O olhar ecológico
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O OLHAR ECOLÓGICO: CONTRIBUIÇÕES PARA MUDANÇAS DE
PARADIGMA NA CIÊNCIA E NA EDUCAÇÃO
T
HE ECOLOGICAL VIEW
:
CONTRIBUTIONS TO PARADIGM SHIFTS IN
SCIENCE AND EDUCATION
Douglas Gomes Nalini de Oliveira
1
Vandeí Pinto da SILVA
2
R
ESUMO
:
A questão ambiental, cada vez mais, apresenta-se como um elemento importante para se
refletir sobre as condições atuais do desenvolvimento econômico e dos discursos que este produz.
Nesse contexto, a ciência, assim como a educação, aparece como campo importante na construção
de conhecimento e cultura, e, consequentemente, na maneira como as políticas públicas lidam
com essa produção de saber. Portanto, procuramos problematizar alguns aspectos da metodologia
corrente, introduzindo a temática da interdisciplinaridade, do pensamento complexo, da visão
sistêmica de mundo, destacando a importância do exercício da autocrítica. Esses componentes,
essenciais para a Filosofia Ecológica, favorecem o debate sobre as relações que se estabelecem entre
diferentes organismos e o meio ambiente, e nos permite vislumbrar alternativas criativas e coerentes
ao se observar e interpretar o mundo, buscando formas modo menos destrutivo de produção, tanto
material quanto simbólica, em relação a natureza.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
: Interdisciplinaridade, Filosofia Ecológica, Pensamento Complexo.
ABSTRACT: The environmental question is presented over and over again as an important element
to reflect on the current conditions of economic development and the discourses that it produces.
Science, as well as education, in this context, appear as important fields in the construction of
knowledge and culture, and consequently in the way in which the public policies deal with this
production of knowledge, therefore, we try to investigate some aspects of the current methodology,
introducing the theme interdisciplinary, complex thinking, systemic world view, highlighting the
importance of the exercise of self-criticism. These components, which are essential for Ecological
Philosophy, favor the debate about the relations established between different organisms and the
environment, and allows us to envisage creative and coherent alternatives when observing and
interpreting the world, searching for forms less destructive way of production, both material and
symbolic, in relation to nature.
K
EY WORD
: Interdisciplinary, Ecological Philosophy, Complex Thought.
“Pode-se afirmar que o eterno mistério do mundo é sua compreensibilidade.
(Albert Einstein)
1
Mestrando em Educação, UNESP Universidade Estadual Paulista PPGE 2018 e Bacharel em Sociolo-
gia. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). douglas.gomes01@
hotmail.com
2
Doutorado em Educação pela UNESP. Professor assistente doutor junto ao Departamento de Didática e ao
Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília.
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2018.v4.n1.07.p79
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CRÍTICA ECOLÓGICA AO MODELO HEGEMÔNICO
Para pensarmos perspectivas alternativas ao modelo vigente de produ-
ção da vida material e intelectual, precisamos defrontar suas noções e buscar,
a partir do conhecimento histórico e analítico, entender suas premissas a fim
de compreender o que caracteriza nossa concepção atual sobre o conhecimento,
suas formas de produção e difusão na sociedade. Nossos paradigmas atuais, para
conceber o mundo e consequentemente operar nele, estão intimamente relacio-
nados à uma lógica de dominação e exploração que deposita um crédito elevado
às conquistas técnicas.
Neste sentido, o presente artigo representa o esforço de demostrar em
que medida a Filosofia Ecológica, representante de uma visão complexa do mun-
do, pode favorecer o debate sobre o desenvolvimento da consciência e o estímulo à
diversidade, procurando reflexões menos antropocêntricas e mais interessadas nas
informações que o ambiente nos oferece. Esta abordagem sobre os fenômenos
possibilita um novo olhar sobre a natureza e o planeta, apontando para nossas
relações de reciprocidade, de troca entre espécies ou entre múltiplos nichos. Esta
postura frente aos objetos, procura descobrir as informações em seus sistemas de
relações, suas redes de atração e, para tanto, observa a realidade em seus processos
sistêmicos, seu funcionamento integrado, e os habitus que ligam os seres vivos
entre si em suas relações com o meio que compõem.
