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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.1, n.1, p.3-25, jul./dez. 2015.
ISSN: 2447-780X - https://doi.org/10.33027/2447-780X.2015.v1.n1.02.p3
ENTRE O MUNDÃO E A CASA: A PASSAGEM PELO CENTRO DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO AO ADOLESCENTE FUNDAÇÃO CASA
E A APROXIMAÇÃO AOS CÓDIGOS DO SISTEMA PRISIONAL
Rosângela Teixeira Gonçalves
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho - Unesp - Campus
de Marília, Membro do IPPMAR (Instituto de Políticas Públicas de Marília), e Pesquisadora da
REPP (Rede Internacional de Estudos sobre Punição, Prisão e Controle Social).
RESUMO
Analisa o perfil, a trajetória e as representações dos jovens egressos das unidades
socioeducativas da Fundação CASA, sobre o período de cumprimento da medida de internação
e da medida socioeducativa em meio aberto de liberdade assistida. Como conclusões, a pesquisa
destaca que, para os sete jovens entrevistados, egressos das unidades da Fundação CASA, a
medida socioeducativa de internação vem sendo compreendida enquanto pena e as unidades
socioeducativas, como prisão. Na primeira passagem os jovens passam a incorporar em seu
vocabulário uma linguagem nativa das penitenciárias para referirem-se aos seus atos
infracionais, ao cumprimento da medida, a diferenciar a instituição do mundão e a valer-se das
normas e dos procederes do Primeiro Comando da Capital. Desse modo, quando em liberdade,
a medida socioeducativa de internação amplia o status positivo dos jovens frente ao crime e o
status negativo frente à instituição escolar e ao mundo do trabalho.
Palavras-Chave: Juventude; Ato Infracional; Medida Socioeducativa.
AMONGST THE BIG WORLD AND THE CASA: THE PASSAGE THROUGH SOCIAL AND
EDUCATIONAL CARE CENTRE FOR ADOLESCENTS - CASA FOUNDATION AND THE APPROACH
TO PRISON SYSTEM CODES
ABSTRACT
Analyzes the profile, the trajectory and the representations of young egress of social and
educational units of the CASA Foundation concerning the compliance period of the detention
procedure and social and educational measures in an open environment of assisted liberty. As
conclusions, the research highlights that for the seven interviewed young people, egresses of
the CASA Foundation units, inpatient social and educational measures is being understood as
penalty and social and educational units, as prison. In the first passage, young people spend
incorporate into your vocabulary a native language of penitentiaries to refer to by its illegal acts,
to comply with the measure to differentiate the institution of the big world and avail himself of
the rules and procedures the First Command of Capital. Thus when at liberty, the social and
educational measure of inpatient enlarges the positive status of young egress facing the crime
and the negative status front of the school institution and the world of work.
Keywords: Youth; Infrational Act; Social and Educational Measured.
Rosângela Teixeira Gonçalves
4
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1 INTRODUÇÃO
Passadas quase três décadas da
abertura democrática e da
implementação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), intensificam-se a
cada dia as demandas sociais por maior
punitividade aos jovens que cometem
atos infracionais, “[...] sendo a eles
atribuída, no imaginário social, uma
espécie de equivalência ao fenômeno da
violência urbana e seu crescimento”
(TEIXEIRA; SALLA, 2013, p.2).
Nesse contexto, se, por um lado,
os jovens são as maiores vítimas da
violência do país, da morte precoce
1
e a
categoria mais vulnerável diante da
sensação de insegurança que envolve a
maior parte da sociedade brasileira, por
outro, aparecem quase sempre como
possível ameaça à ordem pública,
agressores e criminosos em potencial,
que necessitam ser contidos através de
medidas punitivas ou moralizadoras. “É
como se, diante dos reais desafios da
violência no país, fosse mais fácil
simplesmente eleger uma categoria que
sintetizaria todos os nossos medos e um
diploma legal que fosse a causa de todos
os nossos males” (ALVAREZ, 2014, p.111).
Esse cenário ainda é alimentado
por especulações, diante da carência ou
mesmo ausência de dados e
informações qualificadas a respeito da
participação de jovens em crimes
(TEIXEIRA; SALLA, 2013). Ao levantar
diferentes fontes de dados quantitativos
referentes a apreensões de jovens no
estado de São Paulo, a fim de refletir
sobre as principais mudanças no perfil e
trajetória da criminalidade juvenil nos
últimos anos, Teixeira e Salla (2013)
concluem que de 2010 a 2013, um
aumento na apreensão de jovens em
42%, enquanto as prisões de adultos
representam um aumento de 17%. Com
relação à apreensão em flagrante,
enquanto a variação aumentou 7% para
os adultos, para os jovens o aumento foi
de 24%, entre 2010 a 2012.
As ocorrências envolvendo os
jovens perfazem 2% do total de crimes
registrados na capital de São Paulo, no
ano de 2012. No entanto, a apreensão de
jovens nesse mesmo ano representou
15,7% de todas as prisões efetuadas na
capital (TEIXEIRA; SALLA, 2013).
Uma das conclusões preliminares
de Teixeira e Salla (2013) relaciona o
grande número de apreensões de jovens
em relação à representatividade desse
segmento nos crimes, a um incremento
no controle e punitividade, que não
encontra correspondência estrita com o
envolvimento criminal dos jovens,
oficialmente registrado.
Aliado ao aumento do número de
apreensões de jovens no estado de São
Paulo houve nos últimos anos, uma
expansão do número de instituições
socioeducativas de internação. Teixeira
(2009) aponta que em 2006, com o início
do processo de descentralização das
unidades da Fundação Centro de
Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente (Fundação CASA), foram
construídas 41 novas unidades, com
capacidade para atender 2460 jovens, em
um período de dois anos.
De acordo com o Levantamento
Anual dos (as) adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa
(2012), o estado de São Paulo conta com
142 unidades, sendo 132 destinadas ao
atendimento exclusivo de jovens do sexo
masculino, 4 para atendimento misto e 6
para o atendimento de meninas
2
. De
acordo com o Levantamento Anual, o
estado de
Rosângela Teixeira Gonçalves
5
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São Paulo concentra o maior número de
unidades socioeducativas de privação de
liberdade do país, seguido por Minas
Gerais com 31 unidades, Santa Catarina
com 27 unidades, pelo Paraná e Rio de
Janeiro, ambos com 24 unidades e pelo
Rio Grande do Sul com 23 unidades.
É nesse contexto, de expansão
do sistema socioeducativo e do
crescimento do número de jovens
cumprindo medida socioeducativa de
internação, que a presente pesquisa
teve como objetivo compreender qual o
perfil dos jovens egressos do sistema
socioeducativo de internação no estado
de São Paulo, verificar como esses
jovens vivenciam a experiência de
institucionalização precoce e qual o
impacto das medidas de privação de
liberdade e em meio aberto em suas
vidas e em suas relações cotidianas,
frente à política de segurança pública
instaurada no estado de São Paulo, que
privilegia o aumento dos contingentes
policiais, o crescimento da população
carcerária, a maior sofisticação dos
equipamentos eletrônicos e a ampliação
dos órgãos de controle e dos
mecanismos de vigilância.
2 METODOLOGIA
A fim de conhecer o perfil e o
cotidiano dos jovens egressos do
sistema socioeducativo de internação,
foram realizadas entrevistas com jovens
do sexo feminino e masculino que
cumpriram medida de privação de
liberdade nas unidades da Fundação
CASA e que cumpriam no momento da
pesquisa, a medida socioeducativa
(MSE) em meio aberto de Liberdade
Assistida (LA), como medida de transição
do meio fechado para o meio aberto.
Desse modo, a pesquisa tem
como objetivo verificar a partir da
perspectiva dos jovens egressos das
unidades de internação da Fundação
CASA, quais os impactos da privação de
liberdade, da MSE de LA e das políticas
públicas para os egressos (as) do sistema
de privação de liberdade, em sua
vivência e em seu cotidiano.
Para a realização da pesquisa foi
selecionado um município que
necessariamente tivesse uma unidade
de internação da Fundação CASA, do
sexo masculino ou feminino e que
recentemente tivesse a medida
socioeducativa de LA repassada para o
município em decorrência da Lei
12.594 de 18/01/12, que regulamenta o
Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE).
O município em que a pesquisa
foi realizada fica localizado na região
centro- oeste do estado de o Paulo,
possui cerca de 200 mil habitantes, conta
com uma unidade socioeducativa de
privação de liberdade para jovens do
sexo masculino inaugurada em 2001
3
,
como parte do processo de
descentralização da Fundação de Bem-
Estar-ao-Menor (FEBEM), com
capacidade para o atendimento de 72
jovens, com o custo de 1, 9 milhões e
com uma unidade de semiliberdade,
inaugurada no ano de 2012, com
capacidade para o atendimento de 20
jovens. O nome do município em que a
presente pesquisa foi realizada será
mantido em sigilo para preservar a
identidade dos entrevistados.
A pesquisa foi realizada
4
entre os
anos de 2012 e 2013, no Centro de
Referência de Assistência Social
(CREAS)
5
do município, que realiza o
atendimento aos jovens que cumprem as
medidas de LA e de Prestação de Serviços
à Comunidade (PSC)
6
.
Rosângela Teixeira Gonçalves
6
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Com o objetivo de conhecer o
perfil e a trajetória dos jovens egressos
das unidades socioeducativas de
internação da Fundação CASA que
cumprem a MSE de LA, foram realizadas
entrevistas com 7
7
jovens, 4 meninos e
3 meninas, bem como a participação em
grupos e atividades desenvolvidas no
CREAS.
