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AUTOFORMAÇÃO COOPERADA E A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: REFLEXÕES ACERCA DO MOVIMENTO DA ESCOLA
MODERNA EM PORTUGAL A PARTIR DO ENFOQUE HISTÓRICO-
CULTURAL
1
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Maria Silvia Rosa Santana
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).
Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Unidade Universitária de Paranaíba, do PPGE.
Júlia Carolina da Costa Santos
3
Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Unidade Universitária de Paranaíba.
Resumo: O presente texto discorre sobre a formação contínua de professores em Portugal e sua
relação com as políticas de formação e o Movimento da Escola Moderna português, a fim de
promover, ainda que de forma incipiente, uma reflexão de seus pressupostos teóricos à luz do
enfoque Histórico-Cultural. As políticas de formação contínua foram instituídas em Portugal após a
quantidade de professores no país não ser mais um problema, mas sim a qualidade da sua formação.
Frente à situação educacional e política do país, o Movimento da Escola Moderna emerge em
Portugal na década de 1960, como movimento que tem por finalidade a formação de professores
de forma cooperativa e democrática, buscando a reestruturação da formação e da profissionalidade
docente. Para tanto, utiliza-se da Autoformação Cooperada, modelo formativo que visa à formação
de sujeitos autônomos e colaborativos. Neste texto discutimos aspectos que consideramos críticos
no referencial teórico e no modelo formativo utilizado pelo MEM, como a utilização superficial
1
Texto originalmente apresentado no X EIDE - Encontro Ibero-americano de Educação de 2015, como comu-
nicação oral e adaptada para a publicação.
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília). Docente da Universidade Estad-
ual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba, do PPGE.
3
Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba.
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2016.v2.n2.03.p31
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SANTANA, M. S. R.; SANTOS, J. C. C.
e equivocada da teoria vigotskiana, e o modelo esvaziado de formação. Entendemos que o
modelo pedagógico e formativo do MEM volta-se apenas às necessidades imediatas, práticas, dos
profissionais em formação, assim como dos alunos que são atendidos em seu modelo pedagógico,
não considerando o sujeito concreto e histórico que está além deste sujeito abstrato que tem por
objeto em sua formação.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
:
Formação Continuada de Professores; Autoformação Cooperada; Movimento da
Escola Moderna; Teoria Histórico-Cultural.
A
BSTRACT
:
This article discusses the continuing Formation of teachers in Portugal and his relationship
between training and the Modern School Movement Portuguese in order to promote, incipiently,
a reflection of the assumptions in light of historical-cultural approach. The politics of continuing
training were set up in Portugal, it does not mean a problem of the great teachers number in
the country, but rather his training quality. According to educational status and political of the
country, the Modern School Movement emerges in Portugal in 1960, aiming the training teachers
union cooperative lyanddemocratic, seeking a restructuration training and teaching profession. For
this, it uses the Cooperative Self-training, training model that aims the formation of autonomo
and collaborative subjects. In this work we discuss some aspects that we consider critical in the
theoretical framework used by the MEM, as superficial and misguide do Vygotskian the or yand
a holistic model formation. We understand that the educational model and training of MEM
focus esonlyto immediate needs, practices, of professional training, as well as studentswhoserved
in its pedagogical model, not considering the concrete subject and historic that is over this abstract
subject that it is engaged in their education.
KEY-WORDS: Teacher training continuing; Self-training Cooperative; Modern School Movement.
Historical-cultural theory.
I
NTRODUÇÃO
A Teoria Histórico-Cultural, fundada a partir das teorizações de
Vigotski e seus colaboradores, alicerça-se fundamentalmente na temática da
constituição dos sujeitos.
Nesta perspectiva, os homens não nascem dotados
de suas qualidades humanas. Os sujeitos se constituem como homens a partir da
sua relação com os outros indivíduos e com mundo, com a sociedade na qual está
inserido. É a vivência dos sujeitos em seu meio e a significação de suas experiências
que possibilitam a humanização dos homens, por meio do conhecimento e da
apropriação do mundo e dos saberes produzidos historicamente.
A educação escolar, segundo a Teoria Histórico-Cultural, promove
o desenvolvimento humano na medida em que possibilita a apropriação pelos
alunos de forma intencional e sistematizado dos conhecimentos científicos
historicamente. É, portanto, por meio do processo educativo que entendemos
que os sujeitos se humanizam (SAVIANI, 2003).Neste contexto, o professor
tem o papel de fazer a mediação, de forma intencional e organizada, entre os
conhecimentos científicos e os alunos, enquanto a pessoa mais experiente desta
relação. (LEONTIEV, 1978; VIGOTSKI, 2010).
