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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA PERSPECTIVA DE GÊNERO E
SEXUALIDADES:A ATUAÇÃO DA MEDIAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO
INFANTIL PÚBLICA PAULISTA
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AULO
Matheus Estevão Ferreira da Silva
1
Graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-FFC-Campus de Marília).
matheus.estevao2@hotmail.com
Talita Santana Maciel
2
Pedagoga e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP-FFC-Campus de Marília). Integrante do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania
de Marília (NUDHUC) e do grupo de pesquisa e estudos NUDISE - Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na
Escola.
E-mail:
talita.s.maciel@hotmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
3
Pós-doutorado em Educação pela Universidade do Minho, Braga-Portugal. Pós-Doutorado em Educação pela
Universidade de Valência-Espanha. Doutorado em Sociologia pela FFLCH-USP. Mestre em Educação pela
UNESP- FFC-Campus de Marília.
tamb@terra.com.br
RESUMO: Este artigo, desenvolvido mediante revisão bibliográfica e documental, integra-se à
pesquisa “Mediação, direitos humanos e cidadania: políticas educacionais, concepções e ações em
escolas blicas estaduais paulistas e espanholas”, correspondendo à contextualização e reflexão
teórica do papel da mediação docente na educação em direitos humanos na perspectiva de gênero,
especificadamente, na Educação Infantil. Assim, traz-se a historicidade e a construção da categoria
social gênero como um dos agentes de otimização e progresso do tratamento aplicado à diversidade
humana, como sustentação da afirmação e cumprimentos dos direitos humanos dos sujeitos
1
1.º Secretário do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília (NUDHUC). Bolsista de Iniciação
Científica - PIBIC/CNPq. Membro dos grupos de pesquisa e estudos NUDISE - Núcleo de nero e
Diversidade Sexual na Escola, e GEADEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento
na Perspectiva Construtivista.
2
Integrante do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília (NUDHUC) e do grupo de pesquisa e
estudos NUDISE - Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Escola.
3
Presidenta do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília (NUDHUC). Líder do Grupo de Pesquisa
e Estudos NUDISE - Núcleo de nero e Diversidade Sexual na Escola. Docente e vice-chefe do Departamen-
to de Administrão e Supervisão Escolar da UNESP-FFC-Campus de Marília e professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da mesma instituição.
http://doi.org/10.33027/2447-780X.2016.v2.n2.02.p9
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protagonizados por tal categoria. Realizou-se um resgate histórico do desenvolvimento da categoria
de nero ao longo dos anos para, em seguida, contextualizar com a promulgação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e o compromisso do Brasil com o cumprimento de suas diretrizes
e da educação em direitos humanos e, finalmente, expor e analisar as correspondências da proposta
de mediação nas escolas públicas do estado de São Paulo com a educação em direitos humanos, bem
como as implicações de gênero na gestão de conflitos. Ressalta-se que a transformação social contida
na categoria de gênero e todo o aparato teórico-prático que este carrega, estudado e desenvolvido em
bases científicas, atinge valores e comportamentos, reproduzidos cultural e historicamente,
internalizados nas relações sociais e que, a partir destes, gênero propõe uma mudança, o nascimento
de uma cultura em/para direitos humanos que respeite e preze as diferenças, na qual a mediação, e
a educação como um todo, possui função primordial na formação de pessoas em valores humanos.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
:
Educação; Direitos humanos; Gênero; Sexualidades; Mediação.
A
BSTRACT
:
This article, developed through a bibliographical and documentary review, is part of the
research “Mediation, human rights and citizenship: educational policies, conceptions and actions
in public schools of the state of o Paulo and Spain”, corresponding to the contextualization and
theoretical reflection of the role of teacher mediation in the education in human rights from a
gender perspective, specifically in Early Childhood Education. Thus, it brings the historicity and
the construction of the social category of gender as one of the agents of optimization and progress
of
the treatment applied to human diversity is brought forward, as support of the affirmation and
compliments of the human rights of the subjects carried out by such category. It was held a
historical rescue of the development of the gender category carried out over the years and then
contextualized with the promulgation of the Universal Declaration of Human Rights and Brazil’s
commitment to the fulfillment of its guidelines and the human rights education, finally, to expose
and analyze the correspondences of the mediation proposal in public schools in the state of São
Paulo with human rights education, as well as the gender implications in conflict management. It
should be stressed that the social transformation contained in the category of gender and all the
theoretical-practical apparatus that this carries, studied and developed on scientific bases, reaches
values and behaviors, reproduced culturally and historically, internalized in social relations and that,
from these, gender proposes a change, the birth of a culture in/for human rights that respects and
praises the differences, in which mediation, and education as a whole, has a primordial function in
the formation of people in human values.
K
EYWORDS
:
Education; Human rights; Gender; Sexualities; Mediation.
I
NTRODUÇÃO
Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, viu-se mudanças significativas
na legislação e política internacional dos Estados a respeitos da garantia e
cumprimento dos direitos individuais e coletivos no cenário pós-guerra da época.
Vários documentos vieram em decorrência com o propósito de fortalecer direitos
afirmados pela declaração incorporar direitos de outros grupose sujeitos,em
suas diretrizes, historicamente marginalizados e oprimidos. Neste sentido, a
categoria social de gênero, desenvolvida e estabelecida na segunda metade do
século XX, evidencia-se como um dos meios que auxiliaram na reivindicação e
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reconhecimento dos direitos das mulheres e, mais recentemente, dos direitos da
população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros em geral),
no âmagodas reivindicações dos movimentos sociais de sua autoria, como direitos
humanos.
O Brasil, signatário de todos os documentos e tratados internacionais
de direitos humanos, principalmente por conta da ação de movimentos sociais
no interior do país cobrando seus direitos, possui como compromisso o
cumprimento de tais direitos nas mais diferentes instâncias, deste modo, as
políticas públicas, inclusive as educacionais, voltam-se à perspectiva dos direitos
humanos.A educação em direitos humanos (EDH), prevista juridicamente
a partir da primeira década do século XXI no país, baseia-se na construção de
ambientes pautados em valores éticos universalizáveis intervindo (in)diretamente
na educação em valores, visando o desenvolvimento de uma cultura em/para
direitos humanos na sociedade brasileira a começar no ambiente escolar.
Neste sentido, a mediação, proposta e deliberada recentemente no
estado de São Paulo, apresenta-se como um dos novos mecanismos de gestão de
pessoas orientada pelos princípios trazidos pela educação em direitos humanos e
sua incumbência na formação/educação em valores. A responsabilização de um
profissional específico, formado e preparado, para lidar com conflitos presentes no
cotidiano escolar, bem como lidar com expressões de determinadas problemáticas
em que dado a conjuntura atual, gênero e sexualidades se evidenciam como
as principais temáticas envoltas à necessidade de uma mediação de conflitos
qualificada , foi uma alternativa do governo do estado de São Paulo para a
promoção de uma escola que se preocupa com o bem-estar de seus alunos e alunas.
