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O desencantamento do mundo e o processo de coisicação do homem Artigos/Articles
O desencantamentO dO mundO e O prOcessO de cOisificaçãO
dO hOmem na visãO de adOrnO e hOrkheimer: a negaçãO da
filOsOfia metafísica em aristóteles e a desumanizaçãO dO
hOmem
The disenchanTmenT of The world and The process of human
ThingificaTion in The vision of adorn and horkheimer: The
negaTion of meTaphysical philosophy in arisToTle and The
dehumanizaTion of man
Ricardo Francelino da Silva
1
Alonso Bezerra de Carvalho
2
resumO: O presente trabalho objetiva tecer algumas considerações no intuito de repensar o
processo de coisicação do homem iniciado na época moderna e suas ressonâncias para educação,
processo que buscou descreditar a losoa metafísica e arrolar no campo das interpretações míticas
qualquer explicação da realidade que não legitimasse os pressupostos do domínio da técnica do
método positivista moderno. Adorno e Horkheimer em “A Dialética do Esclarecimento” buscaram
percorrer esse percurso e expuseram os resultados da barbárie do processo. O método cientíco
moderno e os pressupostos positivistas são infalíveis? Propomo-nos a dialogar com tais temáticas
na intenção de resgatar as críticas desses pensadores sobre o processo de organização da sociedade
moderna e seus valores, que possibilitaram um momento histórico de desumanização do homem
em detrimento da cobiça, da ganância e do poder. A educação nesse contexto foi direcionada para
atender aos interesses dos gestores do imaginário social, no intuito de reforçar os pressupostos
de verdade infalível que legitimaram os discursos totalizantes. Após resgatar a crítica dos autores,
iremos avançar um pouco para a pós-modernidade e discutir as ressonâncias de tais pressupostos
no paradigma atual, que reforçam a crítica tecida por Adorno e Horkheimer e demonstram que
a infalibilidade das ciências carece, ela própria, de sustentabilidade. Nesse percurso buscaremos
retratar alguns conceitos sobre esse processo e as consequências no modo como operamos o
conhecimento no contemporâneo.
palavras chave: Coisicação do homem. Adorno e Horkheimer. Desconstrução da metafísica.
Processo de esclarecimento.
Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis (2017) e Doutorando em Educação – PPGE – UNESP/Marília.
rikardofs@gmail.com
Livre-Docente pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis). Professor Doutor – FFC e PPGE da
UNESP/Marília. Alonso.carvalho@unesp.br
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.02.p9
https://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5n2.13.p171
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abstract: e present work aims to make some considerations in order to rethink the process of
thingication
3
of the man initiated in the modern era and its resonances for education, a process
that sought to discredit the metaphysical philosophy and to include in the eld of mythical
interpretations any explanation of reality that did not legitimize the presuppositions of the modern
positivist method. Adorno and Horkheimer in “e Dialectic of Enlightenment” sought to go
this route and exposed the results of the barbarity of the process. Is the modern scientic method
and the positivist assumptions infallible? We propose to dialogue with these themes in order to
rescue the critics of these thinkers about the process of organization of modern society and its
values, which made possible a historical moment of dehumanization of man to the detriment of
selshness, greed and power. e education in this context was directed to attend to the interests of
the managers of the social imaginary, in order to reinforce the assumptions of infallible truth that
legitimized the totalizing discourses. After rescue the critics of the authors, we will advance a little
to postmodernity and discuss the resonances of such assumptions in the current paradigm, which
reinforce the criticism woven by Adorno and Horkheimer and demonstrate that the infallibility of
the sciences lacks sustainability itself. In this way we will try to portray some concepts about this
process and the consequences in the way we operate the knowledge in the contemporary.
Keywords: Mans thingication. Adorno and Horkheimer. Deconstruction of metaphysics.
Enlightenment process.
intrOduçãO
O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações so-
bre o processo de desencantamento do mundo causado em nome de uma ciência
precursora da verdade universal, assumindo o mesmo papel dogmático presente
na mitologia greco-romana.
O percurso que a ciências modernas trilharam para assumir o status
de paradigma dominante foi longo e árduo, deixando pelo caminho um cenário
de escombros e calamidade. A auto-armação em si não foi o suciente para a
sua hegemonia. Nesse percurso as ciências modernas, por meio de seus represen-
tantes, trabalharam arduamente para desmerecer, descreditar e em muitos casos,
ridicularizar qualquer explicação da realidade que não aplicasse os parâmetros do
método erigido a partir das revoluções cientícas.
