MEMÓRIA DO IDOSO: UMA CONSTRUÇÃO AFETIVA DO PASSADO POR
MEIO DA EDUCAÇÃO
Lucirene Andréa Catini Lanzi
1
Doutoranda (2016) do Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE da Faculdade
de Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. Arte/educadora no Colégio Cristo rei, no
Ensino Fundamental II. lu_lanzi@hotmail.com
Rosane Michelli de Castro
2
Professora Assistente Doutora junto ao Departamento de Didática e junto ao Programa
de Pós-Graduação em Educação PPGE da Faculdade de Filosofia e Ciências FFC
UNESP-Marília. rosanemichelli@marilia.unesp.br
Gilsenir Maria Prevelato de Almeida Dátilo
3
1
Mestre (2012) em Ciência da Informação Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
PPGCI da Faculdade de Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. É integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas “HiDEA-Brasil História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil”, da Faculdade de
Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. Foi professor bolsista no curso de graduação de Pedagogia, da
UNESP Marília-SP, das disciplinas: Jogos e Atividades lúdicas (2015/2016) e Metodologia e Prática do
Trabalho Pedagógico: arte e movimento (2015).
2
Mestre (2000) e Doutora (2005) em Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE da
Faculdade de Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. Pós-Doutorado (2010) - Fundação Carlos Chagas
SP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas “HiDEA-Brasil História das disciplinas escolares e acadêmicas
no Brasil”, e integrante do Grupo de Pesquisa “GP FORME - Formação do Educador”, ambos da Faculdade
de Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. Também é integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
cultura e Instituições escolares GEPCIE, da Faculdade de Ciências e Letras FCLAr UNESP-Araraquara e
do Instituto de Políticas Públicas de Marília IPPMar.
3
Mestre (1998) e Doutora (2002) em Educação - Programa de s-Graduação em Educação PPGE da
Faculdade de Filosofia e Ciências FFC UNESP-Marília. Vice-Líder do GEADEC Grupo de Estudos e
Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva Construtivista, e integrante do Grupo de
Pesquisa “Neurociências e comportamento: Memória, Plasticidade, Envelhecimento e Qualidade de Vida”.
Também é integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre cultura e Instituições escolares GEPCIE, da
Faculdade de Ciências e Letras FCLAr UNESP-Araraquara e do Instituto de Políticas Públicas de Marília
IPPMar.
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Professora Assistente do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade
Estadual Paulista UNESP e professora colaboradora junto ao Programa de Pós-
Graduação (mestrado acadêmico) Saúde e Envelhecimento, da Faculdade de Medicina
de Marília FAMEMA. gdatilo@marilia.unesp.br
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo principal apresentar os resultados das reflexões
realizadas sobre a falta de Políticas Públicas que enfatizem a importância da
continuação da oferta de trabalho educacional para o público idoso. Para isso,
buscamos identificar e analisar, por meio do Estatuto do Idoso, Lei n. 10741, de
2003, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n. 8.742, de 1993 e da Política
Nacional do Idoso, Lei n. 8.842, de 4 de 1994, a escassez de propostas educacionais,
e, neste caso específico, recomendamos inserir como temas de estudos as práticas
reflexivas de histórias de vida dos idosos, propondo um trabalho de pesquisa e
ponderação a respeito de suas próprias histórias e de formação intelectual na UNATI
da UNESP. Como metodologia, apresentamos um levantamento das leis que
respaldam os idosos, como também uma prospecção informativa sobre o idoso na
sociedade, de onde pudemos compreender a necessidade que o idoso tem de
participar, de forma efetiva da comunidade. A partir daí, propomos um trabalho
educacional, por meio de relatos de vida, que em muito fortalecerá os avanços da
coletividade e a inserção do idoso.
Palavras-chave: Educação. Políticas Públicas. Estatuto do Idoso. História de Vida.
UNATI/UNESP.
ELDERLY MEMORY: AN AFFECTIVE CONSTRUCTION OF EDUCATION THROUGH THE
PAST
ABSTRACT
This article aims to present the results of the reflections made about the lack of
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public policies that emphasize the importance of continuing education labor supply
for the elderly public. For this, we seek to identify and analyze, by means of the Elderly
Statute, Law no. 10741, 2003, the Organic of the Social Assistance Act (LOAS), Law no.
8742, 1993 and the National Policy for the Elderly, Law n. 8842, 4, 1994, the shortage
of educational proposals, and in this particular case, we recommend entering as the
reflective practice studies issues of life stories of the elderly, proposing a research
paper and weighing about their own stories and intellectual formation in UNATI
UNESP. As methodology, we present a survey of laws that support the elderly, as well
as an informative survey of the elderly in society, where we understand the need that
the elderly have to participate in an effective way the community. From there, we
propose an educational work through life stories, which greatly strengthen the
progress of the community and the inclusion of the elderly.
Keywords: Education. Public policy. Elderly Statute. Life's history. UNATI/UNESP.
