Africanidades no Brasil
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.4, n.2, p. 33-44, Jul./Dez., 2018
AFRICANIDADES NO BRASIL: HISTÓRIA E CONTRIBUIÇÃO DO POVO
NEGRO PARA A FORMAÇÃO CULTURAL DO NOSSO PAÍS.
A
FRICANITIES IN
B
RAzIL
:
HISTORY AND CONTRIBUTION OF THE BLACK
PEOPLE TO THE CULTURAL FORMATION OF OUR COUNTRY
.
Carine dos Santos Bessa
1
Alexandre dos Santos Rocha
2
R
ESUMO
:
Este trabalho intitulado: Africanidades no Brasil: história e contribuição do povo negro
para a formação cultural do nosso país”, busca discutir aspectos da história do povo negro e de seus
descendentes do nosso Brasil, sua origem, chegada e vivência nas terras brasileiras, identificando
sua influência cultural, bem como, analisar a legislação que vigorou e vigora a favor da cultura
dos afrodescendentes, por fim, refletir sobre como implementar a Lei n. 10.639/2003 nas escolas
de ensino regular mediante as disciplinas, conteúdos e temas ministrados em sala, na busca do
reconhecimento e valorização desta cultura. O interesse por este tema surgiu ao participar da
organização de um projeto pedagógico sobre a cultura africana para ser aplicado em uma escola de
educação básica do ensino médio, após termos percebido o desconhecimento dos colegas professores
e seu despreparo para tratar de tal tema, sem ideias para abordagens em sala ou discussões com os
alunos. Utilizamos uma abordagem qualitativa, à luz de estudos bibliográficos da área. Concluímos
que é preciso compreender que uma sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos
étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em
conjunto constroem uma nação. Somente quando todos tiverem este pensamento estaremos livres
de
ideias preconceituosas e discriminatórias.
P
ALAVRAS
-C
HAVE
: Educação; Africanidades; cultura e história africana.
A
BSTRACT
: This work, entitled Africanities in Brazil: history and contribution of the black people to the
cultural formation of our country “, seeks to discuss aspects of the history of the black people and their
descendants in Brazil, their origin, arrival and experience in the Brazilian lands, identifying their
cultural influence, as well as analyzing the legislation that was in force and in force in favor of Afro-
descendant culture. Finally, reflect on how to implement Law n. 10,639 in regular schools through
the disciplines, contents and subjects taught in the classroom, in the search for recognition and
appreciation of this culture. The interest for this theme arose when participating in the organization
of a pedagogical project on the African culture to be applied in a school of basic education of
high school. Having noticed the misunderstanding of fellow teachers and their unpreparedness
to address such a topic, with no ideas for classroom approaches or discussions with students. We
use a qualitative approach, in the light of bibliographic studies of the area. We conclude that it
1
Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica Faculdade Kurius; Professora Efetiva da Secretaria
de Educação do Estado do Ceará. c.s.bessa@hotmail.com
2
Especialista em Museologia e Psicopedagogia (FVJ). Instituto Educacional Cearense (IEC). alesantos58@
hotmail.com
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2018.v4.n2.04.p33
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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is necessary to understand that a society is made up of people belonging to distinct ethnic-racial
groups, who have their own culture and history, equally valuable and who together build a nation.
Only when everyone has this thought will we be free of prejudiced and discriminatory ideas.
K
EYWORDS
: Education; Africanities; African culture and history.
APRESENTAÇÃO
No sentido de estudar a africanidade, fez-se necessário analisar a his-
tória e a trajetória do negro no Brasil, destacando sua origem, sua chegada, a
utilização como mão-de-obra escrava, a abolição e a legislação que ponderou todo
este período.
Sendo este tema bastante atual e cada vez mais utilizado no espaço edu-
cacional, consideramos relevante seu estudo para tentar compreender o porquê
da necessidade de leis especificas para a abordagem da história e cultura dos afro-
descendentes, bem como a sua implementação nas escolas de educação básica.
