Dialógo entre PROEMI e PIBIC Jr
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DIALÓGO ENTRE PROEMI E PIBIC JR: A CONSTRUÇÃO DE
ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA PÚBLICA
1
DIALOGUE BETWEEN PROEMI AND PIBIC - JR: CONSTRUCTION OF
LEARNING SPACES IN PUBLIC SCHOOL
Antonio Carlos Duarte CAMACHO
2
Maria Valéria BARBOSA
3
Tiago Vieira Rodrigues DUMONT
4
R
ESUMO
:
A contemporaneidade tem revelado uma crise da escola, do seu sentido, papel ou função.
Partindo deste diagnóstico foi estabelecida uma parceria entre a Escola Estadual “José Alfredo de
Almeida” - Marília-SP e algumas universidades, além da implementação de projetos, como o Programa
de Ensino Médio Inovador (PROEMI) e o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
- Ensino Médio (PIBIC Jr), pautando-se na Teoria Histórico-Cultural que enfoca a necessidade dos
sujeitos atribuírem novos sentidos às relações estranhas em seu cotidiano. A partir da realização de
atividades interdisciplinares, entre as ciências da natureza e as ciências humanas, buscamos entender o
lugar de reprodução e de transformação social da escola, sobretudo mediante questionário aos alunos
do Ensino Médio. A hipótese norteadora é quanto à possibilidade da produção e implementação de
ações pedagógicas centradas menos na reprodução e mais na transformação da realidade
dos que estão
na
labuta diária de construir sentidos e significados múltiplos.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
:
Escola pública e universidade. Juventude. Ensino e aprendizagem.
ABSTRACT: Contemporaneity has revealed a crisis of the school, of its meaning, role or function.
Based on this diagnosis, a partnership was established between the “José Alfredo de Almeida” State
School - Marília-SP and some universities, as well as the implementation of projects such as the
Innovative High School Program (PROEMI) and the Institutional Scientific Initiation Scholarship
1
Este artigo resulta da apresentação realizada no II Congresso Nacional de Formação de Professores e XII
Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, promovido pela UNESP, realizado em Águas de
Lindoia, entre os dias 07 e 09 de maio de 2018.
2
Prof. Me. de escolas da rede particular e da Secretaria de Educação de São Paulo, na qual ministra a disciplina
de Química, atualmente possui vínculo ou sede na, Escola Estadual Prof. Baltazar de Godoy Moreira. Rua Vinte
e Quatro de Dezembro, 2687, Marília/SP. E-mail: acdcamacho@hotmail.com
3
Prof.a Dr.a do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa des-graduação em Ciências
Sociais - UNESP - Campus de Marília. Av. Hygino Muzzi Filho, 737, Marília/SP. E-mail: valeria.barbosa@
unesp.br
4
Doutorando no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais - UNESP - Campus de Marília. É professor na
Secretaria de Educação de o Paulo e, atualmente possui nculo ou sede na, Escola Estadual Prof. Baltazarde
Godoy de Moreira. Rua Vinte e Quatro de Dezembro, 2687, Marília/SP. E-mail: tiagodumont@gmail.com
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2019.v5.n1.03.p25
CAMACHO, A. C. D.; BARBOSA, M. V.; DUMONT, T. V. R.
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Program. - High School (PIBIC Jr), based on the Historical-Cultural Theory that focuses on the
need for subjects to attribute new meanings to strange relations in their daily lives. From the
performance of interdisciplinary
activities, between the natural sciences and the human sciences, we
seek to understand the place of reproduction and social transformation of the school, especially
through a questionnaire to high school students. The guiding hypothesis is that the possibility
of producing and implementing pedagogical actions centered less on reproduction and more on
the transformation of the reality of those in the daily toil of constructing multiple meanings and
meanings.
K
EYWORDS
: Public and University School. Youth. Teaching and learning.
1.
