Formação de professores e homossexualdade
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HOMOSSEXUALDADE: ASPECTOS DO E
PARA O TRABALHO NA ESCOLA
TEACHER TRAINING AND HOMOSEXUALITY: ASPECTS OF AND FOR SCHOOL
WORK
Danilo Nobre SANTOS
RESUMO: O presente estudo tem por finalidade apresentar resultados de revisão bibliográfica de
alises desenvolvidas sobre aspectos do trabalho da Escola com os alunos quem uma orientação
sexual distinta da heterossexualidade, isto é, alunos que se identificam com a homossexualidade.
Uma vez que o quê se constata é um verdadeiro despreparo da parte dos professores e, muitas vezes,
mesmo a ptica da homofobia, carregada de silêncio, julgamentos, acusações e distanciamento por
parte dos estudantes. Desse modo, este artigo assenta-se numa possível prática de formação para
professores, bem como, pistas de ação e estratégias para um trabalho que privilegie o respeito e a
acolhida, mediante um processo de sensibilização.
PALAVRAS-CHAVE
: Educação; Formação de professores; Escola; Homossexualidade; Preconceito.
ABSTRACT: The present study aims to present results of the bibliographic review of analyzes
developed on aspects of the School’s work with students who have a sexual orientation distinct from
heterosexuality, that is, students who identify with homosexuality. Since what is found is a real lack
of preparation on the part of teachers and, often, even the practice of homophobia, full of silence,
judgments, accusations and detachment on the part of students. In this way, this article is based
on a possible training practice for teachers, as well as courses of action and strategies for work that
privileges respect and acceptance, through an awareness process.
KEYWORDS: Education; Teacher training; School; Homosexuality; Preconception.
INTRODUÇÃO
Ao trabalharmos com a questão da presença da Homofobia na Escola,
cientes do crescente interesse pelo tema das questões de gênero e também devido
a certas polêmicas que naturalmente ocorrem, o que se pergunta inicialmente é
como a escola trabalha com alunos que têm uma orientação sexual distinta da
heterossexualidade.
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2020.v6.n2.09.p127
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O que se verifica é um silenciamento de modo geral, despreparo,
insegurança e dissimulação por parte de professores e equipes gestoras, acarretando
todo quanto é tipo de sintomas em quem sofre desta modalidade discriminatória,
opressiva e preconceituosa.
Uma vez que a homossexualidade o é mais vista, de modo geral, pelo
senso comum, como crime, doença, anormalidade ou desvio, mediante estudos
da Medicina e da Psicologia, o que nos parece, devido a um grande despreparo,
não pela novidade do tema, é que a escola continua se eximindo de abordar este
assunto, posto que ainda ocorrem muitos embates ideológicos, marcados por
convicções políticas, religiosas, culturais e tantas outras, que acabam justificando
a intolerância.
Ainda se identifica piadas de mal gosto, chacotas, comentários maldosos,
quando não, ações de violência, marginalização e exclusão contra aqueles que
correm o risco de se mostrarem simplesmente diferentes do comum, considerados
“normais”, corretos e adequados, dentro da lei, segundo o poder patriarcal e a
família burguesa tradicional.
Desse modo, o que nos interpela e questiona diante do exposto é
como trabalhar diferente na escola esse assunto sem incorrer em estereótipos ou
banalizações? Como recuperar a autoestima dessas pessoas que não são tratados
com igualdade? Como recuperar o sujeito histórico destas pessoas? Como nos
mantermos abertos e sensíveis para acolhê-los e ouvi-los? Será que existem e
ou podem existir possíveis novas abordagens para acompanhar e enfrentar tal
situação com naturalidade?
A HOMOFOBIA NO AMBIENTE ESCOLAR
Para observar como a homossexualidade é percebida, a UNESCO, em
2004, publicou uma pesquisa realizada em 14 capitais brasileiras e constatou que
27% dos alunos não gostariam de ter um colega de classe homossexual; 60%
dos professores não sabem abordar o tema em sala de aula e 35% dos pais não
apoiam que seus filhos estudem no mesmo local que gays e lésbicas. (GUIA PARA
EDUCADORES (AS), 2006, p. 8).
