Escola e currículo
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ESCOLA E CURRÍCULO: UMA ANÁLISE SOBRE A AUSÊNCIA DAS
VIVÊNCIAS E APRENDIZAGENS DOS ALUNOS DA CLASSE POPULAR NA
EDUCAÇÃO BÁSICA.
1
S
CHOOL AND CURRICULUM
:
AN ANALYSIS ON THE ABSENCE OF LIVING
AND LEARNING OF POPULAR CLASS STUDENTS IN BASIC EDUCATION
.
Tânia Maria Lima
2
Claudiana Nogueira de Alencar
3
Sandra Maria Gadelha de Carvalho
4
Mila Nayane da Silva
5
Maria Ivanilde Fidelis Damasceno Rabelo
6
RESUMO: O presente artigo apresenta resultados de uma breve análise sobre a ausência e os
ocultamentos dos saberes que correspondem às vivências sociais dos alunos da classe popular
nos currículos da educação básica, de modo a entender a que fins e interesses a negação destes
conhecimentos tem servido na atual conjuntura social capitalista. Em igual importância, buscamos
reforçar nesta análise o papel que esses conhecimentos exercem na significação e formação crítica
na perspectiva da libertação enquanto ser social dos indivíduos, de modo que os acompanham
para além do seu percurso educativo. Para tanto, optou-se neste estudo por uma pesquisa teórico-
bibliográfica, dialogando especialmente com autores como Miguel Arroyo (2013, 2014), Lucia
Alvarez Leite (2015) Roseli Caldart (2012), Tomaz Tadeu da Silva (2010), dentre outros que tecem
1
Gostaríamos de agradecer neste espaço ao Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino MAIE
pelo compromisso em nos dar o suporte teórico do referido trabalho e ao programa intitulado de Educação do
Campo, Escola e Organização da Cultura: Vivências e Conhecimentos para a emancipação humana”, no qual, desde
meados do ano de 2014, por meio da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos FAFIDAM, campus de
Limoeiro do Norte da Universidade Estadual do Ceará, através do Laboratório de Estudos da Educação do
Campo LECAMPO, tem materializado a (trans)formação de todos os envolvidos no programa, o qual temos
a oportunidade colaborar nas atividades extencionistas realizadas na Chapada do Apodi-CE, no Acampamento
Maria do Tomé.
2
Mestranda em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará UECE. Especialista em Educação,
Pobreza e Desigualdade social pela Universidade Federal do Ceará. Graduada em Licenciatura Plena em Peda-
gogia. e-mail: tania21lima@gmail.com
3
Professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professora do Curso de Mestrado Acadêmico
Intercampi em Educação e Ensino (MAIE). e-mail: claunoce@gmail.com
4
Professora adjunta da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, da Universidade Estadual do Ceará
(FAFIDAM/UECE). Professora do Curso de Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE).
e-mail: sandra.gadelha@uece.br
5
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará UECE. Mestranda em
Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará UECE. E-mail: milanayane@hotmail.com
6
Graduada em Tecnólogo em Saneamento ambiental. Curso técnico em agropecuária Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia. E-mail ivanildedamasceno@hotmail.com
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2018.v4.n2.06.p59
LIMA, T. M.; ALENCAR, C. N.; CARVALHO, S. M. G.; SILVA, M. N.; RABELO, M. I. F. D.
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importantes considerações sobre esta temática e suas relações. Em análise, podemos assentar que
os valores hierárquicos e seletivos atribuídos aos conteúdos na base curricular expressam interesses
e relações de poder, que por sua vez, respondem a manutenção da atual conjuntura social dividida
em classes, essas que são marcadas por interesses antagônicos e pela forte exploração da classe
dominante sobre a classe trabalhadora.
P
ALAVRAS
-C
HAVE
: Currículo escolar. Vivências e aprendizados. Educandos.
