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A convergência dos modelos pedagógicos Artigos/Articles
A convergênciA dos modelos pedAgógicos de Tomás de
Aquino e pAulo Freire
The convergence of The pedagogical models of Thomas
aquinas and paulo freire
Elói Maia de Oliveira
1
resumo: O objetivo desse artigo é expor brevemente possíveis convergências entre o modelo pedagógico de
Tomás de Aquino e o de Paulo Freire. Mesmo com séculos que separam esses dois pensadores, podemos observar
através de seus objetivos losócos, em relação ao ensino aprendizagem, aproximações de suas didáticas e ns da
educação. Tomás, com o advento das universidades no século XIII, apresenta o modelo das chamadas questões
disputadas que valoriza o conhecimento externo e o real diálogo com as diversas áreas do conhecimento em busca
da realidade verdadeira; E em Paulo Freire notamos a valorização do diálogo entre o educador e o educando
para o aprendizado signicativo e libertador. Ambos os pensadores, frutos do seu tempo e do seu contexto
histórico, abordam semelhantes metodologias e preocupações com a educação, sendo ela, a possibilidade de
empoderamento para mudar a realidade do mundo.
pAlAvrAs-chAve: Tomás de Aquino. Questões disputadas. Paulo Freire. Diálogo.
AbsTrAcT: e purpose of this article is to briey expose possible convergences between the pedagogical model
of omas Aquinas and Paulo Freire’s. Even with centuries separating these two thinkers, we can observe
through their philosophical goals, in relation to teaching learning, their didactics approach and purposes of
education. Tomás, with the advent of universities in the thirteenth century, presents the model of so-called
disputed issues that values external knowledge and real dialogue with the various areas of knowledge in search
of true reality; And in Paulo Freires’ approach we noticed the appreciation of the dialogue between the educator
and the learner for meaningful and liberating learning. e authors both thinkers, leaders of their time and their
historical context, address similar methodologies and concerns with education, and it gives the possibility of
empowerment to change the reality of the world.
Keywords: omas Aquinas. Disputed issues. Paulo Freire. Dialogue.
inTrodução
Comparar um pensador do século XIII com um do século XX não é
uma tarefa fácil, mas vale o esforço. Ambos para suas épocas eram pensadores que
Mestre em Filosoa – PPGFIL (UNESP/Marília). Doutorando em Educação – PPGE (UNESP/Marília).
Professor da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo na disciplina de Filosoa no Programa de Ensino
Integral (PEI) da E.E. Edson Vianei Alves. Vice-presidente do Conselho Municipal de Educação de Marília/
SP. eloimaia@gmail.com.
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.02.p9
https://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5n2.08.p93
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OLIVEIRA, E. M.
propunham uma visão de educação diferente do seu tempo vigente. Cada um
com seu método e formação, mas ambos querendo mostrar as raízes da relação
ensino aprendizagem e como se constitui o conhecimento no educando. Tomás
de Aquino em sua obra por excelência Suma Teológica demonstra a metodologia
que a Escolástica ira propor para os educandos, as chamadas questões disputadas,
como forma de ensino nas universidades. E séculos à frente, Paulo Freire, com
suas obras expondo a sua pedagogia, ressuscitará o método tomista de diálogo
com o educando a m de que o discente seja participativo no conhecimento que
o mesmo busca, sendo o professor apenas mediador de sua busca pelo conhecer.
Começaremos expondo sobre o pensamento de Tomás de Aquino e posterior-
mente ao de Paulo Freire e suas convergências.
Tomás de Aquino
“Expoente máximo entre os escolásticos, [...] Tomás de Aquino elabo-
rou um sistema de saber admirável pela transparência lógica e pela conexão or-
gânica entre as partes, de índole mais aristotélica do que platônico-agostiniana.
(REALE, 2003, p. 11)
2
. A princípio, não foi visto com bons olhos pela Igreja que
compactuava com a visão platônico-agostiniana acerca da losoa e da teologia,
sendo reconhecido posteriormente pelas suas obras. Mas de inteligência inegável,
revolucionou o pensamento medieval. Tomás de Aquino já “vislumbrava a emer-
gência de uma nova humanidade, transbordando de sonhos e aspirações de saber
e liberdade.” (JOSAPHAT, 2016, p. 20).