Todas as entrevistas com os
jovens foram realizadas no espaço do
CREAS, na sala de atendimento da
medida de LA, através do intermédio de
duas assistentes sociais, responsáveis
pelas medidas no momento da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas
individualmente, sem o
acompanhamento de técnicos ou
funcionários, com as portas fechadas. Os
diálogos foram orientados por um
roteiro padrão previamente
estabelecido, gravados mediante a
autorização e o consentimento dos
entrevistados.
No entanto, ao realizar as
entrevistas na mesma sala onde ocorre
o atendimento técnico, tendo em vista
que para os jovens que cumpriam as
medidas, eu não me diferenciava em
muito da figura de suas técnicas,
psicólogas ou assistentes sociais,
certamente levou com que suas
narrativas expressassem o desejo de
deixar o crime, a mudança de caminhos
ou a busca por “conselhos”. Assim, em
diversos momentos foi possível verificar
o discurso institucional, quandose
dirigiam a mim por “senhora”, quando
afirmavam ter “saído do crime”, quando
afirmavam ter o objetivo de retornar à
instituição escolar ou procurar emprego.
Mas, também foi possível
observar as resistências no período de
cumprimento da MSE de internação e
de LA, quando os jovens cumprem as
regras dentro da instituição para ganhar
a rua mais rápido, quando se recusam a
voltar para a instituição escolar, quando
faltam aos agendamentos de seus
técnicos ou no rompimento da medida
de LA.
Portanto, essas narrativas têm
como objetivo traçar, a partir das
experiências e vozes dos jovens egressos
das unidades socioeducativas de
internação, um contraponto ao discurso
institucional que intervém com o
objetivo de promover socialmente o
adolescente e sua família, inserindo-os
nos programas da assistência social,
diligenciando no sentido da
profissionalização e da sua inserção no
mercado de trabalho
8
; através das
medidas socioeducativas privativas de
liberdade e em meio aberto, em que se
criam maneiras de governar vidas e
trajetórias.
3 RITO DE PASSAGEM
Na maior parte das vezes o rito de
passagem inicia-se pela batida policial,
logo em seguida m os socos, tapas e
pontapés, o empurrão para o camburão,
a chegada na delegacia, à noite, um, dois
ou mais dias nas carceragens, sem água
ou comida, a transferência para a
FEBEM
9
, a audiência, a ausência de
advogado ou do defensor público, o sim
ou não para as perguntas feitas pelo juiz,
a família se encontra presente e é
chamada a responder se ele (a) estuda ou
trabalha, a incompreensão da dinâmica
das audiências, a assinatura de um
documento, a elaboração de uma ficha,
bate-se uma foto, registram-se as
impressões digitais, monta-se um
prontuário. Não sabe quanto tempo vai
tirar, sabe-se apenas que foi condenado
(a) a prisão.
Rosângela Teixeira Gonçalves
7
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Essa é a síntese das narrativas de
7 jovens entrevistados, que foram
apreendidos pela polícia e sentenciados
pela justiça infanto-juvenil a cumprir
medida socioeducativa de internação
provisória e de internação nas unidades
da Fundação CASA. Em todas as
narrativas foi possível verificar que a
primeira institucionalização se constitui
como um rito de passagem relevante em
suas trajetórias “ele passa a ser alguém
com antecedentes criminais e, assim
também frente ao Estado muda seu
antecedente” (FELTRAN, 2008, p.91).
Mel, Júlia, Thais, Antônio, Luan,
Wellington e Iago
10
, foram entrevistados
enquanto cumpriam MSE de LA e foi
possível verificar em seus relatos que
para eles, ser apreendido pela polícia e
sentenciado a cumprir MSE de
internação em unidade socioeducativa é
representado, como a primeira
passagem pela prisão.
Mel, 17 anos, apreendida por
tráfico de drogas, foi sentenciada a
cumprir MSE de privação de liberdade,
em uma unidade socioeducativa
feminina localizada na capital do estado
de São Paulo, afirmou que consumiu
maconha por muito tempo, mas disse
não ter relações com o tráfico de drogas:
“tanto que eu fui presa à primeira vez
por burrice”. Mel foi apreendida quando
levava drogas de um município para
outro na companhia de um moto taxista
do sexo masculino, ficando custodiada
em uma cadeia feminina por 9 dias, em
cela separada, durante os quais ficou
sem comer por alguns dias: “não tinha
refeição não tinha nada, comia se pai
e mãe levar lá, que é de quinta a
domingo. Ai não tinha”. Em sua
audiência, Mel afirmou que teve
defensor público, mas “ele não
abriu a boca prá falar nada”. Quando
perguntei se ela pode falar, ela
respondeu: “o que ele perguntou eu
respondia e o que eu quis falar ele não
quis escutar”.
Júlia, 16 anos, foi apreendida
pela primeira vez aos 12 anos por roubo
e cumpriu 90 dias de MSE de internação
em uma unidade feminina da Fundação
CASA localizada no interior do estado, “já
tive passagem já, fui pro abrigo,
roubei, tem bastante BO meu na
delegacia, no Fórum”. Sua segunda
apreensão foi aos 15 anos, com 22 papéis
de pedra e 600 reais, na ocasião a jovem
estava acompanhada do seu ex- marido,
com idade próxima aos 40 anos, usuário e
vendedor de drogas. Júlia era
dependente de crack, morava nas ruas
antes da segunda medida de internação
e ia se virando
11
por meio de atividades
ilegais como o roubo aos clientes, assalto
a residências, a prostituição e o tráfico
para consumir drogas.
Thais, 15 anos, afirmou que até a
ocasião não tinha passagens pela polícia ou
boletins de ocorrência. No momento de
sua apreensão estava na biqueira com
seu irmão fazendo dinheiro, com 21
cápsulas de cocaína, 2 papelotes de crack
e quinhentos reais em dinheiro. Mesmo
apreendida na companhia de seu irmão,
Thais alegou que a droga era sua, mas
seu irmão também foi detido e até o
momento da entrevista aguardava o
julgamento.
Sobre a apreensão policial, a
jovem afirmou que a abordagem da
polícia não foi violenta com ela, mas com
seu irmão sim: não foram violentos
comigo não, com o meu irmão foi, eles
bateram no meu irmão, é porque eles
não bateram nin mim pensando que eu
ia sair”. Com relação à sua audiência,
Thais disse ao juiz que a
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droga pertencia a ela para consumo, a
fim de livrar seu irmão das acusações.
Afirmou ainda que os policiais entraram
em contradição, que um deles alegou que
a via todos os dias naquele ponto da
biqueira e que havia a aprendido por
porte de drogas anteriormente,
enquanto o outro disse que nunca a viu
ali. Thais teve advogado constituído para
defendê-la, que de acordo com ela foi
pago metade pelo patrão, para quem ela
vendia drogas e o restante por ela.
Thais não foi condenada a
cumprir medida socioeducativa de
internação, no entanto, ficou 45 dias na
internação provisória de uma unidade
feminina de gestão compartilhada,
localizada no interior do estado
aguardando a sentença, mas de acordo
com ela, a medida de internação
provisória se constituiu enquanto
“prisão”, pois ela afirmava que não
acreditava na possibilidade de “ser
presa”, mas “fui presa, eu perdi tudo, eu
nunca achei a vo presa, perdi tudo”.
Antônio que até o momento não
tinha passagens pela polícia foi
apreendido quando realizava um assalto
a uma residência na companhia de alguns
amigos. Quando perguntei sobre a
abordagem policial, ele respondeu: “eles
oprimiram né, porque polícia é assim
mesmo”.
Luan, afirmou que no dia em que
foi detido, passou a noite consumindo
cocaína com seus colegas e pela manhã
roubaram a bolsa de uma moça que
estava passando na localidade. Ela logo
começou a gritar: “pega ladrão”. Com
relação à abordagem policial, ele
relatou que: “chegaram duas (viaturas
policiais), uma veio por trás e uma veio
pela frente, pegaram a gente, falaram
prá por a mão na cabeça, algemaram a
gente, colocou dentro da viatura e
levaram prá delegacia, bateram mais em
mim, eu que tava com as coisas do
roubo”. Luan disse que ficaram dois dias
custodiados na delegacia sem comer e
tomar água: passamo á noite lá, na
verdade a gente ficou dois dias lá, sem
comer, sem beber, na verdade a minha
mãe ainda falou com o promotor e o
promotor falou que podia levar comida
prá gente, tudo, que o delegado não
deixava entrar”.
Wellington, 17 anos, disse que
havia “feito vários roubos” e, na ocasião
em que foi apreendido, “dei azar... mas
eu parei senhora”. No momento da
apreensão, Wellington disse que estava
acompanhado por mais cinco colegas, e
realizam um assalto a uma residência,
em um condomínio fechado. Sobre a
abordagem policial disse: “apanhei bem
viu senhora”. Wellington ficou
custodiado na delegacia por vinte e três
dias, segundo ele, esse período foi para
que seus machucados minimizassem e
ele pudesse ser transferido para a
Unidade de Internação Provisória (UIP)
da Fundação CASA, sem que os policiais
que o agrediram tivessem problemas:
“mas você acha que eles é bobo, se eles
mandasse eu prá daquele jeito, mais
eu falei pro juiz que eles me agrediu, mais
cadê os machucados, uma verdade sem
prova”. No período em que ficou na
delegacia, ele disse que sua mãe foi
visitá-lo para levar cobertores. Ao vê-lo
sua mãe reafirmou o que sempre lhe
dizia: “o dia que você cair você vai
apanhar prá caramba, toma cuidado”.