A abordagem escolhida para a construção do estudo foi qualitativa do
tipo pesquisa teórico-bibliográfica. Utilizamos textos como suporte aos estudos
históricos sobre a educação do negro no Brasil e textos que serviram de suporte
para a análise da implementação das africanidades no conteúdo escolar de acordo
com as disciplinas curriculares.
A
FRICANIDADES BRASILEIRAS
De acordo com Silva (2005), ao dizer africanidades brasileiras estamos
nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de
outra forma, estamos, de um lado, nos referindo aos modos de ser, de viver, de
organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros, e de outro lado, às marcas
da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro,
fazem parte do seu dia-a-dia.
A autora destaca que cada um destes elementos da cultura africana res-
gatada aqui no Brasil é mais do que a combinação de ingrediente, é fruto de luta,
é o retrato para a manutenção da vida física, de lembranças e sabores da terra de
origem, o criações dos africanos e seus descendentes, que foram escravizados no
Brasil, que buscaram formas de sobreviver e expressar seu jeito de sentir e viver.
Como afirma Silva (2005, p. 156):
As Africanidades Brasileiras vêm sendo elaboradas quase cinco séculos, na medida em
que os africanos escravizados e seus descendentes, ao participar da construção da nação
brasileira, o deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências
e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as destes. Portanto, estudar as Africanidades
Brasileiras significa tomar conhecimento, observar, analisar um jeito peculiar de ver a
vida, o mundo, o trabalho, de conviver e de lutar pela dignidade própria, bem como pela
de todos descendentes de africanos, mais ainda de todos que a sociedade marginaliza.
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Significa também conhecer e compreender os trabalhos e criatividade dos africanos e de
seus descendentes no Brasil, e de situar tais produções na construção da nação brasileira.
De acordo com Silva (2005), as africanidades brasileiras abrangem di-
versas áreas do conhecimento, não precisando de programas de ensino específicos,
pois podem estar presentes em conteúdos e metodologias, nas diferentes discipli-
nas constitutivas do currículo escolar. Como destaca a autora:
No âmbito escolar e acadêmico, as Africanidades Brasileiras constituem-se em campo
de estudos, logo, tanto podem ser organizadas enquanto disciplina curricular, programa
de estudos abrangendo diferentes disciplinas, como área de investigações. Em qualquer
caso, caracterizam-se pela interrelação entre diferentes áreas de conhecimentos, que toma
como perspectiva a cultura e a história dos povos africanos e de descendentes seus nas
Américas, bem como em outros continentes (SILVA, 2005, p. 161).
Trabalhar com Africanidades na escola significa construir um novo
olhar sobre a história nacional e regional/local, ressaltando a contribuição dos po-
vos africanos e afrodescendentes na construção da nação brasileira e desmistificar
visões equivocadas sobre o negro e o continente africano que por tantos séculos
foram reforçadas por pensamentos racistas e preconceituosos. Conforme Arruda
(2008, p. 35):
O ensino de história sempre privilegiou as civilizações que vieram em torno do Mar
Mediterrâneo. O Egito estava entre elas, mas raramente é relacionado ao continente
africano. Portanto, a inclusão do tema na disciplina a torna privilegiada, pois serão abor-
dadas temáticas tão instigantes quanto variadas: a história dos grandes impérios e reinos
africanos e sua organização político-econômica, antes do processo de invasão perpetrado
por diversos países europeus; a formação da nação brasileira e a constituição da popula-
ção influenciada pela relação com a África; o período escravista e os variados processos
de resistência negra, dentre outros.
Segundo Silva (2005), a história do Brasil, como construção de uma
nação, inclui todos os povos que constituem a nação. Assim, ignorar a história
dos povos indígenas, do povo negro é estudar de forma incompleta a história
brasileira.
