O processo construtivo da política de educação do campo da região sudeste do Pará
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.9, n.1, p. 87-108, Jan./Jun., 2023
O PROCESSO CONSTRUTIVO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO
DA REGIÃO SUDESTE DO PARÁ: CAMPUS MARABÁ RURAL.
T
HE CONSTRUCTIVE PROCESS OF RURAL EDUCATION POLICY IN THE
SOUTHEASTERN REGION OF
P
ARÁ
: M
ARA
R
URAL
C
AMPUS
.
Andreia do Nascimento Lima
1
Carlos Batista Sousa de Freitas
2
Jerusa Ainõa Palheta de Souza Cardoso
3
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar os processos de criação do Campus
Marabá Rural (CRMB) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA),
localizado no assentamento 26 de março no município de Marabá, refletindo sobre a influência po-
lítica da comunidade local na origem deste Campus. Para tal, utilizamos referenciais bibliográficos
e documentais específicos que tratam do processo em estudo, substanciando também a análise dos
eventos históricos desde o surgimento da escola agrotécnica de Marabá à criação CRMB e também,
registramos uma breve caracterização do processo do curso executado na instituição correlacio-
nando a primeira experiência institucional do Campus. Os dados da pesquisa foram coletados por
meio de livros, teses, dissertações, leis, revistas, jornais e documentos institucionais do CRMB. Isso
possibilitou a apresentação do contexto histórico da conquista dessa instituição para educação do
Campo e para os povos do campo, com longos e diversos processos organizativos e construtivos das
pautas reivindicatórias levantadas pelos movimentos sociais na região Sudeste do Pará. Dessa forma,
o CRMB tem um contexto histórico marcado por anos de lutas dos povos do campo e com grande
influência de seus sujeitos, e se estende até os dias atuais, visando garantir educação pública e de
qualidade aos povos do campo, com respeito aos seus saberes.
PALAVRAS-CHAVE:
Assentamento. Experiência. Política. Campus Marabá Rural.
1
Tecnóloga de Alimentos (UEPA), Bacharel em Administração Pública (UFPA), Especialista em Gestão da Se-
gurança de Alimentos (SENAC), cursa mestrado em Educação pela UNESP. Atua como Técnica em Alimentos
e Laticínios no Instituto Federal do Pará, Campus Marabá Rural. Email:andreia.lima@ifpa.edu.br
2
Licenciado em Educação do Campo (IFPA), Especialista em Gestão Escolar (FAEL), Mestrando em Educação
(UNESP), Atua como cnico em Agropecuária do Instituto Federal de Educação do Pará-Campus Marabá
Rural . email: carlos.freitas@ifpa.edu.br.
3
Licenciada em Matemática (UFPA), Especialista em em Metodologia de Ensino de Matemática e Física (FA-
VENI), cursa mestrado em Educação pela UNESP. Atua como Assistente em Administração no Câmpus Ma-
rabá Rural do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. e-mail: jerusa.souza@ifpa.edu.br
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2023.n1.p87
AUTORES
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ABSTRACT:
The present work aims to analyze the creation processes of the Marabá Rural Campus
(CRMB) of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Pará (IFPA), located in
the 26 de Março settlement in the municipality of Marabá, reflecting on the political influence of
the local community in the origin of this Campus. To do so, we used specific bibliographic and
documentary references that deal with the process under study, also substantiating the analysis
of historical events from the emergence of the agrotechnical school of Marabá to the creation of
CRMB, and we also provided a brief characterization of the process of the first course carried out
at the institution, correlating the first institutional experience of the Campus. The research data
were collected through books, theses, dissertations, laws, magazines, newspapers, and institutional
documents of CRMB. This made it possible to present the historical context of the conquest of this
institution for rural education and for the peoples of the countryside, with long and diverse orga-
nizational and constructive processes of the demands raised by social movements in the Southeast
region of Pará. Thus, CRMB has a historical context marked by years of struggles of the peoples of
the countryside and with great influence of its subjects, and it extends to the present day, aiming
to guarantee public and quality education to the peoples of the countryside, with respect for their
knowledge.
KEYWORDS:
Settlement. Experience. Policy. Marabá Rural Campus
.
INTRODUÇÃO
A escola é uma instituição social, inserida numa realidade a qual
sofre influência e exerce influência. Não há como dissociar a escola da
comunidade onde está localizada, uma vez que é afetada pela diversidade
cultural, social, política, econômica e ambiental.
Quando se trata de educação do campo, é preciso evidenciar que o
campo se caracteriza de forma diferente da cidade. Existe uma diversidade na
forma de vida dos diferentes povos do campo, assim como nas necessidades
no âmbito educacional, que precisam ser respeitadas e consideradas no
oferecimento de uma educação pública e de qualidade. O acesso à educação
do campo não se limita à construção de prédios; é necessário o diálogo entre
os sujeitos e o respeito aos seus saberes e à sua cultura.
No Pará, cada mesorregião possui aspectos que diferem em sua
cultura, população, economia, e outras características específicas, as quais
devem ser considerados na construção de políticas públicas de educação
para atender as especificidades de cada localidade. Em relação à educação
do campo, a extensão do Estado abrange diversas dessas populações que
possuem diferentes formas de vida.