Assim, o que a pesquisa revela é um grande tabu. Ao se tratar do assunto, as
reações sempre são de surpresa, horror, medo, vergonha, etc. Na verdade, ou a
Homossexualidade na escola ainda é vista como desvio, anormalidade, aberração
e fora dos padrões ou é silenciada; percebida, mas ignorada para se evitar
comprometimentos e consequentemente, cobranças de quem legitima e apoia
os atos de discriminação. Certo é que o tema incomoda muito, desacomoda,
questiona, mas é certo também que com certeza, incomoda muito mais o (a)
homossexual que sofre a reprodução dos atos de violência.
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Agora, qual o papel do professor, diante dessa cruel realidade?
O papel dos professores não é o de incluir? Fala-se tanto de inclusão:
portadores de necessidades especiais, cultura afro, alfabetizão de adultos e sobre
as manifestações de sexualidade a escola silencia. Ao invés de incluir, muitas vezes a
escola também pratica a homofobia ou simplesmente se desobriga de tratar do
assunto.
É importante notar, no entanto que, embora presente em todos os dispositivos
da escolarização, a preocupação com a sexualidade geralmente não é apresentada de
forma aberta. Indignados/as sobre a questão, é possível que dirigentes ou
professores/as façam afirmões do tipo: Em nossa escola nós não precisamos
nos preocupar com isso, nós não temos nenhum problema nesta área”. Ou
então, “Nós cremos que cabe à família tratar desses assuntos”. De algum modo,
parece que se deixarem de tratar dessesproblemas” a sexualidade ficará fora da
escola. É indispensável que reconhamos que a escola não apenas reproduz ou
reflete as concepções de gênero e sexualidade que circulam na sociedade, mas
que ela própria as produz. (LOURO, 1997, p. 80-81).
A quem não se identifica com a heterossexualidade, considerada
a orientação “normal”, aplica-se uma lição de silenciamento e dissimulação,
obrigando seus sujeitos a se esconderem e conviverem com as piadas, comenrios
maldosos ou até mesmo sofrerem transferências de escola por não se adequarem
ao colégio.
A escola restringe sexualidade à Ciências, Biologia ou Educão Física,
associando-a a doenças, gravidez e totalmente centrado na heterossexualidade.
Assim, nega-se outras formas de orientação sexual. De modo que a auncia de
uma educação para a diversidade, para o respeito com o diferente. Inexiste uma
preocupação em se educar o sujeito para o respeito para com as formas como
cada pessoa orienta seu desejo afetivo sexual. Inevitavelmente, o que se constata é
a reprodução de pessoas infelizes, marcadas pelo sentimento de culpa por não se
enquadrarem nos padrões de normalidade.
Segundo WELZER (2001), como grupo dominado, os homossexuais coloca-
ram em evidência as condições de opressão: repressão em numerosos países,
direitos distintos de outros homens dando a impressão de serem considerados
como cidaos de segunda ordem, agressões no espaço público, invisibilidade
nos livros escolares contribuindo ao isolamento. (REVISTA DE ESTUDOS
FEMINISTAS, Semestre, p. 406, 2001).
Diante de uma sociedade marcada por um padrão pré-estabelecido
por brancos, homens masculinos, heterossexuais e cristãos, parece que a Escola
simplesmente reproduz estes mesmos padrões, transformando aqueles que o se
identificam com eles em sujeitos indesejáveis, pecadores, exóticos e, por esta razão,
passíveis de serem agredidos, humilhados, expostos, desprezados e castigados.
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A isso chamamos de homofobia. Ela ocorre tanto nas escolas públicas
como nas escolas particulares, fazendo com que a homossexualidade, na maioria
das vezes, seja tratada como anomalia, aberração, pecado, doença... Enfim, algo
a ser repelido, extirpado, combatido, para se garantir a ordem, a paz, os bons
costumes, etc.