Para melhor compreendermos o locus da Filosofia Ecológica nas temá-
ticas relativas à Informação e consequentemente ao Conhecimento, é preciso co-
nhecer a tendência sobre a qual faz oposição. O sucesso da física galileana, como
argumentam Gonzalez e Moroni, implanta a hipótese segundo a qual o mundo
é uma grande máquina, cujo mecanismo de funcionamento pode ser compreen-
dido a partir da matemática, assim: “A compreensão dessa linguagem dispensa a
experiência subjetiva cotidiana que é, então, substituída pela capacidade abstrati-
va, própria da razão humana.” (GONZALEZ e MORONI, 2011, p. 25). Neste
sentido, o homem conseguiria desvendar os segredos da natureza, subjugando-a a
seus desejos e suas necessidades.
Essa visão de mundo proporciona uma abordagem mais insensível no
que diz respeito ao nosso possível lugar na experiência, subestimando a nature- za,
assim como as outras espécies animais e biológicas. Determinada percepção/
ação
frente ao planeta, em que a capacidade abstrativa dos homens tem maior
legitimidade no meio teórico foi, e ainda é, o panorama para muitas medidas que
nos trouxeram aos problemas que enfrentamos hoje, como a extinção de diversas
espécies animais, crises ambientais graves e mesmo crises da racionalidade
3
. Esta
visão instrumental da natureza, quando associada a processos de colonização for-
2 Tema de estudo de filósofos como Theodor Adorno e Max Horkheimer, grandes pensadores da Escola de
Frankfurt, ou teóricos da complexidade como Edgar Morin e Christopher Wulf.
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temente propagados nos períodos Pós-Renascentista, cria um sistema de pensa-
mento extremamente impositivo e imperialista.
Esta metodologia de análise se expande por todo o mundo como uma
lógica aplicável a qualquer realidade, que se propõe a “tirar os homens das trevas”
como afirmariam os Iluministas do século XVIII e, acreditando-se infalível na
produção de respostas e recursos se instaura como sistema global. Segundo Shiva
(2003), esta perspectiva acaba reduzindo as alternativas para a solução de pro-
blemas, por afirmar seu raciocínio a partir da oposição de ideias, procurando se
elevar como único raciocínio imbuído de verdade.
Em geral, os sistemas ocidentais de saber são considerados universais. No entanto, o sis-
tema dominante é um sistema local, com sua base social em determinada cultura, classe e
gênero. Não é universal em sentido epistemológico. É apenas a versão globalizada de
uma
tradição local extremamente provinciana. Nascidos de uma cultura dominadora e
colonizadora, os sistemas modernos de saber são, eles próprios, colonizadores. (SHIVA,
2003, p. 21).
Encontramos, evidentemente, trabalhos interessados em condições de
vida mais sustentáveis, baseadas em relações mais harmônicas entre a sociedade
e a natureza, entretanto, quando observados do ponto de vista crítico, alguns
fundamentos que regem a produção dos trabalhos de pesquisa atualmente apre-
sentam traços, ainda muito fortes, do dualismo cartesiano, expressado claramente
em proposições contrastantes como: Natureza/Cultura ou Corpo/Mente, distan-
ciando os sujeitos dos objetos, subestimando portanto as correlações intrínsecas
entre estes.
INTERDISCIPLINARIDADE
Para elevarmos nosso potencial analítico, é importante pensarmos nas
relações entre as diferentes disciplinas que integram o saber científico, a Inter-
disciplinaridade ganha força no cenário atual exatamente por compreender que
“a teoria podia ser geral, e do cruzamento entre saberes” (VELHO, 2006,
p.18). Gregory Bateson foi um intelectual que procurou articular diferentes
campos, trabalhou com antropologia, fotografia, linguística, apresenta grandes
contribuições em estudos das áreas psicológicas, e sobretudo na discussão sobre
epistemologia e comunicação, procurando desenvolver uma teoria organizada da
interdisciplinaridade.
Segundo Velho (2006, p.15), grande estudioso das contribuições do
autor, sua tentativa deve ser tomada como referência para as discussões atuais.
Entre suas proposições destaca-se a introdução do conceito de double bindou
“duplo vínculo”, que possibilita refletir sobre os paradoxos de comunicação, ou as
mensagens contraditórias que surgem em diferentes níveis, que podem favore- cer
o desdobramento de personalidades problemáticas e conflituosas, sobretudo
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quando os meios informativos e formativos, a televisão, internet, escolas entre
tantos outros, oferecem proposições que se justificam ora pela moral, ora pela
racionalidade, em argumentos que em muitos aspectos se contrastam.
