A afetividade e ludicidade nos estudos étnico-raciais
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.4, n.2, p. 9-18, Jul./Dez., 2018
A AFETIVIDADE E LUDICIDADE NOS ESTUDOS ÉTNICO-RACIAIS NAS
ESCOLAS MUNICIPAIS DE BEBERIBE-CE: UMA DESCONSTRUÇÃO DO
PRECONCEITO RACIAL.
B
EBERIBE
-CE
MUNICIPAL SCHOOLS
:
A DECONSTRUCTION OF RACIAL
PRECONCEPTION
.
Rayssa da Silva Moura
1
Flávio Melo de Souza
2
Alexandre dos Santos Rocha
3
R
ESUMO
:
Este artigo tem como objetivo discutir o preconceito étnico-racial por meio da afetividade
e ludicidade no contexto educativo do teatro. Ao participarem da encenação das peças teatrais, os
alunos ficam motivados a aprender, o que lhes permitem construir seus próprios conhecimentos, e,
ao mesmo tempo, se identificarem com a história e cultura da população negra. As escolas municipais
incentivadas pelo Projeto Beberibe Multicor desenvolvem o teatro como uma ferramenta educativa,
que tem contribuído com a autoafirmação das identidades dos sujeitos e melhoria da autoestima,
e, por conseguinte, da aprendizagem. Acredita-se que seja possível desconstruir por meio da
afetividade e ludicidade as práticas racistas e preconceituosas nas escolas. Por fim, é necessário que
tomemos consciência dessa triste realidade que ainda vivenciam os negros e afro-brasileiros nessa
sociedade que exclui pela diferença.
P
ALAVRAS
-C
HAVE
: Afetividade. Ludicidade. Escola. Aprendizagem. Identidades.
A
BSTRACT
:
This article aims to discuss ethnic-racial prejudice through affectivity and playfulness in
the educational context of theater. By participating in the staging of plays, students are motivated
to learn, which allows them to build their own knowledge, and at the same time to identify with
the history and culture of the black population. The municipal schools encouraged by the
Beberibe Multicor Project develop theater as an educational tool, which has contributed to the
self-affirmation of the subjectsidentities and improved self-esteem, and therefore of learning. It is
believed that it is possible to deconstruct, through affectivity and playfulness, racist and prejudiced
practices in schools. Finally, it is necessary that we become aware of this sad reality that blacks and
Afro-Brazilians still experience in this society that excludes by difference.
K
EY
W
ORDS
: Affectivity. Ludicidade. School. Learning. Identities.
1
Discente do Curso de Pedagogia do Instituto Educacional Cearense (IEC) e do curso de Licenciatura em
Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Auxiliar pedagógica da Creche Municipal Maria Zéa de
Queiroz Ferreira. E-mail: rayssamoura2@gmail.com
2
Discente dos Cursos de Pedagogia do Instituto Educacional Cearense (IEC) e do curso de Licenciatura em
Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: flaviomelo90000@gmail.com
3
Historiador (UVA), Pedagogo (FAK), Cientista Humano (UNILAB), especialista em Museologia e
Psicopedagogia (FVJ), mestrando em Educação e Ensino (UECE/FAFIDAM/FECLESC) e bacharelando em
Antropologia (UNILAB). Docente do Instituto Educacional Cearense (IEC). E-mail: alesantos58@hotmail.com
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2018.v4.n2.02.p9
MOURA, R. S.; SOUZA, F. M.; ROCHA, A. S.
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I
NTRODUÇÃO
Este artigo busca discutir as inquietações acerca de nossa leitura e vi-
vência nos movimentos sociais, em especial no Projeto Beberibe Multicor: por
uma Infância sem Racismo
4
no ano de 2016 no município de Beberibe-CE. A
partir das leituras sobre afetividade e ludicidade nas relações étnico-raciais nas
escolas locais, em especial na Escola Municipal JoRoldão de Oliveira de Ensino
Fundamental, na comunidade de Caetano em razão de sua formação étnico-cul-
tural (COLAÇO, 2016; ROCHA, 2008).
Brincadeiras entre crianças são comuns durante a fase escolar. Agre- dir
verbalmente, falar mal dos colegas, colocar apelidos, principalmente ofensi-
vos
quando relacionados a cor da pele, num tom de inferiorização do outro, se,
constitui, práticas corriqueiras em seus convívios. Segundo Quijano (2005, p.
