Trabalhando e alterando percepções sobre a deficiência física
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.5, n.1, p. 127-142, Jan./Jun., 2019
TRABALHANDO E ALTERANDO PERCEPÇÕES SOBRE A DEFICIÊNCIA
FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL COM ATIVIDADES DE ESTRATÉGIAS DE
LEITURA
W
ORKING AND ALTERING PERCEPTIONS ON PHYSICAL DEFICIENCY IN
CHILDREN EDUCATION WITH ACTIVITIES OF READING STRATEGIES
Aline de Novaes CONCEIÇÃO
1
Resumo
: a deficiência é uma construção social e as percepções, gerarão concepções que influenciarão
em atitudes frente a pessoa com deficiência. Partindo desse pressuposto, é necessário que se trabalhe
com a temática desde a Educação Infantil e uma das formas de realizar esse trabalho é utilizando da
literatura. A partir disso, obtiveram-se realizar atividades práticas de estratégias de leitura, com o livro
Esta é Sílvia e compreender percepções de crianças de 4 anos de uma Escola Municipal de Educação
Infantil de uma cidade do interior de São Paulo sobre a deficiência física, antes e após a leitura
desse livro. Para isso, utilizou-se como procedimento metodológico: rodas da conversa e desenhos
elaborados pelas crianças antes e após as atividades de estratégias de leitura. Foi possível verificar que
além de possibilitar estratégias de leitura, o livro em questão possibilitou alterar percepções de crianças
de 4 anos sobre a deficiência física, trazendo informações positivas sobre a temática.
Palavras-chave
: Educação Infantil. Deficiência. Estratégias de leitura. Atividades práticas.
A
BSTRACT
:
The disability is a social construction and the perceptions, will generate conceptions
that will influence in attitudes towards the person with disability. From that budget, it is necessary
to work with the theme from the Child Education and one of the ways to do that work is using
literature. As a result, practical activities of reading strategies were obtained, with the book Esta
es Silvia and understanding the perceptions of 4-year-old children of a Municipal School of Early
Childhood Education of a city in the interior of São Paulo on physical disability, before and after
reading that book. To do this, we used as a methodological procedure: conversation wheels and
designs made by children before and after reading strategies activities. It was verified that in addition
to enabling reading strategies, the book in question made it possible to alter perceptions of children
of 4 years on physical disability, bringing positive information on the subject.
K
EYWORD
: Early Childhood Education. Disability. Reading strategies. Practical activities.
1 Doutoranda em Educação (2019) - Programa des-Graduação em Educação - PPGE - Faculdade de Filosofia
e Ciências - FFC - UNESP/Câmpus de Marília. E-mail: alinenovaesc@gmail.com
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.11.p127
CONCEIÇÃO, A. N.
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1
I
NTRODUÇÃO
O professor ao realizar práticas de leitura, deve repensar o seu fazer que
sempre deve ser problematizador, intencional e proporcionar o desenvolvimento
das crianças. Pensando assim, compreendendo a leitura como atribuição de sen-
tido (e não extração de sentido) é possível realizar práticas de leitura na Educação
Infantil
2
?
Sim, é possível e essas práticas devem ocorrer de maneiras que celebrem
“[...]
as possibilidades leitoras infantis, pois as crianças necessitam, podem e
apreciam ler já desde a pequena infância.
(GIROTTO, 2016, p. 47, grifo do
autor).
Compreendendo que a criança não precisa ter se apropriado da leitura
e da escrita para ter contato com os livros e com as histórias dos livros, mas a
leitura pode ser realizada por um mediador que no caso da Educação Infantil será
o professor.
O professor deve compreender também que a atividade principal que
proporciona o desenvolvimento da criança na Educação Infantil é o brincar e a
atividade de estudo proporciona o desenvolvimento para crianças do Ensino Fun-
damental. Desse modo, as atividades realizadas na Educação Infantil, não devem
ser escolarizadas e nem pré-escolares, mas devem ser atividades que proporcionam
o desenvolvimento considerando a atividade principal delas.
Assim, compreende-se que a “[...] leitura literária, na Educação Infantil,
não deve ser interpretada como uma antecipação de práticas escolarizadas, mas,
como uma apresentação dessa capacidade humana.”. (ANDRADE; GIROTTO,
2017, p. 207).
