Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.3, n.1, p. 47-64, Jan./Jun., 2017
na medida em que ela pode se tornar uma noiva e uma noiva pode se converter
em uma mulher. Não é o objetivo deste texto reproduzir os complexos sistemas
sociais de troca e parentesco descritos e exemplificados por Rubin. Importa,
isto sim, que eles não podem ser encarcerados numa prisão epistemológica,
retomando a metáfora que intitula esta reflexão. Eles devem ser entendidos em
uma perspectiva mais ampla, holista e inter-relacional. No dizer de Rubin, em
longa mas deveras relevante passagem (1975: p. 209-210, destaques no original e
tradução própria), ao referir-se às sociedades Kachin e das ilhas Trobriand, elas
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[...] indicam que os sistemas sexuais não podem, em última análise, ser entendidos
em isolamento completo. Uma análise plena das mulheres em uma sociedade
específica, ou ao longo da história, deve levar em conta tudo: a evolução das formas
de mercadoria nas mulheres, os sistemas de posse da terra, os arranjos políticos, a
tecnologia de subsistência, etc. Igualmente importantes, as análises econômicas e
políticas são incompletas se não consideram as mulheres, o casamento e a sexualidade.
As preocupações tradicionais da Antropologia e das Ciências Sociais - como a evolução
da estratificação social e a origem do Estado - devem ser reformuladas para incluir o
casamento matrilateral cruzado, o excedente extraído na forma de filhas, a conversão
do trabalho feminino em riqueza masculina, a contribuição do casamento com o poder
político e as transformações efetuadas de todos estes variados aspectos da sociedade ao
longo do tempo.
Este tipo de esforço é, em última análise, exatamente o que Engels tentou fazer em seu
esforço para tecer uma análise coerente de tantos dos diversos aspectos da vida social. Ele
tentou relacionar homens e mulheres, cidade e país, parentesco e Estado, formas de
propriedade, sistemas de posse da terra, convertibilidade de riqueza, formas de troca,
tecnologia de produção de alimentos e formas de comércio, para citar alguns, em uma
avaliação histórica sistemática. Finalmente, alguém terá que escrever uma nova
versão
de A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, reconhecendo a
interdependência mútua da sexualidade, da economia e da política sem subestimar o
significado total de cada uma na sociedade humana.
A proposição da antropóloga é nítida: não deve haver o primado
da economia, da política, da cultura, da antropologia ou qualquer outra
instância. Não existe análise de uma sociedade em termos históricos de forma
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No original assim escrito com destaques: “[...] indicate that sexual systems cannot, in the final analysis, be
understood in complete isolation. A full-bodied analysis of women in single society, or throughout history, must
take everything into account: the evolution of commodity forms in women, systems of land tenure, political
arrangements, subsistence technology, etc. Equally important, economic and political analyses are incomplete
if they do not consider women, marriage and sexuality. Traditional concerns of antropology and social science
–
such as the evolution of social stratification and the origin f the state – must be reworked to incude the impli-
catons of matrilateral cross-cousin marriage, surplus extracted in the form of daughters, the conversion of female
labour into male wealth, the contribution of marriage to political power, and transformations which all of these
varied aspects of society have undergone in the course of time.
This sort of endeavor is, in the final analysis, exactly what Engels tried to do in his effort wo weave a coherent
analysis of so many of the diverse aspectos of social life. He tried to relate men and women, town and country,
kinship and state, forms of property, systems of land tenure, convertibility of wealth, forms of exchange, the
technology of food production and forms of trade, to name a few, into a systematic historical account. Even-
tually, someone will have to write a new version of The Origin of the Family, Private Property, and the State,
recognizing the mutual interdependence of sexuality, economics, and politics without underestimating the full
significance of each in human society”.