02), “a raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da
população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova so-
ciedade”, e a população mundial carrega até hoje essa classificação que demarca o
espaço que ocupa as raças designadas como inferiores e as raças designadas como
superiores.
A escola nessa relação contribui para o acirramento do preconceito ét-
nico-racial, em virtude de sua omissão e perpetuação dos valores eurocêntricos
que ainda servem como marca de uma aprendizagem opressora e não acolhedora,
no entanto, essas atitudes que mais reforçam a discriminação e que causam re-
pulsas aos que militam a favor da desconstrução do mito da democracia racial no
Brasil é que reivindica uma educação que respeite a diversidade e que não use a
diferença como critério de exclusão.
As inquietações vividas por nós durante essa pesquisa foram intensas
e refletem neste sentido, a finalidade de contribuir com um estudo que tenha
ao mesmo tempo as nossas impressões pessoais e profissionais nesse ambiente
escolar. Apresentar as influências positivas acerca da utilização da afetividade e lu-
dicidade usadas pelos professores em suas atividades pedagógicas a fim de educar
para desconstruir o preconceito étnico-racial no espaço marcado visivelmente por
práticas opressoras.
E
SCOLA
:
REFLEXO DA IDEOLOGIA OPRESSORA
A escola é uma instituição criada pela sociedade moderna burguesa que
tem como fim disseminar a ideologia do grupo dominante por meio dos conhe-
cimentos sistematizados em disciplinas, que refletem o caráter classista do ensino.
Os valores, crenças e costumes que se disseminam pela educação escolar são con-
4
Projeto idealizado pela Prof.a Esp. Lucelena Honorato que conta com apoio da Prefeitura Municipal
de Beberibe e financiado pela Fundação Itaú. É voltado à proteção e respeito dos direitos da criança e do
adolescente, incluindo assim questões como identidade e raça.
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cebidos como homogêneos como maneira de aceitação e pertença impositiva a
um determinado tipo de grupo. Segundo Munanga (2005, p. 43),
Desde a Grécia Antiga tinha-se um pensamento corrente que indicava desigualdade en-
tre os indivíduos, ou seja, todos que o pertencessem à sua raça (natural) eram classifi-
cados como bárbaros, inferiores, portanto poderiam ser dominados e escravizados. Esta
era uma justificativa para a dominação intelectual e o gozo dos privilégios.
O preconceito vem desde tempos remotos, assim como no exposto aci-
ma. É notório que o estranho é passível de inferioridade por não pertencer ao
modo de vida do outro. Esse outro é o civilizado ocidental que impõe por meio
da força física e simbólica a sua dominação cultural. O estranho nessa questão é
perseguido para ser desumanizado, tornando mais fácil o processo de opressão
entre ambos. Condição que o subalterniza na ótica da submissão.
Por volta do século XIX, as grandes potências europeias iniciaram o
processo de expansão e conquista territorial denominada pelos historiadores por
neocolonialismo, fundamentada na justificativa ideológica das missões civiliza-
doras que intentavam a disseminação do progresso técnico-científico no mundo.
Essas ações foram voltadas para a África e a Ásia. Segundo Munanga (2005), além
do discurso civilizatório expansionista, encontrava-se, entre linhas, o discurso ét-
nico opressor determinista que pregava.
Uma parte dos homens nasceu forte e resistente, destinado expressamente pela natureza
para o trabalho duro e forçado. A outra parte, (os senhores), nasceu fisicamente débil;
contudo possuidora de dotes artísticos, capacitada, assim para fazer grandes progressos
nas ciências filosóficas e outras (MUNANGA, 2005, p. 43).
O mesmo havia se dado nas Américas por volta do século XVI. As
populações americanas foram submetidas ao processo de escravismo de início das
populações chamadas de indígenas e com o tempo foi substituído pelo trabalho
escravizado do africano.
Durante os séculos XIX e XX, difundiu-se no Brasil os estudos de
Spencer a qual via a evolução como um princípio universal, sempre operante.