Deverá comtemplar o currículo escolar, temáticas que abordem ques-
tões históricas como: Das resistências do povo negro: Quilombos, Revolta dos
Malês, Canudos, Revolta da Chibata e todas as formas de negociação e conflito;
Da produção da Lei das Terras e do fim do tráfico negreiro, em 1850 e o impacto
das ideologias do branqueamento/embranqueamento sobre o processo de imigra-
ção europeia; Dos remanescentes de quilombos, sua cultura material e imaterial,
sua contribuição no Brasil, sua presença tecnológica desde a formação do povo
brasileiro.
Bem como da criação da Frente Negra Brasileira, no início dos anos
1930, criada em São Paulo; Do sentido/significado da data de 20 de novembro,
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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repensado o 13 de maio; Da constituição e legislação contra o racismo no Brasil
e no mundo.
O intuito de divulgar o conhecimento e propagar a sabedoria de que
todos são iguais perante a lei e devem ser perante os homens. Promovendo o res-
peito e a tolerância entre as diferenças.
A INVISIBILIDADE DOS NEGROS NAS ABORDAGENS HISTÓRICAS EM EDUCAÇãO
A história da educação brasileira por muitas vezes tem negligenciado
as contribuições e lutas do povo negro por educação, liberdade, respeito e igual-
dade de direitos. Contemplando e limitando-se ao termo da educação restrito ao
sentido da escolarização da classe média; periodização baseada em fatos políticos
administrativos; temáticas mais enfocadas no Estado e as legislações de ensino;
ausência da multiplicidade dos aspectos da vida social e da riqueza cultural do
povo brasileiro (CRUZ, 2005, p. 22).
Desta forma, a história da educação, por meio de alguns estudos, nem
sempre cumpriu a sua função de promover o conhecimento, o respeito, a equi-
dade na formação e construção do saber. Apenas a cultura de descendência eu-
ropeia tem sido explorada e identificada nos livros como formadora da cultura
brasileira. A história e as raízes do povo brasileiro estão se perdendo. Conforme
Cruz (2005, p. 22):
À margem desse processo m sido esquecidos os temas e as fontes históricas que po-
deriam nos ensinar sobre as experiências educativas, escolares ou o, dos indígenas
e dos afro-brasileiros. O estudo, por exemplo, da conquista da alfabetização por esse
grupo; dos detalhes sobre a exclusão desses setores das instituições escolares oficiais; dos
mecanismos criados para alcançar a escolarização oficial; da educação nos quilombos; da
criação de escolas alternativas; da emergência de uma classe média negra escolarizada no
Brasil; ou das vivências escolares nas primeiras escolas oficiais que aceitaram negros são
temas que, além de terem sido desconsiderados nos relatos da história oficial da educa-
ção, estão sujeitos ao desaparecimento.
Para tanto, quando se propõe estudar as origens da escolarização da
população negra no Brasil percebe-se a ausência ou pouca quantidade de fontes
bibliográficas, o que mais uma vez denuncia a cultura velada da valorização euro-
peia em detrimento da cultura dos nossos afrodescendentes. Devemos, portanto,
seguir as orientações de autores que já abordaram o tema, como as indicações de
Cruz (2005, p. 25):
Quanto se tenta organizar informações sobre a história da educação dos negros no Brasil,
fazem-se necessários dois procedimentos: o primeiro é reunir os poucos estudos voltados
especificamente para o resgate dessas experiências, os quais emergem principalmente na
segunda metade dos anos 1990. O segundo é realizar leitura atenta de estudos em His-
tória da Educação Brasileira, problematizando as informações, observando os materiais
iconográficos apresentados e questionando a invisibilidade que se a esse segmento.
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Seguindo estas orientações, fazendo as leituras especificas e as reflexões, os
questionamentos surgem: por que são o poucos os registros? Será que o negro não
contribuiu para a escolarização de nossa nação? Como se deu sua educação durante
a escravio e as fases que se seguiram na formação da sociedade brasileira?
Será que realmente a sociedade não sofreu influências, o negro não
lutou por educação ou estes fatos não foram registrados. Se não registrados, qual
seria o motivo, a falta de relevância nos fatos, ou o medo de registrar a luta desta
classe, e a negligencia de toda uma sociedade perante um povo que desde sua
chegada ao Brasil contribuiu para seu desenvolvimento e nunca foi valorizado.