Medo, desprezo e intolerância... esseso apenas alguns dos sentimentos de
repulsa demonstrados contra homens e mulheres homossexuais. A homofobia
ódio ou aversão à homossexualidade é uma prática disseminada não apenas
entre skinheads, ou grupos extremistas, mas também entre adolescente, jovens,
adultos e idosos que, por motivos culturais, sociais ou de conduta individual,
discriminam pessoas de acordo com a orientação sexual. (GUIA PARA EDU-
CADORES (AS), 2006, p. 19).
O silenciamento e a dissimulação parecem ser as palavras de ordem
quando a homossexualidade é o assunto em pauta. Tudo resultado de uma falta
de sensibilidade e abertura para o outro, para o diferente, que tem sua história
negada. O homossexual é condenado a não falar sobre a sua orientação para não
sofrer retaliações, enquanto a Escola tamm não se atreve a tocar no assunto para
não se comprometer.
Tudo fica escondido feito um segredo, como se por acaso, fosse tocado
no assunto, falado, discutido, poderia ser altamente contagioso. Assim, o não
falar a ausência da fala surge como a garantia da norma vigente. De modo
que os afetados por tal problema” sejam considerados desviantes indesejados ou
ridículos, fora do padrão (LOURO, 1997, p. 67-68).
Acontece que a mesma escola que exclui, reproduzindo a homofobia,
é a que, contraditoriamente, se alicerça em leis e normas que rejeitam a exclusão,
o desrespeito, a repressão, etc. Ouvimos sempre dizer que no Brasil não
preconceitos, que a nação é acolhedora e pacífica. Ao compararmos o Brasil com
outras nações, especificamente no que se refere à questão dos direitos civis de
pessoas com orientação homossexual, constatamos que isso não é bem verdade.
Em países como a Noruega e a Suécia, por exemplo, um homossexual tem
resguardado o direito de exercer a sua cidadania igualmente a um heterossexual.
No Brasil, parece que isso ainda não é tão bem aceito.
O QUE DIZEM ALGUMAS LEIS BRASILEIRAS?
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988)
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Art. 5 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
dade, à
segurança e a propriedade. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude da lei”. (Parágrafo 2º).
III Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou de-
gradante.
X São invioláveis a intimidade, a vida privada e a honra dos cidadãos. A
LDB, lei máxima da Educão Brasileira, reafirma o Artigo da Constituição,
observando o respeito ao pluralismo, à tolerância e a liberdade [...]
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO (1996):
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I Igual-
dade de condições para o acesso à permanência na escola; II Pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas; III Respeito à liberdade e apreço à to-
lerância”.
no Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (1990), em seus
artigos 15 e 16, observamos o direito à liberdade, o respeito e a dignidade, porém,
num ambiente onde não exista discriminação:
Art. 15 “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à digni-
dade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos
de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”.
Art. 16 “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I
ir, vir, e estar nos logradouros blicos e espaços comunitários ressalvadas
as restrições legais;
II
opinião e expressão;
III
crença e culto religioso;
IV
brincar, praticar esportes e divertir-se;
V
participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI participar da vida política, na forma da lei;
VII buscar refúgio, auxílio e orientação.
Segundo Freire (1996, p. 60),
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Faz parte, igualmente do pensar certo, a rejeição mais decidida a qualquer
forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero
ofende a substantividade do ser humano e nega a democracia. O que quer dizer
o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei o quê, mas
se assuma como transgressor da natureza humana. Qualquer discriminação
é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos
condicionamentos. (FREIRE, 1996, p. 60).
Nesse sentido, assim como nosso fisofo e pedagogo brasileiro, Paulo
Freire, acerca da discriminação e quaisquer práticas preconceituosas, quando
estamos lidando com questões humanas, o dinamismo social é o princípio
primeiro. Ou seja, há, naturalmente, conflito e muitas vezes, até mesmo choque
de opiniões, sendo necessária a mudança de conceitos e mentalidades.
