivíduos trazem consigo
as mais variadas concepções de mundo, sobre si mesmos e sobre o outro. Incluso
nestas considerações estão também os professores que, como os alunos, concebem
o mundo e as relações de maneiras diversas, ou seja, compreendem a si mesmo e
ao outro de forma particular e ao mesmo tempo multiforme, misto de experiên-
cias e aprendizados adquiridos na família, entre os amigos, enm, traz consigo as
inuências e marcas, a formação e características que os distinguem como a seus
alunos, um dos outros.
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Agrupados num mesmo local: a escola. Num mesmo ambiente: a sala
de aula. Durante um considerável período, que, mais do que alguns dias, se es-
tendem a pelo menos três a quatro anos com um mesmo professor, uma vez que
segundo a dinâmica estabelecida pela forma de estruturação e regulamentação
da dinâmica escolar, o período de convivência em comunidade pode se estender
a sete ou oito anos. Um período considerável em companhia de outros tantos
alunos e professores, funcionários e familiares, em que se tecem relações nem
sempre de forma amistosa e pacíca, mas que ainda assim se pode caracterizar
como convivência.
Para além dos conteúdos e de sua aplicação, mecânica ou não, existe
a relação entre professores e alunos, em que a conversa e a amizade são funda-
mentais, a tal ponto em que o cotidiano é tão prejudicado, tão massicante e
repetitivo que a própria disposição de ambos, professores e alunos durante o perí-
odo de uma aula, é esmagada pela rebeldia, pela indisposição em permanecer ou
participar das atividades, comportamento já caracterizado por Aristóteles(1996)
como vício, uma vez que segundo o lósofo as pessoas se sentem afetadas pelo
ambiente, pela própria estrutura sistematizadora e distante, de forma que as rela-
ções mais se conguram como uma disputa, um estranhamento, quando o ideal
seria a aproximação e a colaboração com vistas a um bem maior, qual seja o es-
tudo, o aprendizado, o aprofundamento das relações de amizade e, por que não,
de amor entre os indivíduos, o que suscitaria o desenvolvimento pleno de suas
capacidades intelectuais e de amizade. Essas formas de relacionamento prova-
velmente poderiam resultar em um melhor processo de aprendizado individual,
tanto do professor quanto do estudante, e da escola enquanto uma comunidade
maior, que se benecia.
A ética e a política de Aristóteles podem contribuir de muitas maneiras
para o aprofundamento das relações professor-aluno, bem como dos alunos entre
si e dos próprios professores, também entre si. Seus princípios e objetivos podem
concorrer para uma melhor convivência, quando considerados sob a ótica do
bem maior, qual seja, a felicidade e a boa vida. Para os objetivos aqui propostos,
esse bem maior seria uma melhor convivência e a possibilidade de relação entre
professores e estudantes mais humanizadora, caracterizando claras possibilidades
de melhorias do processo de ensino, das atividades de estudo e da aprendizagem
em sala de aula, bem como promovendo a boa vivência entre todos os atores e,
com isso o bem de toda a comunidade escolar, como um todo.
O foco no todo é característica da obra de Aristóteles e, aqui, o todo
também deve ser levado em conta quando se reete sobre a educação, já que para
além das individualidades características de cada indivíduo, o todo é maior que
cada um deles, pois,
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Se o homem está destinado a realizar a sua essência como ser comunitário- sendo o bem
da polis aquele que deve, na ordem dos ns, ser alcançado com prioridade, o bem supre-
mo que a política viabiliza na comunidade[...]deve ser superior a qualquer bem que o
indivíduo possa almejar individualmente [...] pois o bem comunitário da polis é superior.