A necessidade de ser liberto ou de usufruir a cidadania quando livre, tanto durante os
períodos do Império, quanto nos primeiros anos da República, aproximou as camadas
negras da apropriação do saber escolar, nos moldes das exigências oficiais. Sendo assim,
embora não de forma massiva, camadas populacionais negras atingiram níveis de instru-
ção quando criavam suas próprias escolas; recebiam instrução de pessoas escolarizadas;
ou adentravam a rede pública, os asilos de órfãos e escolas particulares (CRUZ, 2005,
p.27).
Nos registros de Cruz (2005), observamos que o negro, durante a escra-
vidão, lutou por sua liberdade física e que após a abolição compreendeu que sua
liberdade agora estava relacionada à sua educação, ou melhor, sua escolarização
conforme os moldes adotados na sociedade.
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA VOLTADA PARA A EDUCAÇÃO E VALORIZÃO DA
CULTURA NEGRA
Neste subtítulo, buscamos compreender um pouco melhor sobre o sis-
tema legislativo educacional brasileiro, no que tange às questões raciais; como a
legislação brasileira tratou e trata questões como racismo, preconceito, contas,
ideologias e as etnias presentes em nosso país.
As discussões sobre a legislação e as etnias do povo brasileiro se ini-
ciam nos tempos da Primeira República (1889-1930), avançando até meados do
século XX, como registra Dias (2005), período no qual intelectuais acreditavam
que uma nação de raças mistas, como a nossa, era impossível e estava fadada ao
fracasso: “Essa discussão estava presente nos diferentes setores da sociedade da
época, com uma predominância da crítica à miscigenação. Muitos intelectuais
afirmavam que a fragilidade e o atraso da nação deviam-se à mistura das raças.”
(DIAS, 2005, p. 51).
Mesmo após a Abolição da escravidão no Brasil, a questão da discrimi-
nação continuou presente, como podemos observar no artigo 1º do decreto n.
528, de 28/06/1890, que trata sobre a imigração no Brasil: “É inteiramente livre
a entrada, nos portos da Republica, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho
que não se acharem sujeitos à ação criminal de seu país, exceptuando os indígenas
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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da Ásia, ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional
poderão ser admitidos, de acordo com as condições que forem estipuladas.” (VEI-
NER, apud DIAS, 2005).
A partir de meados do século XX, educadores recorrem ao tema do
racismo e do preconceito para fortalecimento de suas ideologias sobre uma edu-
cação para todos. Conforme texto do Manifesto dos Educadores:
A escola blica, cujas portas, por ser escola gratuita, se franqueiam a todos, sem distin-
ção de classes, de situações, de raças, e de crenças, é, por definição, contrária e a única que
está em condições de se subtrair a imposição de qualquer pensamento sectário, político
ou religioso (AZEVEDO, apud DIAS, 2005, p. 52).
Neste período travou-se intensa luta para a aprovação do projeto de lei
4.024/61. Uns defendiam os investimentos públicos em escolas também privadas
e confessionistas, como o deputado Lacerda. Enquanto que outros defendiam a
escola pública para todos, sob a gestão do Estado, como Maciel Barros:
A escola, ao contrário, existe exatamente para todos. Ela é uma fonte de comunhão, um
centro de aprendizagem, de respeito pelas crenças alheias, precisamente porque é aberta
a todos. Nela não ricos ou pobres, calicos, protestantes ou ateus, pretos, brancos ou
amarelos, filhos de imigrantes recém-chegados ou filhos de aristocráticas famílias tradi-
cionais: nela apenas seres humanos, pessoas ou projetos de pessoas (BARROS apud
DIAS, 2005, p. 52).