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Diante de tais assertivas, aformação de professores tem por finalidade
preparar o professor para que este possa apropriadamente fazer a mediação entre
os conteúdos escolares e os alunos, possibilitando o processo de assimilação destes
conteúdos pelos alunos. Para tal realização, é necessário que além de dominarem
os conteúdos escolares, os professores em sua formação docente aprendam
a organizar suas práticas intencionalmente com o propósito de engendrar o
surgimento de necessidades humanizadoras, aquelas que afetarão os alunos a fim
de envolvê-los nas ões necessárias à aprendizagem.
A formação inicial de professores no Brasil encontra-se, neste momento,
insuficiente para qualificar os professores para o trabalho docente. A formação de
professores tem se mostrado esvaziada de conhecimentos sobre o processo e os
conteúdos de seu trabalho, os conhecimentos pedagógicos e os conhecimentos
específicos de cada área, o que tolhe o professor de se apropriar dos conhecimentos
que lhe possibilitariam dirigir, de forma efetiva e intencional, a relação ensino e
aprendizagem (DUARTE, 2001; GATTI, 2010).
Neste contexto, a formação continuada de professores no Brasil surge a
partir dos anos de 1970 como uma política compensatória, alcançando expansão
a partir da década de 1980, mas sem atingir resultados satisfatórios, por, segundo
Ferreira (2007), não se constituir como política contínua e que não correspondia
às necessidades da escola e dos professores.
Formosinho (1991) apresenta a formação continuadacomo a
formação dos professores dotados de formação inicial profissional, visando o
aperfeiçoamento dos saberes, técnicas e das atitudes necessárias ao exercício da
profissão de professor. Por ter como objeto o professor licenciado e em serviço,
não se limita a atividades pontuais e possui caráter permanente, constituindo-se
pelas atividades que o professor realiza com finalidade formativa, focado no seu
desenvolvimento profissional.
Entendemos, entretanto, que a formão vai além desta dimensão da
capacitação, ocorrendo também em outros tempos e espaços diferentes deste,
sendo um processo que ocorre ao longo da vida pessoal e profissional dos sujeitos,
nos quais o professor é preparado para o exercício da docência. É importante
ressaltarmos que o processo formativo pela qual os professores passam e pela qual
se apropriam da docência vai além dos conhecimentos específicos relativos à
profissão, mas também aos elementos próprios da cultura e do seu tempo.
Pretendemos, neste texto, discutir sobre o modelo de formação
continuada do Movimento da Escola Moderna de Portugal (MEM), a
Autoformação Cooperada, assim como levantar possíveis reflexões a partir do
enfoque Histórico-Cultural. Para isso, no primeiro tópico deste texto, abordamos
brevemente o Movimento da Escola Moderna (MEM), seus princípios e seu
desenvolvimento enquanto associação que tem por finalidade formar professores
e criar meios para a (re) construção das práticas pedagógicas em Portugal. A seguir,
SANTANA, M. S. R.; SANTOS, J. C. C.
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no segundo tópico, tratamos do modelo formativo do MEM, a autoformação
cooperada, seguido, no terceiro tópico, de nossas considerações acerca deste
modelo, a partir de seu referencial teórico, para, por fim, encerrarmos com nossas
reflexões a partir desta temática.
O MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA EM PORTUGAL
O Movimento da Escola Moderna português é uma associação e um
movimento de formação de professores, que se autodenomina como um projeto
democrático de autoformação cooperada, direcionado à construção de um
modelo de cooperação educativa nas escolas. Nas palavras de Sérgio Niza:
O Movimento da Escola Moderna (MEM) é uma associação de profissionais de educação
que se assume como movimento social de desenvolvimento humano e de mudança
pedagógica e que se propõe construir respostas contemporâneas para uma educação
escolar intrinsecamente orientada por valores democráticos de participação directa,
através de estruturas de cooperação educativa. (NIZA, 2009, p.349).