HOMOFOBIA, CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
A Homofobia, infelizmente, é uma construção histórica cultural.
Trata-se de uma questão histórica, uma vez que a própria história reproduz a
homofobia com a ciência e suas leis, por exemplo. A escola o cria a homofobia
exclusivamente, mas se localiza justamente no ambiente onde ela é reproduzida.
Instituições como a Escola, Justiça, Imprensa e Igreja reforçaram e justificaram a
homofobia.
Uma vez que ela é fruto de um longo processo que se deu no decorrer de
cadas e culos, como certo processo natural de humanizão, em que choques
de valores levam a certos tipos de intolerância, vemos que ela passou a povoar
imaginários negativos. Assim, a discriminação foi sendo considerada normal e
quem praticava o chamado “homossexualismo” tinha dois destinos: hospital ou
prisão, como forma de medicar, tratar, curar, vigiar e/ou punir, etc.
Depois do cleo familiar, é na escola que aprendemos a nos relacionar, respei-
tar limites, utilizar espaços, identificar igualdades e desigualdades. É na escola
que começamos a perceber o que é uma sociedade e como ela se organiza.
Dela também faz parte ensinar regras e normas sociais, e promover o bem-estar
entre todos. Os adolescentes homossexuais são, muitas vezes, colocados em
evincia pelos colegas, tornando-se alvo de crueldades verbais e, muitas vezes,
físicas. Professores se omitem por estarem enraizados nos seus preconceitos ou
por acharem que não compete a eles qualquer atitude. (PICAZIO, 1998, p.
120-121).
Destarte, até que ponto a escola pode desconstruir um imaginário
negativo produzido ao longo dos séculos? O desafio é resolver a contradição:
Continuar reproduzindo a homofobia historicamente, por meio do silêncio e
da dissimulação ou formar professores com profundo respeito às diferentes
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orientações afetivo-sexuais, favorecendo assim, uma séria reflexão acerca dos
próprios preconceitos?
Todo mundo sabe o desconforto que é para o aluno de número 24 da
chamada na escola. Não o termo Homossexual na Bíblia, mas é interessante
notar as deturpações que se fazem de acordo com interesses hegemônicos. A escola
deveria ser um ambiente de valores humanos, respeito, igualdade, solidariedade
e democracia como pilares fundamentais. De modo que a exploração e qualquer
tipo de discriminão e preconceito devem ser combatidos com rigor. A formão
de uma consciência humanizada e humanizadora é que deve ser o norte de
qualquer ação transformadora.
PISTAS DE ÃO PARA A DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO
Nas Diretrizes Curriculares de História, por exemplo, encontramos
contemplada uma legítima e necessária preocupação no sentido de, retirar do
foco de pesquisa histórica tudo que possa ser entendido como definitivo, dado,
eterno, evitando a qualquer custo o dogmatismo, possibilitando ouvir o outro
lado da história, a história dos oprimidos.
Dessa maneira, identificamos hoje um grande avanço para a superação
de verdades eternamente estabelecidas, que simplesmente negam a voz de quem
vive, ama, vota, veste diferente da maioria, dos considerados “normais”, “corretos”,
limpos”, “recatados”,purosejustos. Isto possibilita uma importante abertura
para a consideração do diferente, mediante quebra de estereótipos, preconceitos
e paradigmas.
Nessas diretrizes, trata-se de uma concepção de História em que verdades
prontas e definitivas não têm lugar, porque necessariamente o trabalho peda-
gógico nesta disciplina deve dialogar com outras vertentes tanto quanto deve
recusar o ensino da História marcado pelo dogmatismo e pela ortodoxia. (DI-
RETRIZES CURRICULARES, 2006, p.22).
A visão de uma história não dogmática, a visão da história sob o
ponto de vista do excluído, pressupõe uma história como problematização: [...]
a problematização produz uma narrativa histórica que tem como desafio
contemplar a diversidade das experncias sociais, culturais e poticas dos sujeitos
e suas relações.” (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006, p. 22).