Consequentemente o referido aplica sobre as relações humanas e o meio social,
conceitos básicos da teoria Darwinista, originando o darwinismo social. Teorias
como a supremacia branca e a ideologia do branqueamento deram o suporte às
iniciativas de eliminação da cultura negra. No Brasil, historicamente, é possível
afirmarmos que o negro sempre foi posto na subalternidade, símbolo de inferio-
ridade, elemento a ser descartado.
A sociedade brasileira se constituiu sobre um preconceito baseado ex-
clusivamente pela cor, aspecto que contribui no silêncio impositivo que o sistema
opressor dissemina na estrutura de classes que dominam o cenário político do
país. Para Cavalleiro (2003, p. 21), “o ambiente escolar é um espaço impregnado
MOURA, R. S.; SOUZA, F. M.; ROCHA, A. S.
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de um racismo silencioso, fundamentado na cristalização das imagens negativas,
presentes no imaginário social.”
No espaço escolar, o discurso racista, o preconceito e a discriminação
arraigados na nossa cultura o velados. É evidente a manifestação do enraiza-
mento de forma implícita, sendo este dificilmente apresentado de forma direta,
através da rebeldia ou a defesa radical da ideia de “submissão natural dos negros”.
Pesquisas mostraram que escolas com foco na Educação Infantil vivenciam um
processo de discriminação em sua rotina cotidiana.
Para Cavalleiro (1998, p. 62),
O entendimento da problemática étnica no cotidiano da educação infantil é condição
sine qua non para se pensar um projeto novo de educação que possibilite o desenvolvi-
mento e a inserção social dos futuros cidadãos da nação brasileira, desenvolvendo neles
um pensamento menos comprometido com a visão dicotômica de inferioridade/supe-
rioridade dos grupos étnicos. A possibilidade de as crianças receberem uma educação de
fato igualitária, desde os primeiros anos escolares, representa um dever dos profissionais
da escola, pois as crianças dessa faixa etária ainda são desprovidas de autonomia para
aceitar ou negar o aprendizado proporcionado pelo professor. E tornam-se timas in-
defesas dos preconceitos e estereótipos transmitidos pelos mediadores sociais, dentre os
quais o professor.
Diante de tudo a escola deve possibilitar um ensino igualitário às crianças
em razão dessas não possuírem autonomia para aceitar ou negar o aprendizado.
Dessa forma, cabe ao professor não cultivar e disseminar práticas racistas na Educa-
ção Infantil. Pois os recursos que são disponíveis ao ensino como os que compõem
as atividades lúdicas das crianças são da cultura eurocêntrica, maneira de afirmar o
preconceito e de negar o legado afrodescendente desses sujeitos. O livro didático
é um exemplo a ser citado porque ajuda a passar um conhecimento legítimo por
meios de heróis, mocinhos, príncipes, princesas... Imagens brancas que ilustram e
cristalizam os materiais pedagógicos do ensino (GOUVEIA, 2005).
Quando o negro aparece nos livros didáticos sua imagem é distorcida.
É
apresentado como velho, preguiçoso, doméstico, não criativo, não humano...
Educar dessa maneira reflete negativamente no educando, que acabará sedimen-
tando as influências negativas em seu processo socializador com o meio. Isso re-
fletirá em suas atitudes e valores que poderão ser preconceituosos na medida em
que tiver sido incorporado através da linguagem verbal e não verbal. Todavia, a
criança negra absolverá esse discurso dominador e por não ter ainda uma com-
preensão do real, toma isso como uma verdade e passa a se sentir inferiorizada,
desvalorizada e marginalizada (GOUVEIA, 2005).
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R
ACISMO E SUAS FACES NA ESCOLA
Com base no que foi apresentado no tópico anterior, “escola: reflexo
da ideologia opressora”, é notório o processo de exclusão que a população ne-
gra vivência e como é naturalizado o véu do disfarce caracterizado pelo mito
da democracia racial. A supervalorização midiática da pele branca por meio das
propagandas ocasiona a internalização de valores racistas que ajudam no aumento
da discriminação. Desse modo, faz-se necessário conhecer os mecanismos que
afirmam o racismo não institucional.
Preconceito e discriminação racial são questões que professores e edu-
cadores vivenciam cotidianamente em suas práticas pedagógicas, quando não par-
tem deles tais atitudes no contexto escolar. Para mudar essa realidade é necessário
primeiro preparar os docentes para identificar, discutir, elaborar estratégias de
enfrentamento, de combate e eliminação de todas as formas de manifestação do
racismo e seus derivados dentro da escola.