INTRODUÇÃO
O rápido crescimento da população idosa é um fenômeno mundial, sendo
que nos países desenvolvidos ocorreu gradativamente e nos países em
desenvolvimento de forma rápida nos últimos anos. Este aumento populacional está
associado a diversos fatores, entre eles podemos citar a diminuição nas taxas da
natalidade, a mortalidade infantil, os avanços científicos e tecnológicos e as melhorias
na qualidade de vida, bem como o surgimento de políticas públicas na área do
trabalho, habitação, saúde, previdência e assistência social. (SOARES, 2015).
Envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa da vida do
homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem de forma
particular cada indivíduo com sobrevida prolongada.
É uma fase em que, ponderando sobre a própria existência, o indivíduo idoso
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conclui que alcançou muitos objetivos, mas também sofreu muitas perdas.
O objetivo principal deste artigo é apresentar os resultados das reflexões
realizadas sobre a falta de Políticas Públicas que enfatizem a importância da
continuação da oferta de trabalho educacional para o público idoso. Após estudo de
aspectos do Estatuto do Idoso, Lei n. 10741, de 1 de outubro de 2003, da Lei Orgânica
da Assistência Social (LOAS), a Lei n. 8.742, de dezembro de 1993 e da Política Nacional
do Idoso, Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994, observamos a escassez de propostas
educacionais, e, neste caso específico, recomendamos inserir como temas de estudos
as práticas reflexivas de histórias de vida dos idosos, propondo um trabalho de
pesquisa e ponderação, na Universidade da Terceira Idade
- UNATI da Universidade Estadual Paulista - UNESP de Marília-SP, a respeito de suas
próprias histórias e de formação intelectual.
Como objetivos específicos, a pesquisa desenvolvida da qual decorreu este
artigo visou evidenciar que a educação trabalha como processo que possibilita
promover a participação dos idosos como cidadãos produtivos e partícipes da
sociedade, recuperando aspectos da sua integração social e dignidade humana.
Procura também, contribuir para alertar a sociedade como um todo, da necessidade
da valorização do idoso em todos os seus aspectos.
Como metodologia, apresentamos um levantamento das leis que respaldam
os idosos, como também uma prospecção informativa sobre o idoso na sociedade,
de onde pudemos compreender a necessidade que o idoso tem de participar, de
forma efetivada comunidade. A partir daí, propomos um trabalho educacional, por
meio de relatos de vida, que em muito fortalecerá os avanços da coletividade e a
inserção do idoso.
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1 UM BREVE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO SOCIAL DO IDOSO
Iniciamos nossa reflexão trazendo uma ponderação de Veras (2002, p. 11),
onde há a afirmação de que:
O modelo capitalista fez com que a velhice passasse a ocupar um
lugar marginalizado na existência humana, na medida em que a
individualidade teria os seus potenciais evolutivos e perderia
então o seu valor social. Desse modo, não tendo mais a
possibilidade de produção de riqueza, a velhice perderia o seu valor
simbólico.
O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, ou seja, a população
idosa cresce mais que as outras faixas etárias. O livro intitulado Dez anos do Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso: repertórios e implicações de um processo democrático
(BRASIL, 2013), atesta que, de acordo com as projeções das Nações Unidas (Fundo de
Populações) “[...] uma em cada 9 pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e estima-
se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050.” (BRASIL, 2013, p. 11). Esse
documento também ressalta que em 2050 haverá, pela primeira vez, mais idosos que
crianças menores de 15 anos.
O envelhecimento populacional e o aumento na expectativa de vida trazem
consequências econômicas e sociais consideráveis que exigem aprovação e
desenvolvimento de ações políticas. No Brasil, a Constituição de 1988 apresentou
avanços nessa área, entre os quais a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n.
8.742, de dezembro de 1993 e a Política Nacional do Idoso, Lei n. 8.842, de 4 de
janeiro de 1994, foram marcos expressivos na luta pelas garantias sociais dos idosos.
A LOAS visa assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para
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promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Como
continuação desse processo, O Estatuto do Idoso, sob a Lei n. 10741, de 1 de outubro
de 2003, consolidou diferentes conquistas, como: o direito a vida; a liberdade; ao
respeito e a dignidade; ao alimento; a saúde, a cultura; ao esporte e ao lazer; a
profissionalização e ao trabalho; a previdência social; a assistência social; a habilitação
e ao transporte; medidas de proteção; política de atendimento ao idoso, acesso a
justiça e a educação (como é o caso da Universidade Aberta à Terceira Idade -
UNATI/UNESP), etc. A UNATI/UNESP enquanto espaço em uma Universidade,
contempla idosos que necessitam de uma ação social e educacional, com oferta de
espaço para debater as questões mais diretamente ligadas ao exercício da cidadania.
A integração social da pessoa idosa na UNATI é realizada mediante o convívio no
espaço acadêmico, utilizando-se de atividades de ensino, pesquisa e extensão
universitária. (SOARES, 2015).
