The concrete statement on the evaluation for the daily of the
Egydian Cavalcante Chagas school.
Benedito Francisco Alves1
A vida acessível aos sentidos e às palavras dos sujeitos é um discurso que responde ao já enunciado/realizado e que prepara o que pode vir a ser/acontecer. Enquanto discurso, a (diversidade de cada aspecto da) vida é materializada como
Mestre (2010) e Doutor (2017), ambos em Linguística Aplicada, pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará. Secretaria da Educação Básica do Ceará – SEDUC/CREDE 10 do Governo do Estado do Ceará.
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2018.v4.n2.08.p85
palavras multissemióticas no e pelo diálogo que os sujeitos vivificam como uma resposta responsável e singular potencialmente realizada por múltiplas semioses2.
Na medida em que a realidade está organizada como um conjunto de respostas, cada aspecto da vida é discurso enunciado concretamente, pois, conforme Alves (2017, p. 25), “sujeito, vida e linguagem são fenômenos organizados e ressignificados pelo esforço de uma consciência axiológica que responde a outra.”
Dessa forma, uma consciência que interage com seus pares por meio do discurso enunciado concretamente, assim o faz porque aprecia o dado e possibilita o novo através da combinação das mais diversas manifestações sociais e históricas de linguagem (verbal ou não-verbal) que os sujeitos trabalham enquanto dialogam e se respondem numa arena de combate em torno dos significados sociais e dos sentidos subjetivos.
Pelo que já foi exposto, pensar a realidade e os sujeitos é agir de maneira ideológica e dialógica ao mesmo tempo em que todo um discurso é constituído. Como um ato político e situado, segundo Bakhtin e Voloshinov (2002), é preciso comprender todo e qualquer discurso enunciado concretamente não somente como um proferimento, mas como cada evento apreciativo de respeito, interação e (res)significação multissemiótica com os quais os sujeitos interagem e pelos quais acabam por instanciar práticas de letramentos responsivos3 (ALVES, 2017).
É importante reiterar que, em termos mais concretos, os discursos acerca (do processo) da avaliação é resultado da organização consciente de palavras de verbo e de corpo que se misturam com uma dupla perspectiva: orientar uma forma de ser a cada evento de interação dialógica e, consequentemente, estabelecer com um máximo de acabamento uma resposta ética e estética total que define uma realidade e seus sujeitos.
Como outras unidades da rede pública estadual do Ceará, cada enunciado concreto4 da escola Egídia Cavalcante Chagas consolidou uma realidade afetada por objetos materiais como os aparelhos tecnológicos mais modernos e os livros impressos e por fatos imateriais como a “avaliação escolar de rendimentos”, a chamada “prova”.
A semiose é manifestada como um “[p]rocesso de significação e de produção de significados”. (Disponível em https://www.dicio.com.br/semiose/). Acesso em 17 ev 2018.
Letramentos responsivos diz respeito ao processo de apropriação do potencial dialógico e ideológico que as diversas manifestações semióticas e sociais de língua e de linguagem oportunizam aos sujeitos que apreciam as condições circunstanciais de suas vidas para se posicionarem com uma (contra) resposta autêntica e responsiva, conforme Alves (2017).
Segundo Bakhtin (2003), o enunciado concreto é uma realidade autoral, expressiva e estilística da comunicação dialógica. Seu acabamento máximo é marcado por um projeto de querer enunciar e interagir do eu para com o outro, pelo tema e pelo gênero textual com o qual é materializado a cada ato e contexto de interação responsiva.
Pensar as palavras “avaliação” ou “prova” como enunciado concreto segundo a reflexão de Bakhtin (2003) significa pensar a palavra enunciada concretamente como uma unidade significativa da comunicação dialógica entre sujeitos que defendem seus pontos de vista e dialogam à medida que se respondem, concordando ou não entre si.
Atualmente, aquilo que é compreendido circunstancialmente como “prova” é um discurso enunciado com um máximo de acabamento ideológico e discursivo. Também é um processo responsivo cujas marcas denotam todo um conjunto de embates políticos e ideológicos travados pela constituição de significados acerca do que a avaliação de rendimento escolar do discente significa para as rotinas diárias de ensino-aprendizagem do aluno, do professor, da escola e de sua rede de ensino.