Wellington disse que, apenas ele
“era de menor” e somente ele e mais
um colega foram apreendidos, pois os
outros três conseguiram fugir: “o de
maior saiu antes de mim ainda, ficou
cinco meses só, ele ganhou, ele recorreu
do BO dele”. Sobre a audiência,
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Wellington contou que teve defensor
público: “eu falei, a polícia falou, a vítima
falou, foi me reconheceu, o juiz falou:
então manda ele prá Fundação de novo
prá ele esperar a sentença ou a
liberdade”. Após dois meses na UIP,
Wellington recebeu a medida de
internação: “aí desceu a sentença, vem
o oficial de justiça e ele traz, o
funcionário chega e traz sua sentença, aí
você assina. é o lugar que o filho chora
e a mãe não vê”. Wellington cumpriu seis
meses de MSE de internação em uma
unidade da Fundação CASA de gestão
compartilhada, localizada em seu
município.
Iago, 17 anos, disse que iniciou
pichando os muros da cidade, tendo 15
passagens pela polícia e após ser
apreendido diversas vezes, começou a
vender drogas. Com a venda de drogas,
ele disse ganhar em média R$ 800,00 por
semana, além de ter sua casa, armas e
família. Para Iago, os ganhos com o
tráfico: “vem rápido e vai rápido, vixi eu
saía prá balada, gastava quase tudo, vixi
eu comprava bebida, roupa, tudo”. Iago
foi apreendido com 14 anos, com
R$1.700,00 em pedras de crack. Antes
da primeira apreensão, ele afirmou que
perdeu diversas vezes o dinheiro das
vendas para os policiais que passavam
pela biqueira. Iago disse que para poder
apreendê-lo, os policiais precisavam
encontrar certa quantidade de droga,
quando não conseguiam a droga,
levavam apenas o dinheiro ou a pouca
quantidade que ele tinha, como na
ocasião em que um policial tomou o pino
de cocaína de sua mão e consumiu na sua
frente.
Sobre a inserção e trajetória dos
jovens entrevistados no “mundo do
crime”, Teixeira (2012) aponta que os
adolescentes parecem transitar entre
diferentes atividades criminais,
recusando via de regra, um percurso
único, em que as trajetórias são
marcadas pelo trânsito entre o trabalho
no tráfico de drogas e os roubos avulsos
nas regiões centrais de São Paulo.
Contudo, com relação aos jovens
entrevistados no interior do estado, os
únicos a recusarem um percurso único
no crime foram Júlia, que se “virava” nas
ruas como estratégia de sobrevivência e
Antônio que não entrou em detalhes
sobre sua participação nos roubos e no
tráfico de drogas.
Júlia se considerava autônoma
no tráfico de drogas, ou seja, através dos
programas acumulava dinheiro,
comprava a droga e possuía autorização
para a venda, próximo ao complexo
poliesportivo no qual residia no
momento da apreensão. No mundo do
crime as regras de sociabilidades são
claras, (FELTRAN, 2008; MALVASI, 2012),
no tráfico de drogas dívidas contraídas
são dividas pagas, ou seja, vender drogas
para o patrão obriga os jovens a uma
série de hierarquias, a enfrentar longas
jornadas de trabalho e muito
possivelmente em decorrência da
dependência de Júlia pelo crack, período
em que afirmou viver na noia, a jovem
não obtivera o respeito ou o aval
necessário para a venda de drogas em
consignação, ou seja, para pagar
posteriormente. Portanto, Júlia primeiro
pagava e depois vendia, quando não,
consumia a quase totalidade das drogas
que adquiria. Mesmo isentando o
companheiro de responsabilidades, ela
afirmou que “se eu falasse isso (que a
droga era dele) quando ele saísse ia
querer me matar é assim...” (Júlia), ou
seja, Júlia conhecia as regras e as
respeitava, mesmo não se submetendo
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as hierarquias do tráfico. Quando
apreendida pela polícia, não houve
acordo ou negociação, queriam apenas
a identidade dos fornecedores.
Mel recusou o
comprometimento com o “mundo do
crime” e com o tráfico de drogas,
afirmando “apenas” levar uma sacola
com drogas para outro município, sem
cumprir longas jornadas de trabalho nas
ruas ou responder diariamente a um
patrão, enquanto Luan afirmou não ter
associação com o tráfico de drogas ou
com o roubo, trabalhava com o pai para
consumir drogas e participou uma vez de
um roubo a uma jovem, tendo sido
sentenciado a cumprir MSE de
internação. Wellington se recusava a
ingressar no tráfico de drogas, segundo
ele, por conta de um compromisso ético
com os credores, assim como pelas
hierarquias e obrigações do tráfico, pois
no roubo, a resolução de seus
“problemas” se dava apenas na instância
policial.
Iago e Thais, recusaram o
percurso no roubo desarticulado,
optando pelo tráfico de drogas. Mesmo
diante das posições inferiores exercidas
no tráfico, Thais afirmou que teve
advogado constituído para defendê-la e
que o valor foi dividido entre ela e seu
patrão.
Inseridos no “mundo do crime”,
partindo da formulação de Feltran (2008)
que o designa como um conjunto de
códigos de condutas, em torno de
atividades ilícitas que oferece aos
indivíduos que ingressam nela
experiências limite, “a sensação de que
os pares são ‘iguais’ e ‘igualmente’
“outros” frente aos de “fora do crime
(FELTRAN, 2008, p. 106), os sete jovens
foram narradores das experiências
limite de violência presente nas relações
no mundo do crime, desde as ações
criminais, as relações internas no tráfico
de drogas narradas por Thais e Iago, o
roubo a residências narradas por Antônio
e Wellington, o assassinato de parentes
próximos como Mel que perdeu seu pai
assassinado, ainda quando criança e Iago,
cujo tio também foi assassinado, a prisão
de amigos, vizinhos, pais e irmãos, como
narrado por Thais e Iago, a violência
presente nas apreensões policiais, nas
delegacias, carceragens e
instituições
socioeducativas. E, a primeira
apreensão pela polícia, as audiências na
vara da infância e juventude e o
cumprimento da medida de internação,
constitui-se como um rito de passagem
na vida desses jovens, que altera o status
frente ao mundo do trabalho, frente à
escola, aos patrões no tráfico de drogas
e aos colegas das quebradas.
4 DO MUNDÃO PARA A CASA
Ao longo das narrativas, foi
possível verificar que Antônio, Luan,
Wellington e Iago cumpriram a medida
de internação na mesma unidade, em
períodos diferentes. A unidade é
localizada em um município do interior
do estado deo Paulo e foi considerada
pelos jovens como uma unidade em
regime de opressão. Opressão né.
dentro é outro, aqui fala normal,
dentro nóis fala que é opressão, tipo de
funcionário bater assim, que nóis faz
junta todo mundo, de menor assim e faz
rebelião né” (Iago).
Na descrição da rotina
institucional da unidade na opressão é
possível identificar o processo descrito
por Goffman (2001) como mortificação
do eu, assim como as características de
uma instituição total. Em uma
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instituição total todos os aspectos da
vida são realizados no mesmo local e
sob uma mesma autoridade,
controlados por uma organização
burocrática. A tendência ao fechamento
que as instituições colocam entre o
internado e o mundo externo constitui a
primeira mortificação do eu. Ao entrar
em uma instituição total, o indivíduo é
imediatamente despido das disposições
sociais que possibilitavam a concepção
de si, através de rebaixamentos,
degradações, humilhações e
profanações do eu. O processo
caracterizado como admissão nas
instituições totais, como obter uma
história da vida, tirar fotografia,
enumerar os bens pessoais, dar banho,
cortar cabelos, distribuir uniformes, dar
instruções quanto às regras, tem como
objetivo modular suavemente o
internado através da rotina. Como o
internado é despojado de seus bens,
outros são providenciados, mas são
geralmente de um tipo barato, mal
ajustado, muitas vezes velho e igual
para a maioria dos internados, como
relatou Wellington: “o loco senhora tem
que reclamar de tudo aquilo não é...
como que você vai tomar banho com
sabonete glicerinado, não tem nem
cheiro” (Wellington). Ao ser admitido
em uma instituição total, o indivíduo é
despido de sua aparência usual, bem
como dos equipamentos e serviços com
os quais se mantém, o que provoca a
desfiguração pessoal (GOFFMAN, 2002).
Além dos jovens internados
manterem posições humilhantes em
relação ao corpo, como a posição de
formação e encaixe na CASA, eles
também são obrigados a se reportar
verbalmente a equipe técnica e
dirigente por “senhor e senhora”, assim
como pedir licença a todo o momento
(GOFFMAN, 2002). Nas instituições
totais queixas a alimentos sujos, locais
em desordem, sapatos e roupas
impregnados com o suor de quem os
usou e instalações sujas são comuns,
assim como os quartos ou celas lotadas,
como pode ser observado na narrativa:
Perfume não tem é normal.
Desodorante tem mais é sem
cheiro, normal, neutro, shampoo
tem também, mas é um, tudo o
mesmo cheiro, sabonete
glicerinado, todo glicerinado,
saboneteira, bucha normal, tinha
mais básico, bem básico mesmo,
escova de dente era aquelas de
silicone ainda e acostumei depois
que eu escovei aqui fora com uma
normal machucou tudo a minha
gengiva, machucou bastante.
Pasta de dente não é tipo aquelas
Colgate, era coisa ruim. Tinha
mais não era tênis assim não
senhora, era tênis normalzinho
aqueles de jogar futebol de quadra
baixa, chinelo. Cueca eles também
dava mais não era tipo boxe, era
tudo azul, tudo da mesma cor, era
aquelas que você começa a usar
ainda criancinha, era ruim,
horrível, aquelas cueca e a gente
vai engordando vai ficando tudo
apertada
(Wellington).