Fundado em Portugal na década de 1960, a proposta do MEM
originou-se a partir da fusão de três práticas pedagógicas convergentes, todas com
a participação direta dergio Niza: a experiência do educador em uma escola
Primária em Évora, no período de 1963/64, a partir da concepção do municipalismo
da proposta de António Sérgio; a prática de integração de crianças deficientes
visuais do centro de Hellen Keller e o curso de aperfeiçoamentoprofissional,
orientado por Rui Grácio entre os anos de 1963 e 1966 com o apoio dos sindicatos
dos professores (FOLQUE, 2011; NIZA, 1998).
Autores como Folque (1999; 2011), Niza (1997; 1998) e Nóvoa
e Vilhena (2012) apontam que a partir da década de 1990 o MEM alcançou
estabilidade, sendo reconhecido como movimento incontornável de formação de
professores na história da formação de professores em Portugal e na capacidade de
intervenção a nível nacional, adentrando e compondo o ensino oficial.
Segundo Folque (2011), a matriz teórica que orientava o trabalho do
MEM até a década de 1980 baseava-se na pedagogia do trabalho de Freinet, na
qual o aprendizado ocorre “[...] envolvendo-se em trabalho útil e produzindo
serviços úteis; o trabalho cooperativo; a vivência da democracia as crianças
participavam nas estruturas de governo da escola” (FOLQUE, 2011, p. 52). A
partir da década de 80, as teorias de Bruner e Vigotski foram integradas no que
a autora chama de uma perspectiva sócio-construtivista, para fundamentarem
teoricamente o trabalho de formação cooperada e o modelo pedagógico de
intervenção escolar (FOLQUE, 1999).
Segundo Sérgio Niza (1998), a cultura, categoria utilizada tanto por
Vigotski quanto Bruner em suas teorizações, é peça-chave para a pedagogia do
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MEM. O autor destaca que é por meio da cultura que toda ação é orientada, e
logo transformada pela reflexão crítica. A cultura pedagógica do MEM pode ser
entendida como
[...] um instrumento social da ação educativa que, no caso vertente, se institui,
enquanto ação democrática, entre professores e alunos: os projetos de conhecimento
e de intervenção são concebidos e desenvolvidos democraticamente, em trabalho
contratualizado de cooperação. (NIZA, 1998, p. 3).
Para Antônio Nóvoa (1998), é a cultura pedagógica do movimento,
baseada na responsabilização profissional e no compromisso com a educação
o que melhor caracteriza o MEM, e orienta os profissionais a construírem
a profissionalidade com compromisso, através da cooperação, assentada em
valores democráticos, refletindo as práticas e dando um sentido ético ao trabalho
educativo. De acordo com este mesmo autor, é esta cultura pedagógica que
[...] permite avanços, novas iniciativas e projetos, que definem uma atitude de procura
e de inquietação intelectual que não se confunde nunca com o efêmero das modas e
das novidades. o o apenas palavras. É um modo de ser e de estar. (NÓVOA, 1998,
p.16).
Como princípio educativo, o Movimento da Escola Moderna defende
a formação das crianças para a intervenção social. Neste sentido, os docentes
do MEM encaram a escola como um espaço onde se iniciam as práticas de
cooperação e de solidariedade de uma vida democrática, onde todos os envolvidos,
tanto alunos, quanto professores e outros funcionários devem contribuir para a
criação de um ambiente com condições sociais, materiais e afetivas, que permitam
organizar o espaço educativo de forma que todos possam apropriar-se dos
conhecimentos, dos processos e dos valores morais que a humanidade preconiza
no seu percurso histórico-cultural (FOLQUE, 2011).
A formação de professores e educadores a partir dos fundamentos
do MEM preconiza a “[...] construção cooperada da profissão docente, por
retroacção do acto pedagógico, que se (re) constrói continuadamente,
por meio
da
reflexão crítica e avaliativa de práticas no colectivo, de onde resulta,
consequentemente, a construção de uma pedagogia
.” (SERRALHA,
2009, p.5,
grifo nosso). É sobre o modelo formativo do Movimento da Escola Moderna
portuguesa que avançamos neste texto.
AUTOFORMAÇÃO COOPERADA COMO FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE
A Autoformação Cooperada propõe-se a alavancar o desenvolvimento
profissional e a mudança pessoal de forma intencional a partir de um contexto
de socialização. Neste contexto, a cooperação social é estruturante. É através
do conceito de Kurt Lewin que Sérgio Niza define a cooperação que assenta o
SANTANA, M. S. R.; SANTOS, J. C. C.