I
NTRODUÇÃO
Buscamos discutir neste trabalho aquilo que é básico (ou deveria ser!?)
na formação educacional ou escolar de uma pessoa, a apropriação do conheci-
mento historicamente produzido ou acumulado. No entanto, o que encontramos no
cotidiano da escola é a precariedade de trabalho (seja para funcionários, pro-
fessores e alunos), a marginalização do conhecimento, a reformulação de propos-
tas curriculares
5
que visão atender apenas as demandas de mercado ou econômi-
cas. Nesse sentindo, Mendonça afirma (2008, p. 5) que,
Em outras palavras, um esvaziamento da função escolar, fazendo do conhecimento
algo estranho à escola, aos seus agentes sociais, à margem da vida diária. Vivencia-se de
tudo nesse espaço, porém a prática pedagógica não conta de garantir a socialização do
conhecimento. A compreensão do mundo distancia-se cada vez mais dos agentes sociais
da escola e a alienação se faz, contraditoriamente, mais presente. Essa não é uma questão
menor, pois é parte da política neoliberal, que vem marcando fortemente, com suas
diretrizes, as políticas educacionais do Brasil. Entre elas, destaca-se o quase banimento da
formação humana, restringindo conteúdos fundamentais da escola à alfabetização e à
matemática, em detrimento dos demais conteúdos.
Nesse sentido, a escola está em consonância com as diretrizes do capi-
talismo, à medida que, busca mais eficiência com diminuição dos gastos e, como
bem menciona Mendonça (2008, p. 4-5),
A escola atual apresenta uma série de problemas, que a impede de cumprir sua função
social, a socialização do conhecimento historicamente construído. Enfrentar a comple-
xidade dessa problemática implica, por um lado, entender a crise social mais ampla da
sociedade capitalista,
de outro,
desvendar as diversas frentes fragmentadas
dos problemas
da
própria escola, que perpassam as condições de trabalho de seus profissionais, a gestão
institucional, questões de âmbito pedagógico, entre outros. São problemas de ordem
estrutural, crônicos, que se consolidam ao longo da história da educação brasileira e
colocam muitas vezes em xeque a validade da própria instituição escolar.
5
Entendemos que, a partir dos anos 1990, foram desenvolvidas políticas blicas para a educação que estão em
consonância com as demandas do modelo neoliberal implementado pelo Estado brasileiro. Destacamos as pro-
postas em curso, desde 2016, da “nova” Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Reforma do Ensino de
Médio. Em particular, no Estado de São Paulo, ressaltamos, a política educacional implementada, desde 2009,
por meio da proposta curricular, “São Paulo faz escola” e, em 2018, do Método de Melhoria de Gestão (MMR).
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Tal contexto nos permite compreender que a escola passa por uma crise
de sentidos frente sua tarefa de socializar conhecimentos científicos, que envolve
diretamente o processo de ensino e aprendizagem. Buscar alternativas requer co-
nhecer as necessidades de professores e, em especial, dos alunos, frente ao mun-
do atual, com seus desafios e problemas. Nessa direção, a E.E. “José Alfredo de
Almeida” realizou um trabalho
interdisciplinar entre as disciplinas das ciências
da
natureza e as ciências humanas, desenvolvendo atividades que favorecem a
construção de novos espaços de aprendizagem, a partir de demandas de professo-
res e alunos. Foram estabelecidas parcerias com algumas universidades - UNESP,
UNIMAR, UFPE, além da implementação de projetos, como o Programa de
Ensino Médio Inovador (PROEMI) e o Programa Institucional de Bolsa de Ini-
ciação Científica Ensino Médio (PIBIC Jr), como ação articuladora de uma
nova proposta de trabalho, pautada na Teoria Histórico-Cultural, que enfoca a
necessidade dos sujeitos atribuírem novos sentidos às relações estranhadas no seu
cotidiano. Por fim, utilizamos um questionário para obter dados referentes ao
universo escolar dos alunos do Ensino Médio e, para subsidiar as propostas a
serem desenvolvidas.
Dessa forma a escola deve ter uma preocupação em procurar mecanis-
mos de aprendizagem que não priorizem apenas a memorização dos conhecimen-
tos produzidos ao longo dos séculos, mas busquem também levar os estudantes
a se apropriarem de conhecimento cientifico, procurando sempre despertar o seu
interesse para essa forma de conhecimento, mas também, estimular a sua criti-
cidade. Esse trabalho se insere como uma proposta que proporcione o desenvol-
vimento de atividades que a possibilitem a retomada do sentido da escola. Tal
perspectiva deve levar em consideração que tanto o professor como os alunos
devem se apropriar do processo de ensino e aprendizagem, incluindo neste pro-
cesso o currículo de forma ativa. Dentro dessa perspectiva o trabalho teve como
ponto de partida o desenvolvimento de uma sequência didática que dialogue com
a realidade social e educacional dos alunos, permitindo assim, que eles se tornem
corresponsáveis por tudo que envolve o ensinar e aprender.