Com o advento das universidades no inicio do século XIII, a velha
cristandade feudal foi abalada. Poder-se-ia pensar por que abalada sendo que o
ensino da Idade Média era responsabilidade da Igreja Católica com o propósito
de formação sacerdotal.
Contudo, havia também escolas comprometidas em transmitir conhecimento sobre a
cultura, como as escolas monacais do Ocidente. Neste período, a maioria dos cônegos
scholarius ou scholasticus administravam os estudos das artes liberais (trivium e quadri-
vium) vinculados ao sagrado, porém a inuência da Igreja sobre o ensino limitava o co-
nhecimento das outras ciências ocasionando na reação contrária de professores e alunos a
dominação eclesiástica de ensino. Essa reação dos professores e alunos recebeu o nome de
universitas originando depois a palavra universidades que foi constituída pelas faculdades
de artes (Filosoa), Direito, Medicina e Teologia. (TEIXEIRA, 2016, p. 36).
Um dos antecessores de Tomas, Pedro Abelardo, já havia iniciado a
metodologia conhecida como scholastica disputattio
3
, que consistia na leitura dos
textos clássicos (lectio) fazendo uma exposição das principais ideias dos mesmos
(expositio) motivando a participação dos alunos em sala de aula (TEIXEIRA,
 Para saber mais da vida de Tomás de Aquino ler: NASCIMENTO (2011)
 Lugar de discussão; buscar mais informação.
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2016, p. 36). Seu método inuenciou a Escolástica mudando algumas concep-
ções autoritárias da Igreja e posteriormente, no século seguinte, o lósofo Tomás
de Aquino utilizou dessa metodologia para buscar a verdade através de debates,
questões e possíveis soluções como observamos na sua obra máxima Suma Teoló-
gica. Esse método que acabou estimulando as Universidades da Europa, como a
de Paris, por exemplo.
O método apresentado por Tomás proporcionava ao aluno, compreender e buscar so-
luções/respostas através dos debates (disputatio) sobre as diculdades enfrentadas pela
sociedade na época, por isso o mestre respondia e fazia observações com base na exposi-
ção/dúvidas dos alunos a m de que eles elaborassem hipóteses, possíveis argumentos e
contra-argumentos. (TEIXEIRA, 2916, p. 43).
Podemos aqui antecipar uma comparação do pensamento de Tomás
com o de Paulo Freire ao percebermos uma promoção da educação com uma pe-
dagogia em sintonia com a modernidade e em resposta aos desaos da sociedade
de seu tempo (JOSAPHAT, 2016, p. 23). Ambos advêm de um pensamento a
frente do seu tempo, buscando entender os desaos do seu tempo e respostas que
encontravam ao longo de suas caminhadas. Cada um a seu modo, Tomás abalan-
do a cristandade medieval e Paulo revolucionando o processo de ensino-aprendi-
zagem com sua crítica a escola tradicional (JOSAPHAT, 2016, p. 34).
Tomás recebe grandes contribuições dos escritos losócos aristotéli-
cos e dos árabes, buscando uma harmonização com a revelação cristã. Tenta ao
mesmo tempo, cultivar uma teologia bíblica, mas recorrendo aos lósofos pagãos
e muçulmanos para elaborar sua teologia (LUAND, 1999, p. 2-3). Mesmo com
a declaração do papa Gregório IX à Universidade de Paris, em 1228, advertindo
dos riscos de novas ideias, que seria a rejeição da losoa aristotélica na cristan-
dade
4
, pois a que vigorava era a corrente losóca platônica e neoplatônica. Mas
Tomás não se abateu e manifestou seu carisma na lucidez dessa nova losoa,
fatores culturais esses decisivos para a civilização
5
, sua complexidade e pluralidade
de ideias, viabilizando o estudo e a oportunidade da instituição destinada a ela, a
universidade (JOSAPHAT
, 2016, p. 45).