A ação de cada sujeito e de cada um de seus grupos humanos é estrategicamente organizada e ideologicamente marcada em seus aspectos social, subjetivo, histórico e cultural. No caso de uma instituição social (como a família, a igreja ou a escola), suas ações e configurações são respostas situadas ao que já foi enunciado com palavras e atos e, por conseguinte, estão plenas de intenções e ações polítco-normativas de caráter disciplinador, conforme Foucault (1979), para a vida dos sujeitos.
Em se tratando da problemática contemporânea da educação brasileira5 e da avaliação do rendimento discente no contexto instituicional da escola Egídia Cavalcante Chagas, sua orientação pedagógica realiza um esforço político e ideológico para que a comunidade escolar perceba a avaliação para além da “prova” em si. Por isso, há um trabalho de convencimento junto a professores e alunos para que a palavra “prova” seja ressignificada como parte de um “processo avaliativo” de quatro bimestres escolares.
Para além da prova compreendida como momento da desforra do professor perante os alunos mais indisciplinados, a gestão da escola enfatiza a necessidade de superação do mecanismo da nota classificatória baseada total ou majori-tariamente na realização de uma prova classificatória (escrita ou oral e individual).
Desse modo, em nível de organização da rede pública de ensino responsável pela Escola Egídia Cavalcante Chagas, a política da Secretaria de Educação do estado do Ceará e o discurso reiterado pela 10a Coordenadoria Regional de
A educação brasileira, conforme o artigo 21 da LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996, está dividida em educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino superior) e educação superior. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em 30-03-2018. Conforme a Lei n. 12.796 de 04-04-2013, a educação básica é obrigatória dos 04 aos 17 anos de idade. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm. Acesso em 30-03-2018.
Educação sediada no município de Russas vem orientando as escolas a discutirem com os professores uma compreensão da avaliação de rendimento discente como um processo contínuo e dinâmico, marcado por etapas singulares (reflexão, ação, aplicação, correção e revisão) e constituído pela interação entre elementos qualitativos e quantitativos.
Assim, mais que uma “prova” escrita, o discurso educacional atual que alcança os sujeitos da escola Egídia defende que professores e alunos percebam a avaliação como um fato passível de ser trabalhado, mensurado e interpretado segundo parâmetros objetivos que sejam discutidos e estabelecidos de maneira democrática e dialógica.
Nesse ponto, há uma profunda distinção entre a “prova” classificatória e tradicional e a avaliação processual. A primeira é mais fácil. A segunda demanda a mobilização de diversas habilidades e sensibilidades para ser efetivada. O disurso da da avaliação elaborada pelo diálogo entre aluno e professor é capaz de interagir com o contexto heterogêneo da realidade particular (econômica, social, histórica e política) de cada aluno regularmente matriculado e de sua sociedade em geral.
Essa realidade interfere no que a prova classificatória define como nota “boa” ou “ruim” e reforça um conjunto de discursos que ajudam a agravar uma série de problemas (reprovação, evasão e repetência) de ensino, aprendizagem e convivência com os quais a escola e seus sujeitos vem convivendo diariamente.
Por essa lógica, fica evidente que o discurso enunciado concretamente em torno de temas educacionais que atrelam a questão da “avaliação” (institucional ou de rendimento, por exmplo) à “gestão democrática”, é uma forma de ação desempenhada por sujeitos que se poscionam e que respondem a um projeto de governo que organiza o poder público do estado por um determinado período de tempo.
Consequentemente, tal forma de ação para o contexto da educação é um processo delimitado ideológicamente pelas apreciações e discursos de quem vivencia concretamente o cotidiano das relações de significado entre as posições do Estado e de seus sujeitos atualmente marcadas por enunciados concretos como “ní-veis de ensino”, “gestão democrática” e “avaliação enquanto processo ou produto”.