(CANDIOTO, 2010, p. 34)
Dessa forma, sendo uma comunidade formada por vários indivíduos
considerados individualmente, o bem da comunidade, sua saúde política, ética
e moral propicia um bem a todos os indivíduos. Uma comunidade onde pou-
cos são privilegiados terá como resultado, prejuízos e deciências próprias por
haver em seu interior carências e defasagens que marcaram o desenvolvimento
desta, de forma individualista, sem ter em vistas o todo. Por outro lado, em uma
comunidade onde o todo é privilegiado, aqueles que possuem, individualmente,
certas características que os distinguem, seja maior capacidade intelectual, maior
propensão para se desenvolver, terão suas capacidades desenvolvidas de forma tal,
que de outro modo, elas seriam prejudicadas.
Uma sala de aula que, em seu cotidiano é marcada pela indisciplina,
pela falta de motivação, ou relação decitária, de intenso enfrentamento, desres-
peito entre professores e alunos é um ambiente em que o desenvolvimento de alu-
nos, desde os considerados bons, ou excelentes alunos, é gravemente prejudicado,
pela deciência do ambiente de estudos e pelo quotidiano afetado negativamente.
Quanto mais aos alunos que trazem as maiores diculdades de aprendizagem ou
desenvolvimento de sua personalidade comportamental e emocional; estes serão
sempre os mais prejudicados nesse contexto. Daí a necessidade de que se contem-
ple privilegiadamente o todo.
Para que o todo possa contribuir para o melhor desenvolvimento de
maneira equilibrada e equivalente, para todos os estudantes e professores, Aristó-
teles exemplica a atuação das pessoas pelo bem do todo armando que
[...] embora os marinheiros tenham funções muito diferentes, um empurrando o remo,
outro segurando o leme, um terceiro vigiando a proa ou desempenhando alguma outra
função que também tem seu nome, é claro que as tarefas de cada um têm sua virtude
própria, mas sempre há uma que é comum a todos, dado que todos têm por objetivo a
segurança da navegação, à qual aspiram e concorrem, cada um à sua maneira. (ARIS-
TÓTELES, 1996, p. 61)
Este exemplo, quando aplicado como forma de reexão para as relações
que se estabelecem no contexto e na comunidade escolar, faz compreender que
para acontecer a plena realização dos ns educacionais, somente a atuação con-
junta pode propiciar um bem maior a todos enquanto comunidade tanto como
individualmente, proporcionando a todos um justo acesso aos conhecimentos,
considerados como um bem, próprios do processo educativo.
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Os princípios da ética e da política Aristotélica Artigos/Articles
Consideremos também alguns princípios e pressupostos da ética e da
política aristotélica que podem ser aplicados para um melhor convívio na busca
do bem maior, qual seja a comunidade escolar, considerada em seu cotidiano,
como maneira de alcançar uma melhor convivência e consequentemente, um
maior aproveitamento dos estudos de forma justa e igualitária para todos.
Na política, um dos primeiros pressupostos para a boa vida e a con-
vivência entre os indivíduos é o reconhecimento desses como seres políticos e
sociáveis. Sendo impossível ao homem deixar ou não de conviver com seus seme-
lhantes, uma vez que, segundo Aristóteles (1996, p. 14),
Evidentemente o Estado está na ordem da natureza e antes do indivíduo; porque, se
cada indivíduo isolado não se basta a si mesmo, assim também se dará com as partes em
relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver em sociedade, ou que dê nada precisa
por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um Deus. A natureza
compele assim todos os homens a se associarem.
Sendo compelidos à associação, evidentemente, conitos e diferenças
de personalidade e comportamentos se apresentam como algo natural, caracte-
rístico de cada um enquanto indivíduo componente de um todo. No entanto,
é necessário a conscientização das diferenças e desigualdades entre cada um e o
respeito mútuo entre os indivíduos, que são diferentes, ação que se torna parte
integrante da busca pelo bem viver nesta comunidade, pois que todos convivem
dia a dia, e a interação, o desenvolvimento da amizade entre os indivíduos con-
corre para o desenvolvimento do respeito mútuo, e para o tratamento justo entre
eles e para com o todo.