Desse modo, compreende-se como racismo uma prática que viabiliza a
ideia de segregação que parte de atribuições fenotípicas, características físicas que
servem para afirmar o preconceito. De certo modo, o racismo apresenta a ideia
preconceituosa da raça branca que influência ideologicamente a inferiorização da
raça negra.
Nesse ponto o racismo é um fenômeno ideológico, ele se fortifica atra-
vés dos preconceitos, discriminações e estereótipos. Para Munanga (2005, p. 43),
“esse fenômeno por ter sido fortemente difundido no passado, arraigado em di-
versas culturas e reproduzido de geração em geração, permanece povoando o ima-
ginário popular.”
No Brasil o racismo é tratado como algo “aceito” “aberto” “decidido”.
No entanto, é visível onde os negros estão residindo, a exemplo das favelas, das
periferias, dos presídios, dos prostíbulos e nos postos de trabalhos braçais, fora das
instituições, dos bancos escolares básicos e superiores. Os negros estão à margem
da sociedade e são vistos como bandidos porque uma criminalização do ser
negro na cultura brasileira. Essa ideologia expressa de variadas formas, das mais
sutis às mais perversas a ótica da colonialidade do poder.
O preconceito pode ser definido como um conjunto de crenças e va-
lores aprendidos, que levam um indivíduo ou grupo a nutrir opiniões a favor ou
contra os membros de determinados grupos, antes de uma efetiva experiência
com estes (CASHMORE, 2000). Essa definição leva também para o campo da
alteridade, ou seja, como o outro se perante si. Pois o reflexo que temos de si é
dado pela diferença no outro.
O preconceito se evidencia atitudes deliberadas que desvalorizam o ou-
tro indivíduo em sua singularidade, ação que extrapola o campo do conhecimento
apenas ideológico por transmitir de forma intencionada a prática humana do
MOURA, R. S.; SOUZA, F. M.; ROCHA, A. S.
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preconceito que primeiro se sedimentou em nós para depois se constituir nas
instituições sociais de nosso país. Para Munanga, (2005, p. 188), “[...] o precon-
ceito racial é a ideia preconcebida suspeita de intolerância e aversão de uma raça
em relação à outra, sem razão objetiva ou efetiva, que transformada em atitudes se
constitui em um grande entrave para o desenvolvimento da humanidade.”
Na sociedade brasileira, o preconceito racial está consolidado na tese de
que o negro é inferior na escala humana, operante em três dimensões: moral: ladrão,
vilão, bandido, traficante; o intelectual: o analfabeto, o cotista, e a estética: o sujo,
o cabelo ruim, borrão. “Para o mesmo, esse preconceito é reforçado através de
atribuições negativas, piadas e brincadeiras [...] Reside no âmbito da subjetividade,
aprendido junto com outras pessoas, no convívio social.” (CARMO, 2006, p. 01).
[...] para o negro, a intervenção no cabelo e no corpo é mais do que uma questão de
vaidade ou de tratamento estético, é identitária..., essa identidade é construída historica-
mente em meio a uma serie de mediações que diferem de cultura para cultura. Em nossos
pais, o cabelo e a cor da pele são as mais significativas. Ambos são largamente usados no
nosso critério de classificação racial para apontar quem é negro e quem é branco em nossa
sociedade assim como as varia gradações de negrura por meio das quais a popu- lação
brasileira se auto classifica nos censos demográficos. (ALMEIDA apud GOMES,
2002,
p. 30).
Quando o legado cultural se trata do negro é rechaçado perante os
grupos opositores que encabeçam bandeiras contra a produção do saber negro,
levado a cabo pelas escolas que mais impedem do que ajudam na contribuição
efetiva do fim da subalternidade desses sujeitos. A escola ainda vem reproduzindo
e depositando de maneira tão natural que se torna rotineiro e imperceptível o
preconceito racial que é sentido tanto fisicamente quanto por meio das disciplinas
ensinadas aos alunos.
INICIATIVAS AFETIVO-DICAS COMO MEIO DE DESCONTRUIR O PRECONCEITO RACIAL
NA ESCOLA
Um negro parado é suspeito; correndo é culpado.
A situação está preta!