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modelo formativo do MEM:
Cada um só pode alcançar os seus objectivos se, e só se, os demais conseguirem
alcançar os seus
, por oposição às da competição em que
cada uma pode alcançar os
seus objectivos se, e se, todos os demais não conseguirem alcançar os seus
. (NIZA,
2009, p. 348, grifos do autor).
É por meio da cooperação que as condutas dos formandos e formadores
são delineadas. Os membros de comunidades de práticas profissionais, assim como
o MEM, têm a sua atuação profissional determinada pela estrutura e organização
destas comunidades, e não pelas características pessoais dos indivíduos que as
compõem. Niza (2009, p. 349) destaca que a autoformação cooperada ocorre
“[...] sujeita às regras sociais da cooperação”, o que significa, neste contexto,
que cada elemento envolvido atinge os objetivos da formação quando cada
um dos outros os tiver atingido também, o que para o autor indicaria que a
formação ocorre num viés duplo e dialético, marcada pela intencionalidade,
responsabilidade e socialização dos sujeitos que dela fazem parte, numa lógica em
que todos buscam o desenvolvimento do grupo, já que, através da cooperação, os
sujeitos “[...] formam uns aos outros” (NIZA, 2009, p. 349).
Assim como a cooperação, o isomorfismo pedagógico é um conceito
fundamental para a formação e a prática dos profissionais que constituem o
MEM. O isomorfismo pedagógico é entendido como
[...] a estratégia metodológica que consiste em fazer experienciar, através de todo o
processo de formação, o envolvimento e as atitudes; ostodos e os procedimentos;
os recursos técnicos e os modos de organização que se pretende que venham a ser
desempenhados nas práticas profissionais efectivas dos professores. (NIZA, 2009, p.352).
A formação dos professores por meio de uma pedagogia isomórfica
implica a utilização de um sistema baseado nos mesmos princípios e conceitos que
o professor/educador em formação adotará com os seus próprios alunos (NIZA,
1997). De acordo com Folque (2011), para que haja coerência na transferência das
aprendizagens da maneira de ser professor é necessário que as práticas escolares e a
formação de professores sejam reconstruídas. Essa é uma das principais premissas
nas quais a formação de professores no MEM se sustenta. Segundo a autora
“[...] no MEM, buscamos fazer que os princípios que procuramos viver com os
nossos alunos nas escolas sejam vividos por nós no nosso modelo de formação.”
(FOLQUE, 2011, p. 54).
Os princípios estratégicos que norteiam as práticas do MEM baseiam-
se em três orientações pedagógicas que direcionam o processo formativo: a) o
conhecimento é produzido na ação; b) a comunicação é fundamental para
a formação e para a aprendizagem; e c) interação dialética entre a experiência
pessoal e a teorização (NIZA, 1997).
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O primeiro prinpio apregoa que a construção do conhecimento ocorre
pela “consciência do percurso da própria construção” (NIZA, 1997, p. 33), ou seja, é a
partir da reflexão sobre a ação que a verdadeira aprendizagem ocorre. A comunicação,
destacada na segunda orientação, é o que sentido social à aprendizagem e ajuda
a estruturar o conhecimento, assim como nos processos de validão e regulação
da aprendizagem. a terceira orientação diz respeito à [...] necessidade de uma
constrão e reconstrução pessoal dos conhecimentos e habilidades técnicas
enquanto práticas individuais ou grupais pontuadas por apoios reflexivos ou tricos
proporcionados pelos pares e pelos formadores.” (NIZA, 1997, p.33).
Os projetos são considerados peças fundamentais para a autoformação
cooperada, e como “princípio estratégico central para a formação” (NIZA, 2009,
p.354). De acordo com o autor, o uso de projetos nas ações formativas envolve
três condições: que os formandos façam parte do planejamento do projeto a ser
desenvolvido, que este projeto seja aplicado e aperfeiçoado progressivamente e
que o trabalho realizado por meio do projeto seja configurado e acordado como
processo de formação colaborativa entre os participantes do processo.