Neste artigo, apresentaremos uma análise histórica da criação do
Campus Marabá Rural (CRMB) do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Pará (IFPA), uma importante conquista para a educação do
campo do Sudeste Paraense. Os dados desse trabalho foram coletados
através da pesquisa bibliográfica e documental. As fontes bibliográficas para
a análise histórica foram obtidas por meio de livros, teses e dissertações com
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temas do objeto de estudo sobre educação no Campo e movimentos sociais
no sudeste Paraense e na região de Marabá de diferentes autores. Além
disso, foi realizada pesquisa documental, em que foram obtidas, tratadas e
analisadas informações e dados em documentos, tais como a Lei de criação
da Escola Agrotécnica de Marabá nº 11.534, de 25 de outubro de 2007
(BRASIL, 2007), Lei de Criação do IFPA 11.892 de 30 de dezembro
de 2008 (BRASIL, 2008) e os documentos inerentes ao Campus Marabá
Rural do IFPA, sendo o Projeto Político Pedagógico do curso técnico em
agropecuária integrado ao Ensino Médio, ênfase em agroecologia do ano
2009, Projeto Político Pedagógico (PPP) do ano 2010, o Jornal Ecocampo
do Campus Marabá Rural do ano de 2010 e o Relatório de Gestão do ano
de 2021, que fundamentaram a construção desse artigo.
Nesta análise histórica da criação do Campus Marabá Rural do
IFPA, que com a sua missão de promover formação profissional, técnica e
tecnológica humanizada em todos os níveis e modalidades, priorizando as
populações do campo por meio do ensino, pesquisa, extensão e inovação,
visando ao desenvolvimento econômico, social e ambiental da mesorregião
Sudeste Paraense, e dialogando com os saberes tradicionais (IFPA, 2021)
e com a visão de ser referência nacional na construção de conhecimentos
e tecnologias voltadas para a promoção do desenvolvimento local e
regional sustentável no campo, baseados nos princípios da agroecologia
e da educação do campo (IFPA, 2021). O Campus Marabá Rural está
localizado no assentamento 26 de março, em área rural a 25km da sede do
município de Marabá, na PA-150 sentido Eldorado dos Carajás.
Para compreender melhor a importância da criação deste
Campus para a comunidade do campo da região e a influência política da
comunidade local na origem deste Campus. É importante destacar que a
mesorregião do Sudeste do Paraense foi marcada por conflitos de disputa
territorial, de um lado, camponeses e populações tradicionais e, de outro,
grandes projetos de monocultivo e da mineração (IFPA, 2010). Conforme
Projeto Político Pedagógico da Campus Rural de Marabá do IFPA (2010):
Na mesorregião do Sudeste paraense o território tem sido desigualmente dis-
putado nas suas diversas dimensões. De um lado, camponeses e populações tra-
dicionais e, de outro, grandes projetos do monocultivo e da mineração. Desta
forma, a Campus Rural de Marabá entende sua prática inserida num contexto
de conflitos entre perspectivas e políticas de desenvolvimento e assume papel
de contribuir para a territorialização da produção e das políticas públicas da
agricultura familiar camponesa, bem como de outros povos do campo, como
indígenas, ribeirinhas, quilombolas etc., também confrontados, nas seus mo-
dos de existência, pelos grandes projetos presentes na região. Por isso, o CRMB
se constitui como um mecanismo de política pública educacional para contem-
plar as demandas, os interesses, a diversidade e as especificidades desses povos
do campo, inclusive dos cursos e currículos. (IFPA, 2010, p. 11).
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Com a necessidade de políticas públicas de educação de
qualidade para os jovens de comunidades do meio rural da mesorregião do
Sudeste Paraense, o CRMB se constituiu em um projeto educacional para
contemplar as demandas, os interesses, a diversidade e as especificidades
desses povos do campo (IFPA, 2010).
Tanto a localização quanto a proposta pedagógica do Campus
foram pensadas para atender a comunidade do campo dessa região. Sua
origem é marcada por determinação e desafios para implantação de sua
sede no meio rural, e em seu contexto histórico destaca-se a participação
ativa desses povos.
No entanto, até a concretização do Campus Marabá Rural
(CRMB) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
(IFPA), com sua grande relevância de promoção a Educação do Campo
em diferentes níveis e modalidade, possui um extenso processo para sua
criação e uma grande influência por diversos atores locais. Sendo marcada
por longos anos de lutas, desafios e reflexões pelos Movimento Sociais do
Campo. E anos de diálogos entre os povos do campo, movimento sociais,
comunidade civil organizada e instituições públicas governamentais que
compõe o território do sudeste paraense
Assim, o presente trabalho visa a apresentar uma análise dos
processos de criação do Campus Marabá Rural (CRMB) do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), localizado no
assentamento 26 de março no município de Marabá na mesorregião do
Sudeste Paraense, refletindo sobre a influência política da comunidade
local na origem deste Campus.
Conhecer o contexto histórico da criação de uma Instituição de
ensino é de suma importância para sua identificação, representação e
relevância dentro da sociedade. Assim, apresentar esse contexto possibilita
caracterizar seus os atores locais, contexto regional, cultural, momento
histórico, contexto político e econômico, contexto social, seus aspectos
pedagógicos, função social e outras características próprias de uma
Instituição. Remetendo, assim, à compreensão de sua Missão, Visão,
Princípios e todos os aspectos próprios de cada fase de sua existência.