É importante que se tenha a oportunização de atividades literárias na
escola, pois as atividades literárias possibilitam o desenvolvimento de capacida-
des humanas como a fala, a imaginação, a escrita, a “[...] memória, a atenção, a
imaginação e a atividade criadora. “. (ANDRADE; GIROTTO, 2017, p. 211).
Dentre as atividades literárias, pode-se trabalhar com o uso das estra-
tégias de leitura
3
que torna favorável a atribuição de sentido e compreensão na
leitura, pois as estratégias objetivam “[...] melhorar a compreensão de um texto
durante a leitura. Assim, quando falamos em formar bons leitores estamos nos
referindo àqueles que, conscientemente, utilizam as estratégias de leitura quando
lêem.” (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 47).
Dentre as estratégias de leitura têm-se “conexões”, “inferência”, “visua-
lização”, “sumarização” e “síntese”. As “conexões” podem ser: “texto-leitor”, “tex-
2
Primeira etapa da Educação Básica, abrange crianças de 4 meses a 5 anos de idade.
3
Silva (2017) menciona que a expressão “estragias de leitura”, disseminou-se inicialmente por Isabel Solé na
década de 1990 que considerava que as estragias possibilitavam a construção da compreensão do texto.
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to-texto” e “texto-mundo”, com essas o leitor relaciona com o que conhece. Nas
inferências o leitor utiliza dos seus conhecimentos para buscar descobrir sobre o
que ocorrerá no texto. A “visualização” consiste na visão que o leitor tem do que
se lê, na “sumarização” o leitor busca aquilo que é a “essência do texto” e a “sín-
tese” consiste em escrever além do que está no texto, buscando relacionar com os
próprios pensamentos (GIROTTO; SOUZA, 2010).
A partir disso, compreendendo que cada ação do mediador, deve ser
planejada com uma intenção, objetivou-se realizar atividades práticas de estraté-
gias de leitura
4
, com o livro Esta é Sílvia (WILLIS; ROSS, 2000)
5
e compreender
percepções de crianças de 4 anos de uma Escola Municipal de Educação Infantil
(EMEI) sobre a deficiência física, antes e após a leitura desse livro.
Para isso, a partir da roda da conversa, solicitou-se que uma turma de
25 crianças de 4 anos de uma EMEI de uma cidade do interior paulista, desenhas-
sem criança (s) com deficiência (s) física (s). Após isso, em outro dia, foi lido para
elas o livro em questão, utilizando as estratégias de conexões” e “inferências”,
em seguida, conversou-se novamente sobre a deficiência física e posteriormente,
a pesquisadora foi escriba de dois cartazes em que as crianças fizeram conexões
“texto-leitor” mencionando o que tinham lembrando ao ouvirem a história e o
que tinham lembrando quando descobriram que Sílvia brincava muito e era uma
criança com deficiência física.
Em outro momento, li novamente o livro em questão, conversou-se
novamente sobre a temática e foi solicitado que desenhassem crianças com de-
ficiência física, após isso, foram analisadas as conversas e os desenhos, buscando
verificar se houve alterações.
É importante destacar que os textos literários, não tem a necessidade
de ensinamentos morais e de conteúdos escolares, todavia possibilitam diversas
interações (HUNT, 2010). Dentre essas, reflexões sobre diversos assuntos, e no
caso do Esta é Sílvia (WILLIS; ROSS, 2000), possibilita reflexões sobre as defici-
ências e inclusão.
Temática importante para trabalhar a tolerância com o diferente e a
própria deficiência, pois como defende Omote (1994) a deficiência é construída
socialmente e por esse motivo é importante considerar e agregar informações na
maneira como as pessoas pensam sobre as deficiências, pois esses pensamentos
serão significativos nas atitudes sociais frente a uma pessoa com deficiência.
4
As atividades apresentadas adiante, estão baseadas nos pressupostos da teoria Histórico-Cultural e como apon-
ta Maciel e Oliveira (2018), essa teoria pode ser utilizada como fundamento de ões pedagógicas que podem
socializar, desenvolver o pensamento crítico e humanizar.
5
Destaco que Russo e Girotto (2018) apresentaram um texto com estratégias de leitura a partir da utilização
do livro Esta é lvia (que o foram implementadas). Além disso, também apresentaram análises dos aspectos
do livro em questão, a saber: autores, paratextos (capa e quarta capa, título, guardas e folha de rosto), miolo,
ilustrações etc.
CONCEIÇÃO, A. N.