A losoa, por meio de seus representantes, os lósofos, passou por um
processo semelhante em seu apogeu, mas com um respeito maior pela constru-
ção sociocultural presente na antiguidade. Ela pôde coexistir com as explicações
míticas presentes naquele momento, que buscavam explicar a realidade, e os fe-
nômenos naturais. Contudo, na modernidade as ciências realizaram o verdadeiro
processo de “caça às bruxas” com tudo aquilo que não pudesse ser laboratorial-
mente comprovado, inclusive, buscando atribuir valor mitológico à própria lo-
soa metafísica.
ingication is the same that reication, objectication, or the process to change something or someone at
a object.
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O desencantamento do mundo e o processo de coisicação do homem Artigos/Articles
Com o intuito de discutir algumas ideias sobre esse processo de de-
sencantamento, nos propomos a esboçar o conceito de metafísica em Aristóte-
les, para, a partir do mesmo, tentarmos entender o processo de desconstrução
operado no período pós revolução cientíca que possibilitaram a emergência das
ciências modernas como paradigma dominante universal. A obra de Adorno e
Horkheimer “Dialética do esclarecimento” nos ajudará a compreender o processo
de desencantamento e consequente empobrecimento de espírito social.
Esses autores demonstram que o processo de esclarecimento desenca-
deado pela revolução cientíca, possibilitou o surgimento de uma ciência de ca-
ráter dogmático que, apesar de suas conquistas para o bem-estar social, também
eclodiu nas atrocidades vivenciadas nas grandes guerras mundiais e a barbárie
materializada no nazismo, em nome de um bem maior. Este texto não tem por
objetivo relatar ou descrever os movimentos ocorridos ao longo da história da
humanidade, mas sim trilhar um caminho que permita ao leitor perceber como
esse processo de desencantamento, possibilitou a negação de mais de 4 mil anos
de cultura, história, de identidade de povos e nações em nome de uma razão
absoluta e verdadeira, totalitária em seu viés epistemológico, que ao tentar negar
ao homem sua essência metafísica produziu um processo de desumanização, des-
construção ética, estética e moral da humanidade. Qualquer tentativa de estabe-
lecer uma epistemologia única, de um único canal para se conhecer a realidade
tende a favorecer a materialização de algo que só existia em potência, mas que se
manifesta em ato de uma essência animal, irracional. O pensar, o questionar, o
contradizer, o duvidar são meios para se conhecer a realidade, objetiva ou não,
que permitiu ao homem evoluir ao longo de sua história.
Resta ainda a reposta de algumas perguntas para nos auxiliar a pensar
tais questões. Qual o papel da educação nesse processo de desumanização? O que
o doutrinamento cientíco produziu na estrutura social? Quais as consequências
do positivismo para o desenvolvimento social e humano? Por m iremos discutir
como esse processo de desencantamento produziu certo tipo de frieza afetiva,
afastando o homem de sua essência ética e moral, de sua real condição cognos-
cente. Um processo de coisicação do homem.
A desconstrução desse conceito de ciência nos remete a resgatarmos as
origens do pensamento dialético que permitiu ao logo da história da humanidade
a evolução e renamento das formas de se conhecer, sem o dogmatismo da nega-
ção incondicional do outro.
as leis das quatrO causas e O cOnceitO de metafísica em aristóteles
A Grécia antiga passou por um período em que a explicação mitológica
dominava a realidade. A explicação dessa realidade era sempre associada a uma
gura não natural, divina, na maioria dos casos. Os lósofos gregos desempenha-
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ram papel fundamental na libertação do logos em relação ao mito, conferindo a
este um papel central na explicação da realidade.
Porém, antes de tentarmos compreender os conceitos metafísicos em
Aristóteles, iremos resgatar o signicado presente de Metafísica contido no “Di-
cionário de Filosoa” de Nicola Abbagnano, para, a partir desse conceito, buscar-
mos as origens do pensamento Aristotélico sobre o assunto.
Segundo Abbagnano (2007, p. 661), “a metafísica é a ciência primeira
no sentido de fornecer a todas as outras o fundamento comum, ou seja, o objeto
a que todas elas se referem e os princípios dos quais todos dependem.” Ela se
apresentou ao longo da história de três diferentes formas: a teologia, a ontologia
e a gnosiologia. Aristóteles realiza um movimento onde integra a teologia e a
ontologia. A metafísica se congura como a ciência mais elevada por ser a ciência
primeira, na visão de Aristóteles.
A metafísica seria a expressão de uma ciência que estude todas as causas,
os princípios primeiros, as substâncias sensíveis e não sensíveis. Uma enciclopédia
das ciências, arma Abbagnano, “em suas relações de coordenação e subordina-
ção.(ibid). Na metafísica Aristotélica o primeiro motor imóvel expressão de todas
as coisas que foram movidas constitui a concepção de Deus, não falamos aqui da
concepção judaico-cristã de Deus, mas sim, da gura eterna, superior e da qual
tudo o que existe provém, o primeiro ser necessário.
