38 Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.3, n.1, p. 35-46, Jan./Jun., 2017
GENTIL, P. A. B.; ECCHELI, L. F.
A partir do instante em que surge a propriedade privada, ela é exclusiva
do homem, pois ele é quem sai para o trabalho gerador de riqueza, não a mulher.
Pré-existe, porém, à divisão da sociedade em classes, uma divisão sexual do trabalho:
a mulher, porque deve ser preservada da guerra e outras atividades perigosas (já
que é a maior responsável pela procriação, como visto) e porque biologicamente
é quem deve gerar, parir e amamentar a prole, atua mais no ambiente doméstico.
Até aí não há uma guerra dos sexos, pois o homem tampouco produz riqueza: o
que ele faz gera apenas o necessário para o consumo do grupo.
A divisão sexual do trabalho representará uma desigualdade entre
mulheres e homens somente quando a atividade destes produzir riqueza
da qual apenas eles se apropriarão, de forma privada. Aí sim, permanecer no
domus signicará muito mais do que uma repartição biológica de funções, antes
inofensiva, mas que agora carregará o sentido de verdadeira desigualdade social.
Daí ser viável sustentar que a guerra dos sexos surge intimamente associada
à luta de classes (à qual se assemelha), porque, como esta, é fruto da sociedade de
classes, situando-se a mulher, quase sempre, na posição de não proprietária, ou
menos proprietária. Observe-se por m que, mesmo quando a mulher gure nesse
arranjo na condição de proprietária, num patamar economicamente similar ao
homem, ainda assim será portadora de uma imagem de inferioridade historicamente
construída, por sua vez edicadora de discriminação, que a coloca numa posição
em que a violência contra ela parecerá legítima.
Mais oprimida a mulher ainda cará por conta do padrão
institucionalizado do casamento monogâmico, destinado a garantir a permanência
da propriedade com a descendência do homem e, ainda, a juntar propriedades
privadas de linhagens masculinas diversas, que, a seu turno, as transmitirão aos
seus descendentes.
Com a sociedade de classes, o casamento é um ato negocial, fruto de
um contrato: não se casa por atração entre macho e fêmea, mas sim pelo que é
economicamente interessante para as famílias dos nubentes no sentido de manter
e, se possível, multiplicar a propriedade. Nesse ambiente a virgindade da mulher
é enaltecida, porque representa a garantia de que seus lhos serão de seus maridos;
pela mesma razão a herança, primordialmente, cará em mãos do primogênito, já
que fruto da relação sexual de uma mulher até então virgem. O amor romântico,
sexualmente inspirado, como o vemos cantado e representado pelas artes, nada
tem a ver com o casamento. Este é um ajuste econômico, aquele uma coisa que
pode casualmente vicejar, mas que, sendo entre pessoas não casadas, ou casáveis,
está condenado aos domínios do impossível (como D. Quixote e Dulcinéia), ou
fadado à tragédia (como Romeu e Julieta).
A ideia de que a união monogâmica é a mais adequada para nossos
parâmetros sociais é tão forte, a ponto de esta ser exaltada como um dos deveres
do casamento civil; quando desrespeitada é motivadora de responsabilidade civil