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2 ASPECTOS DO LIVRO ESTA É SÍLVIA
Com a literatura, a criança com o texto tem a possibilidade de inserir-se
no mundo diversificado da cultura humana (ARENA, 2010, p. 24). O professor,
além de ler os livros para as crianças desde a Educação Infantil, deve possibilitar
que elas manuseiem os livros.
A partir desses pressupostos, para a atividade exposta adiante, foi es-
colhido o livro Esta é Sílvia, de Jeanne Willis e Tony Ross (2000), por ser um
livro literário verbal com uma riqueza de ilustração que trata de forma positiva a
deficiência física.
Demonstrando que Sílvia diverte-se, brinca, acerta, erra, às vezes é res-
ponsabilizada pelas suas travessuras e têm todos os sentimentos, ou seja, é uma
criança comum que tem uma limitação que é a de precisar de uma cadeira de
rodas para se locomover, o que é revelado somente no final do livro. Assim, Sílvia
vive a infância mesmo estando na cadeira de rodas.
aspectos do livro que merecem destaque como “[...] o convite à
fabulação, à vivência simbólica, a possibilidade de, neste vai-e-vem entre reali-
dade e fantasia, a criança aprendiz de leitor, reconhecer-se no outro e pelo outro,
significando o mundo a sua volta e nele se situando. (RUSSO; GIROTTO,
2018, p. 7).
Outro aspecto positivo do livro são as ilustrações que aparentam pintu-
ra (maiores que o texto) com giz de cera e lápis de cor. Destaca-se também uma
ilustração em que Sílvia faz arte com tinta e não com desenho xerocado ou mi-
meografado, que demonstra a liberdade da criança e a relação desenvolvimental
com a arte.
Com isso, é demonstrado as potencialidades da criança com deficiência
física. Contribuindo para aproximações de concepções verdadeiras das pessoas
com deficiências, pois o comum é as crianças com essa e outras deficiências serem
vitimizadas, apresentando-as de maneira triste, como imóveis, que não brincam
e nem se divertem, desconsiderando que todo e qualquer ser humano apresenta
potencialidades e limitações.
A autora
6
do livro é Jeanne Willis, nasceu em 1959 e atualmente reside
em Londres com o seu marido e dois filhos. A mãe da autora era professora de
ciências domésticas e o pai ensinava latim.
Jeanne trabalhou em agência de publicidade, certo dia uma mulher
precisava de uma história para ilustrar e então ela escreveu a história que foi en-
tregue à editora. Com isso foi publicado o primeiro livro dela. Posteriormente,
passou a também escrever comerciais
7
.
6 É importante conhecer os autores de um texto para ter indícios dos limites do escrito no próprio texto.
7 Informações disponíveis no site da autora: http://www.jeannewillis.com/Pages/1.House.html.
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O ilustrador do livro é Tony Ross, nascido em 1938, é britânico e tam-
bém trabalhou em agência de publicidade. Foi professor de arte e é considerado
um dos melhores ilustradores da Inglaterra (RUSSO; GIROTTO, 2018).
O título original do livro é: Susan Laughs, que traduzido para o portu-
guês tem-se: “Susan Ri”, ou seja, um título que enfatiza que a criança com um
nome queo é comum no Brasil, ri e como conhecemos o conteúdo do texto,
podemos dizer que ri independente das limitações apresentadas. Após apresentar
esses aspectos, a seguir, serão apresentados aspectos relacionados com as ativida-
des práticas desenvolvidas.
3 ESTA É SÍLVIA: PERCEPÇÕES SOBRE A DEFICIÊNCIA FÍSICA A PARTIR DE
ATIVIDADES COM ESTRATÉGIAS DE LEITURA
Esta seção se dividida nos seguintes núcleos: “Período anterior ao
livro”, “Período durante a leitura do livro” e “Período posterior ao livro”. Desta-
ca-se que todas as leituras realizadas do livro em questão, foi de maneira fluente,
com entonação, expressão e suspense quando possível.
A)
PERÍODO ANTERIOR AO LIVRO
É necessário conhecer o leitor para antecipar o seu projeto de vida e as
suas necessidades de leitura (ARENA, 2010). Por isso, após contato de um mês
com as crianças, sujeitos da pesquisa, foi possível conhecê-las e compreender que
as necessidades de leitura delas consistiam em ouvir história e manusear livros,
principalmente os que estavam relacionados com a literatura infantil.