Assim, o presente artigo, desenvolvido a partir de revisão bibliográfica
e documental,tem como objetivo apresentar as correspondências da mediação
do estado de São Paulo com a educação em direitos humanos, principalmente,
na formação de uma cultura em/para direitos humanos no âmbito escolar e, da
mesma forma, elucidar a importância do processo de mediação na formação
de valores a respeito de gênero e sexualidades, conteúdos a serem trabalhados
dentro dessa perspectiva de educação, nas representações escolares das pessoas que
protagonizam e se beneficiam de tais temáticas.
Para tal, primeiramente foi realizado um resgate histórico da construção
e desenvolvimento da categoria social de gênero, evocando desde suas origens
etimológicas às teorizações feministas no século XX para denúncia e explicação
das iniquidades que as mulheres foram submetidas historicamente em relação ao
sujeito homem, finalizando com os rumos que as teorizações de gênero sofreram
com o advento do movimento pós-modernista, em que a diversidade sexual e de
gênero (a população LGBT) passa a ser contemplada pela categoria de gênero se
inserindo no público que a protagoniza, resultando na indissociabilidade entre
sexualidades e gênero nas teorizações atuais dos estudos de gênero.
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Em seguida, contextualiza-se a reivindicação dos direitos das mulheres
e da população LGBT a partir da categoria de gênero no interior dos Movimentos
Feminista e LGBT com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos no período pós-guerra e a responsabilização dos Estados para com a
garantia e reconhecimento de direitos universais, em que a educação em direitos
humanos, proveniente e orientada por princípios éticos universalizáveis, assume
um importante papel, tanto para a garantia de uma sociedade democrática quanto
para a construção de uma cultura que valorize as diferenças e preze a diversidade
humana, contemplando as demandas sociais de gênero e sexualidades.
Por último, traz-se a proposta de mediação promulgada no estado
de São Paulo como auxílio na garantia de um ambiente escolar ético e de paz,
conforme estimado pela educação em direitos humanos, a começar na Educação
Infantil em que o(a) profissional mediador(a) terá influência direta ao assumir
a posição de referência dos(as) alunos(as) envolvidos(as) no conflito ali gerado.
Contudo, salienta-se, também, que sua eficácia como agente promotor da
democracia e dos primeiros passos para o exercício da cidadania dependede
como o(a) profissional responsável conduz o processo de mediação, pois, da
mesma forma que este(a) pode construir o ambiente almejado e proposto, pode
partir-se de resoluções de conflitos unilaterais e autoritárias, opondo-se veemente
à EDH, possibilidade muito presumível quando os conflitos envolverem temas
considerados polêmicos, em alguns meios, como gênero e sexualidades.
A CONSTRUÇÃO DA CATEGORIA SOCIAL DE GÊNERO: ORIGENS, FUNDAMENTAÇÕES E
PERSPECTIVAS
No que se refere aos estudos sociais contemporâneos, o termo gênero
é compreendido como uma categoria social, estabelecida conceitualmente na
segunda metade do século XX e em constante construção para distinguir os
aspectos sociais dos aspectos biológicos dos indivíduos - e apropriada na mesma
época pelas teorizações do Movimento Feminista com o intuito de denunciar e
explicar a situação inferior e subalterna que a mulher se encontra historicamente
nas sociedades. Entretanto, as origens da palavra gênero antecedem as teorizações
feministas do século XX, pois, desde o surgimento da palavra, o termo gênero
vem sofrido constantes abordagens e interpelações teóricas decorrendo em
variadas conceituações, nas quais algumas se encontram em vigência até hoje. Tais
abordagens correram em diferentes campos, principalmente na linguagem,
conforme constata-se em sua etimologia.
Na sua origem etimológica, a palavra gênero deriva da base indo-
europeia gen- ou gnê- que significam, respectivamente, gerar e nascer. em suas
raízes na língua latina, descendente da indo-europeia, verifica-se o emprego de
genus, -eris, que possuem o significado de nascimento, descendência, origem e
linhagem.(CUNHA, 1982). Neste sentido, gênero surge como uma palavra de
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uso classificatório, para separar elementos em grupos utilizando-se de critérios
específicos, ou seja, compreendido como a divisão, a partir de características em
comum, em conjuntos, espécies ou agrupamentos. É à vista disto que Campo-
Toscano (2009, p. 22) afirma que gênero traz “A reiteração de termos como
‘categoria’, ‘classificação’, ‘divisão’, ‘características’, ‘estilo’, [...] inscrito como uma
categoria de classificação [...]”.
Assim, no período da Antiguidade, sobretudo, greco-latina, tal
concepção de gênero é predominante entre os povos antigos, principalmente para
a categorização das artes: os gêneros teatrais, literários, musicais, etc. Da mesma
forma, gênero que pode referir-se à técnica utilizada para a criação de tais obras,
por exemplo, entre os gêneros na pintura, estão o figurativista, o retrato e o nu
artístico, assim como nos gêneros musicais, como o clássico, o jazz e a ópera, entre
outras técnicas. Apesar desta concepção prevalecente nas sociedades da época, é
neste mesmo período que gênero adquire um novo conceito, ainda no sentido de
classificação, no que diz respeito à retórica e à natureza do discurso.
Segundo Plebe (1978) foi a partir do filósofo grego sofista Protágoras
de Abdera (490 a.C. 415 a.C.) que gênero adquiriu a significação da divisão
e classificação dos discursos, a formação dos substantivos em três naturezas:
masculino, feminino e neutro. Os gêneros masculino e feminino para serem
usados na linguagem e escrita ao reportar-se à seres animados do sexo masculino
e feminino, e o gênero neutro para ser usado ao referir-se à seres inanimados,
nem masculino ou feminino. Com relação a este último Lucchesi (2009, p.
295) ressalta que: “Na formação das línguas românicas, verifica-se a passagem
de um sistema tripartido encontrado no chamado latim clássico para um sistema
fundado na oposição entre o masculino e o feminino, com o desaparecimento do
neutro.”, assim, mesmo que ainda exista certos resquícios do gênero neutro na
língua portuguesa, sua presença no idioma foi extinta.
Diante de sua conjuntura conceitual, o termo gênero, desde aquela
época, foi associado ao sexo biológico das pessoas, exercidos como sinônimos, por
conta destas implicações na linguagem e comunicação, ou seja, referenciando-se
aos homens e mulheres, consequentemente, à ideia de sexo masculino e feminino.
Todavia, este conceito de gênero permaneceu por muito tempo, somente
durante a primeira metade do século XX que surgem as primeiras abordagens
pelos estudos, em diferentes perspectivas e ambientes de atuação, das Ciências
Humanas e Sociais para com as relações sociais constituídas entre os homens e as
mulheres cultural e historicamente, assim, que originariam um novo conceito de
gênero, doravante, agora como uma categoria social fecunda e, mais adiante, útil,
para analisar historicamente a natureza de tais relações.