2. INTERDISCIPLINARIDADE
É diante do contexto de mercantilização que a instituição escola se en-
contra, ou seja, encontra-se em um processo de esvaziamento do seu significado
e/ou sentido, do seu espaço de formação do humano, da “atividade humana”.
Neste sentindo a relação professor-aluno, por exemplo, de construtores do conhe-
cimento, do ensinar e aprender tem cedido lugar para a violência, a indisciplina
etc. Para Aquino (1996, p. 40), “a visão hoje quase romanceada, da escola como
lugar de florescimento das potencialidades humanas parece ter sido substituída, às
vezes, pela imagem de um campo de pequenas batalhas civis: pequenas, mas visí-
veis o suficiente para incomodar. O que fazer?” Paira uma sensação de que alguma
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coisa mudou, mas não é possível ainda reconhecermos em que profundidade ou
qual a dimensão dos impactos dessa transformação. Ao mesmo tempo em que
esse sentimento nos inquieta e desnorteia, convida-nos (se não nos conduz) a
pensar sobre este movimento de inflexão, em que nos temos mergulhado.
Entendemos, desse modo, que a educação escolar deve ser instrumento
para produção de formas e materiais para suprir as necessidades humanas, pois ela
é uma das formas de “atividade humana” e, por excelência, a socialmente res-
ponsável pela sistematização desse processo (SERRÃO, 2006). É a possibilidade
de existência de indivíduos autônomos e emancipados, sendo assim, estabelecida
relações entre sujeito e práxis, conhecimento e consciência, subjetividade e ob-
jetividade, pensamento crítico etc. Sendo assim, é necessário aos sujeitos sociais
(professores e alunos) da escola o entendimento sobre o seu papel dentro da so-
ciedade. Para Fernandes (1989, p. 38) é necessário:
[...] ao professor compreender que “ensinar a ensinar” é uma “atividade de ensino”,
que pressupõe: a necessidade da apropriação de determinados conhecimentos; inten-
cionalidade, manifesta nos objetivos estabelecidos; o desencadeamento de ações, me-
diadas por estudantes, professores e por instrumentos materiais e ideais, para que tais
objetivos sejam atingidos; e, finalmente, operações que ofereçam as condições para a
realização dessas ações.
O desafio que se coloca, portanto, entre tantos, é pensar formas de tra-
balho que possam estar rompendo com a lógica alienante, isto é, buscar explorar
as contradições presentes na escola e revertê-las em possibilidades concretas de
apropriação do conhecimento por aqueles que são insistentemente classificados
como incapazes de aprender. Para tanto, uma nova perspectiva é necessária para
apreender a escola numa óptica que considere a multiplicidade cultural dos agen-
tes sociais envolvidos, as tramas de suas relações cotidianas, onde uma disputa
permanente de projetos. Para, Libâneo (2004, p. 5):
Ante as necessidades educativas presentes, a escola continua sendo lugar de mediação
cultural, e a pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se como prática cultural in-
tencional de produção e internalização de significados para, de certa forma, promover
o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos. O modus faciendi dessa
mediação cultural, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alunos dos meios de
aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e
operativas, dois elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis. Com
efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios cog-
nitivos de compreender e transformar o mundo. Para isso, é necessário pensar - estimular
a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva e desenvolver as
competências do pensar. A didática tem o compromisso com a busca da qualidade cogni-
tiva das aprendizagens, esta, por sua vez, associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe
investigar como ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes e críticos, ca-
pazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, diante de dilemas
e problemas da vida prática.
A razão pedagógica está
também associada, inerentemente, a
um
valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os outros a se educarem,
a
serem pessoas dignas, justas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social,
política, profissional e cultural.