Segundo Chauí (2002), a metafísica para Aristóteles é a ciência de onde
advém todas as outras, de onde provém todas as demais ideias e conceitos das de-
mais ciências. O conceito de physis presente na época de Aristóteles compreendia
todos os fenômenos da natureza, em sua totalidade, a totalidade da realidade, ou
seja, tudo que pertence ao mundo real, natural, é a natureza.
A epistemologia aristotélica propõe que é possível conhecer as coisas
através de suas causas, diferindo essencialmente de Platão que acreditava que o
conhecimento do mundo material, não seria possível por meio da physis, do
mundo físico. Conhecendo a causa da coisa, seria possível conhecer a própria
coisa, ideia de causalidade. Na obra sobre a alma, Aristóteles analisa que tanto o
conhecimento sensível quanto o racional são importantes para se conhecer o ser
e encontrar a verdade.
O mundo físico é constituído por matéria, e para se identicar a coisa
material, é preciso conhecer a forma. A existência de algo, de qualquer coisa no
mundo físico, pressupõe matéria e forma.
A obra de Aristóteles na metafísica versa sobre a relação sujeito objeto,
principio da gnosiologia, daquele que se quer conhecer e daquilo que se da a co-
nhecer. As origens ou possibilidades estão no mundo físico, contraponto a ideia
de Platão. O conhecimento em Aristóteles tem a gênese nas ideias universais. O
conhecimento parte das ideias universais para as individuais. A epistemologia em
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Aristóteles segue alguns princípios que o mesmo denominou de categorias, prin-
cípios metódicos que possibilitam o conhecimento. A gnose (conhecimento), se
dá a partir da relação sujeito objeto, princípio evocado pelas ciências modernas
para valibilidade de suas premissas. Sujeito que é o que quer conhecer, ativo, que
se movimenta a conhecer, e o objeto o que se dá a conhecer, o ser a ser desco-
berto. O Sujeito conhecedor é dotado de razão e sentidos, enquanto o objeto é
desprovido dessa razão intencional e sentidos, mas, possuidor de seus acidentes,
características, qualidades que dá realidade à substância.
teOria das quatrO causas
Aristóteles para explicar a realidade e para tudo o que existe possa exis-
tir existem causas fundamentais que operam sobre o conhecer e a realidade, qua-
tro formas das quais tudo que existe é constituído. Para explicar essas categorias
Aristóteles propõe quatro causas que regem todas as coisas no mundo natural,
conhecida posteriormente pela teoria das causas de Aristóteles.
Para Aristóteles a contemplação observação dos objetos individuais,
particulares e de suas características e movimentos produzidos no permite, por
meio do método indutivo, produzir abstrações, formulando assim um conceito
geral uma ideia do fenômeno. Por meio da análise das características semelhantes
de dados objetos de substância familiar, seria possível abstrair os fundamentos
equitativos para a produção da ideia do conceito. Quando Aristóteles chega a tais
conclusões, contradizendo Platão e outros pensadores da época se viram obrigado
a estruturar outras categorias para conseguir explicar essa realidade do logos.
Todo objeto possui em sua essência uma matéria, aquilo do que o mes-
mo é feito é constituído, e essa matéria possui uma determinada forma, e esta
forma pela própria natureza das coisas está em movimento, diferente ainda de
seus antecessores, não sendo uma ilusão, mas sim a manifestação de seu objetivo,
expresso na potência, capacidade de tornar-se constante, que também constitui a
essência da matéria. A capacidade de se tornar algo novo, dessa forma se atualiza
realizando a potência existente em sua essência. Esse atualizar-se, manifestação
do devir, constitui o ato, que mesmo em transformação não perde sua substân-
cia mesmo quando ocorre algum acidente, alguma diferenciação da substancia
inicial. Para explicar esses conceitos Aristóteles utiliza o exemplo da arvore, que
sendo matéria constituída de madeira, pode mudar de forma, pode até ser desca-
racterizada, mas não perde sua substância e sua causa eciente.
Segundo Aristóteles, a causa formal, essência das coisas pode ser cap-
tada no próprio objeto, distinguindo-se de Platão que acreditava que na Physis
não seria possível contemplar a verdade, apenas percepções distorcidas da realida-
de inteligível, apenas sombras. Para Platão seria possível contemplar a realidade
apenas quando transcendêssemos a um mundo superior, uma realidade não física,
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sendo esse mundo e os sentidos uma barreira para essa contemplação. A proposta
dualística platônica é contradita por Aristóteles que arma que a realidade pode
ser compreendida pelos homens por meio do intelecto, do logos, visto que todas
as coisas possuem substância, criando assim a teoria das 4 causas para se conhecer
o mundo e a realidade. Uma mesa não pode, nas palavras de Chauí (2002), se
transformar e qualquer coisas. Existem certas precondições de ação do devir sobre
a causa formal.