Para que a boa convivência, a amizade e o bem de todos seja o m
maior a ser alcançado,
algumas disposições individuais acerca de cada elemento
do todo devem ser levadas em consideração, uma vez que a consciência do bem
e sua busca também são objetos de estudo e reexão por Aristóteles. O lósofo
elenca alguns pré-requisitos, para que seja bem-sucedido e, sem o qual, uma co-
munidade de forma alguma pode alcançar a unidade, enquanto um todo. Ele
denomina virtudes às qualidades que devem reger os relacionamentos coletivos,
bem como as
ações individuais, que formarão, a partir de indivíduos virtuosos,
uma comunidade justa e boa.
A partir, delas, as virtudes, pode-se tentar responder a como buscar
uma melhor forma de viver e conviver juntos, em sociedade, e, aqui podemos
aproximar esses conceitos a vivência na escola e sala de aula, buscando uma forma
adequada de relacionar-se; os alunos entre si, com professores, e com os outros
na condição de uma relação social, unindo a busca pelo bem individual, e o bem
viver na convivência com os outros que são os objetivos da ética e da política,
respectivamente. Segundo Ramos (2010, p. 28) “[...] para que isto seja viável, o
lósofo insiste na tese de que é preciso identicar ns que são bons em si mesmos,
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ARAÚJO, A. A.
os quais não só antecedem como também servem de critério objetivo para aquilo
que é correto fazer.
Que ns podemos almejar no cotidiano de uma sala de aula, na vivên-
cia na comunidade escolar, enquanto indivíduos componentes desta mesma co-
munidade, os quais identicamos como bons em si mesmo, independentemente
de quaisquer desejos ou paixões, individuais, ns que por si só são desejáveis e
podem ser buscados por todos para o bem viver, o bom relacionamento e desen-
volvimento de todos? E, por paixão, “Prero dizer que paixões não são conten-
tamentos ou desprazeres nem opiniões, mas tendências, ou melhor, modicação
da tendência, que vêm da opinião ou do sentimento, e que são acompanhadas de
prazer ou de desprazer.” (LEIBNIZ, 2004, p. 152).
Na Ética, esse m é um bem. A Felicidade, a qual, traduzida para a sala
de aula e para o cotidiano escolar, é resultado da boa vivência, da amizade e da
harmonia entre as ações e relações entre os indivíduos, uma forma de exercício e
prática diária na manutenção desse bem. Daqui surge a questão: o que é preciso
para alcançar esse bem? Para Aristóteles (1996) precisamos adquirir outros bens,
que seriam os meios para alcançar um m maior, a felicidade.
A esses meios, que também são bens a serem adquiridos, ele denomina
virtudes, e dene que, “sendo a felicidade então, uma certa atividade da alma,
conforme à excelência perfeita, é necessário examinar a natureza da excelência.
Isso provavelmente nos ajudará em nossa investigação a respeito da felicidade. ”
(ARISTÓTELES, 1996, p. 134).
Sendo a virtude, o meio segundo o qual, e com o qual podemos aspirar
um bem maior, qual seja a felicidade, uma questão que surge é: a virtude pode ser
ensinada? A escola pode ensinar virtudes? Ou, ao contrário, é algo inato ao ser hu-
mano? Uma predisposição natural, que impele todos os seres humanos à prática
virtuosa? Aristóteles (1996) apesar de armar que “todos buscamos a felicidade”
e que nesta busca a condição e meio para alcançarmos é apresentarmos algumas
virtudes próprias que nos auxiliarão a alcançar essa condição de felicidade, o ló-
sofo não admite que as virtudes são parte inerente de nossa constituição psíquica
e moral, não fazendo parte da natureza do homem. Arma, ser uma disposição
de caráter. Essa armação,
[...] signica, para Aristóteles, que depende da vontade do agente agir de maneira apro-
priada à prática de atos virtuosos. E essa prática está vinculada a uma disposição[...]
constantemente adquirida e incorporada ao nosso modo de ser, de tal forma, que ela
torna-se um hábito pela contínua prática de boas ações. (CANDIOTO, 2010, p. 29).