A
BSTRACT
: The present article presents results of a brief analysis about the absence and concealment
of the knowledge that correspond to the social experiences of the students of the popular class in
the curricula of basic education, in order to understand to which ends and interests the denial of
this knowledge has served in the current capitalist social situation. Equally important, we seek to
reinforce in this analysis the role that this knowledge plays in meaning and critical formation in the
perspective of liberation as a social being of individuals, so that they accompany them beyond their
educational path. In order to do so, we opted for a theoretical-bibliographical research, especially
with authors such as Miguel Arroyo (2013, 2014), Lucia Alvarez Leite (2015) Roseli Caldart
(2012), Tomaz Tadeu da Silva (2010), among others that make important considerations on this
theme and its relations. In analysis, we can state that the hierarchical and selective values attributed
to the contents in the curricular base express interests and relations of power, which, in turn,
respond to the maintenance of the current social situation divided into classes, which are marked
by antagonistic interests and strong exploitation of the ruling class over the working class.
K
EYWORDS
: School curriculum. Experiences and learning. Educandos.
I
NTRODUÇÃO
O presente artigo surgiu como proposta de avaliação da disciplina Tópi-
cos especiais: Currículo, Escola e Educação do Campo, a qual se encontra presente
na grade curricular do Curso de Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e
Ensino (MAIE). Esse curso de pós-graduação é oferecido pela Universidade Esta-
dual do Ceará UECE, sendo desenvolvido nos campi da Faculdade de Filosofia
Dom Aureliano Matos FAFIDAM e Faculdade de Educação, Ciências e Letras
do Sertão Central FECLESC, o qual segue a linha de estudo e pesquisa Marxista.
Em relato inicial sobre o percurso de desenvolvimento dessa disciplina
debruçamo-nos em estudo e reflexão sobre diferentes temáticas que permeiam a
relação entre escola, currículo e Educação do Campo. No que concerne à edu-
cação do campo, examinamos sua história, fundamentos, princípios, políticas,
lutas e movimentos a favor da existência de uma educação para todos os sujeitos
oriundos do campo; assim como, as novas propostas pedagógicas e curriculares
que surgem orientadas por essa perspectiva, as quais podemos assentar que foram
trazidas, sobretudo, pelas demandas do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra MST (CALDART, 2004).
Da mesma forma, tocamos nos obstáculos que se colocam para a for-
mação de professores voltados a atuar nas escolas do campo; bem como, nas expe-
riências e desafios enfrentados atualmente pela educação popular e movimentos
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sociais, dialogando nestas temáticas, especialmente com o autor Paulo Freire e
sua
obra Pedagogia do Oprimido, a qual nos apresenta o movimento dialético
da
libertação dos opressores e oprimidos proporcionado pela educação em face da
Pedagogia construída pela classe trabalhadora/oprimida. Nesse trajeto, tive- mos
ainda a oportunidade de vivenciar uma visita ao acampamento Maria do Tomé
7
,
localizado na chapada do Apodi, divisa entre o Ceará e o Rio Grande do
Norte.
Criado em 2014, o acampamento hoje com quatro anos de resistência, consta
com cerca de 150 famílias acampadas, que se articulam em movimento
pelo
direito a terra, políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, educa-
ção e
equidade de gênero.
No tocante à esfera escolar, colocamo-nos a problematizar a função
social dessa instituição em seu percurso histórico; do mesmo modo, a figura, a
formação e prática pedagógica do professor da educação básica. Refletimos tam-
bém sobre o conhecimento escolar em suas relações e processos de seleção nos
currículos, enfatizando nesta discussão o contexto da crise atual enfrentada pela
escola e suas relações com a crise estrutural da econômico-social capitalista.
No que se refere ao currículo, estudamos com afinco a ligação entre
currículo, escola e magistério; as teorias do currículo e os espaços que vêm sendo
disputados no que diz respeito aos saberes de sua estrutura, observando nessas
problemáticas a democratização do saber e a legitimação de conhecimentos que
possibilitem a professores e estudantes o acesso aos significados de sua história,
experiências, condição social, trabalho e a construção da identidade/reconheci-
mento de pertença à classe popular.
Foi sob essa esteira de possibilidades discursivas que delineamos como
objetivo geral deste trabalho, realizar uma breve análise sobre a ausência e o ne-
gligenciamento sobre os saberes que correspondem às vivências sociais dos alunos
da classe popular nos currículos da educação básica, de modo a entender a que
fins e interesses a negação destes conhecimentos tem servido na atual conjuntura
social capitalista. Em igual importância, buscamos reforçar nesta análise o papel
que esses conhecimentos exercem nas significações e formação crítica, partindo
da perspectiva da emancipação dos indivíduos, defendendo que estes os acompa-
nham em todo o seu percurso educativo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No que concerne ao enfoque metodológico que norteia este trabalho,
nos fundamentamos no método materialista histórico-dialético, por entender, em
7
A denominação do acampamento de Maria do Tomé foi escolhida em homenagem ao ambientalista
Maria do Tomé, que lutava contra a Política do Agronegócio instalada na Região do Vale do Jaguaribe-Ce, de-
nunciando seus males e consequências para a saúde e vida da população, assim como para o meio ambiente. Zé
Maria foi assassinado no dia 21 de abril de 2010.