A UNATI oferece diversas oportunidades de cursos em muitas unidades
universitárias, no entanto, é necessário enfatizar que as cidades de pequeno porte,
distantes das universidades públicas, convivem apenas com programas dirigidos aos
idosos que restringem à atividades de lazer, na sua imensa maioria, quando muito há
a adesão de atividades culturais e em alguns casos, viagens turísticas voltadas à
terceira idade. Vale lembrar também, que a educação ou o aprender para o idoso tem
outro sentido e objetivo. Eles procuram a escola não mais para obtenção de diploma
e sim para estabelecer canais de comunicação social, dado que a perda de funções
deixa o idoso com um mínimo de alternativa de atuação social. Schons (2000, p. 12)
nos traz uma explanação da UNESCO, que a educação para o idoso deve focar:
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considerar menos o conteúdo e mais o despertar nela a
capacidade de confiança em si mesma, de sua autonomia e o de
destruir os estereótipos negativos que poderão estar influindo na
sua vida. Aumentando o senso de suas responsabilidades, a pessoa
idosa poderá melhorar sua saúde física e mental, o que contribui
para que ela se afirme cada vez mais no dia-a-dia e no seu
comportamento social;
2
minimizar o isolamento, a solidão em que vivem muitos idosos,
estimulando as relações com pessoas de sua geração e, também,
com as de outras gerações;
3
proporcionar conhecimentos práticos, específicos sobre, por
exemplo, a passagem da vida ativa para a de aposentado, além de
conhecimentos teóricos relativos ao processo de envelhecimento;
ainda, atividades físicas, socioculturais e artísticas que possam
interessar aos idosos;
4
proporcionar a tomada de consciência das pessoas idosas da
riqueza de sua vida pessoal e profissional e da importância da
comunicação de sua experiência a outras gerações, desenvolvendo
o equilíbrio e a compreensão mútua num mundo tão conflitado e
que muda rapidamente.
A partir desse conhecimento, verificamos também que todo processo de
elaboração e aprovação das duas leis mencionadas, e apresentadas junto ao
Congresso Nacional, foi resultado de muita pressão da sociedade civil sobre os
políticos, e averiguamos que a Política Nacional do Idoso, Lei n. 8.842, promulgada em
1994, e o Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de 2003, formam a base das políticas
públicas brasileiras relativas ao idoso.
O Estatuto do Idoso é composto por 118 artigos, dispostos em sete títulos e
dentre esses títulos, o título 2 normatiza os Direitos Fundamentais dos idosos, onde
encontram-se subdivididos em 10 capítulos, sendo o quinto que nos interessa nesta
pesquisa que ora apresentamos.
No quinto capítulo, designado para a “Educação, Cultura, Esporte e Lazer”, no
Art. 20 a ressalva de que: “O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer,
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diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de
idade” (BRASIL, 2003, s.p.) e, ainda, acrescenta mais a frente, no Art. 25, que:
O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as
pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de
conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a
leitura, considerada a natural redução da capacidade visual.
(BRASIL, 2003, s.p)
Também no Estatuto se encontram normatizadas as atribuições conferidas
ao órgão do Ministério blico, como a legitimidade para requerer e determinar
medidas de proteção, a fiscalização das entidades governamentais e não-
governamentais de atendimento ao idoso, entre outras elencadas no Art. 74 do
mesmo estatuto, conforme dispõe:
Art. 74.
Compete ao Ministério Público:
I
instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção
dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais
indisponíveis e individuais homogêneos do idoso;
II
promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição
total ou parcial, de designação de curador especial, em
circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos
em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco;
III
atuar como substituto processual do idoso em situação de
risco, conforme o disposto no art. 43 desta Lei;
IV
promover a revogação de instrumento procuratório do idoso,
nas hipóteses previstas no art. 43 desta Lei, quando necessário ou
o interesse público justificar;
V
instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo:
a)
expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e,
em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada,
requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;
b)
requisitar informações, exames, perícias e documentos de
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autoridades municipais, estaduais e federais, da administração
direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências
investigatórias;
c)
requisitar informações e documentos particulares de instituições
privadas;
VI
instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou
infrações às normas de proteção ao idoso;
VII
zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais
assegurados ao idoso, promovendo as medidas judiciais e
extrajudiciais cabíveis;
VIII
inspecionar as entidades públicas e particulares de
atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de
pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à
remoção de irregularidades porventura verificadas;
IX
requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços
de saúde, educacionais e de assistência social, públicos, para o
desempenho de suas atribuições;
X
referendar transações envolvendo interesses e direitos dos
idosos previstos nesta Lei.
§ A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis
previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas
hipóteses, segundo dispuser a lei.
§ As atribuições constantes deste artigo não excluem outras,
desde que compatíveis com a finalidade e atribuições do Ministério
Público.
§ O representante do Ministério Público, no exercício de suas
funções, terá livre acesso a toda entidade de atendimento ao idoso.
(BRASIL, 2003, s.p.)