Um testemunho contundente da força do enunciado concreto realizado pelos sujeitos em situação de interação no mundo das relações ideológicas da escola é indicado por Werle (2011, p. 774), para quem “Gestão democrática, obrigatoriedade e qualidade do ensino são aspectos centrais da ação do Estado na Educação Básica brasileira o que exige, para sua efetivação, a colaboração entre os entes fedearados.”
Assim, pensar avaliação de rendimento discente envolve perceber a realidade da escola como um conjutno de fatores e discursos que se afetam mutuamente de maneira complexa durante as rotinas vivenciadas por professores sobrecarregados por jornadas duplas ou triplas de trabalho e por alunos oriundos
das periferias e das zonas rurais mais distantes ou menos assistidas pelas políticas públicas.
Significa, no caso da escola Egídia, fundada em 1936, perceber a especificidade do modo como o processo de ensino-aprendizagem acontece num ambiente em que a infra-estrutura recebeu inegáveis melhorias, mas que carece de manutenção e de mais profissionais e atividades para trabalharem os muitos interesses dos alunos. Um ambiente em que professores e alunos compreendam que o discurso que reduz a avaliação a um produto acabado só pode ser transformado pela interação entre posicionamentos radicalmente plenos de responsabilidade e responsividade6.
Na escola Egídia, mais professores alcançam nível de mestrado e doutorado, mas não conseguem utilizar em sala o que estão aprendendo no nível strictu sensu. Por isso, é incômodo manter a prova classificatória como o principal meio para averiguar o rendimento de um aluno. É, no mínimo, pouco ético que um professor reatualize o discurso de que esse ou aquele conteúdo deve ser cobrado sem auxílio de nenhum material de pesquisa sob pena de o aluno não provar que aprendeu o que foi ensinado.
Além dos problemas infra-estruturais e de exercício da atividade docente, o processo e o discurso de avaliação do rendimento discente da escola Egídia está rodeado por questões conjunturais7 que, embora não tenham caráter determinista, são fortes o suficiente para afetar os indicadores de acesso, evasão, permanência e rendimento na medida em que interferem no processo de ensino-aprendizagem e solapam o projeto de concretização de uma escola pública, gratuita e de qualidade reorganizada por uma cultura da gestão de resultados enquanto política educacional que comsubstancia uma possibilidade de gestão democrática (VIEIRA, 2007).
Por todos os fatores elenecados, o discurso dos profissionais da escola Egídia acaba marcado pelo fenômeno da “prova” escrita como o mecanismo mais prático para auferir o que o aluno aprende a cada uma das quatro etapas bimestrais do processo educacional concretizado em sala de aula durante um ano letivo. Dessa maneira, o ato de ensinar e sua contraparte, o ato de aprender, são
“Para a compreensão é ainda necessário sobretudo estabelecer limites essenciais e precisos do enunciado. A alternância dos sujeitos do discurso. A capacidade de definir a resposta. A responsividade de princípio de qualquer compreensão.” (BAKHTIN, 2003, p. 317).
Segundo relatos informais de professores da escola Egídia, enunciados cotidianamente de maneira informal, a falta de equipamentos de informática, a qualidade do acesso à internet, a manutenção insuficiente de equipamentos e espaços, a falta de um prédio e de recursos próprio para funcioamento da extensão escolar (que atende alunos da região de Aruaru, distante, 65 quilômetros da sede de Morada Nova, alocados no prédio da escola Joana Paula de Morais, pertencente a rede municipal da referida cidade) interferem nos resultados que os alunos alcançam durante o ano escolar. Além destess, os novos arranjos familiares, o tipo de relações sociais em que os alunos se engajam em seu cotidiano, as condições de (in)segurança e as longas distâncias percorridas por alunos da zona rural, sãp fatores adicionais que influenciam na vivência do ato de avaliar o que os alunos estão aprendendo.
prejudicados na medidade que sofrem os efeitos de situações não planejadas ou não discutidas, fato revelado quando os alunos informam que “não estudaram o conteúdo da prova” ou quando os professores afirmam que o “conteúdo deve ser cobrado para cumprir o planejamento anual.”