Assim, consideramos as abordagens da Nova História e da Nova
Esquerda Inglesa, coerentes com uma pesquisa e intervenção na escola acerca do
problema do preconceito, especificamente, nesse caso, focado na homofobia.
A Nova História, cuja uma das expressões é a História das
mentalidades, insere-se no contexto conturbado da cada de 1960, influenciada
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pelos acontecimentos de maio de 1968, em Paris, da Primavera de Praga, dos
movimentos feministas, pelas ruas contra as desigualdades raciais nos Estados
Unidos da América, entre outros. Os historiadores da Nova Esquerda Inglesa
procuraram analisar a concepção de poder de forma a presentear outros atores
sociais e outros espaços de poder, o que ficou conhecido como ahistória vista de
baixo”. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006, p. 27)
Nessa perspectiva, a história é vista de baixo, a história deve incluir
“outros sujeitos:
Ao retomar alguns aspectos apresentados no histórico da disciplina, identi-
fica-se que o ensino da História tradicional está pautado pela valorização da
Hisria política e econômica, linear, factual, personificada em heróis, e exclui
a participação de outros sujeitos. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006,
p. 28).
Desse modo, o estudo e o combate da homofobia na escola passam por
uma análise de relação de poder:
Segundo Barros (2004), o que autoriza classificar um estudo como História
política é o enfoque no poder, o apenas estatal, mas, também, nos micropo-
deres presentes no cotidiano: família, escola, fábricas, prisões, hospitais, hos-
pícios etc. São perceptíveis as influências do pensamento de Michel Foucault
e outras contribuições teóricas que favorecem a releitura da História política,
como os escritos de Gramsci, Geertz, Bourdieu, entre outros. Para tanto,
ressalta-se a importância de inserir o sujeito comum na História, a partir do
estudo de espaços e de relações sociais pautadas pelas relações de poder. (DI-
RETRIZES CURRICULARES, 2006, p. 29).
Uma abordagem histórica vista de baixo, que vise incluir a participação de
outros sujeitos, pautada por relações de poder, deve, necessariamente, se aproximar
de outras áreas do conhecimento humano, desconsideradas em outras épocas:
As pesquisas na área da História ganharam novo impulso. Historiadores op-
taram por aproximar a História de outras áreas das ciências humanas, como a
Sociologia, a Geografia, a Psicologia, a Economia, de modo a incorporar outras
dimensões e articular diversos aspectos da sociedade na análise do processo
histórico. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006, p. 33).
Um projeto de intervenção na escola, deve se fundamentar no sentido
de propor mudanças teóricas e práticas, a fim de superar qualquer concepção
histórica que insista numa abordagem economicista e reducionista, contribuindo
para a manutenção da exclusão e empobrecimento da própria história.
Nesse sentido se faz a importância da Nova Esquerda Inglesa, quando
propõe a articulação entre a dimeno econômico-social e a cultura.Entre outros,
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o novo olhar sobre essa dimensão se faz presente na chamada History from Below
(História vista de baixo), proposta que incluiu novas fontes para o estudo da
Hisria, que buscava dar voz aos excluídos, uma vez que os documentos oficiais
privilegiavam, a priori, o olhar dos vencedores.
Conforme Sharpe, em 1936, Bertold Brecht, em seu poema Perguntas
de um operário que lê, apresentou aquela que provavelmente ainda é a afirmão
mais direta da necessidade de uma perspectiva alternativa ao que poderia ser
chamado de “[...] história da elite [...]” (1992, p.40).
Entretanto, somente em 1966, com a publicação de um artigo de
Edward Thompson, iniciava-se essa perspectiva da História vista de baixo. Os
intercâmbios com a antropologia, por exemplo, permitiam o uso de fontes
ligadas à repressão, como: processos judiciais, inquéritos policiais, processos
inquisitoriais, entre outros. Para o estudo da História, também são importantes
as fontes orais, que possibilitam resgatar o passado dos sujeitos comuns. Os
trabalhos de Thompson (1935-) são exemplares dessa afirmação.