Atualmente, o CRMB constitui-se como forma de assegurar o
direito à escola aos povos do campo, ofertando cursos de diversos níveis,
com a proposta que atende a perspectiva da educação do campo.
Realizar a análise histórica do processo de criação do CRMB é
de suma importância para a concretização dessa instituição de ensino e
reconhecimento da influência da comunidade local para acesso à educação
pública de qualidade, sendo que a partir dos fatos históricos e situação
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característicos do Sudeste Paraense possibilitou a consolidação dessa
instituição, que atualmente é referência no ensino voltado aos povos do
campo.
Para tal análise, utilizamos referenciais bibliográficos e documentais
específicos que tratam do processo em estudo, substanciando também
a análise dos eventos históricos que antecederam a criação do CRMB.
Considerando que o CRMB é sucessor da então Escola Agrotécnica Federal
de Marabá, autarquia federal criada pela Lei n° 11.534 de 25.10.2007. Ela,
juntamente com a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal e o Centro
Federal de Educação Tecnológica do Pará, através da Lei n° 11.892 de
29/12/2008, se integraram e passaram a constituir o Instituto Federal de
Educação. Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA, 2010).
Por fim, registramos uma breve caracterização do processo
do primeiro curso executado na instituição, correlacionando a primeira
experiência institucional do Campus, que foi o curso técnico em
agropecuária integrado ao ensino médio, com ênfase em agroecologia.
Esse curso é ofertado até dias de hoje apenas como curso técnico em
agropecuária integrado ao ensino médio.
D
O SURGIMENTO DA
E
SCOLA
A
GRO
T
ÉCNICA DE
M
ARABÁ À CRIÃO
CRMB:
UM SONHO QUE SE CONCRETIZA.
A educação do campo se constitui na Região Sudeste do Pará,
após longos anos de lutas, desafios e reflexões pelos Movimentos Sociais
do Campo. Foram anos de diálogos entre os povos do campo, movimentos
sociais, comunidade civil organizada e instituições públicas governamentais
que compõem o território do sudeste paraense.
Neste sentido, para compreender a história da constituição do
Campus Marabá Rural nesta região, faz-se necessário recorrer aos processos
organizativos e construtivos das pautas reivindicatórias levantadas pelos
movimentos sociais do campo desta região que antecedem ao CRMB.
Partindo deste pressuposto, vale ressaltar que as primeiras
experiências
de
formação
voltadas,
especificamente,
para
agricultores
e
agricultoras se deram no final dos anos de 1980 através do Centro
Agroambiental do Tocantins (CAT). O CAT é uma instituição fruto
de cooperação franco-brasileira e constituído pelo Laboratório Sócio
Agronômico Araguaia Tocantins¹ (LASAT) e Fundação Agrária do
Tocantins Araguaia² (FATA), que tinha como objetivo desenvolver uma
agricultura camponesa alicerçada no tripé da política ambiental-social-
econômica (HEBETTI, 2000). A partir das primeiras experiências,
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podemos dizer que a semente da Educação Campo foi plantada pelos
povos do campo por meio do CAT.
A partir de então, a educação do campo começa a tomar formas,
a se moldar, esboçando um projeto alicerçado a partir do diálogo com os
povos do campo, aglutinando forças com outras instituições interessadas a
lutar por uma educação de qualidade e transformadora (TAVARES, 2002).
no início dos anos de 1990 como fruto da parceria entre os
movimentos sociais, universidade e o CAT, a pedagogia da alternância
se inicia com a oferta de cursos de nível médio e fundamental técnico
profissionalizante em duas regiões no estado, sudeste paraense e Região da
Transamazônica a partir da Escola Família Agrícola (EFA) e Casa Familiar
Rural (CFR) (RIBEIRO & MEDEIROS, 2005).
Partindo deste pressuposto, os precursores da educação do campo
entendem a importância e a necessidade de ampliar e elevar ainda mais a
proposta do projeto de educação do campo levando-o a outros patamares,
conforme Tavares (2000, p. 63-67): “[...] as primeiras discussões sobre a
necessidade da criação de uma escola que atendesse a classe camponesa
surgiram em 1991 [...] com o objetivo de preparar novas militâncias para
atuarem e darem continuidade ao movimento social.”
Naquele momento, a preocupação era criar estratégias educacionais
visando fortalecer os Movimentos Sociais a partir da formação de novas
lideranças e assim dar continuidade a luta por melhores condições de vida
no campo.
A partir da criação do CAT no final dos anos 80 até o início dos
anos 2000, muitas estratégias foram criadas pelos sujeitos do campo com
o objetivo de proporcionar uma educação de qualidade aos trabalhadores
camponeses, consolidando a Educação do Campo na região e, ao mesmo
tempo que fortalece a luta pela terra. Neste sentido, uma das estratégias
desenvolvidas foi a criação da Escola família Agrícola (EFA) no ano de
1996, a qual, ofertou o primeiro curso nos moldes da pedagogia da
alternância para uma turma de ensino fundamental de 20 (vinte) alunos
(MARINHO, 2016).