Após isso, em uma roda da conversa foi conversado sobre a deficiência
física com 25 crianças
8
de 4 anos de uma turma de Educação Infantil. Nessa con-
versa, indagou-se sobre o que seria, como se desenvolveria, se a pessoa nasceria ou
não com essa deficiência.
Nesse momento, não foi mencionado informações, apenas foram re-
alizadas indagações para as crianças sobre a deficiência física e o que seria uma
criança com essa deficiência e obteve-se as seguintes respostas:
uma Doença... (Criança)
-A pessoa vai para o hospital (Criança)
-Mas eu tenho? (Pesquisadora)
-Não... (Crianças)
-Vocês conhecem alguém que tem? (Pesquisadora)
-Não. (Crianças)
-Ela tem bolinha? (Criança).
8
Destaco que todas as atividades foram gravadas em áudios para que eu pudesse analisá-las com mais rigor em
um momento posterior.
CONCEIÇÃO, A. N.
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As crianças não souberam responder se a pessoa nasceria com a defici-
ência e curiosamente tiveram a dúvida da relação da deficiência com a bolinha e
erroneamente relacionaram com doença, o que é comum até nas falas de muitos
adultos, como constado em pesquisa bibliográfica sobre a temática.
Após isso, foi solicitado que as crianças desenhassem o que sabiam so-
bre a temática utilizando uma folha de papel sulfite branca A4:
Quadro 1
- Atividade para percepção da deficiência
Fonte: elaborado pela autora.
A partir disso, foi possível compreender que a maioria das crianças
elaboraram garatujas, o que fez com que na próxima atividade houvesse en-
foque para a roda da conversa da turma. Apesar disso, em alguns desenhos
foi possível verificar a presença de bolinhas e muitas crianças disseram que era
exatamente ali que se localizava a (s) pessoa (s) com deficiência física, como é
possível visualizar abaixo:
Figura 1-
Desenho elaborado por uma criança de 4 anos
Fonte: arquivo da autora.
Outra criança desenhou um rosto triste, como na Figura 2:
PARA MIM DEFICIÊNCIA FÍSICA É...
NOME:
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Figura 2-
Desenho elaborado por uma criança de 4 anos
Fonte: arquivo da autora.
O rosto triste pode ser visualizado à esquerda em azul e ela mencionou
que era uma pessoa com deficiência.
Outra criança desenhou uma pessoa sorrindo e com pernas eme
braços, como se visualiza na Figura 3, abaixo:
Figura 3-
Desenho elaborado por uma criança de 4 anos
Fonte: arquivo da autora.
CONCEIÇÃO, A. N.
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É importante que o professor possa compreender se a criança consegue
realmente utilizar o desenho como expressão pessoal ou se ainda tem dificuldade
para isso, fato que necessariamente não está relacionado com a idade da criança,
mas com a relação que ela teve com o desenho até aquele momento.
Em outro dia, foi dito para as crianças que seria realizada a leitura o
livro Esta é Sílvia (WILLIS; ROSS, 2000). Inicialmente, foi apresentada a autora
e o ilustrador, após, foi explorado com as crianças os paratextos do livro, ou seja,
os aspectos textuais e iconográficos que não estão diretamente relacionados com
a narração, mas fazem parte do livro como o título, capas, materialidade do livro,
página de rosto, dedicatória e ficha catalográfica. Explorar esses aspectos é traba-
lhar com a curiosidade perante o conteúdo do livro.
Assim, ao mostrar a capa do livro, apresentou-se o título em português
para as crianças e foram feitas indagações das quais foram selecionadas as abaixo,
com algumas respostas das crianças:
Quadro 2
Perguntas
9
para inferências ao observar a capa do livro Esta é Sílvia
e respostas das crianças
RESPOSTAS DAS CRIANÇAS
É essa menina (e apontaram para a capa).
Um gatinho.
A menina está brincando com um gatinho.
Ela está assim (e fez o gesto da Sílvia).
Sim, ela está...O gatoo, ele é medroso, porque
ele não sabe sentar.
Dela.
No céu, na praia...
Por quê? Olha ali a água...
Fonte: elaborado pela autora.
No geral, ao observarem a capa do livro, as crianças responderam e fica-
ram em dúvida onde Sílvia estava sentada e iniciaram várias indagações dentre elas,
mencionaram mureta, trepa-trepa e após um longo período disseram gangorra.