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O trabalho realizado na E. E. José Alfredo de Almeida despertou e pos-
sibilitou aos diferentes sujeitos que compõe esse espaço uma possibilidade de en-
frentamento coletivo das adversidades que o processo de ensino e aprendizagem
nos impõe. Neste sentido, podemos apontar que a realização de uma atividade
interdisciplinar, em particular, entre as ciências da natureza e as ciências humanas,
criou sentido e ações de pertencimento nesse espaço escolar. Mesmo diante de
um contexto de precarização do espaço escolar foi possível pensar mecanismos
que criasse utopias no longo processo de formação que nós seres humanos esta-
mos imbuídos de produzir. Estar coletivamente debatendo sobre os caminhos da
escola, em particular, os da escola pública, é uma possibilidade de refletir sobre o
currículo, a construção de materiais didáticos, dinâmicas e metodologias de ensi-
no que exigem um esforço e uma disciplina que nos permite melhor depreender
o lugar e a nossa atuação no mundo, em particular, no espaço escolar.
3. ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM
Tendo em vista a perspectiva da interdisciplinaridade a proposta utili-
zou estratégias pedagógicas que possibilitem a construção de alternativas para o
processo de ensino e aprendizagem. Inicialmente partimos dos temas apresenta-
dos pelos alunos no questionário e sua articulação com o currículo. Além disso,
vários espaços da escola foram utilizados, ou melhor, revitalizados para permitir
vivências diferenciadas de práticas pedagógicas, podemos citar como exemplo: o
laboratório de química, a construção de uma cisterna para captação de água da
chuva e sua utilização na limpeza da escola, bem como na irrigação da horta, com
produção de alguns alimentos para a merenda escolar.
A partir desse pensamento a equipe de professores da E. E José Alfredo
de Almeida, durante o planejamento escolar de 2017, aderiu ao Programa Ensino
Médio Inovador (PROEMI) e em conjunto com PIBIC Jr. (Programa Institu-
cional de Bolsas de Iniciação Cientifica - Ensino Médio) elaborou uma série de
ações pedagogias onde os conteúdos curriculares fossem desenvolvidos a partir do
contexto do aluno.
O trabalho foi realizado por meio das seguintes etapas ou atividades:
-
Leitura e discussão de textos literários e científicos sobre juventude:
“Culturas Juvenis: múltiplos olhares”, de Afrânio Catani/Renato Gilio-
li; “Capitães de Areia”, de Jorge Amado;
-
Visita a Estação de Captação de Água e Tratamento do Esgoto, respec-
tivamente nos municípios de Marília e Garça;
-
Videoconferência com a Profa Dra via Gavazza (UFPE), especialista
em questões ambientais;
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-
Revitalização do Laboratório de Química, da Rádio, da página do
facebook, blog; construção do Jardim dos Sentidos; da horta e da cisterna
para captação da água da chuva.
Essa sequência de trabalho buscou problematizar como, a utilização dos
diferentes espaços da escola, assim como, a realização de atividades com-
plementares e diversificadas, poderiam resignificar os sentidos e significados do
processo de aprendizagem. Foi a partir da análise dos livros, “Capitães de Áreas”
e “Culturas Juvenis: múltiplos olhares”, que buscamos dialogar sobre a realidade
dos jovens que estão inseridos no ambiente da escola pública. Daí surge a proble-
matização de como um determinado contexto social pode levar ao agravamento
das questões ambientais, onde a sistemática exploração inconsequente visando
sempre uma maior lucratividade para o chamado “mercado” em detrimento das
questões ambientais e humanas torna o ambiente degradado, assim como, o de
gerar problemas para futuras gerações.
Ao questionarmos sobre a necessidade de preservação do Meio Am-
biente, buscamos discutir como o ambiente é parte importante na constituição
dos seres humanos. Portanto, é necessário percebermos que ao discutirmos o
meio ambiente tendemos a considerar apenas o aspecto biológico da preservação
da vida e manutenção do planeta. Porém quando problematizamos este tema
para além deste aspecto, percebemos que a forma como os homens organizam sua
história também compõem o meio ambiente. Vejamos: não se pode considerar
o homem apenas um ser biológico, ele é biossocial. O sentido de sua vida passa,
necessariamente, pela construção dos aspectos históricos e sociais, pois são eles
que norteiam o sentido da vida em sociedade. Portanto, são as relações sociais,
compreendidas no sentido dialético, em que os homens transformam a natureza e
ao mesmo tempo transformam a si mesmo, processe esse, que permite a constru-
ção do mundo e do ser humano. Desse modo, o Ser Humano muda a Natureza e
a Natureza muda os Seres Humanos, construindo uma totalidade social, onde se
compreende o meio ambiente como ambiente inteiro.