É através dos projetos que de a autoformação cooperada, o que
possibilita a participação ativa e colaborativa por parte dos sujeitos em formação,
organizando-se como uma prática de produção cultural durante a formação
(FOLQUE, 2011; SERALHA, 2006). Desta forma,
[...] o projecto surge como sentido, como cultura, e esse sentido é o de organizar o olhar,
a escuta, as energias, os sujeitos e as acções para responder a desejos e aspirações que são
sempre necessidade de desenvolvimento inter e intrapessoais. Projectos que comprometem,
descobrem os obstáculos e procuram os meios de os vencer. Esta cultura de projecto remete
o acto de educar para outro paradigma: já não transmissão de informação sem ligação
como o vivido, mas o aprender como meio de compreensão e acção sobre os quotidianos,
orientado para a resolução dos problemas e das dificuldades, provocando novas e mais
intensas questões para nos fazermos todos (educadores e educandos, animadores e
animados) mais cultos e melhores cidadãos. (PEÇAS, 1999, p.58).
A autoformação cooperada é estruturada pelo MEM a partir de atividades
desenvolvidas regionalmente e em contexto nacional, que contemplam sócios e
não sócios, nos quais os instrumentos de trabalho pedagógico o construídos e
compartilhados, as práticas são partilhadas e teorizadas, assim como os materiais
teóricos utilizados para fundamentar os debates. Tais atividades buscam promover
o modelo pedagógico, por meio da reflexão e o aprofundamento interno sobre a
pedagogia do MEM. As atividades do MEM são geridas e reguladas por Comissões
Coordenadoras existentes em cada núcleo regional, em reuniões mensais.
O
MEM
,
CONSTRUTIVISMO SOCIAL
,
VIGOTSKI
:
AS IMPOSSIBILIDADES DESTA RELAÇÃO
Toda teorização de Vigotski (2004) foi para a construção de uma
psicologia marxista, baseada no materialismo histórico dialético, e, portanto,
SANTANA, M. S. R.; SANTOS, J. C. C.
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como nos aponta Newton Duarte (2001), ao nos utilizarmos das produções deste
teórico, não podemos descaracterizá-la enquanto uma teoria marxista. O MEM
(FOLQUE, 1999, 2011; NIZA, 2009), ao aproximar e associar os pressupostos
vigotskianos, como o seu conceito de cultura, a autores como Jerome Bruner,
autor sócio-construtivista, descaracteriza o trabalho de Vigotski como marxista e
baseado no materialismo histórico e dialético.
A cultura, para Bruner e para Vigotski assumem perspectivas muito
diferentes. Segundo Rabatini
A cultura para Bruner são signos que assumem várias facetas por estarem em consonância
com a interpretação de um determinado indivíduo, implicando o desenvolvimento
particular deste. O conhecimento é considerado, portanto, uma troca de significações
imanente da mesma psique. (RABATINI, 2010, p. 95).
Da mesma forma que o conhecimento, a cultura é continuamente
negociada por depender da interpretação de cada indivíduo. O desenvolvimento
humano dá-se de forma particular, não indicando características universais entre
os sujeitos. A concepção de Bruner aproxima-o de um modelo educacional
pós-moderno e pragmático, que com esta concepção de cultura o autor “[...]
debruça-se apenas no sujeito empírico reflexo de sua aparência individual,
preterindo-o como síntese de múltiplas determinações” (RABATINI, 2010, p.
111).
Na teoria vigotskiana é através da apropriação da cultura constituída
historicamente pela humanidade que os indivíduos se desenvolvem. A cultura é
constituída pela humanidade através do trabalho, sendo o:
[...] produto das leis históricas determinadas pelas condições concretas de sua existência.
O homem nessa perspectiva produz cultura, mas também é fruto dessas relações sociais
queo internalizadas por ele e se expressam na forma de funções psíquicas. Isto porque,
em uma concepção marxiana a natureza psicológica do homem é a totalidade das relações
sociais que se tornam funções da personalidade da pessoa. (RABATINI, 2010, p. 98).
A apropriação da cultura mencionada acima é possível pela aprendizagem,
através da escolarização dos indivíduos, e nesse contexto salientamos que para o
materialismo histórico e dialético, e, portanto, para Vigotski, o trabalho [...] é o
mediador do processo dialético de transformação da natureza em cultura social.
Com base nesse postulado Vigotski entende a cultura como produto do trabalho
humano e, portanto expressão do processo histórico.” (RABATINI, 2010, p.78).
É nesse sentido que os conceitos defendidos por Vigotski não coadunam
com a formação do “[...]
sujeito empírico reflexo de sua aparência individual
[...]” (RABATINI, 2010, p. 111), uma vez que para ele o movimento de
humanização ocorre por meio da apropriação da cultura histórico e socialmente
constituída, encerrando uma relação entre o singular, o particular e o universal.