O espaço escolar, sendo um local de convívio diário entre professores,
alunos e funcionários, caracterizando-se como uma comunidade, se apresenta
como um local privilegiado para o aprendizado e exercício constante de práticas
virtuosas. Não sendo algo inerente ao ser humano, a aprendizagem de virtudes
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tem no espaço escolar vantagens propícias a aplicação e desenvolvimento das dis-
posições de caráter relativos à prática de atos virtuosos. E uma vez que não é algo
inato ao ser humano, os quais não tem predisposição natural à prática de atos
virtuosos envolve outra característica: a escolha, ação que envolve à vontade para
o agir de acordo com práticas virtuosas, visando o bem. O ato de escolha pode
ser tanto para o agir, quando visa um bem, como para não agir e compreender
também dizer sim, quando os princípios e ações não forem virtuosas, ou não.
Assim, a ação virtuosa
[...] é uma disposição de caráter relacionada com a escolha[...] deve ser o resultado de
uma escolha reetida, resultado de uma deliberação por parte do agente. Ou seja, a vir-
tude depende de um certo tipo de escolha, aquela que está no nosso poder de deliberação
sobre um desejo. (CANDIOTO, 2010, p. 30).
Sendo objeto da escolha o agir e o não agir; os atos e ações visando um
bem, ou o bem do todo na comunidade escolar envolvem e dizem respeito a outra
característica dos atos virtuosos. A voluntariedade, a qual aqui se entende como o
processo segundo o qual a tomada de decisão, o ato ou ação é produto de escolha
e deliberação por parte do agente, de acordo com a sua vontade, assim podemos
dizer. A disposição para o agir, a vontade e a deliberação levam à voluntariedade
no agir do indivíduo. Segue- se que, há uma condição para esse agir, a falta de
agentes ou circunstâncias que o levem, contra a sua vontade, a agir de determi-
nada maneira, quando poderia, segundo sua vontade, agir de outra. A simples
menção de que algo ou circunstâncias exteriores ao agente, o impulsionaram, ou
o forçaram a agir elimina a voluntariedade, caracterizando um ato involuntário.
Aqui é importante também frisar que devido à disposição, tanto de
alunos, quanto de professores, para o não agir, quando o agir é o ato virtuoso por
excelência, devido a vários fatores como a indisciplina, o distanciamento nas rela-
ções, a desvalorização do prossional, a indisposição causada pela frustração que
é produto de todas as diculdades elencadas acima, e muitas outras, em alguns
casos é uma escolha deliberada, voluntariosa
Também é, por vezes, produto do ambiente escolar, como um todo,
bem como de toda sociedade, na qual vivemos atualmente, forçando professores
e alunos à escolhas que, pouco , se referem aos objetivos escolares e educacionais,
quais sejam: Se perceber como agente de uma prática prossional inserida no
contexto mais amplo da prática social, capaz de fazer a correspondência entre os
conteúdos que ensina e sua relevância social, frente às exigências de transforma-
ção da sociedade presente e diante das tarefas que cabe ao aluno desempenhar no
âmbito social, prossional, político e cultural.
A partir da escolha, produto de uma disposição de caráter que unida a
deliberação e voluntariedade o ato virtuoso pode se materializar. E esse ato virtu-
oso é pautado pela mediania. Aqui, Aristóteles (1996, p143) apresenta a celebre
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ARAÚJO, A. A.
proposição do princípio do meio-termo. A virtude, “a excelência moral se rela-
ciona com as emoções e as ações nas quase o excesso é uma forma de erro, tanto
quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto.” A virtude
moral, a excelência nos atos e nas escolhas tem a ver com um certo equilíbrio das
paixões e emoções ao qual o agente submete de forma racional sua vontade. Por
ser racional, a escolha está intimamente ligada à deliberação por parte do indiví-
duo. Representa a ponderação, não simplesmente a entrega desmesurada à uma
vontade qualquer, desmedida e por impulso. Ela, a escolha, é produto da razão e,
enquanto objeto de reexão sugere a mediania nas tomadas de decisões. E, esta
mesma mediania diz respeito ao sujeito da ação. Ela não algo como uma média
aritmética, na qual as ações devem ter um padrão.