LIMA, T. M.; ALENCAR, C. N.; CARVALHO, S. M. G.; SILVA, M. N.; RABELO, M. I. F. D.
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acordo com Mendes (2002, p.176) que “[...] somente nele é possível a realiza-
ção conceitual da relação entre dimensões diversas e contraditórias do fenôme- no,
bem como de determinações objetivas e subjetivas que nele existam.” Assim
sendo, as relações estabelecidas socialmente precisam ser compreendidas em sua
totalidade, na qual será possível partindo da diversidade e das contradições que
permeiam a educação, currículo e a formação dos sujeitos. Para tanto, optou-se
neste estudo por uma pesquisa teórico-bibliográfica, dialogando especialmente
com autores como Arroyo (2013, 2014), Alencar et al (2015), Carvalho e Men-
des (2014), Leite (2015), Caldart (2004, 2012), Silva (2010), dentre outros que
tecem importantes considerações sobre esta temática e suas relações.
CURRÍCULO E PODER: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS POPULARES OCULTADAS PELA
HEGEMONIA DOS SABERES DA CLASSE DOMINANTE.
No atual contexto educacional, as discussões que são propostas em tor-
no do currículo da educação básica permanecem indiferentes quanto ao desven-
cilhamento existente entre as experiências sociais dos sujeitos e os conhecimentos
dispostos nas áreas de conhecimento (ARROYO, 2013). Salienta-se, que a pró-
pria produção do conhecimento é tomada em sua construção de forma distancia-
da destas vivencias que formam o real vivido pelos estudantes.
Conferimos assim, que a conformação de conteúdos organizados no
currículo escolar continua a despertar nos alunos, estudos e olhares cada vez mais
abstratos sobre sua realidade, os distanciando da reflexão edificante sobre suas
vivências concretas. Provoca-se com isso, o que Arroyo (2013) denomina como
um processo de estranhamento e desmotivação no percurso escolar do aluno, que
não cria identificações firmes e significantes com o entorno a sua volta. Ao obser-
varmos esta premissa, vemos que o currículo, seja ele o de formação do professor
ou propriamente, o da Educação Básica, pouco tem oferecido conteúdos que
referenciem ou façam menção à verdadeira realidade dos educandos e docentes da
classe popular, o que consequentemente, expressa as poucas aberturas que vem
sendo dadas a incorporação do acúmulo “[...] riquíssimo de vivências e estudos,
de conhecimentos, teses, narrativas e histórias do magistério, da infância, da ado-
lescência e da juventude.” (ARROYO, 2013, p.71).
Com efeito, ganha força o questionamento sobre as possibilidades que
têm sido pensadas para oportunizar através dos currículos que os estudantes exer-
çam o direito de conhecer a sua história, a reunião de seus saberes e experiências
acumuladas. Nessa realidade, preocupa-nos os fins delineados para que a estrutu-
ra do ensino escolar permaneça deslegitimando e negando esses saberes construí-
dos pelos alunos, em particular, fora da escola. Saberes esses que, segundo Arroyo
(2013), permanecem atrelados aos estudantes, penetram em todas as frestas do
fazer escolar e os acompanham em suas vivencias dentro e fora deste espaço.
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Essa discussão ganha novos e importantes desdobramentos quando re-
fletimos que na atual conjuntura educacional, o modelo de escola e de cultura
escolar que dispomos é fortemente marcado pela difusão de uma cultura e sa-
beres homogêneos, que expressam e reforçam a cultura dominante. Os valores
seletivos atribuídos aos conhecimentos nos currículos revelam-se notadamente a
serviço dos interesses de manutenção da divisão da sociedade em classes, ou seja,
da conservação de dominação da classe opressora sobre a classe trabalhadora. A
esse respeito, Leite (2015, p.19) nos esclarece que:
[...] a cultura da homogeneização se arraigou na prática pedagógica da maioria das esco-
las, transformando muitos e diversos sujeitos em estudantes de uma determinada série.