Quanto mais a aula é diminuída em sua função social e política, mais rasa se torna a “prova”. Basta ver as situações em que o professor apresenta um conteúdo às vésperas de ser cobrado pelo aluno. Outrossim, há situações em que o aluno acaba tendo um hiato derivado de situações fortuitas entre o momento em que o conteúdo foi trabalhado em sala de aula e a ocasião em que a “prova” acontece.
Em pleno século XXI, a elaboração monocrática da “prova” pelo profes- sor sem a co-participação do aluno não é um indicativo auspicioso para a consolidação do exercício consciente da democracia – cada vez mais em cobrada pelos enunciados de quem acalenta a construção de uma escola pública, gratuita e de qualidade e de uma sociedade cada vez mais plural – nem para reorganização da sistemática da avaliação de rendimento discente que insiste em classificar os sujeitos segundo suas “notas”.
Para Vieira (2007), diferente do censo escolar cuja origem remonta ao tempo do Brasil imperial, a questão dos sistemas de avaliação é um fenômeno recente. Dessa maneira, a reflexão sobre o avaliar é algo mutável que acompanha os projetos de governo responsáveis por delimitar consideravelmente o caráter das avaliações externas (em larga escala) e avaliações internas (em escala institucional).
Como tudo que rodeia os sujeitos, a avaliação resulta de um discurso enunciado ao longo das interações humanas. Em se tratando da avaliação mais tradicional e classificatória, o discurso contemporâneo ainda defende a prova individual com alunos enfileirados para a resolução de um número determinado de questões em um espaço finito de tempo. Dessa forma, o modelo vigente favorece o mito da padronização e reforça o sistema de hierarquias (do professor em relação ao aluno e dos alunos com melhor rendimento em relação aos demais) classificatórias.
Por isso, a avaliação de rendimento escolar do discente quando compreendida como algo punitivo ou isolado do continuum do processo de ensino-aprendizagem é algo diferente da avaliação enquanto prática colaborativa e processual instanciada pela disposição de professores e alunos que permutam seus papeis institucionais quanto ao ato de aprender e quanto ao ato de ensinar, seja com ou sem modernas tecnologias.
Em se tratando, especificamente da Educação Básica praticada pela Escola Egídia Cavalcante Chagas, é impossível não relacionar o que se entende por avaliação com uma discussão mais ampla que envolve a luta por uma definição dos rumos da sociedade e de sua forma de governo a tal ponto que, segundo Zibas (2005, p. 203):
Sabe-se que as três faces da reforma do ensino médio – a estrutural, a de gestão e a curricular – estão imbricadas na reestruturação mais geral do sistema de ensino básico, a qual, por sua vez, veio articulada ao discurso hegemônico sobre a necessidade de reconstrução do Estado, no sentido de reduzir sua função provedora e ampliar o espaço para a ação de agentes sociais em diversas áreas, inclusive as sociais.
Ora, faz-se necessário um contínuo questionamento acerca do fato de que o modo de realização de uma prova (escrita ou oral, individual ou coletiva, por exemplo) é a materialização discursiva da luta por posições de poder em torno do que se entende por avaliação e do tipo de sujeito que a instituição social escola está formando.
Prova disso é o conjunto de enunciados concretos que atualizam o discurso contemporâneo sobre a educação básica cearense. Com o “planejamento integrado das dimensões estratégica, pedagógica e gerencial, pretendeu-se potencializar e alinhar resultados”, conforme Vieira (2007, p. 59) para melhorar o processo de ensino-aprendizagem e colocar o Ceará como parâmetro8 educacional da atualidade brasileira apesar do caráter questionável de experiências vividas na cidade de So-bral9, destaque segundo o Índice de desenvolvimento da Educação (IDEB).
Imaginar um aluno engajado numa atividade solitária como uma prova de conhecimentos é negar o fato de que todos os empreendimentos humanos são elaborações coletivas marcadas por tentativas e pela incompletitude. Pior é imaginar o trabalho docente reduzido ao papel de um carrasco para rechaçar os alunos que não conseguem ou não querem assumir a subserviência do jogo da prova tradicional.