A causa formal seria no estado presente do ser as suas limitações de
alteração. Em um exemplo simples, uma árvore pode ser transformada em ca-
deira, mas nunca em uma cidade, pela própria limitação de sua causa eciente e
material. A limitação física impediria que sua forma fosse aumentada, podendo
em tese, apenas diminuir naquele estado atual de substância. A causa formal é,
de fato, a forma que a coisa toma. Princípio de leitura da matéria. O formato da
matéria, que nos permite discernir da causa material a forma. A forma é o que lê
a matéria. Ou melhor, a forma é o que permite com que a matéria seja lida. É
a forma que nos permite atribuir à matéria o valor de uso. Segundo Chauí, é na
causa formal que a nalidade se manifesta.
A causa material, substrato do que é feito, por existir, pressupõe maté-
ria. A matéria o que permite que as coisas existam enquanto coisa. Se for possível
determinar a coisa podemos deni-la. A matéria de uma mesa é a madeira, o
ferro, de uma estátua, o bronze o mármore, de um discurso as palavras.
Na causa eciente, para explicar o devir, Aristóteles propõe que toda
transformação, todo movimento existente no mundo sensível possui uma causa,
motivo que movimenta, que permite a transformação. A passagem da potência
para o ato denomina-se causa. Essas causas seriam as leis que regem todas as
coisas. Em um exemplo, todo ser possui uma causa material, aquilo do que o ser
é feito. Estabelecendo um parâmetro causal para sua potência de transformação.
Constitui quem fez, quem deu forma, quem desenvolveu trabalho para alterar o
ser. Quem promoveu a eciência do ser ou da matéria. O devir não constitui uma
ilusão, ou uma peça apregoada pelos sentidos, mas sim é, em essência, a materiali-
zação da potencia no ser. O que diferenciaria os seres na interpretação aristotélica
seria a quantidade de movimento que casa ser realiza. Uma madeira não pode se
tornar uma pedra, por sua limitação material. Todo ser possui uma causa ecien-
te, motora, que irá se transformar, que poderá operar sobre a forma constituindo
uma nova forma. A causa eciente é a força que impulsiona a potência no devir,
forçando-o a se atualizar assumindo assim uma nova forma. Constitui o vir a ser.
É na causa eciente que a qualicação do ser se manifesta.
A causa nal, o por quê, qual o motivo e objetivo de sua existência. A
nalidade é o que de fato, qualica a forma. Determina a qualicação da forma.
Essa teoria segundo Aristóteles se propõe a explicar a existência das coisas e rebate
as idéias de Platão. Aristóteles usa o exemplo da estátua de mármore, uma escultu-
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ra de Alexandre. O mármore em si, não possui signicado em si, apenas potência
de se tornar alguma coisa. A estátua de Alexandre, que antes existia apenas em
potência no mármore, torna-se realidade, torna-se ato na estátua, anteriormente
potência no mármore. A causa nal da estátua é cultura a memória, enaltecer
os grandes feitos, relembrar as gerações futuras das conquistas passadas, enfeitar
um jardim. Foi a materialização da potência estátua no ato estátua que permitiu
a causa nal, atributos da lembrança, operar sobre a causa material e formal. O
escultor é a causa eciente, aquilo que foi necessário para que a potência viesse
a se manifestar em ato, estátua, a manifestação do devir, operando sobre a causa
material para que ela ganhasse forma e operasse um m.
Para Aristóteles seria a mais importante manifestação da matéria. Tudo
tem um m especíco, uma causa nal, um objetivo, um propósito especíco.