Goffman (2002) descreve que ao
mesmo tempo em que o indivíduo é
despojado de seus bens e o processo de
mortificação se desenvolve, o internado
começa a receber instruções a respeito
do que ele denominou de sistema de
privilégios, que consiste em três
elementos básicos. Primeiro são as
regras da casa, “um conjunto
relativamente explicito e formal de
prescrições e proibições que expõe as
principais exigências quanto à conduta
do internado” (GOFFMAN, 2002, p. 50).
Na unidade nas os dos funça
12
, as
regras e o condicionamento a saída da
Rosângela Teixeira Gonçalves
12
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instituição são detalhados desde o
primeiro momento: “você chega e eles
fala: você quer ir embora rápido e eu
falo lógico. eles fala: então você fala
isso, isso, isso, tem as regras, o
regimento, então faz a sua parte que nos
manda você embora rápido”
(Wellington). Iago também percebeu
logo no início da internação que caso não
apresentasse um bom comportamento
permaneceria mais tempo na unidade.
“[...] tem duas unidades de internação, a
UI e UIP, no começo eu tava na unidade
de internação provisória, eu comecei
fazer maldade assim, eu comecei a ver
que se eu começasse a fazer mais eu ia
ficar mais tempo, eu fui prá outra
unidade, aí na primeira oportunidade eu
parei, fiquei de boa” (Iago).
Em segundo lugar, apresenta-se
uma série de privilégios e benefícios
obtidos em troca da obediência à equipe
dirigente e o terceiro elemento são os
castigos, definidos como consequência
de desobediência as regras (GOFFMAN,
2002). Na CASA,
obedecer às regras condiciona a um
curto período de internação e a cada
sanção da equipe dirigente, o internado
permanece 3 meses a mais na
instituição: “é regra, é sanção. se você
agride o funcionário, aí sua técnica vai lá
e fala com você, você assina um livro
preto lá, vai e manda pro juiz, e o juiz,
sabe que você veio de com um
comportamento excelente, se você
fizer isso, ele manda um pedido de
internação prá mais de três meses”
(Iago). No sistema de privilégios, alguns
atos podem ser conhecidos como o
aumento ou a redução do período de
estada, e a liberdade futura encontra-se
sempre no centro do sistema de
privilégios (GOFFMAN, 2002).
[...] no começo eu tive briga lá,
peguei dois castigo, 11 dias no
escuro sem ver nada, na verdade
num era uma sala, era um quarto
assim, fechava tudo e não via nada,
bebendo água, sem comida,
água (Luan).
O dispositivo de punição que
consiste em deixar os jovens confinados
em seus quartos durante grande parte
do dia, por algumas semanas ou meses,
conhecido como tranca, tem sido
combatido pelos setores ligados aos
direitos humanos, por ferir os prinpios
do ECA, pois, nesse período a rotina
institucional, como as aulas formais, os
cursos profissionalizantes são
interrompidos, para o controle mais
rígido dos jovens (OLIC, 2008). Mesmo
combatido por organizações de defesa
dos direitos, OLIC (2008) apontou que o
dispositivo de controle da tranca
permanece no regimento interno da
unidade, contudo, o jovem que estiver
cumprindo a tranca deverá continuar
frequentando a escola e os cursos
profissionalizantes, o que o ocorreu de
acordo com Luan.
Quando as pessoas se
movimentam em conjunto, podem vir a
serem supervisionadas por um pessoal,
cuja atividade principal é a vigilância, a
fim de garantir que todos façam
claramente o que lhes foi exigido. Nas
instituições totais, Goffman (2002)
afirma que o grupo dos dirigentes e de
pessoas controladas foi feito um para o
outro. Cada grupo tende a conceber o
outro através de estereótipos, a equipe
dirigente muitas vezes os internados
como reservados, amargos e hostis e
tendem a se sentirem superiores e
corretos, enquanto o grupo dos
internados os dirigentes como
condescendentes e arbitrários e tendem
a se sentirem inferiores, fracos,
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censuráveis e culpados. Os funcionários
que ocupam cargos abaixo da
administração das instituições totais
podem vir a ter a mesma origem social
que os internos, e até uma origem
inferior. Como compartilham a cultura do
mundo original do internado podem
servir como um canal de comunicação
entre o grupo mais alto da administração
e os internados e pela mesma razão
podem ter dificuldades de manter
distância social com relação àqueles que
precisam fiscalizar. Isso pode complicar o
papel de guarda expondo-o ao sacarmos
dos internados (GOFFMAN, 2002). Na
Fundação CASA, a
relação de piadas e brincadeiras entre
os menores e os funça, é conhecida pelos
jovens como galinhagem
13
.
Tudo começou por galinhagem,
zuação entre menor e funcionário,
o funcionário começou a zuar o
menor s, porque ninguém
guenta com s na galinhagem,
os funcionário não guentava nóis
zuava eles e eles perdia a linha e
arrastava, sempre era assim, eles
começava e a gente zuava, porque
a gente também não pode ficar
levando desaforo né, a gente
zuava também, começava a
perder a linha e ele arrastava
relatório. Beleza, começou um a
zuar o outro funcionário, o
funcionário falou da mãe do
menor, ele saiu catando o
funça, ele pegou e foi todos
funcionário prá cima do menor e
todos menor prá cima do
funcionário (Wellington).
De acordo com Olic (2008), nas
unidades que estão na galinhagem os
jovens conquistam uma maior
autonomia frente às normas
institucionais, o pode acabar levando a
situações de descontrole, como o início
da rebelião, narrada por Wellington.
Para o autor, a galinhagem consiste em
uma estratégia que busca
desterritorializar a ordem imposta pelos
funcionários. Nas unidades que se
encontram na galinhagem é comum uma
relação jocosa entre os jovens e os
funcionários. Nas unidades que estão na
disciplina, a galinhagem é condenada
pelos jovens, tendo em vista que ela
pode dar início a conflitos e
consequentemente o fortalecimento da
ordem institucional.
Ao estudar dois grupos distintos,
os estabelecidos e outsiders, Norbert
Elias e John Scotson (2000) buscam
compreender a natureza e a função das
fofocas em uma comunidade cindida.
De acordo com os autores, a fofoca
depreciativa é sempre inseparável da
elogiosa, que costuma restringir-se ao
próprio indivíduo e aos grupos com que
ele se identifica, trazendo fama para o
indivíduo e seu grupo. Mas, as fofocas
em geral têm um valor considerável
como entretenimento, “[...] se um dia
parassem os moinhos da boataria na
“aldeia”, a vida perderia em muito seu
tempero” (ELIAS; SCOTSON, 2000,
p.122). Do mesmo modo que a vida na
comunidade cindida perderia a graça, na
CASA, mesmo após a relação entre
funcionários e menores se abalar com o
início da rebelião relatada por
Wellington, logo a galinhagem se
reestabeleceu na instituição, “foi
uma semana, depois voltou normal, vixi
é que nem marido e mulher, os
funcionário e menor é que nem marido
e mulher, dormiu era...”. (Wellington).
No grupo estabelecido, nesse caso, dos
funcionários, as fofocas têm como
objetivo expor a superioridade exclusiva
da conduta, dos valores e do estilo de
vida, bem como a inferioridade do grupo
outsider, os jovens internos.
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Na narrativa de Wellington no
momento em que o funcionário fala
sobre a mãe do colega, “ele saiu
catando o funça” (Wellington), pois na
maioria das vezes, a mãe é uma figura
santificada pelos jovens no mundo do
crime, como enfatiza Feltran (2008) e
designada como uma guerreira, como
aponta Moreira (2011). Desse modo, as
calúnias que acionam sentimentos de
culpa, ou vergonha no grupo outsider,
diante dos sinais de superioridade do
grupo estabelecido, fazem com que os
grupos dominantes mantenham sua
dominação em relação ao grupo
socialmente inferior (ELIAS; SCOTSON,
2000).
A partir dos relatos é possível
afirmar que as unidades da CASA nas
mãos dos funça apresentam os
principais aspectos do poder disciplinar:
a punição, a docilização dos corpos, o
adestramento e o panoptismo. Foucault
(1997) analisa as transformações das
práticas penais que culminaram no
surgimento das prisões, que se
sustentam até os dias atuais. No Século
XVIII, as punições davam-se através dos
suplícios, que tinham por objetivo a
marcação das vítimas e a manifestação
do poder que pune, dando ao soberano
a decisão do poder de morte
(FOUCAULT, 1997). Segundo Foucault
(1997), desde a época clássica, tem-se a
concepção que o corpo está
diretamente relacionado a um campo
político, em que as relações de poder
têm alcance imediato sobre ele, elas o
marcam, o dirigem, obrigam-lhes sinais,
o tornando dócil, ágil e disciplinado. Cria-
se assim uma tecnologia política do
corpo, que através de disposições,
manobras, técnicas e táticas, investem
poder sob ele. Desse modo, as
disciplinas tornaram-se no decorrer dos
Séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de
dominação, estabelecendo sob o corpo
um elo coercitivo de uma aptidão
aumentada e de uma dominação
acentuada, fazendo emergir a sociedade
disciplinar.
No fim do Século XVIII e princípio
do Século XIX, dá-se o início de uma nova
forma de punir, o surgimento das prisões
que através de um trabalho preciso
sobre o corpo do condenado, constitui-
se em um aparelho para transformar os
indivíduos. Mas a pura privação de
liberdade ou trabalho forçado, não
funcionaria sem certos complementos
punitivos referentes ao corpo: redução
alimentar, privação sexual, expiação
física, masmorra, pois, ainda permanece
um fundo supliciante nos modernos
mecanismos da justiça criminal
(FOUCAULT, 1997). Mas, ainda que a
punição não recorra frequentemente aos
suplícios e aos castigos violentos, mesmo
quando utiliza métodos mais sutis é do
corpo que se trata, de suas forças,
utilidade e docilidade, de sua repartição
e de sua submissão.