Bateson (apud VELHO, 2006) propunha uma transformação das Ci-
ências Sociais, que considerava ter dois grandes problemas: o empirismo e a reifi-
cação, no sentido de que se fundamenta em conceitos abstratos tomados por con-
cretos, o que na visão do autor é um sério problema. As ciências sociais, segundo
esta leitura, correm grande risco de se manter em um círculo vicioso que passa de
“dados para “conceitos reificados” e vice-versa, atribuindo demasiada concretude
a conceitos que se tornam “explicações em si”. Introduz, como metodologia de
análise, a busca de padrões comuns para se observar os fenômenos, entendendo
que estes poderiam ultrapassariam os limites das disciplinas e seria um modo mais
eficaz de interpretar a realidade. Considerando que o mundo é complexo e que
elementos especiais dessa complexidade são a troca de informações e a aprendiza-
gem, as únicas capazes de ultrapassar as dicotomias anteriormente citadas.
Essas considerações, ainda que apresentadas superficialmente, tendo em
vista a profundidade do debate proposto pelo autor, nos levam a refletir sobre a
relação entre cientistas e não cientistas e sobre os fenômenos inconscientes em-
butidos nas práticas cotidianas, para Bateson (apud VELHO, 2006, p. 20) “[ ] o
inconsciente não é necessariamente o reprimido; ele pode ser também aquilo que
se tornou hábito e por isso passou a ser praticado de modo não consciente.” Desta
forma, seria ilusório achar que a ciência vai conseguir controlar tudo de forma
consciente e absolutamente compreendida.
Partindo da ideia de repensar nossos critérios e buscar um novo modo
de “olhar-e-ver” o mundo natural, surge a proposta dessa nova epistemologia
“desse novo modo de ver, ou conhecer, o mundo e do novo mundo capaz de ser
visto apenas se assumirmos um olhar menos compartimentado.” (LEPRI, 2011,
p.19). As imagens que produzimos necessariamente nos tornam co-autores do
mundo que enxergamos, os padrões que nos ligam aos outros seres e à biosfera,
ou esta “cola que mantém junto” precisa ser mais explicita e aberta a sugestões e
críticas. Para tanto, a metáfora poderia contribuir bastante para melhores aprecia-
ções e descrições do mundo, tendo em vista que:
Ficou evidente que a metáfora não era apenas uma agradável poesia. Não era tampouco
uma lógica boa ou má. Mas era de fato a lógica sobre a qual o universo biológico tinha
sido construído; a característica principal, o fator agregador deste mundo do processo
mental, o qual, de alguma forma, tentei esboçar para vocês. (BATESON, 1980, p. 37).
A partir de silogismos não lineares e uma lógica circular podemos che-
gar a uma racionalidade mais complexificada e, portanto, melhor aparelhada para
analisar questões emergentes e pontuais no mundo globalizado. Sobre esta noção
de complexidade, Zoya e Aguirre (2011) desenvolvem um texto sobre as diferen-
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tes correntes da “complexidade organizada”, que seriam: o pensamento complexo e
as ciências da complexidade. Segundo os autores, ambas constituem uma perspec-
tiva relativamente nova e marginal na ciência, representam uma ruptura ou uma
descontinuidade na história da ciência atual, ou melhor dizendo, na racionali-
dade cientifica ocidental. Procura operar sobre uma racionalidade Pós-clássica,
que habilita e incorpora problemas até então ignorados ou velados, buscando
compreender as ocorrências relativas à contradição, a temporalidade e a auto-or-
ganização como paradigmas emergentes, utilizando a interdisciplinaridade como
metodologia reflexiva e questionando a própria filosofia da ciência.
PENSAMENTO COMPLEXO
Segundo esta abordagem, vivenciamos hoje, novos tipos de problemas
caracterizados pela presença de um alto número de variáveis a serem consideradas
e um acúmulo de dados, cada vez maior, provenientes, sobretudo, do desenvol-
vimento tecnológico e a expansão das mídias sociais que propiciam o aceso a um
maior número de informações. Estas “variables ínter-relacionadas que conforman
un todo orgánico” (ZOYA e AGUIRRE, 2011, p.6), apontam no problema da
organização, que implica em dar conta da “génesis y emergencia” de totalidades
complexas que são incompreensíveis por meio de enfoques reducionistas.