Aliás, antes mesmo da queda de Roma, o pensamento aristotélico era visto pelos cristãos como algo estra-
nho e alheio à resta doutrina: parecia demasiado ‘materialista’ em comparação com o espiritualismo de Platão,
em aparência mais próximo do cristianismo. Foram somente os hereges nestorianos que cultivaram as teorias
aristotélicas, e quando o Concílio de Éfeso condenou a cristologia de Nestório, em 431, os seus seguidores –
agrupados principalmente em torno da escola de Edessa, na Síria – refugiaram-se na Pérsia, levando consigo as
obras de Aristóteles e outros textos de matemática, medicina e outras ciências gregas.” (LAUAND, 1999. p.13).
A Cristandade – há séculos sitiada pelo Islã e, agora, ameaçada pelas hordas asiáticas – encontra-se na condi-
ção de ser um pequeno grupo no meio de um imenso mundo não-cristão. Não se trata só de limitações bélicas
ou de fronteiras: há muito tempo o mundo árabe se tinha imposto, não só pelo poderio político-militar, mas
também por sua losoa e ciência. Estas, mediante traduções, tinham penetrado na Cristandade e em seu centro
intelectual: a Universidade de Paris. Se essa losoa e ciência não eram, em boa medida, muçulmanas, eram, ao
menos, algo novo, estranho, perigoso, pagão”. (LAUAND, 1999, p.5)
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Nessa situação em que Tomás se encontra, ele vê-se no meio de dois
partidos” que são formados na Universidade de Paris: “O dos que se aferram à
tradição teológica e menosprezam a investigação racional do ‘mundo’ e o dos que,
fascinados com as possibilidades da razão, consideram a teologia algo ‘não inte-
ressante’. ” (LUAND, 1999, p. 15). Aqui Tomás será alvo desses dois grupos, pois
abraçará com grande brilhantismo a “união” dessas duas correntes de se pensar a
razão e a fé ou a losoa e a teologia, sendo muitas vezes incompreendido. Mas
sua execução se fará de tal modo, que seu reconhecimento tornar-se-á inevitável.
Mediante suas questões disputadas, Tomás desenvolverá seu modelo pedagógico
de ensino aprendizagem, tornando-se assim, uma das características basilares de
sua losoa.
“A quaestio disputata [...] integra a própria essência da educação esco-
lástica: ‘Não era suciente escutar a exposição dos grandes livros do pensamen-
to ocidental por um mestre; era essencial que as grandes ideias se examinassem
criticamente na disputa’” (LAUAND, 1999, p. 15). Essa disputa será de grande
valia nas elaborações das respostas para grandes problemas losócos e teológicos
valorizando todo o tipo de conhecimento e sua origem. Desse modo, Tomás quer
com sua losoa arquitetar todo o tipo de argumentação contrária e a favor de
um problema losóco/teológico para assim conseguir elucidar uma resolução
para tal questão como observamos em suas obras. Na universidade medieval
6
nenhum argumento era recusado, e por ser desse modo, na prática, obrigava à
consideração da temática sob um ângulo universal, sendo o espírito da disputatio,
o espírito da universidade (PIEPER apud LAUAND, 1999, p. 17).
Tomás realmente se preocupava em querer entender a argumentação do
mundo pagão, contrário ao cristianismo, respeitando seu adversário, pois para ele
era necessário todo o conhecimento formado e discutido para ser ter uma verdade
franca e objetiva sobre determinado tema. Tanto que objeto de sua preocupação era
a relação de ensino aprendizagem da doutrina, pois no prólogo da Suma Teológica o
mesmo apresenta certa preocupação ao armar que os “noviços padecem muito pela
repetição frequente dos mesmos temas, o que gera no espírito dos ouvintes cansaço
e confusão.” (TOMÁS DE AQUINO, apud JOSAPHAT, 2016, p. 69).