Mas, podemos inferir que em nenhum momento se inscreve a necessidade à
educação, ou como fazê-la. Mazzilli (1994, p. 3) nos apresenta que:
Da mesma forma que um dia ocorreu com a defesa do meio
ambiente, do consumidor, da pessoa portadora de deficiência, da
criança e do adolescente, chega agora a vez do Ministério Público
voltar sua atenção para a tutela jurídica [e por que não trazer a
educação nesta tutela jurídica] das pessoas idosas.
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A educação é uma forte ferramenta na mudança desse panorama que
desprivilegia o idoso. Indubitavelmente, a educação não é privilégio apenas das
gerações mais jovens, ao contrário, é um direito de todos, um instrumento maior no
combate às barreiras sociais, na promoção de uma verdadeira cidadania.
Para Soares (2015, Prefácio ) é importante sabermos que:
o reconhecimento dos direitos humanos das pessoas idosas e
os princípios de independência, autonomia, participação, dignidade,
assistência e autorrealização pela Organização das Nações Unidas
(ONU) por meio da Organização Mundial da Saúde em 2002 durante
a elaboração do Plano de Madrid, contribuem para embasar toda
uma política para a promoção do envelhecimento ativo que,
naturalmente, depende de uma diversidade de condicionantes, sejam
eles de gênero, cultura e acesso aos direitos. E estes condicionantes
envolvem indivíduos, famílias, comunidades, países, ou seja, são
questões de reflexão e ação coletiva.
Entendemos que a função do Ministério Público na proteção do idoso é
imposta, primeiramente pela Constituição, devendo para tanto, atuar com prioridade
em defesa dos direitos dos idosos. O Ministério Público de cada município possui
legitimidade conferida pela Constituição de 1988, para praticar todos os atos
necessários à garantia dos interesses difusos ou coletivos dos idosos, incluímos nesse
momento, a educação.
Contudo, podemos ainda destacar que a maioria dos idosos ainda não
descobriu que são os atores principais para a efetivação de seus direitos e para que
isto aconteça é fundamental a conscientização tanto dos operadores jurídicos da sua
importância, como também dos próprios idosos, os quais precisam conhecer seus
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direitos para exercê-los e reivindicá-los.
2 A CONSTRUÇÃO AFETIVA DO PASSADO POR MEIO DE HISTÓRIA DE VIDA
Quando um senhor ou uma senhora se referem ao tempo, usando o pronome
“meu”, isso significa que o passado faz parte de sua própria identidade. Ou seja, o
passado foi vivido e experimentado, até constituir sua história de vida. Mais ainda,
eles estão diferenciando o “tempo deles”, do “nosso tempo”, estão comparando
o passado onde viveram as suas principais experiências de vida com o presente no
qual os jovens e os adultos de hoje, estão construindo suas próprias histórias de vida.
Comumente os idosos estão afastados do trabalho, alguns perderam o
companheiro ou a companheira e se encontram pouco com as pessoas de sua idade.
Passam a viver uma nova fase da vida e a exercer funções diferentes na família. E é
nesse momento que os idosos podem exercer o importante papel de transmissor da
história familiar e/ou sociocultural, para as novas gerações.
A proposta aqui apresentada, tendo como eixo ressaltar a falta de incentivo ao
trabalho educacional efetivo para os idosos das Políticas blicas, por meio do
Estatuto do Idoso a Lei n. 10741 de 2003 - da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) a Lei n. 8.742, de 1993 e da Política Nacional do Idoso a Lei n. 8.842, de
1994, quer também priorizar a importância de instituir o estudo das histórias de vida
dos idosos, que constitui uma tentativa de propiciar aos idosos uma contra- memória,
ou seja, propor aos idosos um trabalho de pesquisa e de reflexão a respeito de suas
próprias histórias de vida e de formação intelectual, desenvolvendo-se um tipo de
análise que não apenas ultrapassa os limites dos
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estudos centrados no seu dia a dia mais imediato, mas que ofereça condições aos
idosos, sobretudo, para o desenvolvimento de um processo de desconstrução das
imagens e estereótipos que se formaram sobre o seu viver e saber no decorrer da sua
existência. Ao colocar o idoso no centro do processo, esta pesquisa exprime também
o esforço de partilhar experiências e de criar uma nova cultura de troca de vivências.
Usualmente, os idosos são muito pouco representados nos estudos
educacionais e diante do grande aumento desta população, cremos que os cursos de
Pedagogia deveriam abordar esta fase do desenvolvimento humano, estimular que
conhecessem as Universidades Abertas à Terceira Idade e, assim, soubessem os
princípios que a norteiam. Acreditamos que as experiências de vida dos idosos não
são analisadas em função, talvez, de um desdém sociocultural, o qual reflete em
determinadas políticas e pontos de vista de uma sociedade fomentada por
estereótipos. Muitas vezes, a experiência do idoso é subestimada porque seu papel
como sujeito histórico é minimizado na medida em que são vistos como indivíduos
afastados da vida produtiva.