Por otro lado, el pensamiento complejo se afirma como una concepción epistémica al-
ternativa al tradicional modo de entender la ciencia y el conocimiento. Su estrategia
metodológica se distancia del concepto estándar de método científico, para reclamar la
necesidad y pertinencia de un todo que incluya la reflexión crítica y auto-crítica; es
decir, postula la inclusión del sujeto cognoscente en su conocimiento. El pensamiento
complejo esgrime, así, una teoría de la racionalidad post-clásica, en cuyo marco plan-
tea la necesidad de concebir la unidad complejidad (complementaria y antagonista) de
dicotomías reificadas por el pensamiento occidental moderno: razón-afectividad, cien-
cia-filosofía, hecho-valor, objetivo-subjetivo, cuerpo-mente, naturaleza-cultura. De este
modo, la propuesta del pensamiento complejo propone una reconfiguración epistemo-
lógica tendiente hacia un conocimiento transdisciplinar, en el cual, necesariamente, la
ciencia tiene que ser articulada con otras formas de conocimiento. (ZOYA e AGUIRRE,
2011, p.15).
Para a utilização dessas duas abordagens, associadas à interdisciplina-
ridade e um pensamento preocupado com a relação entre a humanidade e seu
mundo circundante, seria necessário utilizar a potencialidade metodológica das
ciências da complexidade, aptas a trabalhar com grandes quantidades de dados
estatísticos e lógicos, associada à um marco epistêmico ampliado à ética e à po-
lítica como propõe o pensamento complexo. Seguindo este raciocínio, pode-se
afirmar que os problemas essenciais nunca são fragmentários e os problemas glo-
bais são cada vez menos essenciais. Os problemas particulares não podem ser
pensados corretamente se não são observados em seu contexto (MORIN, 2008,
p.13). Uma inteligência que se estrutura a partir da fragmentação, rompe com
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o complexo que é o mundo, tenta converter o multidimensional em unidimen-
sional, atrofiando, portanto, a própria compreensão e reflexão. Elimina, neste
movimento, as possibilidades de um juízo corretivo que pode aparecer em uma
visão à longo prazo, inviabilizando também a percepção de crises iminentes que
vem dando sinais de seu aparecimento.
Movimentos que nascem com a intenção de produzir esclarecimento,
conhecimento e elucidação, acabam produzindo sobretudo ignorância e cegueira
(MORIN, 2008, p.15). As escolas dividem seus conhecimentos em disciplinas, não
de acordo com a relação que esta estabelece com seu entorno, a seu espaço no
mundo, suas interconexões ou em sua solidariedade, induzindo-se a redução do
complexo ao simples. A questão escolar oferece possibilidades de estudo muito
amplas, portanto, tentarmos elucidar, ainda que de forma sucinta, no próximo
tópico algumas delas que denotam a importância de pensarmos não apenas a pro-
dução do conhecimento, mas sobretudo as formas de transmissão e reprodução
deste. O contexto precisa ser o centro de qualquer debate, a articulação entre as
diferentes manifestações com as quais o conhecimento se apresenta é a única for-
ma de termos um desenvolvimento pleno de nossa capacidade intelectual.
EDUCAÇÃO PARA A VISÃO SISTÊMICA
É preciso negarmos a atrofia que certo raciocínio incentiva, em que o
saber se faz cada vez mais exotérico (por ascenderem a ele os especialistas) e
anônimo (quantitativo e formalizador), distanciando por consequência, o conhe-
cimento de sua aplicação. Na política, sobretudo, isto é um movimento perigoso,
tendo em vista que: Cuanto más técnica es la política, mayor es la regresión del
conocimiento democrático que se produce.” (MORIN, 2008, p.20). A democracia
cognitiva, antes de tudo precisa ser valorizada, e por isso a reforma do ensino é o
primeiro passo para uma reforma no pensamento, para que esta reforme o ensino
de forma continuada e progressiva. A escola precisa ser estruturada de maneira a
desenvolver uma aptidão geral para criar e analisar problemas, a partir de princí-
pios organizadores que permitam vincular os saberes, dando-lhes utilidade e sen-
tido, ou seja, favorecer as aptidões naturais do pensamento, e estimular o pleno
emprego da inteligência.
Neste sentido, a filosofia pode contribuir para o desenvolvimento do
espírito problematizador, com seu grande poder questionador, de interrogação e
reflexão sobre os grandes problemas do conhecimento e da condição humana. O
ponto, é buscar as relações em suas inter-retro-ações, entre qualquer fenômeno e
seu contexto, as relações de reciprocidade entre a parte e o todo e como as trans-
formações se repercutem. Isso, ao mesmo tempo, se trata de reconhecer a unidade
dentro do diverso, e o diverso dentro da parte.