Questionar o método vigente da avaliação ajuda a politizar a comunidade escolar para evitar que práticas opressoras vivenciadas no passado sejam repetidas a ponto de os discursos hegemônicos que associam erro a fracasso (SIBILA, 2012) e respeito à mecanização ou obediência possam ser reatualizados ou empregados para aumentar índices de evasão e/ou de reprovação a partir da prova em si mesma.
Acesso em 15 fev. 2018. 77 das 100 melhores escolas do País estão no Ceará, mostra Ideb – Jornal o Povo (09-09-2016) – Disponíel em: https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2016/09/09/noticiasjornalcot idiano,3657675/77-das-100-melhores-escolas-do-pais-estao-no-ceara-mostra-ideb.shtml. Acesso em 15 fev 2018.
VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. A verdade sobre o Ideb de Sobral – Disponível em: https://www. cartacapital.com.br/blogs/vanguardas-do-conhecimento/a-verdade-sobre-o-ideb-de-sobral . Acesso em 15 fev 2018.
Em 2014, a escola Egídia Cavalcante Chagas, instituição componente da rede estadual de escolas públicas coordenadas pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, foi inserida num processo de avaliação que envolvia a realização de um exame mais pautado no modelo adotado pelo Sistema de Permante Avaliação das Escolas do Ceará (SPAECE), e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Para isso, a visita rotineira de técnicos da 10a Coordenadoria Regional de Educação (sediada na vizinha cidade de Russas) e o estudo de materiais expli-cativos sobre as vantagens de uma avaliação escrita mais próxima do modelo de avaliações em larga escala foram pertinentes para convencimento (parcial) dos professores de que, enquanto rede, a “prova” deve ser um momento constitutivo do processo de avaliação interna da escola e não um instrumento de vingança do professor em relação ao aluno.
No caso da escola Egídia, a pioneira instituição adota o critério de “no-tas” para aferição do rendimento do aluno ao longo de quatro bimestres que compoem os duzentos dias letivos previstos para o regime seriado anual conforme o artigo 24, inciso I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996).
Apesar do forte viés subjetivo, o atual discurso regimental define que compromisso, assiduidade, participação e disciplina são os quatro critérios (teoricamente) constitutivos da Avaliação de Desempenho (AD) dos alunos da escola Egídia que os professores determinam ao observar seu desempenho bimestral. Já a definição da metodologia e dos critérios da Avaliação Mensal (AM) fica na maioria das vezes totalmente à escolha do professor. Finalmente, a sistemática atual da Avaliação Bimestral (AB) procura replicar o modelo do ENEM. A cada bimestre, o aluno pode somar 10,0 pontos (5,0 de AB, 3,0 de AM e 2,0 de AD).
A resolução de tornar a AB mais próxima do modelo do ENEM a partir de 2014 ocorreu no período em que a escola Egídia aderiu ao Projeto Jovem de Futuro (PJF) 201310, encampado pela Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC) e Instituto UNIBANCO como “um projeto de Gestão Escolar para Resultado” para melhorar o rendimento dos alunos e combater a evasão escolar, segundo informações da SEDUC11.
A medida que o trabalho pedagógico dos professores da escola Egídia foi transformado pela perspectiva de uma avaliação interna mais parecida com as
10 Projeto Jovem de Futuro (24-09-2012). Disponível em http://lei3egidiacavalcante.blogspot.com.br/2012/09/ projeto-jovem-de-futuro.html . Acesso em 15 fev. 2018.
11 Projeto Jovem de Futuro. Disponível em: http://www.seduc.ce.gov.br/index.php/ouvidoria/87-pagina-inicial-servicos/desenvolvimento-da-escola/3176-projeto-jovem-de-futuro Acesso em 15 fev. 2018.
avaliações externas e pelo incremento da quantidade de docentes diplomados por cursos latu sensu e/ou strictu sensu, esperava-se uma superação:
do prescritivismo de aulas conteudísticas;
da mecanização do processo de avaliação reduzido a uma prova (escrita ou oral, individual ou coletiva, bimesstral ou mensal) e
da percepção do erro como algo ruim e não como um indicador da forma como se desenrola o processo de ensino e de aprendizagem (SIBILA, 2012).