A perspectiva de contra memória, conjecturada por meio da análise de
histórias de vida, apresenta-se, pois, como possibilidade mais efetiva de colocar os
idosos em um processo de estimulo para melhora da auto-estima que é
simultaneamente individual e coletiva.
A reconstrução das memórias individuais é, no trabalho reflexivo, submetida
a tal processo que leva os idosos, como grupo, inevitavelmente, à construção de uma
memória coletiva, a respeito de inúmeros aspectos que caracterizam a vida de um
período distinto.
A partir da possibilidade de fazer um relato de vida, os idosos podem
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exercitar e investir no trabalho de sua própria formação, como um investimento
pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e projetos próprios, com
vista à construção de uma identidade, que podem ser a identidade de outrem e que
pode servir de relatos no sentido de reconstrução do seu passado.
Bosi (1987), nos alerta que: “Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas
refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do
passado. A memória não é sonho, é trabalho”. (BOSI, 1987, p. 17).
Para Correa e Justo (2010, p 251), ao estimularmos as memórias dos idosos,
ofertamos a eles a oportunidade de reconstruir o passado, a possibilidade de ser
esse “atualizado e narrado de uma forma diferente daquela contada nos livros.”
Os autores acreditam que “ao reler um livro ou rever um filme, o nosso olhar
sempre captura algo que antes não havia sido visto”. (CORREA, JUSTO, p. 252).
A partir dessa reflexão, propomos com nossos estudos a recuperaçao de
aspectos do passado pelos participantes da Universidade da Terceira Idade UNATI
da UNESP de Marília-SP. Até o momento, chamamos a atenção para o fato de que, o
recurso aos estudos de histórias de vida, trabalhados como uma estratégia de contra
memória apresenta-se com possibilidades múltiplas de desdobramentos, por suas
potencialidades no que diz respeito à reconstrução e recriação de vivências e
experiências numa determinada época da sociedade, em seus múltiplos aspectos.
Dentre esses aspectos destacam-se aqueles que se configuram a partir da
especificidade da condição de ser idoso.
É preciso, agora, discutir as relações entre história oral, memória e ser idoso,
com o apoio de teorias e estudos, mais para perguntar, para indagar, do que para
responder, do que solucionar dúvidas. Mais para desvelar, (no sentido de tirar o véu
e expor, evidenciar, trazer à vista) certas questões que, no nosso entender, têm
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necessariamente que ser levadas em conta em um trabalho que, ao se utilizar de
determinada técnica de abordagem a história de vida pretende contribuir para
elevar a qualidade de vida dos idosos, pelo simples fato de trazê-los como objeto
histórico, de recuperar aspectos de suas histórias de vida que seguramente, têm
muitos traços em comum com outras histórias de vida de outros idosos.
Em cada uma dessas histórias é preciso, mais uma vez, desvelar do
protagonista para trazer à luz uma trajetória que começa na infância, passa pela
adolescência e juventude e chega à idade adulta, de onde podemos conceber que
influências variadas tiveram e ainda têm lugar. Família, escola e sociedade são os
espaços onde se educa e se constrói o indivíduo. Explicando melhor: estamos
querendo estimular os idosos a contar como se percebem a si mesmos no seu
cotidiano, nas suas relações com o entorno, a partir de suas vivências, de reconstituir
seu passado, desde a infância, suas relações com pais, irmãos e com a família mais
ampla, o tipo de influência exercida por eles seus, sentimentos, medos, angústias,
carências, alegrias, momentos marcantes na vida de criança; a entrada da escola, o(a)s
professores(as), as primeiras decepções, os castigos e punições, os desejos frustrados,
as metas atingidas, as vitórias e as derrotas, as formas de convivência com os outros
sujeitos sociais, até o momento presente.
A escrita dessas histórias de vida, que por ora ofertamos, concomitantemente,
a uma oportunidade de postar-se à distância, não se faz sem problemas mais difícil
para alguns, mais fácil para outros. O importante é destacar que essas formas de
expressar as suas memórias deixam claro os diferentes modos consolidados por
Mignot (2008), Catani; Bueno; Sousa e Souza (1997); Perez (2003); Baudouin e Turkal
(2000); Dominicé; Josso; Monbaron e Muller (2000) Bueno, Sousa, Catani e Souza
(1993), sobre a necessidade da percepção da própria identidade.
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Para os idosos, poderíamos acrescentar que, como descreve Bobbio (1997, p. 37),
em “O Tempo da Memória”:
Se o mundo do futuro se abre para a imaginação, mas não nos
pertence mais, o mundo do passado é aquele no qual, recorrendo
a nossas lembranças, podemos buscar refúgio dentro de nós
mesmos, debruçar-nos sobre nós mesmos e nele reconstruir nossa
identidade; um mundo que se formou e se revelou na série
ininterrupta de nossos atos durante a vida, encadeados uns aos
outros, um mundo que nos julgou, nos absolveu e nos condenou
para depois, uma vez cumprido o percurso de nossa vida, tentarmos
fazer um balanço final. É preciso apressar o passo. O velho vive de
lembranças e em função das lembranças, mas sua memória torna-
se cada vez mais fraca. O tempo da memória segue um caminho
inverso ao do tempo real: quanto mais vivas as lembranças que vêm
à tona de nossas recordações, mais remoto é o tempo em que os
fatos ocorreram. Cumpre-nos saber, porém, que o resíduo, ou o que
logramos desencavar desse poço sem fundo, é apenas uma ínfima
parcela da história de nossa vida. Nada de parar. Devemos continuar
a escavar! Cada vulto, gesto, palavra ou canção que parecia perdido
para sempre, uma vez reencontrado, nos ajuda a sobreviver.