Convém lembrar que o justo meio não pode ser deduzido de forma objetiva, segundo
um padrão xo de regras, mas é uma medida relacionada ao agente que, concretamente
e a partir da sua avaliação, procura proceder de modo a realizar uma ação pautada pelo
critério do justo meio. (CANDIOTO, 2010, p 31).
Referindo-se ao sujeito, a mediania está mais próxima das ações e das
práticas (ethos) de cada um, por isso mesmo deve se aproximar, visando um bem,
das medidas em que cada indivíduo tem a disposição e a voluntariedade para o
agir, entre o excesso e a falta, quando agir é necessário, ou quando o calar-se é um
bem. Na medida das potencialidades próprias de cada indivíduo. Não é uma prá-
tica cega. É uma apropriação reetida dos desejos e paixões de modo a conduzir
sua vontade segundo um m, o bem.
Tendo como base e parâmetro a vida na cidade, a boa vida e a convivên-
cia equilibrada entre os indivíduos dessa comunidade, segundo a ética e a política
aristotélica, compreendemos que
A cidade efetiva essa nalidade se ela propiciar a realização de ações morais e se os
indivíduos forem moralmente educados para viverem em comunidade segundo ações
virtuosas. Assim, as leis da cidade têm um escopo ético, o de formar a cidadania segundo
normas e valores da vida ética. (CANDIOTO, 2010, p 35)
Quando os propósitos, os objetivos e os impulsos, são conitantes, uma
comunidade pode ser e ter seus pilares mais sólidos prejudicados. À boa vivência
sucederá a disputa, a indisposição para o acordo mútuo com vistas ao benefício
de todos, de forma que uma situação de desequilíbrio se instaura, diluindo pau-
latinamente as bases de sustentação, indispondo desejos e anseios, professores e
alunos, transformando o cotidiano numa relação de inimizades e discordâncias,
próprias de uma relação desequilibrada, pois,
Quando há desejos conitantes, e o desejo bruto não submetido ao esforço de uma esco-
lha deliberada prevalece como desejo mais forte oposto ao da deliberação, manifesta-se
uma fraqueza da vontade [...] pela qual o sujeito [...] dominado pelas paixões e em dis-
sonância com a justa medida da virtude, sente- se impotente para governar a si mesmo.
(CANDIOTO, 2010, p 34)
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a justiça e a amizade na cOmunidade escOlar: a amizade é O pilar das
virtudes éticas
Assim sendo, então, qual seria a virtude que possibilitaria aos cidadãos
uma forma de entendimento mútuo, de forma que, possuindo-a, pudessem, e
possam, superar os entraves das fraquezas e diculdades, tanto emocionais, pas-
sionais, como aquelas de caráter moral, material e ideológico, característico de
cada um enquanto ser único, enm, uma ou mais virtudes que sejam comuns
a todos e compartilhada entre todos, que seria como que um mediador entre as
individualidades, de tal maneira que as deliberações, os atos da vontade, e a vo-
luntariedade, fossem consolidadas e forticadas, beneciando as relações entre os
indivíduos da polis, ou da comunidade? Ou seja, “qual deve ser o cimento da vida
política entre os cidadãos da polis? Duas virtudes – ético-políticas – são impor-
tantes para consolidar a convivência humana na comunidade política: a justiça
(dike) e a amizade (philia), pois tanto uma como outra se referem às relações dos
homens uns com os outros.” (CANDIOTO, 2010, p. 40).
A justiça é uma virtude característica de homens bons. Ela só pode ser
um ato da vontade, enquanto repousa sobre a bondade e a virtude moral. A falta
de bondade e disposição de caráter para as ações justas, caracterizam desequilíbrio
de conduta, enquanto a aceitação de toda e qualquer conduta como sendo justa,
também caracteriza-se por desequilíbrio. Assim, a justiça é o justo meio entre o
agir, quando isso é necessário, e o não agir, quando for justo.