Pensar uma avaliação formativa, processual e diagnóstica mas realizar uma avaliação classificatótica ou punitiva não favorece o trabalho pedagógico para o desenvolvimento do aluno e para combater os problemas que atrapalhamo processo de ensino-aprendizagem. Daí surgirem casos de desgaste nas relações interpessoais entre escola e família e entre professor e aluno como indicam os relatos informais que os sujeitos da escola Egídia continuam enunciando entre as paredes da escola.
De acordo com os enunciados concretos de professores e professoras da escola Egídia, entre os problemas que atrapalham a educação praticada pela instituição e, consequentemente, não contribuem para melhoria do processo de avaliação:
O processo de uma avaliação formativa é percebido de forma re-fratária.
A avaliação reduzida a uma prova escrita não promove a constituição duradoura de competências e habilidades nem para transformar informação em conhecimento.
Os “erros” dos alunos não são discutidos de modo que possa haver uma segunda tentativa para que os alunos possam refazer o que “erraram”.
A cultura do mérito premia os alunos de melhor desempenho, mas não transforma os hábitos dos alunos indisciplinados.
Os vocábulos “dar nota” e “fazer prova” reforçam o círculo vicioso de classificação.
A prioridade é a transmissão de conteúdo regida por um(a) pro-fessor(a).
A aula reforça em demasia a memorização de fórmulas, esquemas e informações.
A prova reforça o exercício da reprodução de modelos.
A recorrência da improvisação e da estagnação metodológica é uma constante.
A atual situação da escola Egídia revela uma indisposição por parte considerável de professores e alunos em culpabilizar o outro para esquivar-se à responsabilidade em corrigir defeitos e inconstâncias no processo de avaliar e registrar quantitaviamente os resultados de um aluno durante um período letivo. No final das contas, a reflexão de Sibila (2012, p. 36) de que “é muito mais simples apropriar-se de um discurso pautado nos elementos que caracterizam a avaliação formativa, que os exercitar no dia a dia da sala de aula”, acaba por desnudar um problema que ainda não foi devidamente enfrentado no contexto da Educação Básica após a LDB 9.394 de 1996.
Quando um aluno afirma marcar as respostas de sua prova “na doida”, ou seja, sem consciência mínima do que está fazendo, o sistema de ensino acaba demonstrando suas fraquezas históricas acentuadas numa época em que a maior popularização dos mecanismos de comunicação e de informação não conseguiram aproximar o eu do outro suficientemente nem diminuíram as diversas formas de empobrecimento da realidade.
Da mesma forma, quando o professor age sarcasticamente ao posicionar-se em seu lugar de poder para afirmar que o aluno sabe as respostas de sua prova, que não precisa de ajuda porque deve ter anotações feitas, toda uma barreira milenar de assimetrias e isolamentos acaba reforçada com uma simples negativa na qual acabam condensados sentidos de rancor, cansaço, tristeza, medo e insensibilidade na forma de enunciados como “não posso ajudar” ou “o tempo acabou” ou “o problema não é meu”.
Por mais óbvio que possa parecer, falta suficiente reflexão e ação entre os sujeitos da escola Egídia para se ajudarem e compreenderem que ensinar é bem mais que trnasmitir conteúdo e aprender não é apenas memorizar informação. Ora, o processo de avaliação que se hipervaloriza uma prova escrita ou que registra apenas se o aluno está aprovado ou reprovado atualiza ideologicamente o discurso do egoísmo e a prática de Pilatos que se eximiu de suas responsabilidades em detrimento do bem-estar de Jesus12 porque era a atitude mais fácil porque não demandava esforço argumentativo.