Tudo tem uma causa que o constitui, um telos, uma missão de existência, que
para Aristóteles seria a causa de todas as coisas, o primeiro motor imóvel que deu
origem e movimentou tudo que se forma e que se desforma na existência. Alguns
de seus comentadores irão atribuir o conceito de deus ao primeiro motor, mas
Aristóteles não operava o conceito de deus monoteísta que possuímos na mo-
dernidade. A teoria Aristotélica preconiza que o movimento causado pela causa
eciente é determinado pela causa nal. Aristóteles tece uma crítica consistente a
teoria platônica de metafísica, introduzindo a ideia de movimento. A atração de
que todas as coisas sofrem pelo primeiro motor Imóvel, explicam por que o devir
torna-se eterno. “As coisas naturais nunca poderão alcançar o que desejam, isto é,
a perfeição imutável.” (CHAUÍ, 2011, p. 237).
as cOnsequências da revOluçãO científica para O prOcessO de desencantamentO
Na contramão da concepção de que Deus estaria acima de tudo, os
renascentistas introduzem uma nova concepção de realidade, de arte e de conhe-
cimento inserindo o homem no centro do universo, ativo no processo de conhe-
cer em contraposição a losoa medieval. Segundo Chauí (2011, p. 55), essa
nova concepção, “[...] propunha o ideal do homem como artíce de seu próprio
destino, tanto por meio dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), como
por meio da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura,
engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, poesia, teatro).
Essa nova concepção foi o motor que desencadearia na idade moderna
a negação das explicações metafísicas clássicas e o desencantamento do mundo.
Mesmo com acirrada resistência às mudanças e meios empregados pela
Igreja Católica Apostólica Romana para impedir a disseminação de maneiras di-
ferentes de pensamento, por meio das inquisições e do tribunal do santo ofício,
instrumentos criados para coibir o livre pensamento que confrontasse os dogmas
ociais, pensadores como Galileu, Newton, Copérnico, confrontaram, mesmo
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que discretamente, o dogma da igreja propondo que fé e razão não poderiam
caminhar juntas. Pensadores como Descartes, Hobbes e Espinosa realizaram um
movimento de reinterpretação dos conceitos losócos de substância, das rela-
ções de causa e efeito. omas Hobbes, na interpretação de Chauí (2011), che-
gou a desconsiderar a possibilidade de conhecermos a substância divina por estar
fora das percepções sensíveis. Espinosa nega a divisão clássica de metafísica, e
insere a teologia em outro campo de conhecimento, voltado mais ao exercício do
intelecto. David Hume rompe de vez com a possibilidade de um ser superior, sem
o qual as coisas se formariam. Propôs que os pressupostos que alicerçam a meta-
física não possuem sustentabilidade, “[...] partindo da teoria do conhecimento,
mostrou que o sujeito do conhecimento opera associando sensações, percepções
e impressões recebida pelos orgãos dos sentidos e retidas na memória.(CHAUÍ,
2011, p. 248). Para o pensador, Substância e Essência são meras nomenclaturas
para expressar conjunto de ideias e imagens associadas à consciência. Deus para
Hume é a expressão de uma ideia, de entidades não reais, impossível de se com-
provar ou existir.
Inuenciado pelas armações de David Hume, Emmanuel Kant arma
que despertara do “sono dogmático”, alusão a possibilidade de existência de uma
realidade em si. Em Kant, a análise por meio dos fenômenos e aplicação dos juí-
zos sintéticos, seria o caminho para tentar estabelecer os limites de conhecer que
a razão possui. Postula a existência de dois tipos de conhecimento, os empíricos,
advindos da experiência e os à priori, contidos na própria estrutura racional. O
conhecimento da metafísica ou nôumero em Kant, não seria um conhecimento
possível. Tece suas considerações nas teses sobre a crítica da razão pura, versando
sobre o conhecimento inteligível e a critica da razão prática, abordando o conhe-
cimento sensível.
Como a metafísica não era mais suciente para se explicar a realidade,
a busca pela origem da humanidade, do cosmos e de tudo o que existe tona-se
objeto de investigação na modernidade. Charles Darwin publica em 1859 “On
the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Fa-
voured Races in the Struggle for Life”. Em 1872, em sua Sexta edição assume o
título pelo qual cou mundialmente conhecido como “e Origin of Species” (A
origem das Espécies). Marco de ruptura, revolução paradigmática da época, que
alterou a própria concepção da noção de humanidade.
Nesse contexto que se construiu a negação das realidades existentes an-
teriores ao predomínio da técnica e da razão instrumental como meio para se
organizar e explicar a realidade. Como na ruptura do Mythos e supremacia do
Logos ocorrida na antiguidade, a razão instrumental passa a dominar o direito de
explicar a realidade e a negar qualquer outra explicação, repercutindo na própria
maneira em que a sociedade estava organizada, suas formas de conhecer e na
concepção de realidade e educação que se formou e se propagou ao longo das
gerações futuras.
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O que fOi O esclarecimentO e suas cOnsequências para a educaçãO
Com o objetivo de desvendar os processos que desencadearam no pro-
cesso de desumanização marcados no século XX, Adorno e Horkheimer, busca-
ram regatar os movimentos históricos do processo de desencantamento que eclo-
diram no domínio da técnica e na desumanização do homem, acontecimentos
presentes nas grandes guerras mundiais e nas atrocidades do nazismo e fascismo.