Marinho (2007, p. 16), ressalta ainda que as ações eram pensadas
não apenas para os jovens, mas também para os agricultores e agricultoras
em geral: “[...] desenvolvendo atividades de educação (com os jovens rurais)
e formação (com os agricultores). Este acontecimento proporcionou um
maior dinamismo e fortalecimento dos processos educativos na região.”
Em 2001, o convênio do CAT chegou ao fim, com isso, a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) criada em 1996
pelos agricultores e agricultoras da região, assume o papel de protagonista
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articulando as ações, mobilizando outros parceiros, visando uma ação mais
organizada e estratégica no sentido de dar continuidade na consolidação
da educação do campo e a disseminação das experiências (MARINHO,
2016).
Com as mobilizações feitas pela FETAGRI em busca de novas
parcerias e recursos financeiros que viesse garantir o funcionamento de
novas turmas, a EFA no período de 2003 a 2006 ofertou na modalidade
de pedagogia da alternância, a primeira turma de ensino médio
profissionalizante, estrategicamente, com os egressos da primeira turma do
ensino fundamental de 1996 (EFA, 2004). O objetivo naquele momento
era dar continuidade na formação dos agricultores egressos da primeira
turma que tinham experiências com a proposta da educação campo e
pedagogia da alternância, além do mais, visava também diminuir a questão
do êxodo rural na região que estava em ascensão e o fortalecimento da
agricultura familiar camponesa (MARINHO, 2007).
Neste sentido, é importante ressaltar a relevância que o
PRONERA teve como um instrumento de suporte financeiro para vários
cursos ofertados pela Universidade Federal do Pará em parcerias com a
FETAGRI e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
desde os anos de 1990, a saber: curso de alfabetização, formações iniciais e
Magistério, curso de Agronomia em 2004, Letras em 2005 e Pedagogia do
Campo em 2006 (MARINHO, 2016).
Á medida que a Educação do Campo se consolidava, outras
necessidades também surgiam. Até então, os cursos ofertados eram
apoiados financeiramente por meio de projetos com parceiros e ou através
do PRONERA, sendo assim, havia a necessidade de tornar este sonho em
algo concreto, ou seja, era preciso que saíssem da condição de cursos de
programas para cursos regulares.
Impulsionado pela crescente demanda de cursos de vários níveis
e pela forte mobilização dos camponeses, foi estabelecido uma parceria
importante com a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal-PA, hoje
Campus de Castanhal do IFPA, o que culminaria mais à frente na conquista
do Campus Marabá Rural.
A parceria com a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal-
PA, tinha como principal finalidade garantir a certificação dos alunos e
validação do curso Técnico Agrícola ofertado pela Escola Família Agrícola,
conforme citado anteriormente (MARINHO, 2016).
Ainda neste processo de ampliação e conquistas, em 2005,
criou-se o Fórum Regional de Educação do Campo (FREC), que tinha
como objetivo articular as ações do projeto de Educação do Campo do
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Sul e Sudeste do Pará. O FREC era composto pelas representações dos
camponeses, instituições ligadas à Igreja Católica, instituições públicas
de ensino (UNIFESSPA, IFPA, Secretarias Municipais de Educação) e
extensão rural, conforme destacou Anjos, 2020, p.104).
Participaram da criação do Frec instituições, movimentos e entidades, dentre
elas: CPT, FETAGRI - regional sudeste, MST, e técnicos de empresas de Assis-
tência Técnica, docentes do Campus Universitário de Marabá, professores das
Escolas do Campo de cinco municípios: Marabá, Jacundá, Rondon do Pará,
Goianésia e Parauapebas e que atuaram em cursos do PRONERA (A criação
da Escola Agrotécnica de Marabá, integrada ao IFPA - CRMB, docentes que
atuavam nos cursos do PRONERA, foram aprovados e passaram a integrar o
Fórum), dentre outros.
A escola agrotécnica federal de Marabá foi criada através da lei
11.534 de 25/10/2007 (BRASIL, 2007). Conjuntamente com a Escola
Agrotécnica Federal de Castanhal, até então, a única que existia no estado,
passaram a integrar a expansão da rede federal de educação profissional e
tecnológica dos IF’s, através da lei nº 11.892 de 29/12/2008 (BRASIL,
2008). A partir desta adesão a Escola Agrotécnica de Marabá passou a ser
chamada de Campus Marabá Rural (CRMB).
O CRMB surge a partir das lutas mobilizadas pelos povos do
campo da Região Sul e Sudeste do Pará: ribeirinhos, indígenas de várias
etnias, quilombolas, assalariados rurais, assentados, quebradeiras de
coco, extrativistas, entre outros. Foram anos de lutas para se chegar a esta
conquista que é considerada como um dos maiores símbolos de conquista
e
resistência da luta dos povos do campo.
O Campus fica localizado no Assentamento 26 de Março do
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), município de
Marabá-PA. A área é fruto de mais uma das lutas do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), depois de passarem por um período
de 10 anos, acampados à beira da BR 155, aguardando a desapropriação da
Fazenda Cabaceiras da família dos Mutrans.
É importante ressaltar que a referida fazenda foi desapropriada
por
ter cometido vários tipos de crimes, violando a função social da Terra
previsto na Lei n. 8.629/93, entre eles, os de crimes ambientais e,
principalmente, por ter sido flagrada em situação de trabalho escravo
(GOMES, 2021, p. 129).