Estando em nosso poder a escolha, deliberada, voluntária, pautada no
equilíbrio a ação justa torna uma comunidade boa para aqueles que da justiça são
amigos, e daqueles que mais necessitam dela para que possam estar a salvos daqueles
que não praticam atos de bondade e justiça. É a justiça que preserva o bem e a feli-
cidade numa comunidade. Pois é distributiva. Restabelece a igualdade entre os desi-
guais, pois não pode retribuir mais aos que tem mais, e menos aos que têm menos.
Ao contrário, ela distribui mais aos que tem menos e menos aos que tem mais. É
proporcional. Assim, “a distribuição da mesma quantidade só é justa para os iguais;
para os desiguais a distribuição não pode ocorrer da mesma maneira, pois violaria a
proporcionalidade. É a ideia de que é justo distribuir uma quantidade igual para os
iguais e desigual para os desiguais.” (CANDIOTO, 2010, p. 40).
Imaginemos duas famílias iguais A e B, com dois lhos cada uma, to-
talizando quatro pessoas; e outras duas famílias X e Y, desiguais, onde uma delas
(X) tem dois lhos, portanto composta de quatro pessoas e, a outra, (Y) tendo
cinco lhos, é composta de sete pessoas. A distribuição, tomemos como exemplo
de alimentos, entre as famílias iguais será igual, pois seria injusto distribuir mais
a uma e menos a outra, sendo as duas exatamente iguais. Já no caso das famílias
desiguais X e Y, a justa distribuição seria uma parcela desigual a cada uma delas,
pois tendo a família Y um número maior de pessoas que a compõe, seria injustiça
caso recebesse exatamente a mesma quantia, no caso de uma quantia necessária
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para a sobrevivência de quatro pessoas, tendo em seu seio sete pessoas. O dese-
quilíbrio seria por falta. Em outro caso, quando for distribuído a quantidade ne-
cessária para a sobrevivência de sete pessoas, as duas famílias receberem a mesma
quantidade, haveria um desequilíbrio por excesso, no qual a família com quatro
componentes receberia bem mais do que o necessário, caracterizando, novamente
uma injustiça com relação à família com amis indivíduos.
A justiça, portanto, é compatível com desigualdade, mas uma desi-
gualdade de iguais. Ela é, desse modo, uma virtude política, pois, está referida aos
indivíduos que estão numa relação de simetria nas relações políticas de mando e
obediência.” (CANDIOTO, 2010, p. 41). Porque, na escola, haveria injustiça e
desequilíbrio, tanto por falta, quanto por excesso? Que motivações impulsiona-
riam o tratamento desigual para com os indivíduos? Àqueles que mais necessitam,
seria dado menos? “Aqueles que menos necessitam seria dado mais? Alunos com
desvios de comportamento; não se relacionam de forma equilibrada, tanto no
que diz respeito à falta, quanto ao excesso. Como distribuímos, ou redistribuímos
atenção, dedicação, afeto, amizade? Fica a questão.
Com relação à amizade, ela é o fundamento político e moral, uma vir-
tude por excelência, a qual sustenta todas as relações numa comunidade. A amiza-
de é o motor da boa convivência, dos atos virtuosos, com vistas ao bem, do amigo
e da própria pessoa,
[...] a verdadeira amizade é, pois, a dos bons, como tantas vezes dissemos. Efetivamente,
o que é bom ou agradável no sentido absoluto do termo parece estimável e desejável, e
a cada um se agura ser o que é bom e agradável para ele; e por ambas essas razões o
homem bom é estimável e desejável para o homem bom. Ora, dir-se-ia que o amor é um
sentimento e a amizade é uma disposição de caráter, porque se pode sentir amor mesmo
pelas coisas inanimadas, mas o amor mútuo envolve escolha, e a escolha procede de uma
disposição de caráter. E os homens desejam bem àqueles a quem amam por eles mesmos,
não por efeito de um sentimento, mas de uma disposição de caráter. E nalmente, os
que amam um amigo amam o que é bom para eles mesmos; porque o homem bom, ao
tornar-se amigo, passa a ser um bem para o seu amigo. Cada qual, portanto, ao mesmo
tempo que ama o que é bom para ele, retribui com benevolência e aprazibilidade em
igualdade de termos; porque se diz que amizade é igualdade, e ambas são encontradas
mais comumente na amizade dos bons. (ARISTÓTELES,1996, p. 263).