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De maneira geral nosso sistema educacional nos ensina a isolar os ob-
jetos, separar os problemas, gerando um raciocínio que impossibilita a visão do
“todo” como horizonte para os fatos. “A hiperespecialização impede que se veja o
global (que ela fragmenta em parcelas), assim como o essencial (que ela dissolve).”
(PENA-VEJA e ALMEIDA, 2001, p.149), e em relação aos problemas que se
destacam nos últimos anos, os citados no primeiro tópico da discussão, pode-
mos perceber que todos apresentam um caráter planetário, portanto, mesmo para
se pensar localmente é preciso pensar globalmente. Nesta medida, o pensamento
sistêmico e analítico é um dos elementos, mas não o único, de uma reforma do
pensamento, buscando não a valorização do todo em detrimento das partes, nem
do conhecimento das partes para a compreensão do todo. Considerando que seria
impossível conhecer o todo sem conhecer especialmente as partes, ou seja, surge
a exigência de um “pensamento em vai-vém”.
É interessante, para compreendermos o que caracteriza um sistema,
entender o sentido complexo desta palavra, vislumbrando que o todo é mais que a
soma das partes, e percebendo que desta interação nascem qualidades emergentes,
que são observadas também no nível dos indivíduos. Observar este movimento é
perceber que “não somente cada parte está no todo como o todo está também em
cada parte: o indivíduo, na sociedade, mas também a sociedade enquanto todo,
no indivíduo.” (PENA-VEJA e ALMEIDA, 2001, p.150).
Um ser vivo pode ser conhecido em sua relação com o seu meio, de
onde extrai energia e organização, formamos nossa experiência inexoravelmente,
inseparavelmente, neste triplo aspectos: biológico, psicológico (individual) e so-
cial, tendo como substância deste material o planeta que nos abriga. “O paradoxo
é o seguinte: vivemos numa época em que tudo no mundo está inter-relacionado,
e não nenhuma consciência pertinente que seja válida se não tiver pelo menos
o mundo como horizonte para todos os grandes problemas.” (MORIN e WULF,
2003, p.27).
Pensar em uma escola capaz de formar pessoas aptas a questionar e
refletir sobre o mundo, e a nossa condição de habitante nele, é pensar em proje-
tos pedagógicos com matérias distintas, mas não isoladas, que percebem a emer-
gência do homo sapiens como espécie, que apresenta o fenômeno da cultura, da
linguagem e do pensamento, permitindo-nos “descobrir que todos os seres vivos
são da mesma matéria que os corpos psicoquímicos e que diferem deles apenas
por sua organização.” (PENA-VEJA e ALMEIDA, 2001, p.151). Estas conexões
bioantropológicas demonstram com maior elucidação que o homem é 100% bio-
lógico e 100% cultural, portanto destaca-se a importância não de aprender,
mas de aprender a aprender (deuteroaprendizagem).
Deste modo, é importante vislumbrarmos a educação ao mesmo tempo
separando e juntando, analisando e sintetizando, considerando causas e efeitos,
para compreender causalidades mútuas, inter-relacionadas, circulares (retroativas
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e recursivas), e as incerteza da causalidade. Uma educação por este viés, realoca o
lugar do sujeito na compreensão dos fenômenos, pois “necessita da integração do
observador em sua observação, ou seja, o exame de si, a autoanálise, a autocrítica.”
(PENA-VEJA e ALMEIDA, 2001, p.152), considerando que, se somos capazes
de nos criticar, começamos a ser capazes de compreender os outros (MORIN e
WULF, 2003, p.34), possibilitando que no futuro possamos fazer uma ciência de
um novo tipo, ecológica, preocupada com a terra e com a cosmologia em suas
relações mais imbricadas, buscando, por meio da redução dos dogmas, formas de
pensar mais amplas e sistêmicas, capazes de produzir uma mudança no estado de
espirito por meio dessa dialógica.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Para finalizar a argumentação, considerando os elementos da Filosofia
Ecológica trabalhados nos outros tópicos, tanto em sua visão de mundo como
em sua prática reflexiva, observamos este campo de pesquisa com relação ao es-
tudo da mente e da consciência. Esta abordagem procura compreender como os
organismos percebem o mundo, ou como são conscientes dele, atentando-se às
formas como se comportam em situações típicas, buscando seus aspectos regula-
res e significativos.