Como pensar os momentos de barbárie na história da humanidade, Auschwitz,
as bombas atômicas pelo otimismo Hegeliano?
Para legitimar o domínio da razão instrumental técnica, e das formas de
dominações que eclodiram no século XX, a razão passa a ser interpretada por um
viés objetivo e instrumental, um tipo de concepção nalista de razão, a realidade
que se realiza em si mesma é racional. O caos e a barbárie são ilusões.
Buscando elucidar esses conceitos os pensadores regatam os conceitos
de razão ao longo da história. Para Aristóteles, a razão estaria na mente humana e
no mundo. Kant pressupõe um nalismo, mas discorda de Aristóteles, a Razão
Pura seria um instrumento de conhecimento do mundo, a Razão prática pensa os
ns. A Razão está no mundo e não apenas no exercício da psiquê humana. Segun-
do Adorno e Horkheimer os ns foram negligenciados, extraviados, criticando a
redução da razão a uma função instrumental.
Para Adorno e Horkheimer a busca irrestrita pelos ns, que no sistema
capitalista industrial, se traduziu na busca incessante da posse, como princípio
de auto-realização, levou a um endurecimento da consciência. Os meios torna-
ram-se ns em si mesmos, criou-se um movimento de fetichização do objeto.
Esse movimento permitiu a manifestação de uma consciência coletiva coisicada,
preparando as personalidades para recepção dos discursos totalitários.
Nesse processo alguns princípios sociais e humanos foram drasticamen-
te alterados. O ser humano assume a essência de objeto, passível de ser manipu-
lado, comprado, vendido, explorado, desumanizado. Criou-se um conceito de
padrão social para abarcar todas as sociedades. A negação, processo de estranha-
mento, presente em Freud, foi o meio pelo qual a formação técnica ocupasse
espaços que antes pertenciam ao aprimoramento e a esfera do espírito. Não existe
mais espírito, apenas corpo e vontade.
A negação do outro, corriqueiramente é a negação da fraqueza vista no
outro, presente em mim. O outro representa aquele que estaria fora dos padrões
sociais, representando a fraqueza. O conceito de padrão social é explorado por
Adorno e Horkheimer na análise da indústria cultural. Aprisionamento da pró-
pria criatividade humana ao bem da expropriação, da alienação e do capital.
A construção da identidade, necessidade de pertencer a algum grupo,
remete a um estigma de ausência de identidade, e que vê no grupo a possibilidade
de se encontrar, um importante ímam para o fascismo. Uma vez integrantes de
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um grupo que defendem uma bandeira, começam a patrulhar os comportamen-
tos divergentes.
Para Adorno e Horkheimer, o processo de esclarecimento surgira para
livrar o homem do medo, substituir os mitos pela razão instrumental. Processo
de desencantamento do mundo, substituição da imaginação pelo saber. Para os
autores a falta de perspicácia e do desejo de duvidar, permitiu o aoramento de
conhecimentos parciais, vãos.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 5), “O que os homens que-
rem aprender da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela
e aos homens.Tudo o que não se reduz a números passa a ser ilusão. Na ciência
não há mais a substitutibilidade, a mesma converte-se em fungibilidade universal.
Processo de obsolescência programada é inserido na produção de mercadorias. A
razão técnica produziu um processo de amortecimento da consciência, desapa-
recimento da consciência moral. “O esclarecimento acabou por consumir não
apenas os símbolos mas também seus sucessores, os conceitos universais, e da
metafísica não deixou nada senão o medo abstracto frente à colectividade da qual
surgira.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 13).
Horkheimer, em “Eclipse da Razão”, demonstrou como a razão assu-
miu um sentido técnico, em nalismo técnico, probabilístico, por assim dizer,
servindo a um meio ou m especíco. A razão passou por um processo de obje-
tivação técnica. O mundo da razão subjetiva foi interpretado como um mundo
sem nalismo. Horkheimer ainda resgata os movimentos históricos ocorridos
pela defesa da supremacia do direito de explicar a realidade evocada pela losoa
e pela igreja católica. Houve, segundo Horkheimer um apaziguamento gradativo
dos conitos entre losoa e religião, cada um suportando o outro, visto como
campo distinto de ramos separados da cultura. Explicando esse movimento histó-
rico Horkheimer (2002, p. 23) armou que,
Na realidade os conteúdos, tanto da losoa quando da religião, foram profundamente
afetados por esse aparente apaziguamento pacíco do seu conito racional. Os lósofos
do iluminismo atacaram a religião em nome da razão; e anal o que eles mataram não foi
a igreja, mas a metafísica e o próprio conceito de razão objetiva, a fonte de poder de todos
os seus esforços. [...] Especulação é sinônimo de metafísica, e metafísica é sinônimo de
mitologia e superstição.