No caso do professor em efetiva regência de sala de aula, é impossível imaginar uma melhoria de sua prática docente e do processo educacional sem o apoio da família de seus alunos e a transformação da realidade social, econômica e familiar que atrapalha o desempenho e a disposição discente para se tornar um sujeito mais ativo e um protagonista mais parceiro do processo de ensino-apren-dizagem realizado numa escola pública. No entanto, apesar das dificuldades que
12 Vide Evangelho de Jesus narrado por Mateus (27: 24-25).
os discursos docentes e discentes possam relatar, é posssível melhorar a aula e a sistemática da avaliação a fim de aproveitar a base de conhecimentos e as vivências que cada aluno construiu ao longo de sua história de vida em seus diversos contextos de interação responsiva.
As práticas mais promissoras no que tange o processo de ensino-apren-dizagem da escola Egídia são realizadas por professores e alunos que aceitam a contribuição do outro e se colocam numa posição de escuta responsável, etapa concomitante ao agir responsável que gestaciona frases como “a prova estava gran- de, mas estava fácil” ou “aquela aula me ajudou muito” ou “o que eu estudei, eu aprendi e acertei na prova”, enunciados concretos que apresentam um continuum entre a aula e a avaliação.
Ora, se a escola é uma instituição social e histórica, discutir qual sociedade e qual história precisam ser consideradas durante o trabalho de reflexão sobre os saberes sistematizados pelos sujeitos que integram a comunidade escolar é um imperativo para a humanização e melhoria do processo de ensino-aprendi-zagem sob pena de professor e aluno acabarem sufocados por um trabalho me-canizado e incapaz de permitir que a aula contribua para o desenvolvimento de cidadãos mais ativos e reflexivos.
A escola é um lugar plural porque nela coexistem discursos e sujeitos cujos enunciados concretos alteram a percepção da realidade enquanto fato político subjacente ao jogo dialógico da interação entre o eu e o outro a cada vez que um sentido mais subjetivo reage aos significados mais sociais vigentes.
Em se tratando dos vários enunciados concretos em torno do que a avaliação significa, os que a materializam como uma prova e a transformam num produto acabado são os que mais interferem na consolidação de uma transformação das condições de assimetria que colocam professores e alunos em posições de hostilidade.
Já no que diz respeito aos enunciados concretos que marcam o processo de ensino-aprendizagem como um processo, há bastante razoabilidade em concordar com a perspectiva de uma batalha árdua para que experiências mais exitosas no campo educacional façam prosperar um exercício mais democráti- co-colaborativo de construção de uma metodologia de avaliação alicerçada na responsividade entre professor e aluno.
Conforme as palavras que transitam de forma mais velada ou mais aberta pelos corredores da escola Egídia, o discurso mais corriqueiro ainda classifica a avaliação como um processo que não conta com a afinação entre professores e alunos. A compreensão discente de responder uma prova de qualquer modo
acaba sendo reforçada pela atitude docente que exime o professor da responsabilidade de ajudar o aluno.
Se os discursos da escola pública de Educação Básica pretendem exercer algum papel relevante para a transformação das relações assimétricas de poder na sociedade, cabe a seus sujeitos assumirem a condição de sujeitos ativos e conscien- tes de que seus enunciados concretos são a única forma de vida acessível ao planodos significados mais sociais e dos sentidos mais subjetivos uma vez que somentepelo discurso enunciado é que o eu e o outro podem interagir com sua realidadee com seus pares.
ALVES, B. F. Uma análise bakhtiniana sobre a responsividade em práticas de letramento na Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Bom Jesus Sul, de Limoeiro do Norte, Ceará. 329f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, 2017.
BAKHTIN, M. M. / VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec. 2002. Disponível em: http://www.fecra.edu.br/admin/arquivos/MARXISMO_E_ FILOSOFIA_DA_LINGUAGEM.pdf. Acesso em: 18 jan. 2016.
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FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 25. ed. São Paulo: Edições Graal, 1979.
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Londrina, 2012. Disponível em:http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/ dissertacoes/2012/2012_-_SIBILIA_Miriam_Cristina_Cavenaghi.pdf . Acesso em 15 fev. 2018.
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ZIBAS, D. M. L. A reforma do ensino médio no Ceará e suas contradições. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005. P. 201-226.
Submetido em: 18/08/2018 Aprovado em: 11/12/2018