Neste sentido, o CRMB chega como uma proposta que vem
contrapor o projeto desenvolvimentista do agronegócio na região,
visando o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, por meio da
formação técnica profissional dos povos do campo, bem como a formação
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de professores para atuarem nas escolas do campo. Além disto, o Projeto
Político Pedagógico (PPP) deixa claro a opção pela Agroecologia que
defende a produção limpa de sem o uso de venenos, sem a destruição dos
recursos naturais e comunidades tradicionais e das pequenas propriedades
no campo.
A criação do Campus Marabá Rural tem proporcionado ganhos
significativos para a academia, pois tem despertado em muitos professores,
pesquisadores e alunos, o desejo de dar continuidade ao processo
construtivo do projeto a partir de reflexões coletivas e ou individuais, o
que tem culminado na produção e publicação de diversos materiais como
livros, artigos científicos, patentes, entre outros.
De 2008 até 2022, houve inúmeras publicações que têm instigado
a busca constante pela formação do sujeito crítico, uma formação pautada
nos costumes regionais, mas também que leve em consideração os saberes
dos povos do campo. Esses materiais têm contribuído significativamente
para a organização curricular e do percurso formativo dos cursos ofertados
e, consequentemente, para consolidação do projeto educação do campo na
Região Sudeste do Pará.
No ano de 2015, as professoras Dra. Ma Suely Ferreira Gomes
4
e Dra. Rosemeri Scalabrin
5
organizaram e publicaram o livro
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO E PESQUISA:
turma Procampo/2009-2013-Campus Rural Marabá. O livro reúne
vários trabalhos produzidos pelos alunos do curso de Licenciatura me
Educação do Campo, como Trabalhos Acadêmicos de Conclusão de
Curso (TAC) e artigos produzidos a partir de reflexões sobre a situação
das escolas do campo.
Em 2016, o professor Dalcione Lima Marinho
6
publicou, em
formato de livro, a sua dissertação de Mestrado que tem como título
“ROMPENDO AS CERCAS E CONSTRUINDO SABERES: a
juventude na construção da educação profissional do campo no Sudeste
do Pará. Neste livro, o professor se dedicou a estudar sobre a juventude
camponesa do Sudeste do Pará e, principalmente, um estudo mais detalhado
1
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (PPGE/FE). Atualmente é professora efetiva de
“Educação do Campo” do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Pará/Campus Rural de Marabá. CV :
http://lattes.cnpq.br/1662093255716179
2
Pós-doutoramento em Estudos Curriculares pela Universidade do Minho Portugal. Atualmente é professora
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará e membro do Comitê Científico do IFPA e do
Campus Rural de Marabá. CV: http://lattes.cnpq.br/5879858352336875
3
Mestre em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares (IFPA/2015). Atual-
mente é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. CV: http://lattes.cnpq.
br/2902773677688989
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sobre o percurso formativo do primeiro Curso Técnico em Agropecuária
Integrado ao Ensino Médio ofertado pelo CRMB.
Em 2018, a professora Dra. Rosemeri Scalabrin publicou o
livro intitulado “PEDAGOGIA FREIRIANA NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO”: a experiência no polo Piçarras CRMB/
IFPA”. O livro apresenta os resultados de pesquisas realizadas nos cursos
de Pós-graduação em Educação do Campo sobre as práticas curriculares
dos professores da rede municipal de Piçarra a luz da proposta curricular
interdisciplinar via tema gerador de referência freiriana, desenvolvidas polo
Campus Rural de Marabá e a Secretaria Municipal de Educação por meio
da parceria entre Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Pará (IFPA) e a Prefeitura Municipal de Piçarra (PMP).
Um outro aspecto importante são as contribuições dadas para o
fortalecimento da agricultura familiar nos assentamentos da região. São
vários os projetos de extensão e pesquisa que vêm sendo desenvolvidos pelos
professores e técnicos do CRMB que visam apoiar e aprimorar as técnicas
produtivas dos agricultores, tanto na linha de produção animal quanto
na produção vegetal. Ainda neste viés, o Campus possui vários espaços de
produção agrícola, como plantios e criações de animais, que fazem parte
do
cotidiano dos alunos da instituição. Esses espaços são denominados de
Unidade de Integração, Ensino, Pesquisa e Extensão (UNIEPE) e têm
como objetivo atender as demandas de aulas práticas dos cursos, o
desenvolvimento de pesquisas e extensão rural. As UNIEPEs têm servido
também como uma espécie de “vitrine” para os alunos e agricultores dos
assentamentos, onde eles buscam replicar as técnicas aprendidas em suas
propriedades ou encontrar formas de melhorar suas técnicas produtivas em
seus lotes.
Um outro dado importante, segundo Gomes (2020), é que 60%
dos egressos dos cursos técnicos conseguiram se estabelecer no campo,
colocando em prática os aprendizados adquiridos ao longo dos três anos
de Curso Técnico em Agropecuária. Desta forma, ao retornarem para suas
propriedades, eles desenvolvem ou aprimoram seus projetos produtivos,
gerando renda e alimentos cada vez mais saudáveis para o sustento de suas
famílias.