Como relembra Suárez (1995), estas abordagens, que antecedem sua
conceituação, iniciaram-se, principalmente, no âmbito da Antropologia dos
anos de 1930 em diante, com destaque aos antropólogos Bronislaw Malinowski
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e Gregory Bateson, na Inglaterra, e à Margareth Mead, nos Estados Unidos.
Para contextualizar-se brevemente, a contribuição da antropologia naquela
época baseia-se na investigação de civilizações que possuem relações, costumes,
tradições e ritos que se diferem veemente da cultura ocidental, sobretudo, no que
diz respeito ao comportamento e conduta de mulheres e homens, considerados
curiosos e, simultaneamente, fascinantes com relação à esta visão eurocêntrica de
mundo, e dispondo-se, então, de tribos e aldeias como objeto de estudo.
Cronologicamente, a antropóloga cultural norte-americana Margaret
Mead “[...] uma das primeiras pesquisadoras a falar de ‘papéis sexuais’ [...]” publica,
no ano de 1928, o livro Coming of age in Samoa, no qual pôde constatar que “[...]
o temperamento não provém diretamente do sexo biológico, mas é diversamente
construído pelas sociedades.” (KOVALESKI; TORTATO; CARVALHO, 2016,
p. 49) discutindo o contraste entre os estadunidenses e os povos habitantes da
ilha de Ta’u, localizada no arquipélago de Samoa. Mais adiante, em 1935, Mead
publica o livro Sexo e temperamento em três sociedade primitivas e, no mesmo
sentido de seu trabalho anterior, elucida que o comportamento humano não é
determinado pelo sexo, ao utilizar do contraste de outras culturas, afirma que
certas características do temperamento humano podem ser tanto compartilhadas
por pessoas de um sexo quanto por pessoas do sexo oposto, porém ausente de
menções à uma possível teorização destes papéis.
O antropólogo Bronisław Malinowski, no livro A vida sexual dos
selvagens, de 1929, estudou a organização social da sexualidade dos povoados das
ilhas do noroeste da Melanésia numa perspectiva sociocultural, explorando seus
ritos, tradições e costumes relacionados à sexualidade: a escolha do(a) parceiro(a),
o cônjuge, a família, assim, incorporando indiretamente as relações de gênero.
No entanto, as concepções Malinowski não diziam respeito às relações sociais
partilhadas entre o homem e a mulher, em outras palavras, não havia distinção
de sexo e gênero, do biológico e do social, assim, “[...] sua concepção de gênero
permite a inclusão do par dicotômico homem/mulher, deixando largamente de
lado as relações que se estabelecem entre homens e entre mulheres [...] qualquer
tipo de relação entre homens e mulheres era considerada sexual.” (SUÁREZ, 1995,
p. 38).Ainda segundo a autora, o antropólogo e biólogo Gregory Bateson, em
1936, publica o livro Naven, decorrente de seu trabalho estudando a simbolização
da feminilidade e masculinidade na tribo Iatmul, na Nova Guiné. Bateston
descreve uma espécie de cerimônia, denominada Naven, em que mulheres e
homens invertem o uso de suas vestimentas, afirmando que as diferenças entre
ambos constituem a estrutura social de sua cultura.
Deste modo, apesar de gênero ser abordado, ainda que indiretamente,
na
primeira metade de século XX, é apenas na segunda metade deste mesmo
período que gênero sofre suas primeiras teorizações. É durante a transição destes
dois períodos que a ideia central do conceito de gênero surge, ainda com a
ausência de sua conceituação, com a publicação, em 1949, da célebre obra O
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Segundo Sexo da escritora francesa Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher,
torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma
que a fêmea humana assume no seio da sociedade [...]” (BEAUVOIR, 1975, p.
9), a partir de tal afirmação, compreende-se que, mesmo que a espécie humana
seja dividida em dois sexos, de acordo com as diferenças biológicas de seus corpos,
existe uma construção social, definida pela cultura em que estes indivíduos estão
inseridos, em torno deste sexo que formam a essência do que é denominado ser
homem e ser mulher.
Contudo, a autora refere-se somente às relações sociais desiguais de
poder que são constituídas entre ambos os sexos, os aspectos sociais determinados
culturalmente em torno destes em que um sobrepõe-se ao outro, em outras
palavras, em que o homem é considerado o sujeito primário, universal, superior,
um cidadão pleno, a contraponto da mulher que é o outro, o sujeito secundário,
inferior e dotada de uma cidadania imperfeita, não atendo-se ao fato da própria
atribuição de papéis sócias aos indivíduos por intermédio de seu sexo. Ainda assim,
referência que propiciará novas abordagens e, por conseguinte, o desenvolvimento
de gênero como categoria social.
O termo gênero foi introduzido, pela primeira vez, como significado
de um papel social humano com o psicólogo e sexologista John Money, no ano
de 1955, professor da John Hopkins University na época, ao utilizar de gender role
(papel de gênero) para distingui-lo de sexo, conjunto de características apenas
biológicas, quando estudou o processo cirúrgico denominado redesignação
sexual em pessoas intersexuais (que nasceram com a genitália ambígua). Antes de
Money, gênero era utilizado apenas como sinônimo de sexo, conforme sua origem
gramatical, dessa forma, questionando a genitália e os demais caracteres biológicos
como fatores decisivos na formação do gênero. No entanto, o conhecido caso
do garoto David Reimer, mostrou que sua conceituação de gênero, ainda que
inovadora, era falha e, ao mesmo tempo, insuficiente, diante da compreensão
verdadeira e total de gênero.
De acordo com Guimarães e Barboza (2014), o canadense David Reimer,
nascido em 1965 como um indivíduo do sexo masculino e com o nome de Bruce
Reimer, teve seu pênis carbonizado em uma cirurgia realizada com poucos meses
de vida. Os pais do garoto procuraram John Money, no Johns Hopkins Hospital,
conhecido como pioneiro nos estudos de sexualidade e identidade de gênero, no
qual foram convencidos em submeter seu filho a um procedimento cirúrgico de
construção de uma vagina funcional e alterarem seu nome para Brenda. Assim, o
garoto, agora garota, poderia ‘adequar-se’ ao seu ‘novo’ gênero.
Money acompanhou todo o processo de transformação de David até
sua adolescência e, ademais, tinha a presença do irmão gêmeo de David, que não
havia submetido à circuncisão. Para o pesquisador, caso os gêmeos, que agora
encontravam-se de sexos opostos, desenvolvessem sem perturbações comprovaria
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que “[...] seria inegável o domínio da cultura sobre a biologia na diferenciação
dos sexos.” (GUIMARÃES, BARBOZA, 2014, p. 2179). No entanto, Reimer
não se identificava como menina, assumiu a identidade de gênero masculina aos
quatorze anos e mudou seu nome para David, submetendo-se, em seguida, a um
tratamento para reverter as mudanças em seu corpo. Ainda assim, David Reimer
suicidou-se aos trinte e nove anos de idade com depressão.