Após tantas discussões, a lei n. 4.024/61 foi aprovada, e considerada
uma vitória para a luta contra o racismo e o preconceito, pois, no Titulo I Dos
Fins da Educação Art. 1º, Alínea g, prescreve “a condenação a qualquer tratamen-
to desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a
quaisquer preconceitos de classe ou de raça.
Mas apesar dessa vitória, a autora defende que, o discurso dos educado-
res da época, ignorava ou não explorava o bastante a questão racial, limitando-se
a luta pelas classes como expressa nos seus relatos:
Os educadores daquele momento reconheceram a dimensão racial, mas não deram a ela
nenhuma centralidade na defesa de uma escola para todos, o que nos faz pensar que,
mesmo esses educadores, considerados “modernos”, no que se refere à abordagem da
questão racial, pouco se diferenciavam dos conservadores. Isso se deve, a meu ver, à ma-
neira como o Brasil construiu sua identidade nacional. Infelizmente, nenhum dos edu-
cadores que se destacaram na defesa da escola para todos rompeu com o acordo da elite
brasileira de tratar a questão racial na generalidade e não como política pública, apesar da
inclusão da raça como recurso discursivo. Compactuando com o mito da democracia
racial, mantendo invisível a população negra da escola para “todos” defendida com tanto
entusiasmo no debate para aprovação da LDB de 1961 (DIAS, 2005, p. 53).
Nas duas Leis da educação que se seguiram, as de número 5.540/68 e
a 5.692/71, tiveram grande repercussão na organização do ensino brasileiro. A
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primeira tratou do ensino superior, enquanto que a segunda referia-se ao ensino de
primeiro e segundo grau. Certamente, devido ao momento político de regime
militar, não foi realizado o debate aprofundado, como ocorrido na Lei 4.024/61.
No entanto, foi mantido o texto que traz as referências quanto à condenação ao
preconceito de raça que constava na primeira lei.
Mas a partir da nova Constituição de 1988, pós-abertura política se
forma um novo cenário, com intensa movimentação da sociedade civil. Como
destaca Dias (2005, p. 54):
O movimento pró-nova LDB começa em 1986, quando a IV Conferência Brasileira
de Educação aprova a “Carta de Goiânia”, com proposições para o Congresso Nacional
Constituinte. E em 1987 deflagra-se movimento intenso de discussão das propostas de
uma nova LDB. A discussão da LDB cruza-se com outros movimentos e, no caso em
análise, a questão de raça nas LDBs tem dois importantes marcos impulsionadores: o
Centenário da Abolição, em 1988, e os 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares, em
1995 (DIAS, 2005, p. 54).
No Centenário da Abolição da Escravatura, acontecem eventos no Bra-
sil inteiro e são divulgadas pesquisas demográficas da população brasileira. Com o
resultado desses eventos, os movimentos negros se embasam de argumentos para
suas reivindicações, comparando os resultados dos indicadores de saúde, educa-
ção, mercado de trabalho entre a população branca e negra e fica clara e confir-
mada a gritante desigualdade entre ambas.
Constroem-se com isso novos argumentos para romper com a ilusão de
que todos são tratados da mesma maneira. Os meios de comunicação divulgam
esses resultados, denunciando a situação. Nesse momento, a educação ganha um
destaque. O ano de 1995, também destaca-se pela luta e manifestação do povo
negro. Conforme Dias (2005, p. 54):
Em 1995, o movimento social negro comemora os 300 anos da morte de Zumbi dos
Palmares. Também nesse momento deflagra-se um intenso e mais elaborado processo de
discussões sobre a população negra. Algumas universidades, entre elas a USP, produzem
o documento Zumbi, tricentenário da Morte de Zumbi dos Palmares com proposições
sobre políticas antiracistas, as chamadas ões afirmativas, com ênfase na educação. As
manifestações daquele ano culminam na Marcha Zumbi dos Palmares: Contra o racis-
mo, pela cidadania e a vida, na qual cerca de 10 mil negros e negras foram a Brasília com
um documento reivindicatório (POR, 1996) entregue ao presidente Fernando Henrique
Cardoso.