Com a substituição dos suplícios
pela prisão, o carrasco foi substituído
pelos guardas, médicos, psiquiatras,
psicólogos, educadores e o corpo passou
a ser colocado em um sistema de coação
e privação, obrigações e interdições. Os
juízes não julgam mais sozinhos,
pequenas justiças e juízes paralelos se
multiplicam em torno do julgamento
principal, peritos
psiquiátricos, magistrados da aplicação
das penas, funcionários da
administração penitenciária fracionam o
poder legal de punir e o dividem com as
instâncias da decisão judiciária. Os juízes
anexos vão decidir se o condenado deve
ou não ser posto em semiliberdade ou
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em liberdade condicional, se podem ou
não por fim a sua tutela penal,
mecanismos que se constituem em
punição legal deixados a sua apreciação
(FOUCAULT, 1997). Na CASA, as
assistentes sociais e psicólogas
chamadas pelos jovens de técnicas e
senhoras, assim como os funcionários da
segurança, poderiam arrastar a qualquer
momento a medida de internação, ou
seja, enviar o relatório de
acompanhamento semestral ao judiciário
dando o parecer para manutenção da
medida de internação ou optar por
colocar fim a medida.
A imposição de uma rotina, o uso
de uniformes, a obrigação de se reportar
aos técnicos e funcionários por senhores
e senhoras, pedir licença, ser despojado
de seus bens e suas roupas, consiste no
investimento político do corpo por
relações de poder e de dominação, em
um sistema de sujeição, pois o corpo
se torna útil se ao mesmo tempo for
produtivo e submisso. A vida passa a ser
repartida de acordo com um horário,
sob vigilância ininterrupta, cada instante
do dia é destinado a alguma coisa,
atividades, obrigações e proibições
(FOUCAULT, 1997).
Acorda, quando seis horas
toma café com leite, chocolate e
pão com manteiga, tem a escola,
no intervalo da escola tem outro
café, dia de semana tem os
cursos, a gente tem uma
rotina, mas é uma rotina assim que
você pensa, no começo, de
primeiro, hoje eu vou fazer tal
coisa, cada dia da semana,
depois vopensa nossa de novo,
vai começar de novo a mesma
coisa (Iago).
Horários, distribuição do tempo,
movimentos obrigatórios, atividades
regulares, silêncio, respeito, bons
hábitos, são métodos que procuram
construir o sujeito obediente, o indivíduo
sujeito a regras, ordens, autoridade que
se exerce continuamente sobre ele e em
torno dele, é esse o objetivo da medida
de internação imposta aos jovens. Esses
métodos são o que Foucault (1997)
conceituou por disciplinas, que se
tornaram nos culos XVII e XVIII
fórmulas gerais de dominação e
permitem realizar a sujeição constante
de suas forças e lhes impor uma relação
de docilidade-utilidade. As disciplinas
têm como objetivo extrair do corpo o
máximo de tempo e de força, através dos
exercícios, treinamentos e da vigilância
constante.
A prisão fixa os indivíduos, os
classifica, distribui, para tirar o máximo
de tempo, de forças, treinar seus corpos,
formar um aparelho de observação,
registro e anotações, construir sobre eles
um saber que se acumula e se centraliza.
A prisão reparte os indivíduos não em
função dos crimes que cometeram, mas
das disposições que demostram, em
indivíduos bons ou maus, a prisão
funciona como um aparelho de saber
(FOUCAULT, 1997).
O poder disciplinar se através
do olhar hierárquico, da sanção
normalizadora e do exame e caso as
regras sejam descumpridas, toda uma
série de processos sutis a título de
punição são empregados, desde o castigo
físico leve a privações ligeiras e pequenas
humilhações, como a que Iago foi alvo:
Tipo, quando você faz arte assim,
eles e num corredor assim,
corredor grandão assim, você
fica numa reta assim, com a mão na
cabeça, você fica assim, na
primeira vez eu falei isso aqui é
castigo, prá mim isso aqui não é
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nada, passou uma hora, duas
horas e nada, começa a doer
assim, começa a doer às costelas,
as costas, o corpo inteiro começa
a doer, fica uma hora, duas
horas, três horas, aí prá voltar a se
mexer é uns dez minutos (Iago).
Mas, a disciplina encontra alguns
problemas para resolver, ela deve
dominar as forças que se constituem de
uma multiplicidade organizada,
neutralizar os efeitos de contra poder
que nascem e formam resistências ao
poder que quer dominá-la, as agitações,
revoltas, organizações e rebeliões. Pois, a
institucionalização produz marcas nos
corpos e nas mentes, punição suplício e
modulação, mas sempre há resistências
(VIEIRA, 2014). Na CASA, as resistências à
privação de liberdade podem ser desde
as mais sutis, como quando os jovens
dizem: “você tem que saber tirar”,
quando se referem ao respeito às regras
e as hierarquias para cumprir a medida
por um período mais curto, até as
rebeliões presentes nas narrativas de
Wellington e Iago, que cumpriram a
medida na mesma unidade, em períodos
diferentes.
Mesmo na unidade considerada
pelos jovens como na opressão, os
códigos e a dinâmica do Comando que
vigora nas unidades dominadas se fazem
presentes, em menor grau e de forma
sútil. Moreira (2011) identificou as
seguintes regras nas unidades
dominadas: em dia de visita não é
permitido olhar para as mulheres que
visitam os companheiros, falar palavrões,
tocar nos órgãos genitais, falar em voz
alta, pois tais atitudes demostram
desrespeito com a família dos outros
jovens. Aqueles que não caminham pelo
certo, como os estupradores, os
caguetas ou os que desrespeitam as
visitas alheias, sofrem
como sanção agressões físicas
conhecidas como madeiradas. Algumas
das regras mencionadas por Moreira
(2011) foram descritas pelos
entrevistados:
Nóis mesmos colocava lei entre
s, senão fica bagunçado. Tipo
assim, se você é da minha família e
vai me visitar, e chega outro
moleque e fala sua irmã e
bonita e e pum tal,
briga... de ter que vim funcionário.
Tinha língua de surdo mudo,
quando a gente ia conversar com
os caras e os funcionários não
podia ver, ele pode, mas tem
conversa que a gente conversa lá e
ele não pode ouvir, senão ele vai
e fala prá técnica, tipo aquele funça
ali a mais, tipo agredindo
menor, parari e pororo, então
nóis tem que dar um jeito nele
(Wellington).
Quando as regras estabelecidas
pelos jovens são quebradas, ocorria o
debate entre os menores: “todos os
menor dava uma opinião prá ver qual
que ia ser”, (Wellington). Como os
funcionários não podiam ver a votação,
ela ocorria de maneira individual e caso a
maioria decidisse pela punição, ela
ocorria à noite, dentro do banheiro.
Tinha que ser organizado, um
moleque falava, aquele moleque
merece ser agredido porque ele
fez isso, isso e isso? chegava um
em cada um, o funcionário não
podia ouvir essas conversas, então
a gente chegava um em cada um de
cada vez, perguntava aquele
moleque fez isso, isso e isso, você
acha que ele merece ser
agredido? Batia dentro do
banheiro, nossa... não podia
agredir a face né... do pescoço prá
baixo (Wellington).
De acordo com Dias (2011), os
debates são o núcleo duro em torno do
qual foram organizados os padrões de
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funcionamento político que são
constituintes do Comando. Os debates
consistem como uma instância
deliberativa por excelência a partir do
qual se dão as intervenções dos irmãos
na resolução de conflitos, julgamentos e
punições. De acordo com a autora, os
debates se expandem para além das
prisões e se disseminam para as
periferias da cidade, assim como a
expansão do Primeiro Comando da
Capital (PCC), para fora dos muros da
prisão. Assim como os enunciados do
Comando se expandiram para fora das
instituições prisionais é possível afirmar
a partir das narrativas dos jovens do
sexo masculino entrevistados, que eles
ultrapassaram os muros das unidades
socioeducativas do estado de São Paulo
e regulam o cotidiano e a sociabilidade
entre os jovens que cumprem medida de
internação, ainda que essas unidades
estejam nas mãos dos funça.
As rebeliões relatadas por
Wellington e Iago se constituem como
resistências ao cumprimento da medida
e as opressões perpetradas pelos
funcionários, assim como saber tirar a
medida para cumprir o tempo nimo de
internação, os preceitos do Comando, os
debates e as punições entre os internos.
A rebelião relatada por Wellington, logo
teve intervenção do Grupo de
Intervenções Rápidas (GIR), chamado de
Choque, ou Choquinho pelos jovens, na
busca de retomar a ordem institucional,
o que culminou em seções de
espancamentos de alguns meninos e no
procedimento de tranca.
Mesmo diante da opressão dos
funcionários na unidade da Fundação
CASA, Iago definiu a passagem pela
FEBEM como: “é um lugar bom prá
comer e ruim prá se morar”, fazendo
oposição à cadeia.