Apenas em 1968 a diferença entre sexo e gênero é, finalmente,
estabelecida conceitualmente, com a publicação do livro Sexo e Gênero do
psiquiatra e psicanalista norte-americano Robert Stoller. O autor, utilizando-se
da perspectiva psicológica, contribuiu ao desenvolvimento da categoria de gênero
à medida que, para entender as relações sociais de gênero dos indivíduos, torna-
se necessário explorar e analisar as questões envoltas à formação individual da
identidade de gênero, fator ignorado por John Money. É ainda durante este
período, surgem no contexto norte-americano e, consequentemente, em outras
regiões no mundo, constantes reivindicações para a implantação de estudos nas
Universidades decorrentes dos vários movimentos sociais que ocorriam na época,
estudos que ainda não eram considerados acadêmicos. Estas reivindicações,
então, deram origem ao campo de pesquisa acadêmica chamado Women’s
Studies (Estudos das Mulheres)que partindo do principal sujeito de estudo, as
mulheres,aborda diversas outras temáticas relacionadas às desigualdades sociais.
Assim, seu desenvolvimento dará origem à outras áreas de estudo, entre eles
os Gender Studies (Estudos de Gênero), osLesbian and Gay Studies(Estudos Gays
e Lésbicos), sob forte reinvindicação das feministas lésbicas, e os Queer
4
Studies(Estudos Queer).
Neste contexto de reivindicações, a antropóloga cultural estadunidense
Gayle Rubin publica, em 1975, o ensaio O Tráfico de Mulheres: Notas sobre a
“Economia Política do Sexo” revelando a existência de um sistema sexo/gênero,
isto é, um dispositivo de matriz heterossexual que categoriza o gênero em
um binarismo de expressão a partir do sexo biológico dos indivíduos. Anos
depois,ainda nos Estados Unidos, a historiadora Joan Scott publica o artigo
Gênero: uma categoria útil para análise histórica no ano de 1986, um marco para
os Estudos de Gênero em todo o mundo. A historiadora conclui que gênero é
uma categoria profícua para uma análise histórica das relações dos homens e das
mulheres: “[...] diferentemente do que Robert Stoller tinha proposto [...] para
Joan Scott gênero é constituído por relações sociais: estas estavam baseadas nas
diferenças percebidas entre os sexos [...]” (PEDRO, 2005, p. 89).
Irrompe-se, no início da década de 1990, um evento significativo nas
4
A palavra queer, de origem inglesa, no português significa estranho, no sentido de incômodo, problemáti-
co, desviante, porém que foi historicamente utilizada em países de língua inglesa como insulto às pessoas
homossexuais, transexuais e transgêneros em geral, à princípio à homens gays, que no português se assem-
elha aoviado, bicha, sapatão ou traveco. Apesar disso, o queer foi adotado pelas(os) teóricas(os) feministas
sob uma ressignificação terminológica na teoria feminista pós-moderna, conhecida como Teoria Queer.
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teorizações acadêmicas daquele momento, ocorre uma verdadeira renovação
acadêmica trazida pelas correntes teóricas do movimento chamado pós-
estruturalista e/ou pós-modernista que implicaria, inclusive, nos Estudos de
Gênero e nas demais teorizações feministas. Neste sentido, a filósofa pós-
estruturalista Judith Butler, uma das maiores contribuintes da chamada teoria
queer, publica em 1990 o aclamado livro Problemas de Gênero, trazendo consigo
a problematização e crítica da limitação do, aentão, atual conceito de gênero,
ou
seja, às teorizações feministas de sua época, contestando o sujeito mulher, a
matéria identitária produzida e construída culturalmente como mulher,
desmistificando a naturalização das identidades humanas em um binarismo
identitário. Butler (2007), questiona as categorias fundamentais que organizam
as pessoas em um binarismo referencial de gênero, feminino/masculino,sob um
sexual específico, a heterossexualidade, que impossibilita a manifestação livre das
inúmeras identidades humanas possíveis,introduzindo o caráterperformativo de
gênero.
A partir da teoria queer, adjacente e pertencente aos Estudos de Gênero
originando os Estudos Queer e que podem ser considerados como uma subárea
dentro deste primeiro campo, em meio às teorizações pós-modernas, o pensamento
sobre as identidades é revisitado e as categorias homem e mulher, encaradas como
essências identitárias, são questionadas. A população LGBT - lésbicas gays e
bissexuais no campo da orientação sexual e transexuais e transgêneros em geral
no campo da identidade de gênero - é inserida no público protagonizado pela
categoria social de gênero, que tinha apenas as mulheres como objeto central
e que eram consideradas antes como categoria única de identidade: uma
mudança de enfoque, agora na representação de todo um público que transita
nas chamadas fronteiras de gênero.
Dado a historicidadede gênero, -se, com as teorizações acadêmicas da
categoria social de gênero de início na segunda metade do século XX, apropriada
primeiramente pelo Movimento Feminista e mais adiante pelo Movimento
LGBT, e pelas mobilizações de tais movimentos sociais organizados, um intenso
processo de reivindicação de direitos no que se refere ao período pós-guerra, com
a criação da ONU e promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
bem como todos os documentos que viriam a seguir, para responsabilização
dos Estados na garantia dos direitos de tais grupos e sujeitos. A educação em
direitos humanos, desenvolvida em meio a esse período de assimilação de direitos
universais e como uma das ações propostas para o alcance de uma cultura de paz,
prevê o ensino e discussão dos conteúdos de gênero e sexualidades (com base na
literatura ressaltada) no campo educacional e que, no Brasil, décadas seguintes
estaria instituída na legislação do sistema educacional nacional, conforme
discutido adiante.
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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (EDH) NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O Brasil, signatário de todos os documentos internacionais oficiais de
direitos humanos, assume como compromisso social e jurídico o desenvolvimento
de uma cultura em/para direitos humanos, assim, a trajetória histórica da EDH
no Brasil, esta como responsabilidade do país desde o início da primeira década
do século XXI, é marcada por desventuras e também por conquistas, é perpassada
por inúmeros acontecimentos que têm possibilitado à sociedade brasileira
experimentar e trazer à tona expressivas participações e mobilizações sociais no
tocante do exercício da cidadania plena e no gozo de direitos inerentes aos seres
humanos e sua participação/atuação em sociedade.