O que de fato percebeu-se foi a hegemonia da razão instrumental sobre
a razão subjetiva. Os meios se tornam um m, um processo de auto-conservação
da espécie humana, sobre o domínio da técnica, são fetichizados.
Nesse cenário, a educação torna-se um meio para manutenção da or-
dem social, da primazia da técnica, e dos ditames da evolução tecnológica, como
meio para perpetuação da própria espécie humana. A construção da identidade,
a necessidade de se pertencer a um grupo, remete a um estigma de ausência de
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O desencantamento do mundo e o processo de coisicação do homem Artigos/Articles
identidade, projetando no pertencimento a um grupo a possibilidade de se re-
encontrar. Isso, na visão de Adorno, favoreceu a aceitação dos discursos nazista,
para a juventude alemã. O totalitarismo se apresentou, no caso da juventude
hitleriana, como a realização pelos iguais do direito a injustiça. O esclarecimento
é totalitário.
Adorno (1995), em Educação e Emancipação, resgata esse processo de
produção de heteronomia, da qual a educação participou, em nome do desen-
volvimento. O processo de amortecimento da consciência perpassou pelo desen-
volvimento da indústria cultural. A grande função da indústria cultural nesse
contexto é fazer com que o sujeito se torne um ser passivo nesse processo, de
aceitação da condição social imposta, e mesmo de manifestações com o padrão
esperado, certo tipo de doutrinação ideológica, com ar de democracia. A esfera
econômica torna-se o juiz do cotidiano. O esclarecimento é totalitário, a razão
que foi criada vara libertar o ser humano torna-se seu carcereiro. Tornamo-nos
prisioneiros dessa razão, a razão técnica. Nesse contexto, os veículos de comunica-
ção em massa passam a atender o interesse das camadas dominantes, perpetuando
a manutenção da realidade social aparente. Nesse sentido o vazio é um bem a ser
preservado, como combustível de incentivo do consumismo e da futilidade da
vida, esvaziamento do espírito humano, que conduz a um processo de heterono-
mia eterna.
cOnclusões
A análise do processo de desencantamento nos leva às seguintes ques-
tões: Como uma sociedade que pregou liberdade, justiça igualdade se torna alie-
nada por esse mesmo sistema? Quais as possíveis contradições encontradas dentro
do próprio processo de emancipação da razão?
Os escritos de Adorno e Horkheimer realizam um movimento de des-
misticação das mudanças ocorridas com o advento do iluminismo, interpretadas
como ápice da evolução do pensamento. Os autores constroem sua análise na
tentativa de demonstrar os erros produzidos pelo processo de esclarecimento, que
permitiram o surgimento da primazia da técnica, da dominação do homem e da
natureza pelo capital.
O medo permitiu o surgimento e crescimento do mito, forma de ex-
plicar a natureza e a relação do homem com o mundo que permite justicar os
processos de dominação. O movimento de se fugir do mito, criado para legitimar
a dominação, para explicações não mitológicas permitiu a losoa superar parte
do pensamento arcaico e o surgimento da supremacia da razão, que culminaria
na dominação da técnica e da tecnologia, o paradigma dominante das ciências
modernas.
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A evolução da Filosoa permitiu com que a razão se desvencilhasse do
mito para se entender o mundo, e suas manifestações naturais. Aqui, segundo os
autores começa o processo de desencantamento do mundo que culminaram na
modernidade na dominação pela organização do trabalho. O mundo burocrático
passa por um processo de desencantamento, com o m em uma racionalização
embasada no utilitarismo. A divisão de trabalho, o nascimento de dominação que
eclode no iluminismo.
Enquanto para Platão o conhecimento só existe no mundo das ideias,
para Aristóteles ele existe no mundo da Physis, no mundo sensível.
Ao analisarmos as quatro causas em Aristóteles encontramos uma tele-
ologia, a existência de um m de todas e para todas as coisas. A razão transcende
a esfera materialista. A Filosoa em primeiro momento iniciou o processo de
desmitologização da sociedade, introduzindo a ideia de racionalização do logos.