Preto de alma branca
Tinha que ser preto;
É negro, mas é inteligente.
É negra, mas é bonita.
Cabelo duro; cabelo ruim.
Palavras, frases, ditos populares são usados cotidianamente como meio
de expressar o ponto de vista do dominante. Essas expressões marcam simboli-
camente no imaginário popular os conteúdos racistas nas práticas e convivên-
cias cotidianas das relações étnico raciais. Esses conteúdos são reproduzidos e
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reforçados no inconsciente coletivo do país e de tanto ser reforçado se torna um
elemento presente na educação, naturaliza-se a prática do racismo. Um dos meios
de combate desse racismo à brasileira
5
é por meio da afetividade e ludicidade nas
atividades pedagógicas infantis que ajudam a desconstruí-lo nas escolas.
A afetividade é hoje considerada por diversos estudiosos (CÔTÉ, 2002;
DIAS, 2003; ESPINOSA, 2002; MOLL, 1999), como fundamental na relação
educativa por criar um clima propício à construção dos conhecimentos pelas pes-
soas em formação. Pois, esses sujeitos em desenvolvimento então aptos a interagi-
rem com o meio, tornando-se cidadãos éticos que respeite as diferenças. Segundo
Chagas (1998, p. 19):
Para a população negra que sofre as consequências, em especial as crianças, prejuízo no seu
processo de socialização e formação da sua identidade pessoal e social é grande. O recalque
produzido é profundo, levando-as a interiorizar uma imagem negativa de si e de seu grupo,
passando a negar sua etnia, procurando assemelhar-se fisicamente com os de cor branca.
É evidente que na instituição escolar, por conta do estigma criado pelo
racismo, a criança afrodescendente na convivência com os colegas e professo- res,
constantemente é atingida por palavras, olhares, piadas e expressões que a
estigmatizam, podendo a mesma perceber que aquele lugar não é para ela. É
necessário desconstruir essa ideia com práticas que visem à valorização de todos
os aspectos culturais dos negros na cultura brasileira.
Um exemplo disso foi visto numa vivência em sala de aula na Escola
M. José Roldão de Oliveira de Ensino Fundamental na comunidade de Caetano
no
município de Beberibe-CE. Trecho extraído do depoimento de uma aluna:
“eu
sofri preconceito na escola, mas graças ao Multicor, me ajudou a superar esse
preconceito que vivei. Minha mãe gosta da minha cor e do meu cabelo e sempre
faz ‘pitozinho’ nele, eu sou nega com maior orgulho” (Relato da aluna, 2016).
Esse desabafo da aluna nos permite pensar que a falta de uma educação
antirracista na escola é fruto ainda de uma prática que está alicerçada no pen-
samento colonial dominador. O silêncio dos sujeitos envolvidos nessa prática
afirma o quase apagamento diante dos conflitos étnicos que esse tipo de educação
eurocêntrica dissemina na formação dos sujeitos. A naturalização das práticas ra-
cistas no cotidiano afeta a autoestima dos discentes afro-brasileiros, influenciando
no abandono a escola. Um meio de reverter isso é estimular a afetividade e ludi-
cidade nas práticas pedagógicas dos professores a fim de estimular nas crianças o
prazer de aprender e vivenciar o diferente sem criar um falso juízo de valor sobre
o que se experimenta.
O legado negro encontra-se na linguagem, na expressão, e principal-
mente em suas características morfológicas, pois são as marcas da ancestralidade,
5
Expressão usada por Henrique Cunha Júnior e Frank Ribard.
MOURA, R. S.; SOUZA, F. M.; ROCHA, A. S.
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o ser afrodescendente é parte de suas raízes étnico-raciais. A visão de si, e a visão
do outro para si, evidencia-se com grande importância, à medida que o mesmo
ainda se pertencente a uma cultura de padrões eurocêntricos. Conforme o lo-
cal, cujo se emprega essa pedagogia da cor e do corpo, signos podem ser descons-
truídos ou intensificados, modelos podem ser mantidos ou substituídos, padrões
de cor impostos ou desagregados, assim como as inter-relações podem se apoiar
de maneira desigual ou democrática (GOMES, 2002).