Para Joutard, a fonte oral
“[...] não mais se trata apenas de uma simples fonte complementar do material
escrito, e sim ‘de uma história’, afim da antropologia, que voz aos ‘povos
sem história’, iletrados, que valoriza os vencidos, os marginais e as diversas
minorias.” (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006, p. 34).
Em virtude dos aspectos supramencionados, passamos a propor agora,
algumas pistas de ação que consideramos facilitadoras para uma abordagem e
enfrentamento do problema apresentado, no cotidiano do trabalho escolar,
capazes de produzir uma nova postura diante da delicada questão proposta:
Uma vez que, naturalmente o ser humano parecer ter uma tendência
de condenar o que desconhece ou simplesmente ignorar; Tudo o
que é novo, causa medo, receio, estranhamento. Trabalhar com
abordagens que possibilitem o contato, a proximidade, a alteridade
e, sobretudo, o respeito;
Propor Palestras sobre a temática específica do homoafetividade,
em reuniões pedagógicas;
Trabalhar o tema primeiro com os professores, a fim de possibilitar
que estes quebrem também seus preconceitos e enfrentem seus
medos e depois abordar a temática junto aos alunos;
Acreditamos haver maior facilidade para se falar no assunto em
grandes centros, devido à diversidade existente;
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Distribuir questões para os professores responderem, aplicando
uma Sondagem prévia afim de se identificar suas concepções e pré-
conceitos acerca do tema;
Trabalhar a questão do respeito às diferenças e a prática da
tolerância com o diferente, através de Murais, revistas, fanzines,
panfletos, etc;
Composição de equipe de professores capacitados a fim de
responder dúvidas sobre o assunto;
Buscar compreender o enfrentamento do problema em outras
esferas: Jurídico, religioso, cultural, econômico, médico...
Formão de acervo de apoio: matérias de jornais, revistas, artigos
e periódicos; Filmes e mídias que tratem do tema;
Tratar do assunto em reuniões com pais e conselho Escolar.
Estas são algumas propostas de ação pontuais que acreditamos
condensarem algum potencial transformador para as relações cotidianas dentro do
ambiente educacional, com o propósito de se enfrentar e superar o silenciamento
muitas vezes existente nestes locais, oriundos de verdadeiros desencontros em
relação ao que se lê ou se escuta nos meios de comunicação social ou mesmo
a prática da homofobia efetivamente estabelecida pelos agentes envolvidos no
processo de convivência escolar.
Acreditamos na necessária formação de consciência respeitosa, que
favorece o encontro, a convivência sadia, o respeito e sociabilidade entre os
sujeitos, sejam eles educandos ou educadores. A educação para o respeito para
com o diferente, independente de sua orientação sexual, compreende a aceitação
do outro, bem como a sua necessária valorização, observando a sua dignidade
humana, com suas virtudes, talentos e contributos para com a sociedade.
A mudança acontece quando nos desarmamos e passamos a valorizar o
outro por aquilo que ele é em sua esncia, pura e simplesmente, desconsiderando
assim e fazendo cair todo e qualquer tipo de rótulo ou consideração pejorativa
que diminui, desrespeita e subjuga o colega.
Isso se aplica não às questões relacionadas a gênero, mas podemos
identificar estas questões em diversos tantos outros aspectos, sejam eles, raça,
credo, tom de pele, local de nascimento, etc. A queso de alteridade, do respeito
às diferenças, certamente favorece e muito a prática eficaz de uma autêntica
educação libertadora proposta por Paulo Freire.
Paulo Freire não aceitava, numa concepção problematizadora da
educação, a consciência de que o educando é algo a ser preenchido. Os homens
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o corpos conscientes e esta consciência confere tamm ao mundo. A educação
problematizadora é a única que responde a essência do ser da consciência que é a
sua intencionalidade. Pois a educação problematizadora é um ato cognoscente e
não depositário. Eis o papel do educador problematizador:
O papel do educador problematizador é refazer o ato cognoscente na cognos-
cibilidade dos educandos. Sendo investigador crítico sobre o diálogo educando
- educador. É a função de admirar e readmirar com os educandos. Fazendo
com que este educando não fique no reino da doxa, mas busque o verdadeiro
conhecimento. (FREIRE, 1983, p.80).