Na Idade Média, em um movimento para alicerçar a fundamentação eclesiástica
sobre a verdade, o bem e o conhecer, a metafísica platônica é resgatada para au-
xiliar a explicar da realidade. A proposta de Platão em um primeiro momento e
de Aristóteles, em um segundo, foram congruentes com as necessidades da Igreja
que nascera e se fortalecera nesse período, entidade física que evocou para si a
autoridade de explicar o supra-sensível. A concepção de um mundo físico infe-
rior, no caso, a terra, e de uma realidade superior, verdadeira, no caso o céu, foi
o princípio ontológico sobre o qual se estruturou a realidade. Nas leituras mo-
dernas do período, pode-se dizer que foi um período de supremacia de um novo
conceito de verdade mitológica, só que desta vez, com uma roupagem metafísica
mais elaborada.
Contudo, com o advento da técnica, das revoluções sociais e comer-
ciais, essa forma de explicar a realidade passou a não mais atender os interesses dos
novos atores sociais no poder, digo, naquele momento, uma burguesia comercial
e posteriormente industrial, que não estavam alocadas no modo como a sociedade
era composta, os que rezam, os que guerreiam e os que trabalham, a estrutura
hierárquica social medieval.
O processo de desencantamento moderno, por necessidade, ocorreu
como confrontação da ordem social estabelecida, e diferentemente dos gregos,
não ouve uma tolerância para com o mito, mas sim um processo de negação com-
pleta. Agora, digo, nesse momento de transição já explicitado, a verdade cientí-
ca, assume o mesmo papel anteriormente ocupado pela escolástica, o de verdade
universal, único caminho ou meio para se explicar a realidade. É para explicar esse
processo que Adorno e Horkheimer se propõem na obra “Dialética do Esclare-
cimento”, percorrer os caminhos pelo qual a humanidade sofreu um processo de
desencantamento, inicialmente com a racionalização do logos, e posteriormente
com a negação do mito. Nesse percurso os teóricos modernos que se propuseram
a realizar esse movimento, intencional ou não, tiveram inevitavelmente de incluir
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no “saco” das explicações mitológicas a própria losoa, em especial a metafísica.
Nesse processo de desencantamento Adorno e Horkheimer nos alertam que o ser
humano se desvirtuou de sua nalidade, cometendo determinadas atrocidades
que, em certo ponto, o descaracterizaria como ser humano, nos referimos aqui
às atrocidades das duas grandes guerras mundiais e do nazi-fascismo em especial.
Para os cientistas modernos, não bastaria apenas redenir a ciência, e
seus métodos empíricos de explicação da realidade, para decompor, desconstruir,
negar e aviltar toda tradição losóca, os pensadores defensores da verdade cien-
tíca universal tiveram de negar, os conceitos produzidos por Aristóteles, para
desmantelar a tradição eclesiástica e seus pressupostos teóricos, que alicerçavam
a losoa cristã. Nesse movimento de desapossar a igreja do direito de explicar
a realidade pela dicotomia Deus/homem, sagrado/profano, material/não mate-
rial, ou físico/metafísico, a losoa e a metafísica Aristotélica foram reduzidas ao
status de “mito”, negando qualquer possibilidade de um mundo não material.
Outro fato que marca a característica da ciência moderna são as leis que regem
o conhecimento e o método cientíco, em que se apregoa o conhecimento das
partes para se conhecer o todo, inversamente ao que foi proposto no na losoa
metafísica Aristotélica.
Dentro desse movimento de desencantamento, a própria concepção
de ser humano se perdeu. Ou pensando metasicamente, nossa causa nal se
desvirtuou. O positivismo passou a ser o referencial para se explicar a realidade e
as manifestações não técnicas passaram a ser entendidas como desvios da racio-
nalidade humana.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 21), “a condenação da su-
perstição signica sempre, ao mesmo tempo, o progresso da dominação e o seu
desnudamento. O esclarecimento é mais que esclarecimento: natureza que se tor-
na perceptível em sua alienação.
As ciências, na visão dos autores, tornaram-se dogmáticas, à medida
que, fugindo da possibilidade do contraditório, rendeu-se a supremacia totalitária
da verdade. Nas palavras de Adorno, o antídoto para o fascismo seria a cultura.
Dessa maneira, percebemos que a separação e demonização dos senti-
mentos e emoções como conotação de fraqueza do ser humano, de manifestação
de sua condição animal, irascível e, portanto, passível de ser suprimida, foi o
caminho pelo qual a ciência instrumental moderna trilhou para desmerecer qual-
quer condição, não estritamente racional, salvaguardado pela suposta supremacia
da “verdade” cientíca, que por muito tempo dominou corpos e mentes da hu-
manidade. Digo corpo e mente, pois, para essas concepções reducionistas, alma e
espírito não passam de especulação, fábula, mito.
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SILVA, R. F.; CARVALHO, A. B.
referências
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KANT, I. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden e Baldur Moosburger. São Paulo: Abril
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Recebido: 23/03/2019
Aceito: 01/05/2019