Apesar de hoje a educação em direitos humanos estar relacionada à
proteção de direitos de sujeitos e grupos sociais que tiveram seus direitos violados
historicamente, Dallari (2007) e Zenaide (2010) situam o nascimento dos
direitos humanos no Brasil a partir da luta contra a ditadura militar implantada
no ano de 1964, período marcado pela resistência do povo brasileiro frente às
prisões arbitrárias e à tortura como práticas institucionais. Para eles, os fatos de
resistência do povo ocorridos neste período, ressaltam que a conjuntura histórica
de uma educação em/para os direitos humanos não se dissocia das lutas pelo
reconhecimento e respeito, pela proteção e defesa dos direitos humanos, mas, ao
contrário, associa a cultura do direito à prática democrática. Dessa forma, a EDH
assume na história brasileira o caráter político-pedagógico-reivindicatório dos
movimentos contra as violências e opressões exercidas por regimes totalitários.
A noção de educação em direitos humanos está, pois,diretamente ligada
com a história de luta e resistência desencadeada por grupos sociais que buscaram -
e continuam buscando - a afirmação de uma cultura cidadã dos direitos humanos.
Assim, a EDH é fundada com o intuito de atingir ões coletivas em sociedade, em prol
da democracia e contra a violência, a injustiça social, o preconceito e a discriminão.
Educar implica em promover a formação de consciência - seja
política, ética, moral, humana, etc. - em compreender e organizar ideias, valores,
conhecimentos construídos e acumulados ao longo da história, potencialidades,
porém, que tem sido insuficientemente trabalhadas na educação formal nos
âmbitos escolares para a, então referida, formação cidadã. Educar em direitos
humanos significa empoderar-se de tais princípios, tornar-se capaz de distinguir,
problematizar, e criticar enunciados e situações, das mais cotidianas, que interferem
diretamente na participação política e no convívio social, em diagnosticar
iniquidades e ansiar uma mudança, conforme afirma Marinho (2012, p. 53):
Educar, segundo essa perspectiva, é entender que os direitos humanos significam (devem
significar) prática de vida em todas as áreas de convívio social dos sujeitos: na família, na
escola, no trabalho, na comunidade, na igreja e no conjunto da sociedade. É trabalhar
com a formação de hábitos, atitudes e valores com base nos princípios de respeito ao
outro, de alteridade, de solidariedade, de justiça, em todos os níveis e modalidades de
ensino.
Educação em direitos humanos na perspectiva de gênero e sexualidades
Artigos/Articles
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No ano de 2003, o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
redigiu a primeira versão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH), iniciando uma etapa importante quanto às políticas públicas de EDH
no país.Com a participação da sociedade civil, o plano foi finalizado e divulgado em
2006e teve sua versão atualizada no ano de 2013 (BRASIL, 2006; 2013).Segundo
o documento, a educação em direitos humanos tem como objetivo a formação
de sujeitos históricos e de direitos contemplando, assim, o desenvolvimento de
uma cultura em/para direitos humanos na realidade brasileira.No ano de 2012,
foram publicadas as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanosno
Diário Oficial da União (BRASIL, 2012), que, assim como o PNEDH, assume
o compromisso de orientar e estruturar a educação em direitos humanos como
perspectiva educacional obrigatória.
Carbonari (2011), em consonância com o PNEDH, entende a educação
em direitos humanos como um processo multidimensional e sistemático. A
característica “sistemático”, para o autor, refere-se à articulação de momentos,
estratégias e dimensões. a multidimensionalidade diz respeito à complexidade
do que almeja a educação em direitos humanos. Assim, conforme o PNEDH, a
educação em direitos humanos:
[...] Se traduz na perspectiva da “apreensão de conhecimentos historicamente
construídos sobre direitos humanos”, da “afirmação de valores, atitudes e práticas
sociais”, da “formação de uma consciência cidadã”, do “desenvolvimento de processos
metodológicos participativos”, do “fortalecimento de práticas individuais e sociais”.
(CARBONARI, 2011, p. 121).
Silva (2010) também cita o PNEDH lançado em 2006, enfatizando que
a concepção de EDH presente em tal documento vai além da mera contextualização
e explicação das diversas variáveis inerentes à educação (aspectos culturais, sociais,
políticos e econômicos). O documento, sobretudo, converge para uma pedagogia
libertadora, na medida em que orienta a apreensão de conteúdos sobre a história,
sobre as conquistas e violações de direitos, sobre os pactos, legislações e acordos.
Além da apreensão de conteúdos, a autora destaca que a educação em direitos
humanos, sob a ótica do PNEDH, deve trabalhar com valores e comportamentos
éticos, além de pautar-se no conceito de cidadania ativa, sem que se perca a ideia
de vivência cotidiana.
Entretanto, em meios às articulações do Estado para deliberação
e concretização da educação em direitos humanos no sistema educacional
brasileiro,acrescenta-se o que afirma Candau (2000), que a educação em
direitos humanos está chamada a contribuir para a construção de uma sociedade
verdadeiramente democrática do nosso país, que infelizmente se depara com
uma encruzilhada histórica marcada pela hegemonia de um projeto em que a
lógica econômica na perspectiva neoliberal predomina, reforçando a exclusão e
restringindo a cidadania plena. Sendo assim, uma educação em direitos humanos
SILVA; M. E. F.; MACIEL; T. S.; BRABO, T. S. A. M.
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tem como ponto central a noção de que o privado está subordinado ao público,
o interesse comum da maioria deve se afirmar com o respeito à minoria, que
a lei existe para produzir a igualdade entre todos/as e deve também respeitar a
diversidade e a liberdade como condições de exercício da cidadania. A educação
em direitos humanos tem como objetivo formar cidadãs e cidadãos ativos e
participativos empenhados na erradicação das injustiças e na construção de uma
sociedade verdadeiramente democrática.
É fundamental, ao se trabalhar nesta perspectiva de educação, o
emprego de práticas escolares que contribuam para a constituição de sujeitos
capazes de criticar o mundo em que vivem e de agir no sentido da transformação
da realidade, ou seja, práticas que favoreçam a formação de atitudes democráticas,
fortalecendo nos sujeitos as capacidades de refletir, discutir, buscar informações,
participar politicamente e atuar na defesa do bem comum. No mesmo sentido,
questiona-se como é possível desenvolver um processo educativo em direitos
humanos, que, seguindo as formulações de Benevides (2003, p. 317):
Em primeiro lugar, o conhecimento dos direitos humanos, das suas garantias, das
suas
instituições de defesa e promoção, das declarações oficiais, de âmbito nacional e
internacional, com a consciência de que os direitos humanos não são neutros, não são
declamações retóricas. Eles exigem certas atitudes e refletem outras. Portanto, exigem
também uma vivência compartilhada. A palavra deverá sempre estar ligada a práticas,
embasadas nos valores dos direitos humanos e na realidade social.