Os relatos de vida, no sentido da recuperação de aspectos do passado, podem
ajudar a compreender como os idosos podem encontrar sua própria identidade e
como esse “eu”, e esse "nós”, podem ser percebidos como uma construção que se
faz ao longo dos anos. Falar de si serve a uma função mais importante, na medida
em que muitas questões podem ser rearticuladas, incidentes antigos podem ser
retomados e reavaliados, buscando-se as palavras para descrevê- los e as razões que
possam explicá-los. O falar de si pode restaurar o sentimento de domínio de sua
própria vida fazendo emergir seus alvos, da mesma forma que pode restaurar a
integralidade de sua personalidade.
Para construir sua história, os idosos têm necessidade de um incentivador
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que os ajude nessa tarefa. Em geral, há uma recepção positiva à oportunidade de
refletir sobre sua vida e sobre a maneira como eles próprios se percebem.
A história de vida permite um olhar sob outra perspectiva, além de
contextualizar o momento presente, dando um sentido novo ao caminho percorrido
pelos idosos. Como aponta Bobbio (1997, p. 82):
Espero, contudo, poder continuar a manter-me em contato com os
jovens. A convivência com eles é muito prazerosa, acima de tudo
porque me ajudam a não envelhecer mais do que seja
fisiologicamente inevitável, e porque, ao contrário de muitos que
chegam a certa idade, não lhes tenho inveja. Entre minhas vozes
secretas, não está aquela que canta: "Como é linda a juventude".
Conheço as ansiedades do jovem que sai do regaço da família e
depara com a vida. Em nossa juventude passamos por
acontecimentos trágicos. Mas o futuro não me parece mais
luminoso.”
É importante ressaltar que há, neste processo, uma dimensão “catártica e
terapêutica”, que deve conduzir a mudanças de atitude pessoal. A situação social da
pessoa idosa no Brasil revela a necessidade de discussões mais aprofundadas sobre as
relações do idoso na família e na sociedade, acreditamos que tais aspectos, embora
amplamente discutidos e também publicados, não se encontram esgotados na sua
temática e continuam merecendo destaque e atenção, bem como discussões
verticalizadas voltadas para a inclusão do idoso.
Semelhante no que se refere à memórias, Correa e Justo (2010) realizaram
uma pesquisa denominada Memória e experiência narrativa com idosos. A memória
era evocada por meio de oficinas temáticas elaboradas previamente. Após um
aquecimento inicial a fim de criar um clima propicio, passavam para a atividade de
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memória programada previamente, com temáticas variadas, como as brincadeiras
da infância, os bailes e os carnavais, juventude, os “causos” e lendas transmitidos
culturalmente, os usos e costumes de uma época, os cuidados com o corpo e a
saúde e assim por diante, etc. Nessa produção de narrativas, os autores realizaram
o registro das histórias narradas, fosse em cartas, cartazes ou revistas de circulação
no campus da universidade entre outros.
A imposição de padrões de produtividade e de socialização aponta para a
exclusão do idoso e é por meio da divulgação do conhecimento de suas vivências
que poderemos compreender que não basta almejar a vida longa, mas a melhor
qualidade para este viver. Acreditamos que os idosos terão grande satisfação em
poderem ser úteis, trazendo contribuições, ainda que modestas, a pessoas mais
jovens, os relatos de vida, feitos pelos idosos, podem servir como elemento facilitador
à compreensão de trajetórias que, embora individuais, sinalizam experiências,
positivas e negativas.
3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DIFERENCIADAS PARA IDOSOS: ASPECTOS PARA UMA
POLÍTICA DE OFERTA EDUCACIONAL PARA IDOSOS
Como temos afirmado, as discussões que têm nos acompanhado na nossa
prática em cursos de formação de professores, sobretudo nas disciplinas de Educação
de Jovens e adultos EJA, têm se pautado na necessidade reabilitar o jovem e o
adulto, como sujeitos da ação-reflexão-ação frente a uma sociedade historicamente
constituída tendo como base as relações sociais que se estabelecem à luz das
múltiplas determinações do capital. No caso deste artigo, os resultados das discussões
que ora apresentamos buscam evidenciar essa mesma necessidade de
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reabilitação, mas, centralmente, do idoso, como sujeito da ação-reflexão-ação nessa
nossa sociedade historicamente constituída tendo como base as relações sociais que
se estabelecem à luz das ltiplas determinações do capital. Verifica-se que, nesse
sentido, os principais enfrentamentos têm se dado no terreno das discussões sobre
o que se deve privilegiar ou conciliar no rol de critérios e conteúdos para uma oferta
de práticas e saberes efetivos para formação continuada dessas pessoas.