Neste contexto, é importante destacar a distinção profunda entre a Fi-
losofia Ecológica, movimento relativamente recente, que tem como grande di-
fusor J.J. Gibson (por volta dos anos 60-70), e Filosofia da Ecologia, tendo esta
segunda uma abordagem que privilegia os sujeitos humanos da ação, estimulando
uma leitura exclusivamente antropocêntrica. Estas diferenças se apresentam na
maneira de compreender a existência de determinados fenômenos e a abordagem
que se realiza para alcançar determinado conhecimento. A Filosofia Ecológica é
uma forma de análise tanto ontológica quanto epistemológica e procura, segundo
David Large : “mostrar o layout geral das estruturas conceituais fundamentais
e daquelas que edificam uma explicação das capacidades conceituais de ordem
superior” (GONZALES e MORONI, 2011, p.350), buscando explicações para
os significados de determinado evento em termos de ocorrência e uso daquilo que
o ambiente possibilita ao organismo.
Para realizar seu projeto, problematiza a questão sobre as diferentes es-
calas de descrição espacial e temporal, que necessitam ser apropriadas à determi-
nados organismos ou nichos. Descarta, portanto, as premissas de que estes movi-
mentos são redutíveis ao movimento físico, e procura descrições mais autônomas e
independentes dos seres conscientes. O que produz o objeto de análise é justamente
essa combinação da imensidão de organismos no ambiente, sejam eles huma-
nos ou não, que estão inseridos numa rede ainda maior de fluxo de informações
ambientais, originando a percepção atenta dos organismos, ou de seus “estados
cognitivos”.
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Quando um organismo se move modificam-se alguns aspectos do am-
biente e outros permanecem, esses arranjos ambientais, ou estas transformações
e invariantes, especificam a informação sobre determinado ambiente, sobre seu
layout e as mudanças neste layout, e são capazes de especificar eventos no ambien-
te.
Para compreender e explicar as mais complexas formas de cognição e compor-
tamento, esta abordagem introduz a noção de affordances, ou “disponibilidades”,
que o ambiente oferece ao agente, delimitando portanto, o que um organismo
pode fazer, de acordo com a maneira que são percebidas em virtude das informa-
ções captadas.
Este termo, o qual todavia não encontrou uma tradução literal para
seu sentido, está também associada a uma abordagem da mente que se baseia na
reciprocidade entre organismo e ambiente, evitando explicações dualistas, e per-
cebendo esta correlação entre a descrição do ambiente ecológico com o que está
disponível para a mente, ou o que estaria disponível para se pensar. Perceber, agir
e conhecer, podem ser de um modo específico para determinado organismo
em seu ambiente.
Para interpretar estes acontecimentos, ou estes símbolos, é necessária
uma explicação de percepção consciente, ou seja, procurar uma percepção so-
bre um vel complexo de descrição, observando tudo em seu processamento,
como sua perspectiva holística, valorizando considerações empíricas e biológicas.
A mente e a consciência, em sua natureza, se apresentam de uma maneira profun-
damente conectada, por isso a importância de considerá-las nos termos das infor-
mações percebidas, seus estados de prontidão, e níveis de reciprocidade em relação a
determinado nicho, ou meio.
A atualidade desta leitura sobre as informações que o mundo sensível
nos oferece, em relação a nossa capacidade cognitiva de compreendê-las, possibi-
lita uma aproximação à um grande conjunto de ideias, que nos permitem discu- tir
questões pontuais ao mundo moderno. Estas questões dialogam em diversos
fatores, não com as temáticas relativas à crítica desenvolvimentista e o ataque
à biodiversidade, mas também favorece o florescimento de perspectivas criativas
para se pensar o desenvolvimento tecnológico atual. É importante o incremento
desta consciência sobre nossas referencias simbólicos, buscando formas de pensar
mais abertas a alternativas ao modelo propagado, afirmando um conhecimento
transdisciplinar que tem a saúde do planeta como centro de qualquer debate.
REFERÊNCIAS
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Transcrição do teipe gravado para o encontro anual da Lindifarme Fellows. Julho 1980.
OLIVEIRA, D. G. N.; SILVA, V. P
88
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Submetido em: 29/05/2018
Aprovado em: 10/08/2018