Na escola, o vínculo de amizade é, senão o primeiro, uns dos primeiros
momentos no processo de escolarização e de relacionamento, a acontecer no meio
educacional. Ao chegar na escola, pela primeira vez, ou numa nova turma, “em
seu primeiro dia de escola, o menino não pensa no que será a matemática ou na
lição de português. Ele quer saber quem será sua professora, mas, sobretudo, quer
encontrar um amigo ou fazer amigos. A escola seria tanto para o menino, quanto
para a menina, essencialmente, isso: o seu primeiro espaço de amizades. (CAR-
VALHO, 2010, p. 60). E, neste, suas interações de amizade vão aumentando em
quantidade e qualidade, a tal ponto de a vivência se tornar parte do cotidiano
do aluno e, também, de professores. A preocupação com o bem estar do amigo,
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o desejo de partilhar suas diculdades e dúvidas, tanto em relação ao cotidiano
escolar, quanto às vivências e experiências fora da escola, fazem da amizade esse
aporte emocional, comportamental, e inclusivo; que une, que coaduna as paixões
e sentimentos em busca de bem do próximo, bem como a busca pela satisfação
e bem próprios, relativa ao companheirismo, à ajuda mútua e à cumplicidade
próprias daqueles que compartilham do bem querer um ao outro. Nesse sentido,
A unidade da cidade é obra da amizade, ou seja, uma cidade é a comunidade da vida feliz,
perfeita e autárquica, e as relações que permitem essa vida em comum – a justiça – são
obras da amizade, pois ela é a escolha reetida de viver e conviver juntos. Portanto, fonte
de felicidade para cada indivíduo e elemento de concórdia para a cidade, a amizade deve
ser entendida como uma questão ética e política. (CARVALHO, 2010, p. 61).
Ela, a amizade, é o “cimento da vida política entre os cidadãos da polis.
(CANDIOTO, 2010, p. 40). Aristóteles dene três tipos de amizade, na qual os
indivíduos se relacionam, segundo as coisas que estimam no relacionamento de
amizade: a amizade fundada no prazer, na mútua utilidade e na virtude. Sendo as
duas primeiras consideradas acidentais, pois visam algum bem egoísta, individual,
são próprias, a primeira, dos jovens que se unem pelo prazer e, as segundas pró-
prias de idosos, cuja busca é pela utilidade que podem obter, assim, enquanto a
última, é a amizade autêntica, fundada no querer bem ao outro, na cumplicidade;
é uma disposição de caráter virtuosa.
O mesmo raciocínio que se aplica àqueles que se amam por causa do prazer, não é por
seu caráter, que gostamos das pessoas espirituosas, mas porque as achamos agradáveis.
Logo, as pessoas que amam as outras por interesse amam por causa do que lhes é agradá-
vel, e não porque a outra pessoa ´´e a pessoa que amam, mas porque lhes é útil ou agradá-
vel. E a utilidade não é uma qualidade permanente, mas está sempre mudando. Portanto,
desaparecido o motivo da amizade esta se desfaz, uma vez que ela existe somente como
um meio para chegar a um m. (ARISTÓTELES, 1996, p. 260).