Diante das organizações sociais fortalecidas e articuladas com a
Universidade do Federal do Pará (UFPA), hoje Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), os povos dos campos conseguiram
esboçar um projeto de educação coletivamente, pautado nas realidades
deles. Assim, os caminhos trilhados os levaram, conforme quadro 1, a
seguir, à conquistas consideradas de suma importância para a educação do
campo na Região Sudeste do Pará.
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Quadro 1
- Conquistas de grande relevância, período de 2008 a 2022.
Conquistas
Criação do IFPA-Campus Rural de Marabá
Criação do Curso Regular de Licenciatura em Educação do Campo da UFPA
Projeto PROCAMPO- Licenciatura em Educação do Campo- IFPA/CRMB
Especialização em Educação do Campo, Agricultura Familiar e
Sustentabilidade na Amazônia CRMB/IFPA
V Conferência Regional de Educação do Campo
Criação do curso Técnico em Agroecologia Integrado ao Ensino Médio para
Populações Indígenas- IFPA-CRMB
Criação da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pa
Reativação da Escola Família Agrícola de Marabá
Projeto de Curso de Graduação em Direito (PRONERA- parceria INCRA/
UNIFESSPA/MST)
Criação regular do curso de Licenciatura em Educação do Campo e do Curso
Tecnólogo em Agroecologia do IFPA-Campus Rural de Marabá
Criação dos Polos do IFPA- Campus Rural de Marabá com nos municípios de
Itupiranga, Jacundá, Marabá, Piçarras, Ipixuna do Pará,o João do Araguaia
e São Geraldo do Araguaia.
Fonte: Gomes (2021, p. 142).
Conforme se vê, no quadro 1, anterior, acima, a educação do
campo obteve muitos avanços importantes ao longo dos últimos anos.
Logicamente, anterior a esse período de 2008 até 2022, muitas outras
conquistas foram obtidas, mas a luta é constante, pois o projeto está sempre
num processo contínuo de reflexão e construção, mas também de disputa
com o projeto do agronegócio no contexto regional do sudeste paraense.
D
ISCUTINDO SOBRE
O C
URSO
T
ÉCNICO EM
A
GROPECUÁRIA INTEGRADO AO
ENSINO MÉDIO, ÊNFASE EM AGROECOLOGIA
A temática mais recorrente da educação demandada pela
população do campo na região sudeste do Pará refere-se aos elementos
técnico-profissionalizantes da agropecuária, desde antes da criação da
Escola Agrotécnica de Marabá, até os dias atuais. Por isso, o primeiro curso
oferecido pelo Campus Marabá Rural (CRMB) foi Curso Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, com ênfase em agroecologia,
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sendo ofertado até os dias atuais apenas como Curso Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio.
A origem desse curso possui relação com as primeiras discussões
sobre a necessidade de formação na região para jovens da agricultura
familiar no nível médio profissionalizante, com destaque para as primeiras
experiências no município ocorridas na Escola Família Agrícola (EFA) de
Marabá, com uma turma no período de 2003 a 2006, e outra de 2006 a
2009, anunciando assim uma formação que mais tarde seria acolhida por
uma outra instituição. As discussões sobre o curso no CRMB iniciaram no
mesmo contexto e período em que ocorreu a criação da Escola Agrotécnica
de Marabá, no ano de 2008.
A questão fundamental para a construção desse curso foi o
acúmulo existente na região com o programa PRONERA
7
desde o ano
de 1999 e as experiências de educação do campo dos movimentos sociais
(MARINHO 2016).
Na época, o curso foi proposto para atender jovens agricultores
egressos da EFA de Marabá, Saberes da Terra
8
de Xinguara e Marabá, e a
juventude do Projeto de Assentamento (PA) 26 de Março. No entanto,
segundo Marinho (2016), na prática menos de 20% do total de educandos
foram oriundos dessas experiências. Isso não teve impacto negativo, que
a maioria dos educandos era composta por jovens do campo da região
sudeste paraense, o que atendeu ao objetivo do curso descrito no Projeto
Pedagógico do Curso (PPC):
Promover o Ensino Médio Integrado com cnico em Agropecuária com ên-
fase em Agroecologia para assentados/as da reforma agrária, prioritariamente
jovens, através de processos formativos integrados, articulando áreas de co-
nhecimento, saberes popular e científico, formação humana e profissional,
diferentes práticas, tempos e espaços pedagógicos visando contribuir para a
sustentabilidade da Agricultura Familiar e Camponesa no sul e sudeste paraen-
se, considerando as dimensões econômica, sociocultural, ambiental e político
institucional. (IFPA, 2009, p. 18 e 19).
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) do
Curso
Técnico em Agropecuária, o curso foi organizado e concebido em
4
O PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Este Programa é implementado pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(INCRA), que financia projetos de educação, em diferen-
tes níveis, para os assentados da reforma agrária, sendo realizado em parceria com Universidades e Movimentos
Sociais, além do próprio INCRA.
5
Implementado em 2005, a ação que se denominava Saberes da Terra integrou-se dois anos depois ao Pro-
grama
Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), cuja gestão é da Secretaria Nacional de Juventude. O
Projovem
possui outras três modalidades, Adolescente, Trabalhador e Urbano.O ProJovem Campo - Saberes da Terra
oferece qualificação profissional e escolarização aos jovens agricultores familiares de 18 a 29 anos que não
concluíram o ensino fundamental.