A categoria aluno, como bem coloca Gimeno Sacristán (2005), é uma construção social
que padroniza corpos, mentes, desejos e aprendizagens, buscando modelá-los a partir de
um padrão prévio: o do branco, varão, urbano, “civilizado”.
Inegavelmente, analisamos que esse padrão de aluno da elite que é elei-
to como um modelo a ser seguido no processo escolar brasileiro responde ao
processo histórico-social em que foi construído, o qual, segundo Arroyo (2014)
conserva suas bases, sobretudo, no contexto de colonização no Brasil, cujos povos
indígenas, negros, mestiços e camponeses ao longo do processo de dominação
foram submetidos à imposição de outra cultura e processos educativos, vindo
estes a serem obrigados ou mesmo convencidos através da doutrinação a negar
suas características históricas e culturais (ARROYO, 2014).
Nesse percurso em que se fortaleceu e intensificou especialmente o fe-
nômeno da desigualdade social, compreendemos em acordo com Santos (2008)
que a injustiça social em todo o seu transcorrer histórico incidiu e continua a
incidir reflexos e determinações sobre a produção de uma injustiça cognitiva.
Isso significa dizer o quão o saber científico não é distribuído de forma equitativa
a todos nesta sociedade organizada em classes, do mesmo modo as experiências
sociais dos educandos da classe popular não são legitimadas como expressões de
conhecimentos autenticamente válidos para os currículos. Com isso, ignora-se a
produção do saber proporcionada pelas vivências sociais destes sujeitos, que por
sua vez, sustentam suas práticas e os constituem como sujeitos históricos e sociais
(ARROYO, 2013).
A esse respeito, Enguita (2001) argumenta que o caminho designado à
escola para agir em contribuição a manutenção dessa conjuntura social de domi-
nação de uma classe sobre outra se configurou mediante a perpetuação da cultura
escolar dominante, afirmando:
[...] que nada mais é que a cultura dos grupos dominantes sobre toda cultura popular,
étnica, grupal. Desse modo, a cultura do grupo dominante passa a ser transformada,
através da escola, na cultura de todos os cidaos de um país. Essa cultura escolar, que
tem sua origem em um determinado momento histórico, acaba por se naturalizar,
transformando-se em um modelo a-histórico, configurando-se um mundo à parte, como
espaço asséptico, imune a conflitos e debates. Nele, a cultura dominante é propagada
LIMA, T. M.; ALENCAR, C. N.; CARVALHO, S. M. G.; SILVA, M. N.; RABELO, M. I. F. D.
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e reproduzida como “alta cultura”, a cultura a ser aprendida por todos os cidadãos
(ENGUITA Apud LEITE, 2015, p.15-16).
Um recorte interessante a ser feito sobre esta ideia e que complementa a
reflexão acima é evidenciado por Goodson (1995, p. 41), ao nos dizer que “A dis-
junção entre a experiência cultural comum e o currículo pode, por conseguinte,
ser avaliada, para a clientela da classe operaria como algo que se processou após o
pânico moral associado à Revolução Francesa” com a forte difusão, luta e defesa
da classe operaria pelos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. Confor-
me esse autor, foi a partir deste importante marco que o currículo escolar passou
a ser revestido mais intensamente dos interesses de controle social com relação ao
comum da massa trabalhadora.
Nessa ocasião, o currículo torna-se um mecanismo de adestramento dos
sujeitos, cuja estrutura seletiva de conhecimentos disposta nesta base os direciona
ao conhecimento cada vez mais abstrato e alheio sobre sua realidade e condição
de classe. Neste sentido, vemos que a cultura dominante se fortalece pelo processo
escolar em seus diversos instrumentos- entre eles o currículo- transportada a to-
dos os alunos de forma naturalizada, sendo a eles apresentada como um processo
cultural que deve ser perseguido e apreendido por todos. Em referência a essa
ideia, Leite (2015) enuncia que as consequências advindas do atual modelo de
cultura escolar acabam por desencadear neste espaço a exclusão e descriminação
de diversos grupos sociais que não encaixam nesse perfil de cidadão, entre eles,
negros, indígenas, camponeses, pobres, pessoas com deficiência, entre outros
coletivos marginalizados de nossa sociedade.