Com a Constituição de 1988 o racismo passa a ser tratado como crime,
punido com pena de prisão, por meio do artigo 5º, inciso XLII, regulamentado
pela Lei n. 7.716/89, significando grande avanço, se comparada à Lei Afonso
Arinos, de 1951, que tratava o racismo apenas como contravenção penal, passível
apenas de multa e não de prisão.
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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De acordo com Dias (2005), tivemos avanços entre a LDB 4.024/61 e
a LDB 9.394/96. Mas tais avanços não podem infelizmente serem atribuídos aos
representantes da educação e suas entidades, pois ao analisar os projetos por eles
apresentados foi observado que a questão racial desaparece, sendo mais uma vez
incorporada à questão da igualdade, da unidade nacional, desaparecendo inclusi-
ve o item que condena o preconceito de raça.
Sendo poucas as referências à questão das raças que aparece na proposta
da das duas LDB, como a que consta no capítulo II, Da Educação Escolar de
Grau, Art.32, parágrafo único que assegura às comunidades indígenas a utiliza-
ção de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, bem como
no
capítulo VII, Da Educação Básica, no art. 38, inciso III, o qual orienta que
os
conteúdos curriculares deverão obedecer às seguintes diretrizes: “o ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas, raças e
etnias para a formação do povo brasileiro.” (DIAS, 2005).
Diante de toda a produção existente sobre a tensão no Brasil, referen-
te à cultura das raças, observa-se que a questão do negro é englobada por uma
questão de igualdade teórica que, na prática, não lhe cabe. Dias (2005) destaca
que
a ideia que esposta na letra da lei é a de, ao mesmo tempo, dar uma res- posta
para a sociedade organizada em torno dessa questão e manter o pacto de não a
explicitar.
Após alguns anos da aprovação e implementação da LDB n. 9.394/96,
e avaliados seus desdobramentos, observando que a questão de raça, mesmo que
em segundo plano, ocupou espaço e atenções na lei, estudiosos se mobilizam para
a construção dos PCNs. Segundo Dias (2005, p. 57):
Nesse sentido, destaca-se a mobilização de intelectuais, negros e não-negros, para a pu-
blicação dos PCNs, que incluem o volume Pluralidade Cultural, no qual a questão de
raça aparece como item a ser trabalho, partindo do princípio de que a diversidade racial
do Brasil é positiva. O Ministério da Educação considera esse volume, que teve o envol-
vimento de vários educadores negros, como uma das ações do Ministério da Justiça em
prol das políticas de igualdade racial.
Em 2003, outra grande conquista dos movimentos negros no Brasil
resultou no projeto de lei apresentado pelo(a)s deputado(a)s federais Ester Grossi
(educadora do Rio Grande do Sul) e Ben-Hur Ferreira (oriundo do movimento
negro de Mato Grosso do Sul). A lei foi sancionada pelo presidente Luís Inácio
Lula da Silva e pelo ministro Cristovam Buarque, em 9 de janeiro de 2003, que
altera os atigos n. 26 e 79 da LDB n. 9.394/96. Trata-se do Lei n. 10.639/03, a
qual torna obrigatória a inclusão no currículo oficial do ensino a temática “His-
tória e Cultura Afro-brasileira”.
Segundo Dias (2005), o texto da lei é incisivo e claro quanto aos
objetivos da mudança, tornando obrigatório o ensino da História e da Cultura
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Afro-brasileira. O que no texto anterior era difuso e abrangia outras etnias,
agora foca-se nesse ensino. Os parágrafos explicitam de forma inequívoca o
que se espera:
§ 1o - O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da
História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil;
§ 2o - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras.
Essa mesma lei estabelece, ainda, que, no calendário escolar, o dia 20
de novembro será destinado ao “Dia Nacional da Consciência Negra”. Mas essa
lei seria somente o início de grandes conquistas do período, pois respondendo as
pressões internas do Partido dos trabalhadores PT e externas de setores do Mo-
vimento Negro que apoiaram a candidatura de Lula, cria-se na estrutura de gover-
no a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),
no dia 21 de março de 2003, data em que se comemora o Dia Internacional
Contra a Discriminação Racial. Em resposta a criação de um órgão dentro da
estrutura do primeiro escalão para tratar das demandas da população negra.