Né, né, cadeia é mesmo diferente,
fala cadeia e FEBEM é tudo a
mesma coisa, a FEBEM é o
seguinte: tem roupa lavada, tem
comida, tem do bom e do melhor
lá, é como os outros diz: é um lugar
bom prá você comer e ruim prá
você morar. Agora dentro da
cadeia, é o seguinte, dentro é
você, você sozinho, se você não
tiver visita, não tiver ninguém prá
te ajudar, você sofre. Tem que ter
alguém que lave a roupa prá você,
tem que ter tudo dentro, se você
não tiver. Não tem regras lá, assim,
tem regras tudo normal, isso faz
parte de uma cadeia que regras
assim, pedir licença, não tem, é
eles que faz dentro, dentro da
cela, é entre eles mesmo. na
FEBEM não, qualquer conversinha,
que nos conversando assim,
na cela, nos tá numa história assim,
do outro lado da prá escutar assim,
eles escuta, eles vêm e pega
assim e leva.
Com relação às jovens, Mel
cumpriu medida de internação em uma
unidade feminina da capital, Júlia em
uma unidade feminina do interior e
Thais cumpriu a medida de internação
provisória em uma UIP localizada no
interior. Atualmente a Fundação CASA
conta com 6 unidades para atender
exclusivamente as jovens, sendo 4 na
capital e 2 no interior do estado de São
Paulo, desse total, quatro unidades
foram construídas a partir de 2006, as
demais datam os Anos de 2000 e 2002.
A “Casa das Mães Maria Clara Machado”,
anexa à unidade Chiquinha Gonzaga,
localizada na Mooca foi entregue no ano
de 2004
14
, com capacidade para atender
17 jovens com seus bebês. Antes da
inauguração da unidade, as gestantes
eram encaminhadas pela Vara da
Infância e Juventude para uma entidade
que as
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atendia e após quatro meses de
permanência com os bebês, elas
retornavam para a unidade e as crianças
eram encaminhadas aos familiares.
Dentre os 8831 jovens
cumprindo medida de internação nas
unidades da Fundação CASA, 349 são do
sexo feminino, o que representa 3,9% do
total de jovens internos
15
. Assis e
Constantino (2001) apontam que o
reduzido mero de meninas e a
invisibilidade da mulher no mundo do
crime são responsáveis pelo lugar
subalterno que essa instituição tem
ocupado no sistema socioeducativo
desde a sua criação.
A invisibilidade das
mulheres no sistema socioeducativo
também se na academia, pois não
trabalhos sobre as jovens internas no
período da FEBEM e após a transição para
Fundação CASA no estado de São Paulo.
Desse modo, as narrativas de Mel, Júlia
e Thais buscam apontar como a
instituição que recebe
predominantemente jovens do sexo
masculino, vem atendendo as jovens.
Na narrativa das jovens
ausência de produtos de higiene
pessoal, queixas referentes à qualidade
da alimentação e unidades atendendo
acima da sua capacidade. “Tinha mais
menina que cabia, porque o máximo
era dezesseis, tinha vinte menina. Eu
tive sorte porque a menina pediu
transferência de quarto, não peguei
chão” (Thais).
Faltava. Faltava em tudo porque
eles começaram a cortar os
negócios que entrava e não tava
entrando mais creme de cabelo,
não tava entrando mais shampoo,
não tava entrando mais nada,
comida que eles davam tinha
bicho, uma vez a gente foi comer
tinha animal prá dentro do feijão,
bicho no meio do arroz, na salada,
essas coisas, carne mal feita (Mel).
Os cursos profissionalizantes que
a unidade oferece, são de acordo com as
jovens, cursos de manicure, maquiadora,
pintura em tela, teatro, culinária,
horticultura, ou seja, são atividades
predominantemente voltadas para o lar,
para preparar as jovens para ocupar o
papel de “dona-de-casa”. Tais propostas
surgem no cotidiano das unidades e
prisões femininas nos Anos 80,
motivados pela ideia de que a mulher é
a ordenadora das atividades doméstica
(FACHINETTO, 2008). As atividades se
mantém nas prisões com o objetivo de
pedagogizar o comportamento feminino
nas relações de gênero e normatizar o ser
mulher (BUTLER, 2003). Desse modo,
essas atividades são vistas como a única
opção para as mulheres se redimirem do
delito que cometeram, assim como para
voltarem ao seu lugar de origem na vida
social, o lar. (FACHINETTO, 2008).
De acordo com o relato das
jovens, nas unidades femininas da
Fundação CASA uma maior proporção
de funcionários do sexo masculino
responsáveis pela segurança da unidade,
“2 enfermeira, 2 na cozinha, duas
feminina que cuida da gente, 1
professora e tudo homem, tudo homem.
Na hora de tomar banho mesmo quem
fica com a gente era mulher e quando
não tinha mulher era homem que ficava
no banheiro com a gente” (Thais). Ainda
que a lei 12.121/09, sancionada em 16 de
dezembro de 2009, que proíbe a entrada
de agentes masculinos em presídios
femininos esteja em vigor em todo país,
parece que o regimento deixou à parte as
jovens em cumprimento de MSE de
privação de
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liberdade. É possível afirmar que, a maior
proporção de funcionários do sexo
masculino em unidades femininas da
Fundação CASA está atrelada à lógica de
respeito e submissão à hierarquia
masculina que deve ser interiorizada por
tais jovens, pois, de acordo com Colares
e Chies (2010), embora os presídios nos
quais realizaram pesquisa abriguem
mulheres, são instituições cujas
dinâmicas estão permanentemente
ligadas à sustentação da moralidade e
da sexualidade viril. “Essa condição
acarreta práticas administrativas
perversas por reafirmar o “outro”, a
presença masculina, como princípio de
orientação das interversões formais
secundarizando e invisibilizando as
mulheres em seus espaços” (COLARES;
CHIES, 2010, p. 421). Pois, subsiste nas
prisões femininas o objetivo de
transformá-las e encaixá-las em
modelos tradicionais, de acordo com os
padrões sexistas. Ou seja, a mulher deve
reestabelecer seu papel de mãe, esposa
e guardiã do lar (FACHINETTO, 2008).
Em sua narrativa, Júlia
apontou que algumas jovens tendem a
manter relações afetivas com os
funcionários.
Eu ouvi falar né, que tinha
funcionário que saía com menina,
que levava bolacha prá dentro,
que isso não pode né, não pode
entrar com bolacha, chiclete e eu já
vi isso lá, menina com chiclete e de
onde é que isso ia sair? E eles não
saiam do quarto daquelas mesmas
meninas (Júlia).
O relatório sobre mulheres
encarceradas no Brasil, realizado no Ano
de 2007, apontou que em algumas
prisões femininas, as mulheres eram
submetidas à violência sexual praticada
por funcionários das próprias
penitenciárias, quanto por presos em
unidades mistas. Nesse momento não se
tinham dados oficiais de quantos
funcionários do sexo masculino
trabalhavam diretamente com as
mulheres, mas sabe-se que esses
funcionários tinham acesso irrestrito ao
interior das celas, o que acarretava a
ausência de privacidade e violência
sexual. De acordo com o relatório,
algumas mulheres trocavam relações
sexuais por privilégios ou benefícios,
existindo muitos casos de mulheres que
engravidaram dos funcionários e como
apenas as vítimas poderiam apresentar
a denúncia, raramente os funcionários
eram punidos. Quando a lei 12.121/09
que proíbe a entrada de agentes
masculinos em presidios femininos deixa
de ser aplicada às unidades
socioeducativas femininas, abre-se
margem para que as violações e abusos
vigentes nos presídios femininos no
período anterior à lei continuem
ocorrendo com as jovens internas em
unidades socioeducativas, seja como
moeda de troca por privilégios ou na
condição de abuso sexual.
Assim como os meninos, todas as
jovens entrevistadas disseram ter
protagonizado situações de
desentendimento com os funcionários
da segurança. Thais disse ter sido
recebida na unidade de internação
provisória com violência física “quando
eu cheguei ela me maltratou, ela me
bateu, ela falou oh, porque eu cheguei
rindo né, ela falou: você não chega
sorrindo não por que você em
Fundação, não é cadeia” (Thais). Ao sair
da unidade, Thais também foi alvo de
piadas, quando a fizeram acreditar que
tinha sido sentenciada a cumprir a
medida de internação por tempo
indeterminado.
Rosângela Teixeira Gonçalves
20
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ISSN: 2447-780X
Assis e Constantino (2001)
também indentificaram conflitos nas
relações entre os funcionários e as
jovens internas no Educandário Santos
Dumond, no Rio de Janeiro, dificultada
pela insatisfação dos funcionários com
seu trabalho, assim como pela ausência
de preparo para lidar com as jovens,
buscando resolver os conflitos mediante
uma lógica militar e disciplinar.
Fachinetto (2008) também apontou em
sua pesquisa com as meninas internas
na FASE, a relação de conflito entre as
jovens e as monitoras. De acordo com a
autora, as monitoras comumente se
dirigiam às meninas através de
deboches ou apelidos que expunham
fraquezas ou problemas pessoais, ou
seja, tais práticas não estão restritas aos
funcionários do sexo masculino, mas é
inerente aos dois grupos, cujo objetivo é
expor a superioridade da conduta dos
funcionários, bem como a inferioridade
do grupo outsider (ELIAS; SCOTSON,
2000). Como decorrência de suas
funções, que passam a ser
exclusivamente a de contenção e a de
produção de não acontecimentos como:
não briga, não fuga, não rebelião, não
droga, não desobediência, não
depredação, não desrespeito, a vida
passa a ser estruturada com base em um
verdadeiro catalógo de “nãos”, o que
torna os conflitos e as práticas
disciplinares inerentes às instituições
socioeducativas (ASSIS; CONSTANTINO,
2001).