Pensar então: no que consiste o ensino e a aprendizagem? Em sua obra
De Magistro: Sobre o mestre, que está no corpo das Questões Disputadas sobre a
Verdade, Tomás reetirá sobre como pode o mestre ensinar algo ao discípulo.
“Weisheilp procura descrever esse quotidiano da universidade medieval: ‘Parece que no primeiro dia da dispu-
ta, quem respondia (respondens) era um bacharel [...] A função do bacharel em todas as disputas era responder
às objeções, provindas do público (e na ordem em que eram apresentadas), sobre o tema proposto pelo mestre.
Possivelmente, era tarefa dele também apresentar os argumentos sed contra, mas disso não podemos estar certos.
Na medida em que cada objeção era proposta e refutada pelo bacharel, um escrivão tomava nota dos argumentos
e das réplicas. A disputa continuava deste modo, percorrendo todos os pontos indicados pelo mestre. [...] No dia
seguinte, depois de considerar cada um dos argumentos pró e contra, o mestre dava sua determinatio ou solução
a toda a questão: está solução seguia a ordem do dia anterior, isto é, a dos artigos. Frequentemente, o mestre
seguia as ‘respostas’ dadas por seu bacharel”. Ibid. p.18.
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Adiantando a conclusão tomista, o papel do mestre é subalterno ao verdadeiro
princípio ativo da aquisição do conhecimento do estudante, uma vez que, à sua
inteligência que pensa e que repensa, o que o mestre lhe propõe mediante ao sim-
ples instrumento de suas palavras e recursos pedagógicos, estabelecendo o papel
auxiliar ao mestre e a função prioritária e ativa ao discípulo (Ibid, p. 70).
No momento não iremos dos debruçar na obra elaborada por Tomás
para percorrer todo o caminho que ele percorreu para concluir sua posição acerca
da teoria da aprendizagem, mas iremos nos deter brevemente em alguns conceitos
expostos pelo autor na brilhante introdução que Maurílio J. O. Camello fez da
referida obra. Camello já nos apresenta uma denição bem clara que para Tomás
ensinar é iluminar”. Diante de tal metáfora, ele quer nos apresentar que Tomás
apresenta esse pensamento pela expressão “o lúmen infusum, lúmen rationis”, tra-
tando de se encontrar a verdade, a claridade é sinal de iluminar para ser ter o pro-
cesso de ensino e apreensão da ciência. A verdade tanto para Agostinho quanto
para Tomás atuam sobre nós, de certo modo, “impressas”.
Para Tomás, Deus age por causas segundas, ou seja, infundindo o “lú-
men rationis que leva o intelecto à apreensão certa dos princípios que possibilitam
– ‘iluminam’ por sua vez – as conclusões” (CAMELLO, 2000, p. 11). E, o papel
do docente frente a esse processo de ensino seria o de participar externamente e
analogicamente dessa iluminação, como vemos nesse argumento desenvolvido
por Tomás:
Se o homem é verdadeiramente docente, convém que ensine a verdade. Ora, todo aquele
que ensina a verdade, ilumina a mente, pois a verdade é a luz da mente. Logo, o homem
iluminará a mente se ensinar, Ora, isso é falso, uma vez que Deus é ‘o que ilumina a todo
homem que vem a este mundo’ (Jo. 1, 9). Logo, não pode verdadeiramente ensinar a
outro. (CAMELLO, 2000, p. 11).
Como observado na argumentação desenvolvida por Tomás, não é
verdadeiro que o docente ensina algo, pois a verdade vem de Deus, mas cabe
ao docente levar ao discente a esse conhecer que continuará na argumentação.