A educação problematizadora faz com que os educandos se tornem
sujeitos da sua ação, questionando, refletindo sobre a realidade e surgindo para
o mundo da práxis que é a transformação do mundo e sua humanização. O
educador dialoga com o educando e vice e versa. Por isso, o educador não só
educa, mas também é educado. A crítica irá nascer dos educandos mediatizados
pelo diálogo que haverá entre educador e educando. Bem convincente é Freire
(1983, p. 79), ao afirmar:
O pensar só tem sentido quando se tem sua fonte geradora na ação sobre o
mundo, a qual mediatiza as consciências em comunicação, não se posvel a
superposição dos homens aos homens. Superposão é uma concepção educati-
va que Freire critica que se situa como prática da dominação. Pois é daqui que
parte a concepção de que os homens são meros objetos.
Mediante o engajamento dos homens, é possível uma educação
problematizadora que seja capaz, pela ação humana, de superar os desafios.
Enquanto que na educação bancária era posto freio para os educandos. É preciso
que os homens vão refletindo sobre si e sobre o mundo, e que estes possam ter
relações intrínsecas com o mundo.
O homem na educação problematizadora não é isolado, alienado, solto
e abstrato. Mas possui uma relação com o mundo. Quando existe a constatação
do desafio, não basta somente o reconhecimento, mas também a ação, a práxis
humanizadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo que não se concorde com todas as pessoas em todos os
assuntos, o respeito aos semelhantes, bem como suas ões, escolhas e orientações
deve existir, sempre. Se este tipo de consciência começa a se formar, certamente
são pessoas melhores que estarão se formando para conviverem melhor e mais
harmonicamente em sociedade.
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Para tanto, uma mudança de mentalidade se faz necessário e urgente. Pois
pode haver mudança real de comportamento com mudança de mentalidade. É
preciso pensar diferente, para não julgar, não rotular, o condenar ninguém, por
nenhum motivo, seja na escola ou em qualquer outro ambiente. Seja homossexual
ou não.
O que facilmente identificamos, é a postura de distanciamento por
parte dos professores e equipes gestoras devido a um despreparo para lidar com o
assunto, posto que, antes, tratava-se de uma vioncia velada, escondida, abafada,
que não se questionava,
não se investigava e agora vemos um verdadeiro fenômeno
na
abordagem do tema, afim de se enfrentar, questionar e romper estruturas de
preconceito, discriminação e deboche.
Desse modo, quando há o silêncio, ninguém se compromete e reina
a omissão e a conivência com as diversas práticas de violência e agressão. Mas
quando uma cida e ria intervenção, toda a comunidade se torna responvel
pelas novas pticas de respeito, acolhida e abertura para outro, em sua dignidade
humana e cidadã. É assim que se constrói autêntica fraternidade, com respeito e
acolhida, abertura e diálogo, e defesa de direitos básicos e integrais.
No caso, especificamente, da homossexualidade na escola, tal situão
precisa ser reconhecida, estudada e entendida para posteriormente passar por
um necessário processo de desconstrução, sobretudo nos processos de formação
inicial e continuada dos professores. assim é que teremos condições de
garantir a liberdade de vida e expressão às pessoas, também no ambiente escolar,
tornando-o, de fato, um lugar democrático, aberto, livre e harmonioso.
Enquanto não houver uma genuína ação de vigilância para coibir atos
de violência e humilhação derivados de incompreensão em relação à orientação
sexual de quem quer que seja, vamos continuar assistindo a repetição dessas
práticas desumanizadoras e destrutivas que em nada contribuem para um processo
sadio de convivência entre seres humanos, sujeitos e protagonistas de sua própria
história.
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Submetido em: 25/01/2019
Aprovado em: 23/04/2019