Nenhuma das jovens afirmou
que teve relações homoafetivas com
outras meninas no período em que
permenceram internadas, mas
afirmaram que “na Fundação tem
bastante menina que namora assim com
menina, mas não pode. Se pegarem, ah
pega sanção... Então namora
escondido” (Júlia), “não podia deixar
pegar, porque se pegasse elas ficava
numa sala, algemada e apanhava”
(Thais). A partir do relato das jovens, é
possível afirmar que a CASA vem
punindo o comportamento homoafetivo
entre as jovens, optando pela repressão
ao diálogo. Para Assis e Constantino
(2001), a homossexualidade de
internato é uma construção
institucional, ou seja, algo constitutivo da
natureza desses espaços de reclusão,
mas a questão é omitida e negligenciada
pela equipe técnica, devido à dificuldade
de abordá-la na prática. Como a
instituição não possui normas vigentes
sobre a homossexualidade, os
encaminhamentos são realizados pelos
funcionários e estão sujeitos a
concepção moral dos dirigentes. Devido
à falta de esclarecimentos para lidar com
a questão, os funcionários e dirigentes
passam a acreditar que a
homossexualidade é uma definição
passageira e buscam resolver a questão
de maneira paliativa, proibindo que as
meninas cortem o cabelo, adotem
vestimentas masculinas, ou pela punição.
De acordo com Barcinsk (2012),
as expressões homossexuais no caso das
prisões femininas são conhecidas e
esperadas nos estudos sobre a cultura
prisional. No entanto, quando essas
mulheres assumem explicitamente a
postura de homens usando nomes
masculinos, certos privilégios
tradicionalmente destinados aos
homens são concedidos e legitimados
por suas companheiras e pelo staff,
como cobrar de suas companheiras o
cuidado da cela e o preparo da comida,
o de circularem com várias mulheres, ou
seja, ao serem reconhecidas enquanto
homens, as participantes experimentam
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o poder que em suas vidas fora exercido
por homens.
A destituição de bens e a
mortificação do eu (GOFFMAN, 2002),
como exposto anteriormente, acaba por
criar um “curto-circuito na condição
feminina” (GREGORI, 2000). A vaidade
pessoal é abafada nas unidades
femininas a partir de inúmeros
dispositivos e instrumentos de
despersonalização: uniformes
masculinos, lingeries padronizadas,
cabelos presos, ausência de acessórios:
“não existia maquiagem para a gente
passar, era o creme prá pentear o
cabelo, a pasta e o sabonete” (Thais). A
ausência de produtos de beleza ficava
pior, segundo Thais, diante das técnicas
que iam trabalhar com “as roupas do
mundão, todas maquiadas, tudo
bonitona, nóis tem que andar com o
cabelo assim, de coque, ou se não de
rabo preso” (Thais), o que se constitui
como um segundo dispositivo de
punição. Assis e Constantino (2001)
apontam ainda que a prisão pode
acarretar para as mulheres: depressão,
ganho de peso, fadiga, dores de cabeça,
dores nas costas e tristeza por não
poderem acessar aquilo que lhes é
próprio, o que acarreta a perda gradual
da identidade.
Júlia foi medicalizada no período
em que permaneceu na CASA e foi
encaminhada para uma clínica para
dependentes químicos.
tinha AA também, que
tomava muito remédio, eles
dopava mesmo, vivia dopada. No
começo eles dava remédio, na
Fundação né, mas dquando eles
viu que não dava prá estudar prá
fazer nada eles iam diminuindo,
porque lá tem enfermeira também
né. A maioria toma remédio,
porque a maioria que é por
causa de droga, prá cortar a
abstinência eles dão remédio
(Júlia).
A psiquiatrização dos jovens vêm
se tornando recorrente nas unidades
socioeducativas, segundo Vicentin
(2010), processo decorrente da
predominância dos saberes e fazeres psi
na gestão das problematizações e
conflitos de setores da juventude, como
a medicalização e o crescimento de
internação psiquiátrica por mandado
judicial. Para a autora, a noção de
transtorno de personalidade ganha
centralidade na tematização das
questões de saúde mental na interface
com o sistema de justiça e de
socioeducação. Cresce, desse modo, o
número de internações psiquiátricas de
jovens por mandado judicial,
caracterizada pela compulsoriedade,
estipulação de prazos ou ainda por
tempos superiores aos admitidos pelo
ECA.
Das jovens entrevistadas, Thais
foi à única que cumpriu apenas a medida
de internação provisória. Nesse período,
ela disse não ter frequentado o ensino
formal, realizado cursos
profissionalizantes, nem ter tido
informações sobre seu processo, o que
contraria o art. 123, parágrafo único do
ECA, “durante o período de internação,
inclusive provisória, serão obrigatórias
atividades pedagógicas” (ECA, art. 123).
Diante das narrativas dos
meninos e meninas entrevistados é
possível perceber diferenças no
cotidiano institucional das unidades,
pois, enquanto os meninos vêm se
organizando com base nos preceitos do
Comando e passam a se valer de
estratégias específicas para
desestruturar a organização imposta
pelos funcionários, o que resulta no
início de rebeliões e na entrada do GIR
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22
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nas unidades, nas narrativas das jovens,
é possível perceber as agressões
perpetradas pelos funças no cotidiano da
instituição, o atendimento acima da
capacidade, agentes do sexo masculino
acessando livremente as dependências
das unidades femininas, cursos
profissionalizantes que buscam
reconduzir as mulheres ao lar e a
atividade doméstica, medicalização e
transferência para clínicas psiquiátricas,
agressões, punição e silêncio frente às
relações homossexuais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira passagem pelo
sistema socioeducativo, os jovens
passam a incorporar em seu
vocabulário, uma linguagem nativa
utilizada pelos presos adultos para se
referir ao Código Penal e ao
cumprimento das penas nas
penitenciárias do estado de São
Paulo
16
como: desceu a sentença, cantou
minha liberdade, subiu meu relatório,
barraco
17
, etc. Passam a ser alvo de
audiências, julgamentos, revistas
diárias, da disciplina imposta pelos
funças, a diferenciar a instituição do
mundão e o período de permanência na
instituição passa a ser contato em dias.
Além do vocabulário utilizado, os jovens
do sexo masculino, afirmaram utilizar
alguns códigos do Comando na
organização das relações entre os
internos dentro da instituição, como os
debates e na busca de desterritorializar
o controle imposto pelos funcionários,
como a galinhagem, as leis, e as
rebeliões.
Mesmo fora das unidades da
FEBEM, alguns dos jovens continuam a
utilizar o repertório institucional como:
senhor e senhora, ventana, capa, boi,
opressão, debates, barraco, funça,
arrastar, tirar cadeia, dentre outros.
Pois, mesmo antes de adentrar no
sistema socioeducativo é possível
afirmar que o contato com as dinâmicas
do Comando e com as dinâmicas
prisionais se faz presente no cotidiano
dos jovens moradores de periferias, seja
através da presença da prisão nas
dinâmicas sociais que se estruturam nas
periferias dos municípios do estado de
São Paulo, bem como nas trajetórias de
um número cada vez maior de indivíduos
que habitam esses territórios, como pais,
irmãos, amigos, vizinhos, egressos do
sistema e conhecidos desses jovens, o
que acaba por estender as regras do
“mundo do crime” para unidades sociais
maiores e mais abrangentes, seja pela
penetração das regras e práticas vigentes
na sociedade no universo prisional (DIAS,
2008).
Apenas Iago fez uma distinção
entre a prisão e a FEBEM, pois para ele,
a prisão não dispõe de produtos de
higiene e alimentos, levando o detento à
condição de dependente dos familiares
ou das relações internas no cárcere.
O período de cumprimento da
medida de internação na FEBEM foi
encarado por Mel como um período de
sofrimento: “é ruim ficar dentro, não
vou falar que é boa porque é ruim, é
bastante sofrimento é horrível ficar
dentro”, (Mel), “ilha da solidão” e “um
lugar bom p você comer e ruim prá
você morar” por Iago ou o “lugar que o
filho chora e a mãe não vê”.
Quando em liberdade, o status
proativo desses jovens é ampliado em
referência ao mundo do crime e o status
negativo, ampliado em relação ao mundo
do trabalho, a profissionalização e
escolarização, o que limita ainda mais as
escolhas possíveis para esses jovens.
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Goffman (2001) aponta para a diferença
de status na vida dos internos de
instituições totais. O ex-interno de
instituições como prisões, manicômios e
hospitais, cujo status proativo é
desfavorável, quando retorna ao mundo
social, tem na maior parte das vezes uma
recepção fria, muitos de seus contatos
sociais tendem a se desfazer e em grande
parte das vezes o ex-interno é carregado
de “estigmas”
18
, como ao candidatar-se a
algum emprego ou a um lugar para viver.
O ex-interno, quando submetido a
longos períodos de internação, está
sujeito a tornar-se incapaz de adquirir
alguns aspectos de sua vida diária ou
impossibilitado de adquirir hábitos
exigidos pela sociedade, fenômeno esse
denominado de desaculturação. Quando
o status proativo é desfavorável, como
no caso dos prisioneiros, sua estada na
prisão pode vir a orientar suas ocupações
futuras para posições secundárias e
quando o status proativo é favorável em
instituições totais como colégios
internos, os egressos podem orientar
suas ocupações para melhores posições.
No caso dos jovens que cumpriram
medida de internação, o status positivo
se em relação ao “mundo do crime”,
enquanto o status negativo se em
relação à escolarização, ao trabalho, ou
seja, fora do “mundo do crime”. A saída
da instituição para Júlia, que cumpriu o
maior período de internação, 2 anos e 6
meses, exemplifica o fenômeno
denominado de desaculturação por
Goffman (2001), “a gente fica meio
retardado no meio da rua, porque a
gente fica andando naquilo,
vivendo naquilo e quando sai fica meio
doida tem medo de ser atropelada (Júlia).