A busca por um “letramento cientifico” leva à abordagem de questões
socias, humanas e cientificas. O que permite por sua vez, compreender o processo
de ensino e aprendizagem com algo mais amplo. No caso da química, esse proces-
so é abordado, por meio da metodologia CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e
Ambiente), que tem como finalidade trabalhar o conhecimento químico a partir de
contextos sociais. A contextualização faz com que os aprendizes se interessampela
aula e os tornam construtores do próprio conhecimento. Segundo Borges
(2010, p. 2):
Um dos avanços propiciados pelos estudos
CTSA no que
diz respeito à
educação está no reconhecimento de que o ensino e o aprendizado não podem
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mais se basear em concepções superficiais idealizadas no desenvolvimento cientí-
fico e tecnológico, sem considerar suas consequências socioambientais.
A partir da articulação interdisciplinar proposta no planejamento es-
colar em 2017, desenvolveram-se atividades que problematizassem os diferentes
espaços de aprendizagem para além da sala de aula. Como ponto de partida foi
escolhido e utilizado o livro “Capitães de Areia”, assim como, “Culturas Juvenis:
múltiplos olhares”, por abordarem vários temas que os professores da escola con-
sideravam como importantes no processo de ensino e aprendizagem. Em segui-
da, foi elaborado e coletado, por meio de um questionário os temas ligados ao
universo da juventude. Por fim, foram definidas, articuladas e sistematizadas as
ações que permitiriam o desenvolvimento do trabalho. Em conjunto com a área
das ciências humanas e área de linguagens, foi definido que iríamos desenvolver
a
partir da área de química, o tema gerador do trabalho interdisciplinar: “O uso
consciente da água e suas implicações sociais”, ressalta-se que esse tema é conte-
údo curricular da 2a série do Ensino Médio. Com isso, foram desenvolvidas as
seguintes ações:
Apresentação do projeto - Desvio UFPE - em sala de aula:
Nesse contexto os professores de química, sociologia, língua portuguesa
e educação física, entre outros, preocupado em construir nos seus alunos uma
motivação para que o ensino do conteúdo dessas disciplinas fosse significativo
para eles e, ao mesmo tempo, articulado a proposta interdisciplinar definida no
planejamento. Por isso foi apresentado, em sala de aula, aos alunos a constru-
ção do Desvio proposto em um projeto da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), cuja finalidade era, não apenas capacitá-los para o conteúdo de química,
mas também se apropriar de uma experiência positiva que ocorreu no semi-árido
nordestino e que dialogava com o conteúdo do romance, Capitães de Areia.
Vídeo conferência com a Professora da UFPE:
Em seguida foi combinado com a Professora Dra. Savia Gavazza, res-
ponsável pelo projeto na UFPE, uma videoconferência com os alunos do ano do
ensino médio. A proposta dessa atividade era socializar com os alunos a expe-
riência desenvolvida em Pernambuco, bem como mostrar a eles as diversas possi-
bilidades de continuar seus estudos e de outros espaços educativos.
Foi observado pelo professor de química e pelo professor de matemá-
tica que estavam presentes no vídeo conferência, o impacto causado de forma
positiva nos alunos que tiveram contato como uma professora de renome interna-
cional, simpática, acolhedora e receptiva à ação proposta. Vale destacar que nessa
CAMACHO, A. C. D.; BARBOSA, M. V.; DUMONT, T. V. R.
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atividade a professora estava acompanhada de um orientando que participou de
maneira ativa no projeto de construção da cisterna.