Nesse sentido, as escolas podem oferecer experiências significativas aos
alunos. A escola tenta dá conta dos mais diversos campos da vida do sujeito, a
exemplo do emocional, social e cognitivo. Um caminho para isso, que pode ser o
de se trabalhar com os sentidos através da arte, usando a afetividade com a prática
da ludicidade nas atividades que envolvam o desenvolvimento do ser humano
pela interação com seus pares.
A
RTE
,
AFETIVIDADE E LUDICIDADE
:
MEIOS DE COMBATE AO RACISMO
A arte é uma das ferramentas que se pode usar para despertar a ludi-
cidade, função que se revela, então, organizadora ou sistematizadora do sentido
social do indivíduo, solução e/ou vazão à tensão angustiante. “A arte, deste modo,
surge inicialmente como o mais forte instrumento na luta pela existência [...]”
(VYGOTSKY, 2001, p. 310).
Dentre as mais variadas modalidades de arte, o teatro é particularmente
mais interessante e provocador, pois possibilita uma interação entre os sujeitos, ge-
rando internalização da cultura, uso de palavras e expressões afetivas. O movimento
nico das atividades teatrais pode ser de grande valia no desenvolvimento da criança
em razão dela poder experimentar as várias personas, momentos, dramas e épocas...
Segundo Vygotsky (1932), o ator não precisa experimentar determina-
das situações para poder sentir uma emoção e reproduzi-la no teatro. Pois as emo-
ções estão sendo construídas socialmente por meio da vivência de várias personas
que atuam no palco. Sendo que o indivíduo passa a compreender o significado
das suas emoções e quando as sentem passa a perceber e construir seus próprios
esquemas de comportamento de acordo com as situações e experiências vividas
através dos personagens que representam na atuação nica.
O teatro é uma ferramenta de combate ao preconceito e racismo de
forma lúdica. Crianças e adolescentes vivenciam por meio da atuação cênica mo-
mentos de aprendizagem e desenvolvimento pessoal através da linguagem teatral
que permite ao sujeito uma autorreflexão em relação ao meio que vive.
Representar um personagem é também se colocar no lugar do outro,
é criar possibilidades de trabalhar e compreender a diversidade, as diferenças, as
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semelhanças, o ser o vir a ser; é poder perceber a si e ao outro como sujeitos no
mundo, como agentes de transformação da sociedade (COURTNEY, 1990).
Assim, crianças e adolescentes irão interagir e cooperar para a superação
das práticas preconceituosas e racistas não na escola, mas em toda a sociedade.
Compreendendo seus próprios pensamentos e se colocando no lugar do outro,
vivendo a alteridade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como afirma Nelson Mandela, uma pessoa não nasce com ideias racis-
ta ou sentimentos de superioridade ou inferioridade. Elas aprendem.” Nesse caso
a educação escolar tem um papel fundamental tanto na desconstrução quanto na
afirmação racista, pois as raízes do racismo na sociedade brasileira atingiram solos
profundos, enraizou-se, espalhando-se pela estrutura social por séculos, deixando
uma enorme dívida social e cultural com a população negra.
Acredita-se que é possível desconstruir práticas racistas por meio da
afetividade e ludicidade que o teatro possibilita por meio da vivência de vários
personagens numa encenação teatral, principalmente na Educação Infantil em
razão do próprio Projeto Político Pedagógico contemplar atividades desse tipo. É
necessário que tomemos consciência dessa triste realidade que se encontra ainda
os negros e afro-brasileiros nessa sociedade que exclui pela diferença.
Desse modo, o trabalho do professor é de inserir uma educação antirra-
cista nas escolas, principalmente na Educação Infantil, pois é onde a criança inicia
o seu processo de construção de identidade. É necessário que a mesma conheça à
diversidade étnico-racial que compõe a cultura brasileira.
Assim, fazer do teatro um assunto obrigatório na disciplina de Artes na
escola é uma contribuição importante no enfrentamento das práticas racistas na
educação básica, pois a arte é um elemento primordial na vida dos indivíduos e
por meio dela os sujeitos podem viver rios personagens e como eles se sentem
perante os outros. Por fim, ajuda na construção de uma sociedade cidadã que
combata o racismo e qualquer forma de discriminação velada pela diferença.
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VYGOTSKY, L. S.
Psicologia da arte
. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Submetido em: 25/11/2018
Aprovado em: 06/01/2019