“Verdadeiramente pode-se dizer que o homem é verdadeiro mestre, que ensina a
verdade e ilumina a mente, não infundindo o lume à razão, mas ajudando o lume
da razão para a perfeição da ciência, por meio daquelas coisas que propõe exte-
riormente.” (CAMELLO, 2000, p. 12). Observamos aqui que o docente tem um
papel importante que é o de oferecer sinais para o outro a m de que o auxilie na
verdade infusa, podendo armar que ensinar é a mediação dos sinais, papel esse
incumbido ao docente
7
. Logo, o docente tem o papel de estimular o intelecto do
discípulo a que passe de potência ao ato. Podemos perceber como a metodologia
das questões disputadas se faz presente e aplicada na prática desse estímulo feita
7
Nesse momento seria interessante fazer um breve desenvolvimento da teoria do conhecimento de Tomás para
apresentar elementos necessários do ato de conhecer, mas o objetivo do artigo é elucidar metodologia do ensino
de Tomás e não propriamente como se dá o conhecimento.
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OLIVEIRA, E. M.
na relação entre docente e discente. E nos adiantando podemos reetir a prática
de Paulo Freire que também partindo do sujeito que aprende ele dialoga com os
saberes apresentados por seus alunos.
Por m, o mestre para Tomás é aquele que age externamente, com sua
linguagem, a m de, estimular o discípulo, a atualizar sua inteligência. Poderia se
pensar: Mas se não é o mestre que causa a verdade no intelecto do aluno, por que
a gura do mestre? Seria possível um autodidatismo? Tomás até aceita a ideia de
um aluno autodidata, todavia ele apresenta a necessidade do mestre. “É claro que
adquirir ciência por invenção é mais perfeito do ponto de vista de quem a recebe,
enquanto se mostra mais hábil para conhecer, mas da parte do que causa a ciência
o modo mais perfeito é por meio do ensinamento” (TOMÁS DE AQUINO apud
CAMELLO, 2000, p. 17). Camello (2000, p. 17) entende então que “o agente
autodidata’ não é perfeito, porque parte dele está apenas em potência para saber.
O mestre pode mais expeditamente induzir à ciência do que alguém que é indu-
zido por si mesmo, pois a carência do método e o pouco controle dos resultados é
uma das consequências de um processo de auto-ensino ou autodidatismo.
pAulo Freire
Passada esse breve explanação sobre a losoa e o método de Tomás
de Aquino vamos avançar alguns séculos e nos debruçarmos sobre a metodologia
de Paulo Freire para analisarmos suas convergências com o modo de ensino do
pensamento escolástico. Sabemos de Freire, um educador do século XX, foi um
grande defensor da educação integral do ser humano e teceu severas críticas ao
modelo tradicional de ensino, que exposto por ele seguia um modelo de transmis-
são de conteúdos e em nada contribuía para a formação integral de ser humano.
Para Freire o aluno deveria construir seus próprios pensamentos, e o papel do
professor era de ser esse mediador do conhecimento e não sua causa, reprovando
assim, os métodos de imposição do professor que não exercia sua função para
ensinar, mas sim convencer.
Vale ressaltar que Paulo Freire vem de um contexto histórico comple-
xo acerca do tema da educação. Na primeira metade do século XX houve duas
guerras mundiais, na qual os direitos humanos foram questionados. No Brasil,
na segunda metade do mesmo século, se começa uma abertura para uma demo-
cratização baseado em uma cultura mediante uma educação humanista e popular
(GONDINI, 2014). Nesse contexto Freire já nos demonstra a linha divisória da
educação, entre: opressores e oprimidos, dominadores e dominados, sendo essa
opressão não apenas retratada em forma de injustiças, desigualdades e exclusão,
mas sim todo um projeto de mundo, atividades, relações e organizações sociais,
signicando a educação para Freire um caminho possível de ascensão dentro do
sistema como instrumento de contestação (JOSAPHAT, 2016).
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Diante desse cenário podemos recorrer às semelhanças entre os dois
pensadores que propomos expor. Ambos compreendem e criticam os sistemas
de educação de seu tempo e buscam propostas lúcidas de inovação para o seu
tempo. Precisando pensar em como realizar uma educação integral nas novas
condições culturais e sociais que lhe são apresentadas (JOSAPHAT, 2016). Ora,
podemos observar em Tomás uma grande questão losóca que envolve a teoria
do conhecimento e a relação do ensino aprendizagem: Como encontrar e propor
à sociedade um novo paradigma de sabedoria? Tomás assim o fez com as questões
disputadas, fruto do momento histórico no qual vivia. Semelhante ao método
escolástico, o método libertador de Paulo Freire,
É um modelo, bem inserido numa realidade concreta, regional e histórica, e manifesta
assim uma absoluta necessidade humana, portanto universal. Ele é o exemplo eminente
de uma busca do conhecimento o mais exato, baseado na análise sistêmica da sociedade,
em uma atitude crítica bem aplicada e articulada. (JOSAPHAT, 2016, p. 125).