Essa nossa postura encontra fundamento no método dialético do materialismo
histórico, cujas bases foram definidas por Marx e Engels, o qual exige de quem o
assume como postura, como concepção de mundo, a busca pela apreensão radical
(da raiz) de dado fenômeno em sua essência, além do que nos é imediatamente
perceptível, em um esforço de desvelamento das leis que produziram tal fenômeno.
Significa dizer que, quando se adota o materialismo histórico como postura e método
se traz para o plano da realidade a dialética fundamentada nas referidas categorias
pautadas que estão no modo humano de produção social da existência. Assim,
enquanto método de análise, a dialética do materialismo histórico o vincula a uma
concepção de realidade, de mundo e de vida em sua totalidade. “Constitui-se, pois,
numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e expor a estruturação,
o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais.” (PENITENTE; CASTRO;
GARROSSINO, 2007, p. 214).
Porém, a explicitação de todo o processo de apreensão, exposição da
estruturação de um dado fenômeno em suas mediações, ou seja, o conhecimento no
materialismo histórico se concretiza na e pela práxis que expressa a unidade
indissolúvel da teoria e da ação.
Pela própria concepção de mundo pertencemos sempre a um
determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais
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que partilham de um mesmo modo de pensar. Somos conformistas
de algum conformismo, somos sempre homem-massa ou homem
coletivos. O problema é o seguinte: qual o tipo histórico do
conformismo e do homem-massa do qual fazemos parte? [...] O
início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos
realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como um produto
histórico até hoje desenvolvido, que deixou em si uma infinidade de
traços recebidos em seu benefício no inventário. Deve-se fazer,
inicialmente, esse inventário. (GRAMSCI, 1978 apud FRIGOTTO,
2006, p. 78).
Nessa perspectiva teórica, quando falamos em oferta de trabalhos
educacionais para idosos temos que nos referir às pessoas que durante muito tempo
produziram a sua existência por meio de um estar no mundo e, em dada sociedade,
contexto e relações, buscaram e ainda buscam transformar a natureza e a realidade
em que estão inseridos, independente de não mais estarem no mercado de trabalho.
Assim, pensar em trabalhos educacionais para idosos implica pensarmos em
uma proposta voltada para a valorização do homem e de algumas dimensões
relevantes ao seu processo formativo. Segundo Rosar e Cabral (2001), são quatro as
dimensões formativas do homem, a saber. A primeira dimensão diz respeito à própria
vida dos homens, trabalhadores que em momento algum pode ser deixada de lado.
Dessa forma, o homem é chamado a assumir seu papel de sujeito, e ser protagonista
de sua própria história e da história de seu tempo.
A dimensão social do trabalho, isto é, o trabalho que é realizado na sociedade,
a busca de uma sociedade mais justa e com os bens materiais e sociais mais
socializados compreende a segunda dimensão formativa do homem. Para Rosar e
Cabral (2001), essa dimensão social do trabalho deve ser sempre resgatada nos
currículos para a educação de jovens e adultos.
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A terceira dimensão é a dos conhecimentos científicos e tecnológicos
produzidos pelos homens historicamente. Rosar e Cabral (2001) afirmam que tais
conhecimentos aparecem sempre organizados em forma de disciplinas, como
matemática, História, Geografia, Ciências e Língua Portuguesa, porém, devem ser
trabalhados a partir de uma visão dialética.
A quarta dimensão é a política, necessária a formação de cidadãos críticos e
atuantes e que poderá ser trabalhada à medida que, a partir dos conteúdos, sejam
elaboradas reflexões conjunturais acerca da realidade em que estão inseridos.
E, é nesse sentido que refletimos sobre possibilidades de oferta de trabalhos
educacionais com idosos, no sentido de “valorizar o conhecimento dessas pessoas,
propor a investigação, a pesquisa, o questionamento, a compreensão, o raciocínio, o
desvelamento do que, historicamente, pareceu aparente, a relativização do absoluto,
o estabelecimento de novas relações, a retomada da confiança em sua habilidade de
pensar, confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, exercitando o pensamento
crítico e reflexivo e enfrentar desafios, enfim, que tenham um conteúdo significativo.”
Daí nossas propostas de trabalhos educacionais em direção a um trabalho
que pode ser considerado diferenciado, considerando aquilo que se têm feito e,
sobretudo, aquilo que ainda precisa ser feito. “Diferenciação”, não como sinônimo
de trabalho individualizado, mas a oferta de práticas que busque a recuperação, no
individual, das experiências que nasceram das vivências na coletividade, fundadas nos
contextos históricos em que se viveu e em que se vive, se aprende e se avalia, numa
perspectiva dinâmica, alegre e acolhedora das diferentes vivências.