Para tanto, “[...] os problemas que surgem em seu interior, decorrentes
da diversidade cultural desses coletivos, passam a ser vistos como desvios, pertur-
bações, como algo a ser corrigido para que a escola consolide sua rota.” (LEITE,
2015, p.15-16). Em face disso, percebemos ser construída e reforçada ainda que
não neste espaço a visão de que estes sujeitos, enquanto entendidos como
inferiores e limitados em seus saberes, são incapazes de produzir conhecimentos
que não fujam do senso comum (ARROYO, 2013).
Ao mesmo tempo, os únicos indivíduos reconhecidos como capazes
de produzir norteamentos e conhecimentos válidos a serem conformados nos
currículos de formação são pequenos coletivos evidentemente distantes da prática
cotidiana destes sujeitos. Em outras palavras, o real pensado não reflete ou corres-
ponde ao real vivido pelo aluno. Não traduz a ele as significações necessárias para
reconhecer-se como parte desse conhecimento.
Sobre isso, nos diz Arroyo (2013) que as identidades, o trabalho, as
experiências sociais dos alunos e de seus professores- enquanto setores populares-
estão ausentes nos currículos porque estes não são reconhecidos como sujeitos
produtores de conhecimento, saberes, cultura, valores, modos de pensar, etc. de
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experiências significativas. “Um traço de uma longa história de ausências e de
ocultamentos dos coletivos sociais segregados” (ARROYO p.137). Em síntese,
podemos assentar que os currículos da educação básica são pobres de experiên-
cias porque desconsideram e negam o lugar efetivo dos sujeitos da classe popular
enquanto objetos e campos de estudo rico em saberes, aprendizados, práticas e
vivencias que merecem lugar expressivo nas diversas disciplinas e materiais didáti-
co-
pedagógicos. No tocante a esta ideia, Arroyo (2013, p. 139) assevera:
Pertencemos a uma tradição política e cultural extremamente segregadora dos coletivos
humanos. De um lado os poucos autodefinidos como racionais, civilizados, cidaos
curtidos na ética do esforço e do trabalho, previdentes, empreendedores, dirigentes; de
outro lado a maioria, os outros, inferiorizados como irracionais, primitivos, incultos,
preguiçosos, os coletivos indígenas, negros, pobres, trabalhadores, camponeses, favela-
dos, subempregados e subcidadãos.
É prudente acrescentar a esses coletivos as pessoas com deficiência, que
igualmente aos demais grupos marginalizados que compõem a classe popular,
também são subjugados em seus saberes e experiências, estando igualmente
inseridos neste contexto em que Arroyo (2013) caracteriza como sendo marcado
pela concentração de coletivos, de racionalidades, de éticas e de culturas, que
por sua vez, marcam profundamente a polaridade em que são hierarquizadas e
segregadas as experiências, os conhecimentos, as culturas e as capacidades mentais
e intelectuais dos sujeitos no sistema de ensino e consequentemente nos currículos.
Constatamos assim, uma forte indiferea, desconsideração, deslegitima-
ção e desprestigio quanto à bagagem social e cultural trazida por crianças e jovens
que chegam às escolas públicas, muitas vezes marcadas pelas fortes vivencias da
pobreza e desigualdade social, sendo submetidos a adequar-se a essa cultura escolar
que se mostra indiferente as suas experiências sociais de luta, resistência, trabalho,
condição social, etc. Arroyo (2013) nos aclara que as concepções de conhecimento
e currículo com que somos formados estão impregnadas dessas dicotomias hierar-
quizantes, que segregam experiências, conhecimentos, coletivos humanos e profis-
sionais. No que diz respeito a esse aspecto, Leite (2015, p.20) afirma que:
Os conteúdos, organizados de forma compartimentada nas disciplinas, passam a ser os
únicos aspectos considerados nessa organização. E, para avançar em determinados con-
teúdos, é preciso vencer os chamados pré-requisitos”. O resultado disso é a reprovação
e a exclusão escolar de muitas crianças e muitos (as) jovens que não se reconhecem nes-
sa escola, nesse currículo, nesses materiais. Jovens originários (as) dos coletivos pobres,
excluídos (as) dos espaços públicos e do direito de ver sua cultura retratada nos livros
escolares, nos materiais didáticos.