Ainda de acordo com a autora, a consolidação de uma passagem dos
princípios trazidos por essa educação em práticas educativas parte de três pontos
essenciais. No primeiro caracteriza tal educação como de natureza permanente,
continuada e global. No segundo ponto, volta-se para uma educação para
a mudança e no terceiro aspecto refere-se ao cultivo de valores e não apenas à
instrução, meramente transmissora de conhecimentos, valores estes diferentes dos
apregoados pelas políticas neoliberais.
Reforçando, assinala-se que esta educação, antes de tudo, como diz
Carvalho (2005), deve ser cultivada e aprendida por meio de todos os atos
vivenciados no cotidiano do universo escolar, em todas as matérias, gestos e
atitudes. “Isso porque ensinar alguém a ser democrático, por exemplo, não se
confunde com ensinar o que é democracia, dado que a conduta não decorre
simplesmente da posse ou ausência de uma informação.” (CARVALHO, 2005,
p.188), ou seja, a informação é necessária, mas somente ela não basta, é necessário
práticas sociais que propiciem a construção dessa conduta, pois somente à medida
que o(a) educador(a) valorizar essas virtudes (cidadania, direitos humanos,
democracia, ética, justiça, solidariedade) poderá transmiti-las aos seus alunos e
alunas.
Embora as declarações e os documentos elaborados ao longo da história
e que contemplam os direitos humanos representem ganhos significativos à
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sociedade, a concretização dos direitos humanos na prática não é um processo
simples, nem natural. Por isso, para que a educação favoreça a afirmação de
uma cultura dos direitos humanos, bem como processos de democratização e
justiça social, é preciso que as premissas da Declaração Universal dos Direitos
Humanos sejam vivenciadas, cotidianamente. Neste sentido, a educação em
direitos humanos “[...] trabalha permanentemente o ver, a sensibilização e a
conscientização da realidade. Procura ir progressivamente ampliando o olhar
sobre a vida cotidiana e ir ajudando a descobrir os determinantes estruturais da
realidade” (CANDAU et al., 2003, p. 115).
Ou seja, é a partir de um movimento contínuo e gradativo que é possível
que os educandos exerçam sua cidadania plena, carreguem princípios axiológicos
inerentes à construção de uma sociedade justa e solidária e gozem, de fato, da sua
dignidade humana.A transformação da sociedade tem uma de suas vias numa
educação escolar crítica e participativa. Esta concretizar-sepor meio de uma
educação em direitos humanos com uma direção, coordenação e professores(as)
comprometidos(as) social, pedagógico e politicamente com a construção de uma
sociedade mais justa e solidária.
Segundo Candau et al. (2013), dos demais aspectos da educação em
direitos humanos - tendo suas origens na década de 1980 em diante -, além da
formação de uma cultura em direitos humanos a partir das instituições escolares
para atingir as diferentes gerações etárias que compõem a sociedade, evidencia-se a
promoção, a reparação e o cumprimento dos direitos humanos de todas as pessoas,
sobretudo, atendo-se aos grupos e sujeitos que tiveram (e continuam tendo) seus
direitos violados. Assim, intervindo na formação de valores e, automaticamente,
resgatando a função social da escola, a começar com as crianças em seus primeiros
anos escolares.
A Educação Infantil, que carrega um extenso processo de desdobramento
histórico para sua consolidação como etapa necessária do ponto de vista do
desenvolvimento humano e obrigatória da escolarização no país, apresenta- se
como o primeiro nível de ensino a ser trabalhado na educação em direitos
humanos e que constituirão nos primeiros passos para o exercício da cidadania,
a aquisição de conhecimentos sociais e valores morais que coincidam com os
princípios éticos defendidos e que baseiam tal perspectiva de educação.
É inegável o fato de que hoje muitas crianças crescem em meio
a um contexto de violência e hostilidade em relação às diferenças e a diversidade
humana, seja a princípio na família e em seguida em outras instituições sociais,
inclusive na escola. Dessa forma, diante das mobilizações ressaltadas para uma
educação em valores pautada nos princípios universalizáveis trazidos pela EDH, a
escola deve se encarregar da superação das inúmeras desigualdades sociais afirmadas
na história humana, muitas delas caracterizadas pela “[...] intolerância étnico-
racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de
SILVA; M. E. F.; MACIEL; T. S.; BRABO, T. S. A. M.
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orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras.” (BRASIL,
2007 p. 21), e que são transmitidas e internalizadas de início na infância.
As crianças, pequenos seres humanos com quem poderíamos aprender a
mudar, aprendem com os adultos a aniquilação dos direitos, o medo, a agressão.
Se, portanto, o mundo apresenta as imperfeições, a escola deve apresentar o não
visto, o não conhecido, a esperança e alternativas de transformação. reside o
sentido de se educar em direitos humanos na Educação Infantil.
A MEDIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO ESTADO DE SÃO PAULO: ENTRE LIMITES E
POSSIBILIDADES
A proposta de mediação escolar do estado de São Paulo foi desenvolvida
por meio da Resolução SE 19, de 12/02/2010, Resolução SE-1, de 20/01/2011,
Resolução SE 18, de 28-03-2011 e Instrução Conjunta CENP/DRHU de
27/01/2011 (SÃO PAULO, 2010a, 2010b, 2011a, 2011b), sustentando-se em
práticas pedagógicas para a mediação de conflitos provenientes no espaço escolar,
ocupação encarregada ao profissional denominado Professor Mediador Escolar e
Comunitário (PMEC), cargo criado pela Secretaria Estadual de Educação, para
desenvolver ações democráticas de resolução de conflitos, baseadas na ideia de
educação para a paz e nos pressupostos da Justiça Restaurativa. Dentre todas
suas funções, este profissional pode orientar professores não-mediadores, pais e
responsável de como proceder diante de complicações em suas responsabilidades
no papel educativo da criança, sugerir atividades para a resolução de conflitos e
identificar práticas eficazes que não exponha o(a) aluno(a):
I
- adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento
de ações e programas de Justiça Restaurativa;
II - orientar os pais ou responsáveis pelos alunos sobre o papel da família no processo
educativo;
III
- analisar os fatores de vulnerabilidade e de risco a que possa estar exposto o aluno;
IV - orientar a família ou os responsáveis quanto à procura de serviços de proteção social;
V - identificar e sugerir atividades pedagógicas complementares, a serem realizadas pelos
alunos fora do período letivo; VI - orientar e apoiar os alunos na prática de seus estudos
(SÃO PAULO, 2010a, artigo 7º).
Neste sentido, direitos humanos e cidadania são pressupostos das ações
que serão desenvolvidas na escola pela mediação. se ressalta, de antemão, que
a educação em direitos humanos, vigente nas escolas públicas paulistas, adquiriu,
neste contexto recente, um importante aliado na jornada para o desenvolvimento
da formação crítica, íntegra, reflexiva e cidadã de alunas e alunos no espaço escolar.
A
mediação docente nas escolas públicas paulistas nutre os mesmos princípios da
educação em direitos humanos, pois as práticas do(a) professor(a) mediador
influenciam diretamente na formação de valores daqueles(as) que ainda estão em
formação.