Nessa perspectiva, entendemos que devem ser ressaltados os processos e
situações que reorganizem todas as interações que necessariamente ocorrem com
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os trabalhos educacionais com idosos; a busca deve ser por reavivá-las e ressignificá-
las.
Assim, os trabalhos educacionais com idosos devem ser vistos como um
espaço/tempo de investigação e produção de conhecimentos.
Dentre as várias possibilidades de oferta de trabalhos educacionais com
idosos, considerando a perspectiva até então defendida, acreditamos que a adoção
da História Oral ganha sentido e significado diferenciados, que se trata de uma
proposta metodológica que valoriza o que é diverso nos sujeitos, ou seja, os percursos
individuais, a partir dos relatos orais, enfatizando os fatos contados a partir da
memória das pessoas.
Dentre as formas em que a História Oral pode se manifestar, podemos
destacar a história de vida e os depoimentos pessoais.
A História de vida é um recurso metodológico vinculado a História Oral. Tendo
como base a oralidade, a história oral tem sido definida por alguns autores como
metodologia, como técnica e como fonte para a pesquisa social. Como metodologia,
contém, reúne, propõe princípios teórico-epistemológicos que fundamentam e
norteiam a construção de uma pesquisa, no que diz respeito à investigação dos
fenômenos da vida humana e social (TEIXEIRA, 2004). Como técnica, propõe um
conjunto de estratégias para a investigação, focando a oralidade e as diferentes
formas de apreendê-la e registrá-la.
Segundo Becker (1986 apud MACEDO, 2006, p. 111), a história de vida
possibilita também a autobiografia, onde o sujeito relata a sua vida enquanto
protagonista. Para tanto, é necessário um esforço para manter uma coerência entre
a história que o sujeito narra e aquilo que uma investigação objetiva deseja descobrir.
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Seus relatos sempre começam pelo vivido, pela realidade que constitui a
verdade de cada sujeito social e cultural nas práticas educacionais. Nesses relatos, os
sujeitos buscam suas reminiscências, suas lembranças e, com isso, as interpretações,
os sentido atribuídos, os conhecimentos gerados. Por esse motivo, a memória se torna
uma das ferramentas mais importantes para a História Oral (TEIXEIRA, 2004). No
entanto, é importante buscar a informalidade, a espontaneidade e confiança dos
sujeitos que emprestam suas vidas e histórias, lhes confiam lembranças, sentimentos,
pensamentos e sonhos (MACEDO, 2006).
Ao expor seu pensamento, ideias e opiniões, o sujeito reflete sobre o social,
mediatizando-o e trazendo-o para o campo da subjetividade, elemento precioso que
compõe a vida, uma dimensão humana a ser interrogada e compreendida.
Com a História Oral, espera-se dar voz àqueles que não as têm, os esquecidos,
excluídos, valorizando cada sujeito como ator da sua própria história, o que
proporcionará a ele um sentimento de estima e de valor social, um sentimento de
identidade, de pertencer a um determinado lugar e a uma determinada época.
Correa e Justo (2010) evidenciaram que o fato de se ter um local para que as
histórias de vida e a memória cultural venham à tona é de extrema importância e
relevância.
Para os idosos, é uma possibilidade de resgate das próprias histórias
que muitas vezes ficaram esquecidas por eles mesmos. É a
possibilidade de poderem ter um espaço de interlocutores dentro
e fora do seu próprio grupo de pares, uma vez que essas histórias
podem circular amplamente por meio de panfletos, revistas, cartas,
cartazes e outras formas de comunicação. (CORREA; JUSTO, 2010,
p. 255).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O presente artigo ora intitulado “memória do idoso: uma construção afetiva
do passado por meio da educação” levou-nos a profundas reflexões sobre a
importância de oferecermos ao idoso um tempo e espaço para que ela possa falar sua
história de vida.
No contexto em que vivemos, onde a sociedade acredita que “tempo é
dinheiro” e a maioria das pessoas relatam viver sempre muito “ocupados” para
escutar um idoso, proporcionar a eles momentos de escuta atenta e interessada é
também proporcionar-lhe a melhora de seu afeto, de sua auto-estima e assim
oferecer um maior sentido de vida.
Além dos benefícios acima citados, não podemos nos esquecer de que o
favorecimento das relações inter-geracionais, idoso, docente, alunos estagiários são
muito benéficas para ambas as faixas etárias.
Beauvoir (1990) afirma que “o destino dos velhos depende também do
destino da sociedade, principalmente no que se refere aos seus valores e princípios.”
Acreditamos que se conseguirmos um maior número de políticas públicas que incluam
o idoso no sentido de valorizar sua história de vida, estaremos construindo uma
sociedade com maior respeito, valorização do idoso e do seu saber, favorecendo a
troca de experiências entre gerações e um melhor exercício da cidadania para todos.
REFERÊNCIAS
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Submetido em: 15/04/2016
Aprovado em: 01/09/2016