Como nos explica essa autora, o sentimento de exclusão surge pela falta
de reconhecimento e familiaridade com o ideal formativo com o qual esses alunos
se deparam na escola, que por sua vez, se corporifica na evasão escolar de muitos
desses estudantes. Evidencia-se com isso, a indiscutível desvalorização com que são
LIMA, T. M.; ALENCAR, C. N.; CARVALHO, S. M. G.; SILVA, M. N.; RABELO, M. I. F. D.
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tratados os saberes produzidos pelos coletivos da classe popular, relegando a segun-
do plano nos currículos tanto esses saberes como os sujeitos que os produzem.
Um fato interessante a que Arroyo (2013) nos remete diz respeito a
centralização no acesso e universalização do ensino à crianças e jovens no espaço
escolar como justificativa para desviar o foco quanto aos demais aspectos que são
essenciais para a permanência dos estudantes da classe popular nas escolas. Sobre
isto, Arroyo (2013, p. 139) nos diz que:
Mas não estão chegando as escolas? Sua presença no sistema escolar será incentivada, po-
rém não como portadores de experiências significativas, ricas em indagações, significados e
conhecimentos, mas apenas como meros receptores, aprendizes dos conhecimentos que os
coletivos nobres, sujeitos da história, da cultura e da racionalidade produziram. Podemos
dizer que os currículos selecionam uns coletivos sociais e segregam e ignoram outros.
Desse modo, podemos refletir que esse processo de seleção de coletivos e
saberes acompanha toda a história de segregação e inferiorização dos sujeitos oriun-
dos da classe trabalhadora, obscurecendo na base curricular o conjunto de saberes
e conhecimentos que poderiam desnudar os olhares dos estudantes para as verda-
deiras questões sociais que permeiam seu espaço, os distanciando dos saberes úteis
ao seu autoreconhecimento, reflexão e transformação de suas realidades específicas.
Para tanto, torna-se pertinente pontuar na realidade escolar destes indi-
víduos os conhecimentos que têm sido obscurecidos nos currículos escolares das
instituições em que estes sujeitos estudam, os quais, enquanto participes de uma
organização social camponesa se veem negados em suas referências, representa-
ções e historicidade, as quais seriam extremamente pertinentes para a formação de
suas identidades, o desvelamento de sua realidade e para fortalecimento e com-
preensão de suas lutas.
CONSIDERÕES FINAIS
Diante da análise exposta, refletimos que o contexto educacional atu-
al continua a perpetuar no currículo a negação quanto ao lugar dos indivíduos
da classe popular como sujeitos históricos, fato que, como nos lembra Arroyo
(2013), tem sido divulgado e questionado especialmente na ação e luta dos movi-
mentos sociais que “[...] tem reagido a históricos ocultamentos, buscando se afir-
mar nos espaços e sair de tantos ocultamentos a que foram relegados na história
intelectual, cultural, moral e até pedagógica.” (ARROYO, 2013 p.138).
Podemos analisar que os valores seletivos atribuídos aos conteúdos na
base curricular expressam interesses e relações de poder que respondem a manu-
tenção da atual conjuntura social dividida em classes, essas que são marcadas por
interesses antagônicos e pela forte exploração da classe dominante sobre a classe
trabalhadora. Nesse sentido, entende-se que é este ideal castrador do pensamento
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e dominador que está na raiz da seleção dos sujeitos e conhecimentos a serem
apresentados e representados nos currículos escolares.
Desse modo, podemos conferir que as experiências sociais dos estudan-
tes da classe popular, uma vez queo geradoras de conhecimentos, saberes e sig-
nificações se mantêm ausentes, silenciadas e ocultas nos currículos de formação,
predominando nesse contexto a invisibilidade e inferiorização atribuída a esses
sujeitos. Prevalece, assim, a dualidade educacional, fundamentada na ideia de su-
jeito desejável a se formar para um determinado tipo de sociedade. Arroyo (2014)
aproxima Paulo Freire nessa reflexão ao pontuar que é necessário “[...] reeducar
a sensibilidade pedagógica para captar os oprimidos como sujeitos de sua educa-
ção, de construção de saberes, conhecimentos, valores e cultura. Outros sujeitos
sociais, culturais, pedagógico em aprendizados, em formação.” (ARROYO apud
FREIRE, 2014, p. 27).
Trazer os sujeitos da