Educação em direitos humanos na perspectiva de gênero e sexualidades
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A relevância deste(a) profissional, e da mediação em si, logo é
reconhecida pelo papel político na vida de jovens e crianças como influência
e referência na formação de valores e padrões de convivência, pautados nos
princípios universalizáveis ressaltados por Benevides (2003) de solidariedade,
igualdade, cooperação, paz, etc., que adquirem função primordial na construção
da desejável e aspirada cultura em/para direitos humanos no país. É neste ponto
que a mediação e a educação em direitos humanos adquirem similaridades
e correspondências nítidas em suas intenções de abordagem, implantação e
consequências.
A forma em que a mediação será caracterizada, a abordagem realizada
pelo mediador ou mediadora do conflito e sua proposta de resolução, influencia
diretamente na consequência pelos envolvidos em tal conflito, pois, sendo a escola,
na maioria das vezes, o primeiro agente de socialização coletivo das diferenças à
criança, esta adquire, então, um importante papel na sua formação.
A educação em direitos humanos propõe repensar a organização escolar
para além do currículo, rompendo também com o autoritarismo e a hierarquia
verticalizada. Nesse sentido, os(as) professores(as) mediadores(as) devem construir
uma prática pedagógica coerente com o ideário democrático e na perspectiva
dos direitos humanos. Assim, devem propiciar às crianças a possibilidade de
aprofundar a consciência de sua própria dignidade, a capacidade de reconhecer o
outro e a outra como sujeito de direitos, de vivenciar a solidariedade, a igualdade
na diferença e a liberdade, ou seja, o clima social da escola contribuirá com a
formação de cidadãs e cidadãos participativos na esfera pública, uma vez que
esse clima influencia na formação da cidadania das crianças. Nesta perspectiva,
de se ressaltar que a mediação poderia contribuir para este clima e para o
envolvimento dos/as alunos e alunas, num processo de exercício de cidadania, de
trabalho coletivo em busca de relações humanas respeitosas e colaborativas. A este
respeito se em Mafra (2003, p. 116, grifos do autor) que:
O elemento central para se identificar o clima social da escola é [...] a predominância
de uma subcultura específica, traduzida, nesses estudos como o ‘tom emocional’ da
instituição (clima democrático, autoritário e laissez faire), engendrado nas relações de
autoridade entre os ‘agentes de socialização’ e os alunos [...]. Ao reafirmar a importância
do clima, da atmosfera ou de um ethos da escola, argumenta que falta às pesquisas
investigar como as ações do corpo docente, dos agentes escolares’ ou de outros atores
colaboram na criação do tipo de clima escolar.
Segundo Dallari (2004) esses/as profissionais da educação desempenham
um papel político importante por meio da possibilidade que possuem de
influenciarem a vida social, principalmente no que tange à fixação de valores e
padrões de convivência, tarefa essencial para a construção de uma sociedade justa
em que a dignidade da pessoa humana seja efetivamente promovida enquanto
valor e realidade. Entretanto, o autor salienta que o cumprimento desse papel,
voltado à valorização da pessoa, demanda dos(as) professores(as) e de todos/as
SILVA; M. E. F.; MACIEL; T. S.; BRABO, T. S. A. M.
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envolvidos no processo educacional, um bom domínio de noções de democracia,
direitos humanos e cidadania, além da necessidade de estarem sempre atentos(as)
à história, pois é nela que as grandes doutrinas e seus principais conceitos
acerca dos direitos humanos, cidadania e democracia encontram suas origens e
explicações. É também ao longo dela que se problematizou a existência da pessoa
e os conflitos e deturpações desses conceitos.
À vista disso, em meio ao conjunto de temáticas e conteúdos a serem
trabalhados na educação em direitos humanos e desenvolvidas/problematizadas
pela mediação quando houver demandas de conflitos envolvendo-as, preconiza-se
para duas temáticas que, dado a conjuntura política e educacional atual do país,
verifica-se um intenso rompante de resistência, ignorância proposital em que não
ao menos o desejo de se conhecer e oposição, seja disfarçado ou assumido, às
questões de gênero e sexualidades. Rompante que segundo Diógenes, Rocha e
Brabo (2015) vem tomado amplas proporções nos debates acerca das políticas
públicas brasileiras.
Apesar de, nos últimos anos, o Brasil tenha passado por medidas
políticas progressistas com consequências expressivas nas reivindicações sociais,
como a promulgação da educação em direitos humanos em âmbito nacional e da
mediação escolar em âmbito estadual, nem sempre tais medidas são incorporadas
e consolidadas de fato na realidade escolar. Atualmente encontram-se inúmeras
mobilizações, a nível de controle político, de interesses individuais oriundas
de certos setores da sociedade, interesses que são sobrepostos às necessidades
e reivindicações populares causando um retrocesso sobre o que se tinha
alcançado, desconsiderando, então, aqueles(as) que se beneficiariam de tais ações
progressistas das políticas públicas.
De acordo com Furlani (2016), um dos slogans deste movimento
reacionário às políticas públicas, estruturado principalmente por grupos
religiosos em conjunto de políticos que representam seus interesses individuais
e indiferentes aos outros sujeitos e demandas sociais, está a narrativa “ideologia
de gênero”, a criação de uma suposta ideologia para se referir aos estudos de
gênero. A narrativa “ideologia de gênero” é fundamentada em confusões teóricas,
propositais ou não, e usos inadequados (fora do contexto ou retirado de um
determinado momento da história) dos estudos de gênero em uma explanação
substancialmente homofóbica, com a autoria de determinados setores da Igreja
Católica e o movimento nacional e internacional autointitulado “Movimento
Pró-Vida e Pró-Família”, em uma tentativa intencional de assustar e desinformar a
sociedade civil sobre as questões de gênero, destacando uma absurda repugnância
no que tange às sexualidades, deslegitimando e ridicularizando os estudos de
gênero e aqueles beneficiados e que se dedicam ao tema:
[...] a influência de alguns setores religiosos nas políticas, como pudemos constatar
recentemente na mobilização para a retirada do termo gênero dos Planos de Educação,
desde os municipais ao nacional, sob a justificativa de que contemplar gênero significava
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trabalhar na perspectiva da ideologia de gênero, poderia acabar com a família tradicional
heterossexual, vista como modelo e consolidada no Estatuto da Família, de 2015
(DIÓGENES; ROCHA; BRABO, 2015, p. 307).