Do mesmo modo como zemos com Tomás, não é nosso objetivo nos
debruçarmos detalhadamente nas obras de Paulo Freire, mas iremos retomar al-
guns conceitos para elucidar as convergências apresentadas entre os dois lósofos
e suas metodologias. Na Pedagogia do oprimido, Freire apresenta um conceito
fundamental de seu método que é conscientização. A conscientização em Freire
8
é uma atitude humana que ultrapassa a esfera da realidade, pois, para se chegar a
uma visão crítica da realidade, o homem deve assumir uma posição de constante
busca pela transformação” (GONDINI, 2014, p. 39). A conscientização pos-
sibilita ao homem perceber sua condição de oprimido podendo conquistar sua
liberdade e transformar sua condição real, gerando assim, uma prática para a
libertação (GONDINI, 2014).
A crítica que se seguirá na Pedagogia do oprimido e que é de grande
interesse nossa e objeto de estudo do nosso artigo será a crítica feita por Freire da
chamada concepção “bancária” da educação. Ele demonstra que a relação entre
educador e educandos está dentro do sistema de opressor e oprimido, no qual o
papel do professor seria apenas de “depositar” conteúdos aos discentes de forma
narrativa e os estudantes apenas com sujeitos passivos e ouvintes.
Para elucidarmos melhor o pensamento freireano sobre a “educação
bancária” ele elenca alguns pontos de como é a relação do educador e do
educando:
Interessante destacarmos que esse conceito Freire atribui a Dom Helder por tê-lo apresentado. “Acredita-se
geralmente que sou autor deste estranho vocábulo ‘conscientização’, por ser este o conceito central das minhas
ideias sobre educação. Na realidade, foi criado por uma equipe de professores do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros por volta de 1964. [...] Mas foi Helder Camara quem se encarregou de difundi-la e traduzi-la para o
inglês e o francês”. (FREIRE, 1979. p. 25).
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OLIVEIRA, E. M.
a) O educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) O educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) O educador é o que diz a palavra; os educados, os que a escutam
docilmente;
e) O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que
seguem a prescrição;
g) O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que
atuam, na atuação do educador;
h) O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais
ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i) O educador identica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes
devem adaptar-se às determinações daquele;
j)O educador, nalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objetos. (FREIRE, 2018, p. p. 82-83).
Ora, se analisarmos o que Paulo Freire está criticando podemos notar
uma semelhança na crítica feita também por Tomás de Aquino no século XIII.
No modelo escolástico, pelas questões disputadas, os educandos tem sua autono-
mia nos debates e recebem de diversas fontes informações para debaterem. O de-
bate não se faz com a pessoa, mas sim com o conhecimento que está sendo posto
para ser debatido. O professor é apenas mediador, apesar de que, como vimos, o
mestre no nal oferece uma solução para o problema, mas baseada nas respostas
oferecidas pelos alunos. E da semelhança com Tomás, Freire apresenta que para ir
contra essa prática bancária, é necessária uma educação problematizadora, educa-
ção esta que exercita a prática da liberdade.
Deste modo, o educador problematizador re-faz, constantemente, seu ato cognoscen-
te, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de
depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador
crítico, também. Na medida em que o educador apresenta aos educados, como objeto
de sua ‘ad-miração’, o conteúdo, qualquer que ele seja, do estudo a ser feito, ‘re-ad-mira
a ‘ad-miração’ que antes fez, na ‘ad-miração’ que fazem os educandos. [...] Quanto mais
se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se
sentirão desaados. Tão mais desaados, quanto mais obrigados a responder ao desao.
