SOARES, L.H. M.; VALE, R. A. L.
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.3, n.1, p. 79-96, Jan./Jun., 2017
novas vozes, há um constante experimentalismo linguístico e formal, há novos
modos de representação do tempo e do espaço, além da maior subjetividade
na construção de enredos e personagens, além de dialogar diretamente com os
problemas enfrentados na contemporaneidade. Segundo Dalcastagnè (2012,
p.7), “é difícil pensar a literatura brasileira contemporânea sem movimentar um
conjunto de problemas, que pode parecer apaziguado, mas que se revelam em
toda a sua extensão cada vez que algo sai de seu lugar”. Por tratar dos assuntos
de nosso tempo e por estar inteiramente ligada à sociedade da era globalizada, a
literatura contemporânea torna-se um campo fértil para o entendimento sobre as
relações e jogos de poder, exclusões, hierarquias e violências no Brasil atual.
Beatriz Resende (2008), em seu ensaio A literatura brasileira na era
da
multiplicidade, pontua que, nessa produção literária recente, o “centro” e a
“margem” aparecem desfigurados, apresentam “olhares oblíquos, transversos,
deslocados que terminam por enxergar melhor” (RESENDE, 2008, p.20). É
justamente na obliquidade que as novas formas de criação literária se agrupam: o
aspecto irônico e debochado, a temática do trágico, a violência das grandes cidades,
o consumismo desenfreado, o cotidiano privado e o processo de (re)construção
da memória individual e coletiva, traumatizada. Assim, novas abordagens nos
estudos literários, dando destaque às obras que convergem na desconstrução
de ideias cristalizadas pelo discurso heterossexista, vêm colocando em cheque
visões essencialistas
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e propondo discussões amplas sobre representações de raça,
classe, gênero e sexualidade nas produções culturais. O fato é que a crítica literária
contemporânea encontra-se impossibilitada de definir características gerais na
produção literária do nosso tempo. Embora seja possível notar a presença da
multiplicidade, tanto em relação às formas de produção e disseminação, quanto
às vozes que circundam nos textos literários, a literatura brasileira contemporânea
é, ainda, um território a ser contestado
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que representa a atualidade. Citando Barthes e Agamben, o autor afirma que “o verdadeiro contemporâneo não
é aquele que se identifica com seu tempo, ou que com ele se sintoniza plenamente. O contemporâneo é aquele
que, graças a uma diferença, uma defasagem ou um anacronismo, é capaz de captar seu tempo e enxergá-lo. Por
não se identificar, por sentir-se em desconexão com o presente, cria um ângulo do qual é possível expressá-lo”.
Ao observar que a grande dificuldade do escritor contemporâneo é lidar com o atual e capturar o presente, o
crítico afirma ainda que a escrita contemporânea se por uma “ambição de eficiência” e “pelo desejo de chegar a
alcançar uma determinada realidade” (SCHOLLHAMMER, 2009, p.11).
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Segundo Reis (1992, p.72), a própria noção de literatura é abarcada por linhas ideológicas e jogos de força.
Para o autor, “o conceito de literatura seria entendido como uma prática discursiva, entre outras, dentro da
ordem do discurso”. Em outras palavras: quem tem o poder de escrever, publicar e ser resenhado pela crítica
literária no Brasil?
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Na pesquisa da professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UnB), intitulada “Personagens
do romance brasileiro contemporâneo”, na qual analisou o perfil das personagens e autores em romances
contemporâneos publicados entre 1990 e 2004 pelas três maiores editoras brasileiras, observa-se uma mapa de
ausências no que diz respeito à personagens e autores de grupos marginalizados. Para a autora, o perigo da não-
representação e/ou representação negativa, está no fato de que a literatura nos exprime “não apenas pelo que nos
diz, mas também por aquilo sobre o qual cala. Os silêncios da narrativa brasileira contemporânea, quando nós
conseguimos percebê-los, são reveladores do que há de mais injusto e opressivo em nossa estrutura social.”
(DALCASTAGNÈ, 2005, p.67)