Embora a abordagem de gênero e sexualidades na educação esteja
contemplada pelo PNEDH (bem como outros documentos nacionais), os Planos
Municipais, Estaduais e Nacional de Educação, mais abrangentes em suas metas
e mais específicos nos contextos das municipalidades, tiveram os referidos termos
gênero e orientação sexual removidos em 2015 de suas redações, incluindo no
plano do município de Marília-SP, da mesma forma, a aprovação do Estatuto da
Família no mesmo ano no qual “[...] postula que família se define pela união de um
homem com uma mulher por meio de casamento ou comunidade formada por
qualquer um dos pais com filhos.” (SILVEIRA, 2016, p. 21), em um movimento
e pressão parlamentar de grupos religiosos ponderando seus próprios interesses
sobre as demandas sociais democráticas, demonstrando o recente movimento
contrário ao reconhecimento desses sujeitos e grupos sociais e indiferentes à
opressão que os mesmos são submetidos.
Contudo, a tentativa de inibir a retratação de um tema dentro da
escola não o impede de existir e se apresentar no ambiente escolar, mesmo assim,
o antagonismo desses temas presentes no currículo da educação em direitos
humanos pode, inclusive, vir daqueles responsáveis pela abordagem de tais temas
na escola, seja na mediação pelo PMEC ou educação em direitos humanos na sala
de aula pelo professor e professora regular.
As correspondências entre o trabalho do professor e professora
mediador(a), que possui como responsabilidade a gestão de conflitos das mais
diferentes naturezas e que ocorrem cotidianamente no ambiente escolar, e do
professor incumbido pelas salas de aulas, em que a educação em direitos humanos
está prevista por abordagem transversal no currículo escolar, além do currículo
da própria EDH, muitas vezes, encontram complementaridades: o professor ou
professora específicos de cada sala de aula que não conseguem manejar e gerir
determinados conflitos sozinho(a), recorre ao mediador(a), da mesma forma,
recorrendo ao professor(a) da sala regular para tratar de casos específicos em que
este possui uma maior aproximação e conhecimento da história e vida do aluno e/
ou aluna. De qualquer forma, o trabalho do mediador(a) pode ser comprometido
quando o professor(a) da sala não se encarrega da educação em direitos humanos
contínua em que, dificilmente, fatos isolados terão efeito na formação em valores,
e vice-versa.
Partindo do pressuposto de que os conhecimentos e valores transmitidos
no cotidiano da escola dependem das concepções que permeiam o imaginário
escolar e que estão contemplados no Projeto Político Pedagógico da Escola, estes
valores trabalhados e vivenciados no cotidiano escolar refletirão na construção
da identidade dos alunos e das alunas. Para a concretização dessa proposta de
SILVA; M. E. F.; MACIEL; T. S.; BRABO, T. S. A. M.
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educação na escola necessidade de sensibilização e conhecimento da temática
por parte das pessoas envolvidas no processo educacional, tanto no que diz
respeito aos direitos humanos e cidadania bem como do processo histórico que
levou na contemporaneidade a termos os documentos voltados para a educação
nesta temática e conhecê-los.
Por fim, conhecendo os riscos a que a educação em direitos humanos e a
mediação se submetem, indaga-se como alguém que não conhece os seus direitos,
que não sabe defendê-los, que não tem conhecimento sobre a luta histórica pelos
direitos e não os reconhece como direito de todos e todas, sob a compreensão de
que determinadas pessoas não devem ser reconhecidas como sujeitos de direitos
pelas diferenças e especificidades que apresentam, poderá ensinar sobre o exercício
de
algum direito a outra pessoa ou qualquer conteúdo a este respeito de forma
reflexiva, crítica e emancipadora? Com Padilha (2005, p. 169), questionamos
[...] como ensinar alguém desacostumado a ser ético a agir socialmente com justiça? Ou,
ainda, como um professor que se deixa vencer pela rotina, por mais dura que possa ser,
pode contribuir para a formação de sujeitos que exerçam plenamente a sua cidadania e
saibam defender os seus direitos civis, sociais e políticos?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mediação docente, proposta pelo governo do estado de São Paulo,
mostra-se como um importante instrumento para a consolidação da cultura em/
para direitos humanos a começar na escola, pois a formação de crianças e jovens se
estende para outras instituições sociais conforme seu crescimento e que compõem
o meio social prevista nos documentos e tratados internacionais de direitos
humanos que o Brasil é signatário e dos documentos nacionais desenvolvidos
nos últimos anos que promulgam tal educação no país. Além disso, a mediação
carrega a possibilidade de efetivar a educação em direitos humanos nas práticas
educativas procedente do espaço escolar, tornando-a uma realidade palpável.
Ressalta-se que tanto a educação em direitos humanos quanto o processo
de mediação devem ter seu início na Educação Infantil, etapa importante e
imprescindível do desenvolvimento humano quando a criança cria seus primeiros
laços com o mundo e incorpora os valores a que lhe são transmitidos, dessa
forma, propiciando o início de uma consciência cidadã, a vivência desde cedo
com o processo democrático e contato direto e indireto com as diferenças. Neste
sentido, a interpretação dessas diferenças dependerá do que é ofertado pelo meio,
das referências que essa criança terá e da natureza das convenções sociais a que
se
deparam, porém, não introduzindo o que é considerado aceitável e de forma
unilateral, mas elucidando o motivo de tais princípios existirem e de estarem
vigentes, ademais, sempre acentuar a possibilidade (e necessidade) dessas regras
de convivência serem renovadas e repensadas para o progresso humano e social.
A educação em direitos humanos, bem como a educação em gênero
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e sexualidades, permitem uma verdadeira revolução na educação de valores
que é oferecida hoje pela escola às crianças e jovens, evidenciando, assim, os
impasses que tal educação encontra na educação pública, pois, professores e
professoras, mediadores(as) ou simplesmente encarregados pelas salas de aula,
podem, de alguma forma, apresentar e instituir limites para o desenvolvimento
dos pressupostos trazidos pela EDH e mediação docente, deturpando-a ou
colaborando para a manutenção do status quo, ou seja, do perfil unilateral
e disciplinador historicamente afirmado da escola ao atender seus próprios
princípios em relação à determinados temas - ignorando as demandas sociais e
as pessoas que neles são retratadas - que, a partir desses princípios individuais,
tornam-se são indesejáveis.
A mediação deve atentar-se aos discursos que perpassam os muros da
escola, a reprodução de preconceitos e discriminação que se fazem presentes a
todo momento, muitas vezes ocultadas, outras apoiadas direta e indiretamente
pelo meio, na qual dependerá do(a) responsável pela mediação, de sua formação
e atenção sobre tais fatores que assegurará a consolidação e efetivação do
papel emancipatório da mediação docente em consonância com a educação
em direitos humanos ou, da mesma forma, promovendo o contrário, com
decisões discriminatórias e fundadas em preconceitos e no senso comum para
com a diversidade humana na escola,comumente direcionadas aos públicos
historicamente desfavorecidos, como às mulheres e à população LGBT na
perspectiva de gênero e das sexualidades, assim, assegurando o/iminentemente
seu
fracasso.
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Submetido em: 25/03/2017
Aprovado em: 10/08/2017
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