(FREIRE, 2002, p. 97-98).
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A convergência dos modelos pedagógicos Artigos/Articles
Corroborando a tese na Pedagogia do oprimido, na obra Pedagogia da
autonomia, Freire vem apresentar sobre o papel e a formação do docente na re-
lação ensino aprendizagem. Ele mostra através de vários capítulos como que o
ensino deve ser ministrado e como o docente deve se portar frente a esse ensino. A
famosa expressão “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades
para sua produção ou a sua construção” vem dessa obra. Tanto o educador como
o educando tem sua formação permanente e ambos dialogando com o objeto de
conhecimento. Logo, não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino (FREI-
RE, 2002, p. 32).
“O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do
professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, e não apassivada, enquanto fala
ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemo-
logicamente curiosos (FREIRE, 2002, p. 96). Ora, é justamente essa posição que
Tomás também assume na universidade, a de se abrir para o novo, buscar as novas
losoas e debater com elas. Ambos, Tomás e Freire, reconhecem a importância da
inteligência. A função de conhecer em comunhão com a realidade do mundo, das
pessoas e das coisas. E, mesmo vindo de contextos sociais e culturais diferentes, am-
bos enxergam a absoluta necessidade dos estudos como exigência primordial para a
realização do ser humano integral (JOSAPHAT, 2016, p. 132-133).
Para Tomás a educação não deveria ser um privilégio social, pois todo
ser humano é essencialmente educável, logo ela é de direito natural e universal.
Do mesmo modo, Freire rearma a educação para todos.
Tomás funda essa certeza na consideração de uma antropologia realista, que se exprime
nas categorias do hilemorsmo aristotélico, do ato da potência, compreendido e propos-
to como evidência comum. O ser humano é um feixe complexo de virtualidades cuja
plena efetivação levará à necessária realização do ser humano adulto. Este será capaz
então capaz de agir racional e eticamente. (JOSAPHAT, 2016, 135-136).
conclusão
Ao m de nossa análise desses brilhantes pensadores, percebemos que
mesmo com séculos de distância seus métodos e objetivos se assemelham diante
do contexto histórico em que viveram. Tomás penetrando lentamente nas univer-
sidades e se armando como Doutor da Igreja, visto como defensor da ortodoxia,
mas condenado logo após sua morte por ter introduzido o aristotelismo na dou-
trina cristã. Olhando supercialmente a vida de Tomás poderíamos dizer que ele
foi mais um de vários Doutores da Igreja que defenderam seus dogmas com uma
losoa sistemática e nada dialógica ou aberta para quem quisesse contestar sua
argumentação, sendo el a tradição e a transmissão da ortodoxia, mas quando
analisado a fundo sua história e losoa, sua carreira e obras se apresentam como
inovadoras e contestatórias da ortodoxia crescente da cristandade feudal (JOSA-
PHAT, 2016, p. 140).
102 Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.5, n.2, p. 93-102, Jul./Dez., 2019
OLIVEIRA, E. M.
Podemos apontar uma distinção entre os dois autores, pois Tomás, ao
contrário de Paulo Freire, não se engajou na realidade cultural, econômica e po-
lítica do seu tempo. “Sempre permanece no plano doutrinal, não propondo pro-
jetos ou modelos imediatos de ação, inscritos na condição de seu tempo, embora
se empenhe em oferecer todos os elementos para o discernimento e a formação
desses modelos de ação.” (JOSAPHAT, 2016, p. 177). Mas como metodologia
da relação de ensino aprendizagem, podemos dizer que Freire faz um resgate des-
se modelo dialógico também já apresentado anteriormente por outros lósofos,
como Sócrates, Platão, Pedro Abelardo, Agostinho, mas bem sistematizado nas
universidades medievais. Denotando a grande importância de se pensar a meto-
dologia de ensino para se pensar sobre o verdadeiro educar.
reFerênciAs
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Recebido: 10/03/2019
Aceito: 03/08/2019