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Neste contexto, defendemos, conforme entende Saviani,que a finalidade
da educação seja :
[...] produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que
é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da
educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais
que precisam
ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos
e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas
para
atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2003, p.17, grifos nossos).
A escola possui o papel de mediar à apropriação da cultura, sendo o
ambiente privilegiado para a promoção de desenvolvimento ideal, de modo a
permitir que os sujeitos atinjam suas máximas potencialidades. Mas para que
possamos nos apropriar adequadamente dos elementos culturais produzidos
historicamente pelo homem e assim, nos desenvolvermos potencialmente,
como preconiza Vigotski e outros autores da Psicologia Histórico-Cultural,
como Leontiev (1978), precisamos atentar que a aprendizagem antecede o
desenvolvimento. E o desenvolvimento, nesta perspectiva, é resultado das
aprendizagens que acontecem pela atividade do sujeito com os produtos da
cultura, por meio das relações sociais, sendo um processo ativo (VIGOTSKI,
2001).
Tais concepções são também fundamentais para a formação continuada.
Vigotski foi enfático em pontuar que “[...] o único bom ensino é o que se
adianta ao desenvolvimento” (2001, p. 114), e esse ensino deve ser organizado,
sistematizado, de maneira que promova o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores dos sujeitos, incluindo os professoresque se encontram em
formação contínua. Apenas a reflexão sobre a prática não basta. A reflexão deve
existir, mas fundamentada por um conhecimento teórico consistente, que permita
aos profissionais a compreensão de suas realidades para além das aparências, das
formas alienadas de apropriação da cultura, a fim de que essa compreensão possa
embasar o planejamento e a execução das ações pedagógicas.
Enfatizamos que a educação tem um papel político, incluindo aqui
a educação dos formadores dos futuros cidadãos. A Autoformação Cooperada
destaca a formação através de práticas pedagógicas que relativizam a importância
de se trabalhar adequadamente os conteúdos escolares e o papel do professor na
transmissão e apropriação destes conteúdos pelos estudantes, o que, por sua vez,
entendemos que é uma forma alienante de ensino e não condiz com um ensino
promotor do desenvolvimento.
Saviani (2003) destaca que é função da escola detectar quais são os
conteúdos que devem entrar em seu currículo por viabilizarema continuidade
do desenvolvimento e evolução do gênero humano, ou seja, que proporcionem
que a educação torne-se um mecanismo para transformação e emancipação dos
homens.
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Seguindo esta lógica, a formação docente que defendemos é uma
formação promotora do desenvolvimento, articulada à prática, mas referenciada
pelos conhecimentos historicamente produzidos pelos homens de maneira que
estes se constituam em processo formativo, superando a formação que busque
promover competências e que considere apenas a capacidade de aprendizado dos
sujeitos calcada nos conhecimentos cotidianos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendemos com este texto contribuir, ainda que de forma incipiente,
para a discussão a respeito das políticas de formação continuada de professores
a partir do modelo formativo utilizado pelo Movimento da Escola Moderna de
Portugal, a Autoformação Cooperada. Para isso, apresentamos sucintamente
o MEM e o seu modelo formativo, assim como discutimos parte de aspectos
que consideramos críticos no referencial teórico, como a utilização superficial
e equivocada da teoria vigotskiana, que aproxima Vigotski do Construtivismo
Social, movimento do qual este teórico não faz parte, assim como o seu conceito
de cultura, que é essencialmente diferente do de Bruner.
Entendemos que o modelo pedagógico e formativo do MEM volta-se
apenas às necessidades imediatas, práticas, dos profissionais em formação, assim
como dos alunos que são atendidos em seu modelo pedagógico, não considerando
o sujeito concreto e histórico que está além deste sujeito abstrato que tem por
objeto em sua formão.
O papel da escola e dos educadores, segundo a Teoria Histórico-
Cultural, é a socialização sistematizada dos conhecimentos científicos, políticos,
éticos e filosóficos visando à humanização dos sujeitos. Esta formação não ocorre
senão por meio de uma prática pedagógica intencionalmente elaborada para tal,
por meio de uma didática científica.
Portanto, entendemos que as políticas de formação dos professores
demandam ter como referência esse conhecimento, para que o docente, no
exercício de seu trabalho, possa desenvolver as máximas capacidades humanas
dos escolares.
Referências
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Submetido em: 04/05/2017
Aprovado em: 23/08/2017