O processo construtivo da política de educação do campo da região sudeste do Pará
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parceria com o Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste
do Pará
9
(FREC), a Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio da
Faculdade de Ciências Agrárias, Educação e Letras, e financiado com
recurso do PRONERA, através da Superintendência Regional do Sul do
Pará(INCRA SR-27), todos com atribuições e responsabilidades definidas
no referido PPC (IFPA, 2009).
Diante do processo de organização da parceria da instituição com
diversos atores sociais para a construção de uma proposta pedagógica, pode
se observar que esse processo se deu repleto de concepções políticas que,
naquele momento histórico, não se tinha como fugir, dada a necessidade
de transformação na vida daqueles sujeitos, assim como observado por
Marinho (2016) na pesquisa com grupo focal de educandos dessa turma
que visualizaram que, além de uma formação pedagógica curricular para
os
sujeitos do campo, também era essencial uma formação política para
conscientização dos jovens.
A ação coletiva dos movimentos sociais e as instituições federais
citadas na construção desse curso e do CRMB se tornou uma política
pública para a agricultura familiar, considerando a expectativa do curso
e do Campus em formar jovens que permaneçam em suas propriedades
rurais, gerando desenvolvimento sustentável na região e permitindo a
transformação social da realidade em que esses sujeitos estão inseridos.
Vale destacar que a implantação do primeiro curso dessa
instituição aconteceu antes da instalação da infraestrutura do Campus.
Apesar da falta de infraestrutura, as aulas aconteceram através de muita
articulação política e parcerias com a Fundação Cabanagem, o Centro de
Formação Florestan Fernandes e o MST (GOMES, 2021).
No sentido pedagógico, o Curso Técnico em Agropecuária
Integrado ao Ensino Médio, com ênfase em agroecologia, assim como todos
os cursos do CRMB, possui como referência a pedagogia da alternância,
que envolve muito mais que um método, e sim uma prática pedagógica
que abarca a sociedade por meio do estabelecimento de relações com as
comunidades nas quais cada discente está inserido.
Partindo da experiência da Escola Família Agrícola de Marabá e
da proposta da pedagogia da alternância, a proposta de itinerário formativo
6
O Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará organizou-se como uma rede institucio-
nal de discussão sobre políticas públicas que atendam às demandas dos povos do campo a partir das seguintes
instituições : Movimento dos Sem Terra (MST), Federação dos Trabalhadores na Agricultura/ Regional Sudeste
do Pará (FETAGRI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Laboratório Sócio Agronômico do Araguaia-Tocantins
(LASAT), Cooperativa de Prestação de Serviços de Ates (COPSERVIÇOS), Secretaria Municipal de Educação
de Marabá (SEMED), dentre outros
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do curso em questão apresentou alternância pedagógica
10
como elemento
formativo que se daria a partir da alternância de tempos-espaços educativos,
que consiste no processo de alternar, articular e integrar diferentes momentos
e atividades de formação na própria escola (atividades de estudo, oficinas
pedagógicas, sessões de vídeo, palestras, visitas, experimentação agrícola,
festejos, lazer, etc.) e nas comunidades (experimentações, diagnósticos,
estágios, leituras, etc.): o Tempo-Espaço Comunidade caracterizado por ser
o momento de pesquisa, experimentação e ressignificação dos conteúdos
escolares e dos saberes-práticas próprios dos agricultores familiares, com
proposta de ocorrer no lote da família do discente, na comunidade a
que
pertence esse aluno, e o Tempo-Espaço Escola em formato de semi-
internato nas dependências do CRMB (IFPA, 2009).
A alternância pedagógica estabelecida no curso permite aos
educandos visualizarem a importância da autonomia na construção do
conhecimento, tendo a pesquisa diretamente em seus lotes como princípio
educativo e, partindo dessa premissa, a possibilidade de desenvolver uma
investigação da realidade, dos problemas do ambiente em que vivem, suas
relações sociais e de produção. No momento em que retornam para a
escola, a sistematização e socialização das ações realizadas na comunidade
permitem o contato com diferentes realidades vivenciadas nas distintas
comunidades rurais (MARINHO, 2016).
O curso foi construído na perspectiva de um currículo integrado
que contemplasse o cotidiano dos povos do campo, inserindo os tempos
e as práticas escolares conforme o tempo, modo de vida, cultura, saberes
e demandas da realidade camponesa. Assim, a composição curricular se
constituiu em três partes: Base Nacional Comum, Parte Diversificada e
Parte Técnico-Profissionalizante. Onde a carga horária de atividades se
dividia em: sessão escola e sessão família. As sessões escola correspondiam
a 70% da carga horária total da formação, enquanto as sessões família
correspondiam a 30% (IFPA, 2009).
As atividades letivas do curso iniciaram no mês de outubro do
ano de 2009, contando com a participação de dez educadores, sendo
que, deste total, um possuía cargo comissionado e os outros nove foram
7
A alternância de tempos e espaços tem sido vista como uma forma de enfrentar, na organização do currículo, a
articulação entre teoria e prática e o envolvimento dos próprios estudantes como responsáveis pela sua formação.