O fato das crianças terem tido tamanha dúvida é que na escola antiga
e na atual não esse brinquedo recreativo e com isso, é possível compreender
o que afirma Girotto e Souza (2010, p. 67) que se “[...] os leitores não têm nada
para articularem à nova informação, é bem difícil que construam significados. “.
B)
PERÍODO DURANTE A LEITURA DO LIVRO
O mediador deve ler a história antes para se preparar, conhecer e saber
quais intervenções realizar. A leitura foi realizada para as crianças, possibilitando
9
Destaco que essas e as demais perguntas são sugestões e de acordo com a participação das crianças, as perguntas
podem ser ampliadas.
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que os alunos realizassem perguntas. É necessário que os alunos atribuam sentido ao
que leem, sintam-se envolvidos com a história se apropriem e reflitam sobre o texto.
Desse modo, possibilitou-se que as crianças se expressassem e foi esti-
mulada a observação dos detalhes das ilustrações. Atentou-se para a consideração
de que a ilustração também é uma narração e na leitura da escrita a trajetória é
linear, todavia, na imagem não é, assim o ilustrador dirige o sentido do olhar da
ilustração (FARIA, 2004).
Nas ilustrações, muitas vezes são utilizados os códigos gráficos que são:
abstratos (traços que marcam as reações dos personagens), hipersignificação de
ações e do gestual de personagens e onomatopeias. A mudança do tipo de letra e de
seu tamanho também podem ser um código gráfico para revelar situações diversas.
É importante compreender que nos
[...] livros de ilustradores criativos encontramos inúmeros elementos para estimular a
capacidade de observação dos alunos. Tanto podemos seguir os passos de personagens
secundários nos desenhos como observar detalhadamente o espaço em que se passa a
história, um dos componentes básicos na análise de narrativas. (FARIA, 2004, p. 144).
A partir disso, a cada página do livro, foi discutido com as crianças
sobre os elementos das ilustrações.
Além e a partir disso, foram feitas várias perguntas do texto que possi-
bilitassem a elaboração de inferências e obtive-se várias respostas, das quais, sele-
cionou-se as que estão a seguir:
Quadro 3
Perguntas para inferências do livro Esta é Sílvia e respostas das crianças.
PÁGINAS DO LIVRO
SUGESTÕES DE
PERGUNTAS
RESPOSTAS DAS
CRIANÇAS
Na leitura da folha de rosto.
Por que Sílvia está com cara de
sapeca?
Ela está triste...Ela fez
bagunça... Ela jogou o pote de
biscoito no chão.
Após a leitura de “Sílvia se
diverte”:
O que uma criança faz para
se divertir? Será que Sílvia
também vai fazer? Será que ela
se diverte sozinha? Será que ela
utiliza algum objeto para se
divertir?
Uma criança para se divertir
assiste filme, estica o olho.
Olha o rosto dela. Ela usa uma
boneca para se divertir.
Após a leitura de “Sílvia faz
travessuras, e ás vezes merece
castigo”
E agora, o que será que irá
ocorrer com a Sílvia? Será que
ela vai parar de se divertir? Será
que ela vai ficar triste e o livro
vai acabar?
Não... Mas ela vai ficar triste e
o livro não vai acabar.
CONCEIÇÃO, A. N.
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Após a leitura de “Sílvia faz
bagunça”
E agora? O que ocorre? Sílvia
vai continuar na casa fazendo
bagunça? Vai para outro lugar?
Qual? Será que nesse lugar ela
vai fazer bagunça?
Não...
Após a leitura “Sílvia pensa e
acerta, mas nem sempre”
Onde ela está? Como será que
ela fica quando erra? O que será
que ela faz? Vamos ver?
Na escola... Ela fica triste. Ela
apaga.
Fonte: elaborado pela autora.
As respostas das crianças estavam relacionadas com as suas vivências,
como se a imaginação delas fosse restrita a isso, ao contrário do que muitos pensam,
é mais rica em adultos do que em crianças, pois segundo Vigotski, a imaginação
envolve o desenvolvimento da cultura humana, “[...] imaginar é inventar, criar,
romper com o já construído para encontrar o ainda desconhecido.” (ARENA,
2010, p. 30).
Dessa forma, por meio dos questionamentos no desenvolvimento da
história, foi possível ativar nas crianças inferências relacionadas com o livro lido.
Com isso, as crianças estabelecem compreensões.