Além de suprimir campos de
sociabilidade para além do “mundo do
crime”, como a escolarização e o
trabalho, a institucionalização amplia a
rede de sociabilidade e a articulação
entre aqueles que permaneceram na
instituição, como descreve Wellington:
encontrei aqui fora, vi, dei
role, fiz de tudo já com eles de
de dentro, bolei uma ideia, mor da
hora, bolei gente nova, conheci
vários pessoal novo de várias
quebrada, vários lugar diferente...
Fiz amizade (Wellington).
O sistema carcerário, com todas
as suas ramificações, investiu, recortou,
penetrou e organizou, num meio
definido, a delinquência, em relação às
ilegalidades. Ou seja, o aparente
fracasso da prisão, esem organizar um
meio fechado e penetrável, contribuindo
para estabelecer uma ilegalidade, visível,
marcada e útil (FOUCAULT, 1997).
O atestado de que a prisão fracassa
em reduzir os crimes deve talvez
ser substituído pela hipótese de
que a prisão conseguiu muito bem
produzir a delinquência, tipo
especificado, forma
política ou
economicamente menos perigosa
talvez até utilizável de
ilegalidade; produzir os
delinquentes, meio
aparentemente marginalizado
mas centralmente controlado;
produzir o delinquente como
sujeito patologizado (FOUCAULT,
1997, p.230).
De acordo com Teixeira (2012), o
Estado é o principal operador da
articulação da criminalidade em todos os
ciclos da gestão dos ilegalismos, das ruas
a prisão e da prisão às ruas. Nas ruas
quando recruta ao espaço da prisão
indivíduos desarticulados, que não
podem transacionar com as forças da
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ordem, na prisão quando os empurram a
articulações criminosas e na saída
quando o Estado confere o engajamento
mais preciso nessa criminalidade, agora
articulada.
É certo que a rede de
sociabilidade desses jovens se amplia
após a passagem pelas unidades
socioeducativas. Quando em liberdade,
todos cumpriram a medida de LA e caso
não cumprissem seriam novamente
recrutados às unidades de internação
19
,
tornando-se reincidentes ou foragidos
da justiça infanto-juvenil e do Estado.
Uma vez reincidentes, amplia-se o status
positivo no “mundo do crime”, enquanto
diminuem as possibilidades no “mundo
do trabalho”, ou seja, a própria prisão
produz a reincidência.
Dos jovens entrevistados, apenas
Júlia era reincidente, ou seja, teve mais
de uma passagem pela unidade de
internação e apenas Júlia cumpriu o
maior tempo de MSE. Sergio Adorno
(1991), em uma pesquisa sobre
reincidência penitenciária no Brasil, o
perfil dos reincidentes não difere do
perfil dos não-reincidentes. Não
diferença nos atributos sociais, pessoais,
jurídicos-penais, que os distinguem, mas
distinções no terreno das punições.
De acordo com o autor, as práticas
punitivas pesam com mais gravidade
sobre os reincidentes penitenciários do
que sobre os não-reincidentes.
Portanto, os delinquentes não persistem
na prática de delitos em virtude de certos
atributos pessoais, sociais ou jurídicos,
mas se constitui em relação às ligações
que vão sendo construídas com as
agências de controle e contenção da
criminalidade. Desse modo, eles se
tornam conhecidos da polícia, dos
tribunais de justiça, da massa carcerária,
aprendem a lidar com o aparelho
policial, a se portar diante dos juízes, o
que falar e como falar, familiarizam-se
com as práticas institucionais e o arbítrio
punitivo.
Os jovens que cumprem a
primeira medida de internação passam
a se familiarizar com a apreensão
policial, o julgamento, as regras
institucionais e o cotidiano das unidades
de internação, quando em liberdade
sabem como se portar diante dos
técnicos das medidas em meio aberto a
fim de escapar de uma nova medida de
internação, bem como ampliam sua rede
de sociabilidade no “mundo do crime”.
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Rosângela Teixeira Gonçalves
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, Marília, v.1, n.1, p.3-25, jul./dez. 2015.
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NOTAS
1
O Mapa da Violência 2013 “Juventude e
Violência no Brasil” aponta que a porcentagem
de mortes referentes a causas naturais entre a
população jovem é de 26,8%, enquanto entre a
população não jovem
1
é de 90,1%. a
proporção de mortes referentes a causas
externas entre os jovens é de 73,2% e entre a
população não jovem de 9,9%. Desse
percentual, 20,4% são vítimas de acidentes de
transporte, enquanto entre os adultos essa
porcentagem é de apenas 3,1%. Os suicídios
fizeram nesse período 3,7% de mortos entre a
população jovem, enquanto entre a população
não jovem esse percentual foi de 0,7% e os
homicídios representaram 39,3% das mortes
entre os jovens e 3,0% entre a população não
jovem.
2
Informações divulgadas no Boletim Estatístico
produzido em 3 de janeiro de 2014 pelo
NUPRIE, da Diretoria Técnica da Fundação
CASA. Link:
http://transparencia.fundacaocasa.sp.gov.br/c
adaView.aspx
3
Não foi realizada nenhuma referência às notícias
sobre a implantação da Unidade devido ao fato
de que qualquer menção acarretaria na
identificação do município no qual a pesquisa
foi realizada.
4
Em momento anterior a entrada em campo, foi
necessário realizar uma série de reuniões com
a equipe diretiva do CREAS para obter a
autorizações, assim como encaminhar ofícios e
pedidos de autorização ao judiciário.
5
Os CREAS compõem a rede de proteção social
especial de média complexidade. Atende no
município os serviços de “Proteção e
Atendimento Especializado à Família e
Indivíduos PAEFI”, que tem como usuários,
famílias e indivíduos cujos direitos foram
violados; o “Serviço de Proteção Social a
Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de LA e de PSC que tem como
usuários adolescentes de 12 a 18 anos
incompletos, ou jovens de 18 a 21 anos, em
cumprimento de medida socioeducativa de LA
e de PSC e o serviço especializado em
abordagem social. Fonte: Fonte: Cartilha
publicada pelo CREAS do município no Ano de
2013.
6
De acordo com o art. art. 117do ECA “A
prestação de serviços comunitários consiste na
realização de tarefas gratuitas de interesse
geral, por período não excedente a seis meses,
junto a entidades assistenciais, hospitais,
escolas e outros estabelecimentos congêneres,
bem como em programas comunitários ou
governamentais. Parágrafo único. As tarefas
serão atribuídas conforme as aptidões do
adolescente, devendo ser cumpridas durante
jornada máxima de oito horas semanais, aos
sábados, domingos e feriados ou em dias úteis,
de modo a não prejudicar a frequência à escola
ou à jornada normal de trabalho”.
7
Os jovens entrevistados foram apresentados
pelas 2 assistentes sociais, técnicas das MSE em
meio aberto, do CREAS do município em que a
pesquisa foi realizada. O único critério adotado
para a seleção dos entrevistados foi: ter
cumprido MSE de internação ou internação
provisória nas unidades da Fundação CASA e
estar cumprindo MSE de LA. Dos 8 jovens
apresentados pelas técnicas, 1 recusou-se a dar
a conceder a entrevista.
8
Art. 199 do ECA.
9
Os termos em negrito representam a linguagem
nativa dos jovens entrevistados na pesquisa
10
Nomes fictícios.
11
Segundo Gregori (2000) viração é um termo
empregado coloquialmente para designar o
ato de conquistar recursos para a
sobrevivência. Em sua pesquisa, os meninos de
rua se viram, o que significa em muitos casos,
se tornarem pedintes, ladrões ou prostitutos,
ou biscateiros” ou ainda se comportarem
como menores nos escritórios da assistência
social.
12
Os jovens entrevistados referiram-se as
unidades nas mãos dos funças, como as
unidades socioeducativas em que o controle do
cotidiano é feito estritamente pelos
funcionários, sem a intervenção de outros
adolescentes cumprindo medida
socioeducativa, como no caso das unidades
dominadas. Ver Moreira (2011)
13
De acordo com Goffman (2002), cria-se uma
gíria institucional através da qual os internados
descrevem os acontecimentos decisivos em
seu mundo específico.
Rosângela Teixeira Gonçalves
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14
Febem inaugura casa das mães no Dia
Internacional da Mulher. Link:
www.febem.sp.gov.br/index/re/re134.htm.
15
Levantamento Nacional Adolescente em
Conflito com a Lei. 2011.
16
Para consultar a linguagem nativa dos presos
do sexo masculino nas penitenciárias do estado
de São Paulo ver Biondi (2009).
17
Na linguagem nativa barraco tem o significado
de cela.
18
Goffman (1891) menciona três tipos de
estigmas nitidamente diferentes. Em primeiro
lugar, as abominações do corpo - as várias
deformidades físicas. Em segundo, as culpas
de caráter individual, percebidas como
vontade fraca, paixões tirânicas ou o
naturais, desonestidade, distúrbio mental,
prisão, vicio, alcoolismo, homossexualidade,
desemprego, tentativas de suicídio e
comportamento político radical. Finalmente,
os estigmas tribais de raça, nação e religião,
que podem ser transmitidos através de
linhagem e contaminar por igual todos os
membros de uma família.
19
Art. 122. A medida de internação poderá
ser aplicada quando: I tratar-se de ato
infracional cometido mediante grave ameaça
ou violência a pessoa; II por reiteração no
cometimento de outras infrações graves; III
por descumprimento reiterado e injustificável
da medida anteriormente imposta.
Submetido em: 17/08/2015
Aprovado em: 20/10/2015