Articulação das atividades em consonância com currículo do Estado de São
Paulo:
O professor de química que tem participado dos cursos realizados no
Grupo de Pesquisa e Ensino de Química (GEPEQ) do Instituto de Química -
Universidade de São Paulo (IQ-USP), onde a professora Maria Eunice sempre
enfatiza que o caderno do aluno não é o único instrumento de aprendizagem e
que o professor com o conhecimento da sua realidade de escola e dos alunos, pode
e deve buscar caminhos que possam dialogar de forma profícua com o currículo
de química do estado de São Paulo. O caderno 1, da 2a série do ensino médio nas
situações e aprendizagem tem o seu conteúdo curricular contextualizado a partir
da temática da água, suas implicações econômicas, sociais, geográficas e políticas,
além dos conceitos químicos que perpassam todas as situações de aprendizagem.
Implantação da Situação de Aprendizagem 6 (Caderno do Aluno - Volume
1 - Página 41; 42):
Tratamento da Água: uma questão de sobrevivência
- Roteiro de visita Estação de Tratamento de Água (ETA) e Esgoto
(ETE) na cidade de Garça -SP:
a)
Objetivos:
b)
Locais a ser visitado:
c)
Entrevistar:
Técnico químico
( ) Sim
Administrador
( ) Sim
Operador do Sistema
( ) Sim
Pessoal da limpeza
( ) Sim
Outros (especificar)
( ) Sim
d)
Perguntas a serem feitas para os entrevistados.
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Visita a ETA e ETE na cidade de Garça-SP:
Esta atividade possibilitou ao conjunto dos alunos a experiência de ar-
ticular o conteúdo curricular com uma necessidade cotidiana, ou melhor, de-
monstrar como se produz e relacionam a teoria e pratica, assim como, ela tem um
impacto na realidade. Para que a visita seja proveitosa, vamos planejar algumas
atividades. Em uma conversa com seu grupo ou com toda a classe, elabore um
roteiro, escrevendo, a seguir, as decisões tomadas.
Visita ao Poço Profundo (PII) do Nova Marilia - cidade de Marilia-SP:
Dentro da proposta da Situação de Aprendizagem o professor foi com
os alunos até o local onde é extraída a água subterrânea da região sul de Marilia,
onde se situa a escola e local de moradia da maioria dos alunos da escola. Nessa
visita foi abordado conceitos químicos como dissolução de gases em água e o pH
da água.
Construção da cisterna para captação da água de chuva (Desvio UFPE):
O material foi adquirido com a verba do PROEMI e a efetiva cons-
trução será feita no primeiro ou segundo semestre de 2018. Para a construção da
cisterna foi feito o cálculo da aérea de água a ser captada e a quantidade de canos
e conexões necessárias para a correta montagem e funcionamento do sistema. Esse
trabalho será feito com os próprios estudantes na perspectiva de serem sujeitos
ativos do processo de ensino aprendizagem.
Acompanhamento da qualidade da água através de algumas análises químicas
água:
Depois da cisterna pronta os alunos farão o acompanhamento da quali-
dade da água captada, com testes químicos, como quantidade de oxigênio dissol-
vido, pH e teor de cloro. Sendo assim essa água poderá ser utilizada para limpeza
de espaços da escola e regar a horta da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a realização de várias etapas do projeto foi possível perceber de
forma clara uma maior motivação dos alunos para a aprendizagem do conjunto
dos conteúdos escolares, pois devido aos alunos serem protagonistas das ações e
consequentemente se sentirem participantes ativos no processo de ensino apren-
dizagem. A disciplina em sala de aula também melhorou, a relação professor-alu-
no se tornou mais interativa e a própria interação aluno-aluno também se tornou
CAMACHO, A. C. D.; BARBOSA, M. V.; DUMONT, T. V. R.
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mais harmônica. O uso de outros espaços de aprendizagem, como o laboratório,
a sala de leitura, a horta, etc., tornou os alunos mais “felizes”, mais ativos e parti-
cipativos na aula.
Somos, portanto, resultado de um processo social que é cotidianamente
construído e desconstruído. Deste modo, é necessário ao indivíduo a “tomada de
consciência” para que o conhecimento, ou melhor, a teoria lhe proporcione uma
objetividade, assim como, a possibilidade de autonomia e emancipação. Sendo
assim, a ideia de que vivemos em um mundo cartesiano, pragmático e relativista,
onde as relações se dão por uma razão subjetiva e/ou por uma razão instrumenta-
lizada, que é útil àquilo que tem praticidade, daria lugar para que o sujeito
encontrasse a necessidade de entendimento da realidade a partir da razão objetiva,
pois poderia levar a luz da superação, do imediato. Desse modo, a relação entre
teoria e a prática devem ser instrumento para “produzir” sujeitos sociais autôno-
mos e emancipados. O que nos sugere também, a superação dessa própria relação.