Durante a leitura, também foi possibilitado que as crianças fizessem
diversas conexões com o texto lido, assim foram feitas as seguintes perguntas:
Quadro 4
Perguntas para conexões do livro Esta é Sílvia e respostas das crianças.
PÁGINAS DO LIVRO
SUGESTÕES DE PERGUNTAS
RESPOSTAS DAS CRIANÇAS
Após a leitura de
“Sílvia dança com o vovô”
[Na ilustração um gato
dançando] alguém conhece algum
livro ou sica em que trate do
gato? Ele também dança?
Miau.
Após a leitura de “Sílvia nada
como um peixe”.
Vos conhecem algum lugar que
se pode nadar? Onde? Já foram?
No Thermas...Na praia... Eu fui.
Na minha casa tem uma piscina
grande e pequena.
Após a leitura de
“Sílvia fica furiosa! Mas não perde
a pose”
Quando vocês ficam furiosos?
Vocês perdem a pose? Como?
Eu fico gritando com o meu tio.
Após a leitura de [...] no parque
ela gira, gira, tranquila”:
Vocês gostam mais de qual
brinquedo no parque?
Do balanço.
Após a leitura de “e depois
descansa, feliz”
[Sobre o quadro da Mona Lisa]
vocês conhecem esse quadro de
algum lugar? Quem sabe o que é?
Do futuro. Eu vi no céu.
“e brinca de pirata com a mamãe”
Alguém aqui brinca com a mamãe?
Brinco de pirata.
Fonte: elaborado pela autora.
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De todas as respostas destaca-se a da Mona Lisa, em que as crianças
acharam uma solução para responderem à pergunta que provavelmente não sa-
biam como responder. Durante as perguntas, no início, elas estavam bem atentas
e participando em todo o tempo, depois foram se dispersando e muitas vezes
teve-se que perguntar nominalmente.
Atribui-se essa dispersão pelo fato da utilização das duas estratégias
simultaneamente, assim, avaliando a implementação da atividade, considera-se
que teria sido mais adequado realizar em um momento a leitura do livro com as
estratégias de inferências e em outro com as de conexões.
C)
PERÍODO POSTERIOR AO LIVRO
Ao final, conversou-se com a turma se tinham gostado do livro e sobre
a deficiência física e em outro dia a pesquisadora foi escriba de dois cartazes
10
em
que as crianças fizeram conexões “texto-leitor” mencionando o que tinham lem-
brando ao ouvirem a história, e outro em que relataram o que tinham lembrando
quando descobriram que Sílvia brincava muito e era uma criança com deficiência
física.
No primeiro, elas mencionaram que não lembraram de nada, depois
mencionaram que ela quebrou a perna, que ela estava na cadeira de rodas e que
ela correu e quanto a pergunta do segundo cartaz, mencionaram que ela andou
na cadeira de rodas física, que brincou de piscina, que ela brincou com a mamãe
e que ela se divertiu.
Dessa forma, constata-se que as crianças não conseguiram avançar para
além do texto e focaram nas lembranças do próprio texto. Após isso, as crianças
manusearam o livro e como a história tem o elemento inesperado que somente foi
revelado no final do livro, no outro dia a história foi lida novamente destacando
em cada página o fato de que Sílvia tinha deficiência física, mas conseguia realizar
todas as ações demonstradas no livro.
Ao final, conversou-se novamente sobre a deficiência física e o que seria
uma criança com essa deficiência, os alunos responderam:
Anda de cadeira de rodas. (Criança)
Fica doente. (Criança)
Ela fica na cadeira de rodas. (Criança)
Ela anda de rodinhas. (Criança)
Ela quebrou a perna. (Criança)
Ela quebrou o braço. (Criança)
Ela se diverte mesmo assim. (Criança)
10
É importante considerar a turma e perceber se é possível a elaboração dos dois cartazes no mesmo dia ou em
dias diferentes. Esses cartazes podem ser afixados na sala de atividades.
CONCEIÇÃO, A. N.
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Ela pode merecer castigo mesmo assim. (Criança)
Faz bagunça. (Criança)
É uma criança triste? (Pesquisadora)
Não. (Criança)
Ela não brinca? (Pesquisadora)
Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim! (Criança)
Do que ela brinca? (Criança)
De balanço, de gira-gira, de bola, com o papai. (Criança)
Constata-se que houve avanços significativos em relação a primeira in-
dagação. Dessa vez, não apareceu a percepção de que têm “bolinhas”, e surgiu ca-
deira de rodas e limitações com braços e pernas. Além disso, apareceu a percepção
positiva de que brinca, se diverte e também pode merecer castigo, todavia ainda
persistiu que a deficiência física é uma doença, o que precisaria ser trabalhado
especificamente com eles.