Sendo a amizade o elemento da virtuosidade que tem a força e o poder
de mudar as disposições e atos, pois da deliberação entre amigos, surgem escolhas
de justiça, de bem querer, pois um amigo verdadeiro jamais irá praticar atos de
injustiça contra seu próximo. E, sendo fundada na virtude de caráter, é o elemen-
to que garante a condição da existência da cidade, da comunidade, do bem viver,
de forma pacíca, e amorosa. Uma comunidade que preza e zela pela amizade de
seus cidadãos, garante, ao mesmo tempo a igualdade e a desigualdade, para o bem
e pela igualdade. Ela, a amizade, supõe relações de igualdade entre os amigos. São
iguais em todas as relações. O que garante a desigualdade na igualdade. Pois, sen-
do desiguais em suas concepções e ideias, em suas condições de vida e emoções,
supera-a, preservando-a, em nome da felicidade do outro e dos próprios indivídu-
os. A amizade garante a prática da justiça e a aplicação justa de meios e condições
para que a justiça seja aplicada. Na polis, a justiça é essencial. Mas a amizade é
primordial. Ela consolida as relações. As deliberações entre amigos buscam o bem
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ARAÚJO, A. A.
de todos. Os atos de justiça, as escolhas, as deliberações, visam somente o bem
de todos. E, se todos são beneciados, também o cidadão, de forma individual é
beneciado. “Enm, viver na companhia dos amigos nos faz crescer, corrigir-se
mutuamente e tornar modelos uns para os outros, conrmando a máxima: é dos
seres virtuosos que aprendemos a virtude”. (CARVALHO, 2010, p. 69).
A atitude ética na sala de aula, por parte de professores, exige a ami-
zade como elemento primordial para o desenvolvimento de ralações sólidas e
verdadeiras, entre estes e seus alunos. Sem ser utópico, a amizade propicia a aber-
tura para uma relação mais profunda e duradoura entre os agentes da educação,
professores e alunos. Mas aqui, uma ressalva: passa longe a concepção de que ao
me aproximar do aluno poderei ter mais condições para domesticá-lo, ngindo
preocupação com ele, essa não é a amizade virtuosa, verdadeira. Ou, por parte do
aluno, ser adulador do professor, para que suas diculdades e indisposições não
sejam levadas em conta pelo professor, visando ‘obter nota’. Essas modalidades de
adulação de forma alguma se inscrevem no que signica amizade, aqui entendida
como uma virtude.
cOnclusãO
A amizade verdadeira, representa a disposição moral para o bem querer,
o amor mútuo. eodor Adorno, ao contrário do que podem pensar e, adver-
tindo sobre isso, declara que o amor é essencial, e a falta dele uma das causas de
tantos desequilíbrios e fracassos na educação, dizendo,
Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente como sentimental,
eu diria que para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere
a capacidade de amar. [...], mas seria melhor que quem tem deciências a este respeito,
não se dedicasse a ensinar. Ele não apenas perpetuara na escola aquele sofrimento que
os poetas denunciavam há sessenta anos e que incorretamente consideramos hoje elimi-
nado, mas além disto dará prosseguimento a esta deciência nos alunos, produzindo ad
innitum aquele estado intelectual que não considero ser o estado de uma ingenuidade
inocente, mas que foi co-responsavel pela desgraca nazista. (ADORNO, 1995, p. 63).
Assim sendo, nalizo, com as armações de Carvalho (2010, p. 71):
Neste sentido, ao trazermos para o centro das discussões o diálogo na sala de aula, o
fazemos com a nalidade de pensar a escola como um espaço potencializador de ami-
zade, onde o amigo sirva de mediador para que o outro sinta-se acompanhado em suas
descobertas e reexões e, com isso, construírem juntos possíveis saídas para os dramas e
dilemas que costumam surgir no âmbito escolar. Vislumbrar a possibilidade da amizade
nas salas de aula é a pré-condição intransferível de uma co-cidadania, de uma cida-
dania-em-comum. Deste modo, podemos acreditar que a escola pode ser um espaço
de crescimento, onde a educação desempenhe seu papel de uma forma democrática e
humanizadora, sem ser arbitrária. E os educadores construam relações mais sólidas sem
serem normatizadores, podendo com os alunos construírem alternativas, primeiro como
reexões e, depois, como elaborações de propostas para enfrentar os problemas e ques-
tões que a realidade escolar nos coloca.
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referências
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Recebido:30/03/2019
Aceito: 19/07/2019
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