Tentar compreender a dinâmica da escola é a possibilidade de fazer uma
reflexão que além do mero entendimento dos acontecimentos, que possibilite
o desencadeamento dos diversos aspectos de uma realidade múltipla e contraditó-
ria e seja, também, instrumento de transformação dessa realidade. Pois, o mundo
não é produto do acaso, mas sim de mãos humanas, resultado de todos os que,
conscientemente ou não, na labuta diária, fazem a História
6
. Sendo assim não
existe apenas um caminho. Haverá quantos nós formos capazes de construir, sem
pensar que estamos diante de uma inevitabilidade histórica, como se o mundo
e a realidade social, tal como a entendemos ou conhecemos, não pudessem ser
diferentes ou modificados. Segundo Fernandes (1989, p. 174):
A transformação não é um produto do avanço na esfera da consciência e também não
é produto de uma elaboração espontânea da realidade. É preciso que a ação prática
transformadora se encadeie a uma consciência teórica e prática, que seja, num sentido ou
noutro, dentro da ordem ou contra a ordem, revolucionária.
Esse mundo que aí está, gostemos ou não, diz um pouco do que so-
mos. A cara dele é resultado direto das disputas que não estão fechadas, pois são
permanentes. A vastidão do mundo, expressa pelo poeta Carlos Drummond de
Andrade (2002, p. 53), nos remete à complexidade e ao desafio da análise do
mundo e/ou da escola contemporânea. É necessário observar que essa vastidão e
essa complexidade encontrada no mundo e/ou escola contemporânea está muito
além daquelas observadas pelos intelectuais acima citados, pois dentre as expres-
sões e metáforas utilizadas para as profundas transformações ocorridas na década
de noventa e início do século XXI no mundo, a noção de mutação nos parece a
mais precisa e contundente. Ela expressa um conjunto de mudanças desencadea-
das, simultaneamente, nos mais diversos campos da vida social. No entanto, essa
6
Segundo, Marx (2007), o homem faz sua história a partir de determinadas condições históricas e materiais.
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mutação tem sido a causa maior do “estado de perplexidade” presente no mundo
no alvorecer do novo século.
Na música, Yáyá Massemba, Roberto Mendes e Capinam, demonstra
bem um possível caminho para superação de tal situação: “[...] vou aprender a ler
pra ensinar meus camaradas.” (MENDES; CAPINAM, 2003).
Desse modo, ao estranho cabe o papel e/ou função de socialização do
conhecimento, ou melhor, a busca coletiva da “atividade de ensinar e aprender”.
Mas não basta esperar pelas mudanças ou transformações, é preciso reinventar
o presente e construir um novo futuro. Uma tarefa enfrentada e buscada pelos
sujeitos sociais da escola, embora contenha suas contradições. Portanto, o enten-
dimento da luta desses sujeitos sociais, assim como, do mundo em que vivemos
requer informação, conhecimento e uma boa dose de reflexão.
As atividades descritas acima fazem parte de um esforço, não só de
criação, mas também de realização, no sentido de contribuir para o processo de
ensino e aprendizagem, que necessitou da colaboração de todos os envolvidos na
realização desse trabalho Mais do que um envolvimento essas atividades possibi-
litaram uma formação e reflexão do que é o processo de ensino e aprendizagem.
Ressaltamos que a realização da atividade interdisciplinar no conjunto das salas
possibilitou um maior envolvimento dos alunos nas disciplinas, assim como, uma
melhora qualitativa nas avaliações, que vão desde a escrita à participação ou reali-
zação das mesmas. Essa prática demonstra a construção de um sentido ou signifi-
cado que vai além da necessidade de ter uma nota, mas também, de se apropriar
de um debate, de uma reflexão e de conhecimento historicamente construído e
compartilhado na história da humanidade.
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Submetido em: 18/12/2018
Aprovado em: 18/06/2019