Segundo Dias (2005), se faz necessário não somente as leis, mas o co-
nhecimento do povo para que este se mobilize e lute por seus ideais.
Apesar de ser fundamental pensar em que contextos surgem determinadas leis, também é
importante considerar que nesse caso o espaço das contradições está muito bem coloca-
do. Souberam os movimentos negros organizados e a academia engajada atuar estrategi-
camente para a organização e a definição de políticas públicas que dessem conta de que as
leis não fossem meras letras mortas em papel, mas que, ao contrário, ensejassem muitas
mudanças. Desde junho de 2004, estão sendo organizados fóruns estaduais coordenados
pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC).
Durante 2004, foram realizados cerca de 20 fóruns em diferentes estados. Neles, reu-
niram-se secretarias municipais, estaduais, conselhos de educação e movimento negro,
para que juntos pensassem estratégias de implementação das diretrizes. Certamente isso
influenciará as políticas que serão definidas na Conferência Nacional para a Igualdade
Racial, chamada pelo governo federal a se realizar em 2005. (DIAS, 2005, p. 59).
Certamente que compreendemos que essas políticas dependem de con-
dições físicas, materiais, intelectuais e afetivas para sua aplicação. Dependem de
maneira decisiva de uma reeducação das relações ético-raciais e do trabalho em
conjunto, de articulações entre os processos educativos escolares, políticas públi-
cas, movimentos sociais, para o combate ao racismo, e o trabalho pelo fim das
desigualdades sociais e raciais.
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos, ao longo desse estudo que, tanto os negros vindos da
África, quanto seus descendentes ao longo da história o Brasil, sempre foram
marginalizados por uma cultura eurocentrista. Quando arrancados de suas terras
e jogados nos canaviais buscaram alternativas para manter suas tradições e con-
tinuar cultuando seus deuses e crenças. Dessa maneira, surge a africanidade uma
miscigenação de culturas rica e exuberante que esta inserida intricadamente na
cultura popular brasileira.
Como resultado de tudo isso surge um novo olhar por parte da popu-
lação e dos governantes que começam a reconhecer a necessidade de um amparo
social destes que por séculos foram deixados à própria sorte. Daí surgem às leis na
busca da reparação, reconhecimento e valorização da cultura e da história dos
negros brasileiros.
Mas, a efetivação dessas leis depende de condições físicas, materiais, inte-
lectuais e afetivas para sua aplicação. Dependem de maneira decisiva de uma reedu-
cação das relações ético-raciais e do trabalho em conjunto, de articulações entre os
processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, para o com-
bate ao racismo, e o trabalho pelo fim das desigualdades sociais e raciais.
Portanto, cabe não somente aos governantes, mas como a toda a popu-
lação, por meio da educação, ensinar os princípios básicos de respeito, igualdade e
liberdade, para que todos possam ser vistos e reconhecidos como cidadãos capazes
de viver em paz e harmonia.
Concluímos, que é preciso compreender que uma sociedade é formada
por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura
e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem uma nação.
Somente quando todos tiverem este pensamento estaremos livres de ideias pre-
conceituosas e discriminatórias.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, J. B.
Africanidades e brasilidades:
Orientações Metodológicas para a implementação
da Lei 10.639/03. Jorge Bezerra Arruda. São Paulo: Editorial Diáspora, 2008.
CRUZ, M. dos S. Uma Abordagem sobre a História da Educação dos Negros. In: ROMÃO, J.
(Org.).
História da Educação do Negro e Outras Histórias
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Submetido em: 25/10/2018
Aprovado em: 06/01/2019
BESSA, C. S.; ROCHA, A. S.
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.4, n.2, p. 33-44, Jul./Dez., 2018