Após isso, solicitou-se que desenhassem novamente crianças com defi-
ciência física e destaca-se o desenho de duas crianças, o primeiro pode ser obser-
vado abaixo:
Figura 4
Desenho elaborado por uma criança de 4 anos
Fonte: arquivo da autora.
Ao indagar a criança sobre o desenho, ela mencionou que somente ha-
via desenhado um braço e uma perna, pois a pessoa do desenho tinha deficiência
física. Em um outro desenho outra criança desenhou o seguinte:
Trabalhando e alterando percepções sobre a deficiência física
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Figura 5
Desenho elaborado por uma criança de 4 anos
Fonte: arquivo da autora.
Ao indagá-la sobre o desenho, a criança apontou para onde está a flecha
e mencionou que a pessoa do desenho não tem força para andar.
Conceição (2017) a partir de pesquisa realizada com crianças utilizan-
do um programa informativo infantil sobre deficiências e inclusão, concluiu que
as concepções das crianças sobre temática podem ser alteradas.
Como foi possível constatar com a utilização do livro Esta é Sílvia, pois
ao se comparar as primeiras conversas e os primeiros desenhos com os demais, foi
possível constatar uma diferença significativa nas percepções dos alunos sobre a
deficiência física.
Ressalta-se que é necessário que o professor trabalhe com livros de litera-
tura para as crianças, inclusive na primeira etapa da educação básica, considerando
[...] a escola pública de Educação Infantil o espaço e o tempo criados historicamente
para que as crianças aprendam e se desenvolvam, impõe-se a necessidade de criação das
condições oportunas para que as crianças adquiram os gestos embrionários do ato de ler,
os quais irão compor no futuro a sua atitude leitora, ou até a própria capacidade de ler, a
contar do que aí for ofertado e mediado e de sua qualidade - que defendo e acredito que
possa advir da literatura infantil (GIROTTO, 2015, p. 50).
Com isso, a partir dessas atividades, uma criança foi escolhida para le-
var o livro para casa e trazer no outro dia para que outro amigo também pudesse
levar, a fim de que o livro fosse levado por toda a turma e fossem oportunizadas
formas das crianças adquirem gestos “embrionários do ato de ler”. Para que futu-
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ramente, possam sozinhas, a partir dos seus próprios atos, lerem e assim aprende-
rem e assim mudarem suas percepções, agregando diversas informações, seja sobre
as deficiências, seja sobre outros aspectos do viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Leitura não é gosto, mas uma necessidade humana que está ao encon-
tro das apropriações culturais e deve ser oferecida com qualidade de maneira
intencional e planejada desde a Educação Infantil. Com livros excelentes, como
ocorreu com o livro Esta é Sílvia de Willis e Ross (2000), que causa espanto, tem
um desfecho inesperado e possibilita reflexões necessárias.
A mediação do livro, apresentada neste texto, foi realizada buscando que
as crianças desejassem se apropriar da cultura visualizando o livro como um
“tesouro” em que registrada a experiência humana, como aponta Petit (2010).
As estratégias de leitura possibilitam que o leitor atribua sentido ao
livro, neste texto, foram apresentadas sugestões de atividades de estratégias de
leitura utilizando as conexões e as inferências. Para além disso, também foram
apresentadas a implementação dessas atividades e quais alterações seriam necessá-
rias, considerando a idade trabalhada.
Foi possível verificar que além de possibilitar estratégias de leitura, o
livro em questão possibilitou alterar percepções de crianças de 4 anos de uma
EMEI de uma cidade do interior de São Paulo, sobre a deficiência física, trazendo
informações positivas sobre a temática.
O que é extremamente necessário, considerando que a deficiência é
uma construção social e as percepções, gerarão concepções que influenciarão em
atitudes frente a pessoa com deficiência.
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Trabalhando e alterando percepções sobre a deficiência física
Artigos/Articles
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WILLIS, Jeanne; ROSS, Tony. Esta é Sílvia. Tradução Lisabeth Bansi. Rio de Janeiro: Salamandra,
2000.
Submetido em: 05/03/2019
Aprovado em: 13/07/2019