Não se trata de alternar ou de buscar integrar tempos e espaços de teoria e de prática, ou mesmo de aprendizados
diferenciados que podem ser complementares na formação. A integração aqui, que deve ser cuidadosamente
pensada, precisa garantir a articulação entre as práticas e as discussões teóricas destas mesmas práticas, em ambos
os tempos e espaços. Pensando no objetivo da formação profissional, a alternância a ser garantida é aquela entre
períodos ou situações de trabalho escolares, no sentido de criadas pelo curso, ou seja, práticas de campo, está-
gios, situações de trabalho real, da inserção dos estudantes em processos de trabalho que existem e os envolvem
independentemente do curso, mas que o curso pode potencializar na formação,através do seu acompanhamento
e pela formalização ou reflexão sobre os conhecimentos ali produzidos (CALDART, 2010, 96).
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contratados como professores substitutos, pois não havia a disponibilidade
de código de vaga para professores efetivos, devido à sede do Campus ainda
se encontrar na fase inicial de construção. Essa situação permaneceu por
um ano, quando houve aprovação em concurso público de 21 docentes
e 29 técnico-administrativos, e durante a execução do curso o quadro
de servidores foi se ampliando, tornando-se bastante comum também a
rotatividade, efetivando participação de 34 docentes (MARINHO, 2016).
Em relação aos docentes que atuaram no curso, Gomes (2021)
aponta que os primeiros professores foram inseridos no Campus nos
momentos iniciais de diagnóstico da área e visita ao Projeto de Assentamento
26 de Março para conhecê-lo melhor e organizar os planejamentos coletivos,
e isso se deu a partir de diversas atividades realizadas pelos profissionais
do Campus na perspectiva de conhecer a realidade, analisá-la, e pesquisar
sobre ela a fim de construir um planejamento a ser desenvolvido no Tempo
Escola e no Tempo Comunidade, pensando, inclusive, na inserção das
turmas nos espaços ainda em construção.
Sobre o perfil dos professores, Marinho (2016) aborda que houve
uma relação equilibrada de 51% de docentes do sexo feminino e 49% do
sexo masculino, uma novidade, levando em consideração ser um curso
da área das ciências agrárias onde normalmente um predomínio de
homens.
Outra característica interessante foi em relação à faixa etária
dos servidores (docentes e técnico-administrativos), em que o estudo de
Marinho (2016) revelou a predominância de jovens, onde 80% possuíam
menos de 40 anos.
O percurso formativo do curso foi compreendido e efetivado em
três ciclos que não coincidiam necessariamente com o calendário anual,
visto que o primeiro ciclo tinha o objetivo de analisar as características
socioculturais, econômicas e agroambientais do cotidiano da agricultura
familiar, tendo como foco “Diagnóstico sociocultural e agroambiental do
CRMB e da PA 26 de Março”, ocorreria em um ano, enquanto o segundo
ciclo, com foco nos “Sistemas de produção e experimentação”, teria duração
de um ano e seis meses com o intuito de elaborar propostas de gestão e
manejo de atividades produtivas experimentais junto com as famílias da
PA
26 de Março e no Campus, visando à sustentabilidade econômica,
social
e ambiental. o terceiro ciclo, seria concluído em seis meses com
o foco
“Desenvolvimento territorial no campo e a função mediadora da
assessoria técnica, social e ambiental (ATES),” (IFPA, 2009).
Para Gomes (2021) é de fundamental importância considerar no
percurso formativo que existe uma dinâmica na organização do trabalho
familiar no campo e segue o “ano agrícola”, e não o calendário civil, e o
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projeto político pedagógico do curso considerar isso é de extrema relevância
para uma integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão.
Também considerando o percurso formativo do curso, em
entrevista com grupo focal de egressos desse curso, Marinho (2016)
aponta como positivo o percurso formativo integrado entre os ciclos, visto
que o final de cada ciclo resulta em um produto, sendo que no primeiro
ciclo obtém-se um diagnóstico, e no segundo um projeto, e no terceiro a
implementação da intervenção no lote.
Através da proposta do PPC de formação profissional, tecnológica
e humana, foram estabelecidos os seguintes princípios pedagógicos:
Interdisciplinaridade; diálogo de saberes; a pesquisa como princípio
educativo e o trabalho como princípio educativo:
i.
Desenvolver uma formação escolar contextualizada, pautada pelo princípio
da indissociabilidade teoria-prática, assegurando o diálogo entre os saberes
científicos e populares e a (re)construção contínua do conhecimento;
ii.
Estimular educadores e educandos para a realização de atividades peda-
gógicas voltadas à problematização, pesquisa e estudo interdisciplinar sobre
a realidade local, regional, nacional e mundial, focando os agroecossistemas
da agricultura familiar e camponesa, suas demandas, desafios e possibilidades;
iii.
Incorporar a diversidade cultural como elemento educativo e provocar a
vivência de novas práticas e valores de solidariedade, cooperação e justiça;
iv.
Provocar educandos e educadores a se assumirem como sujeitos de conhe-
cimento no exercício da participação ativa, dinâmica e autônoma no processo
pedagógico e na vida política e cultural da escola e de suas comunidades;
v.
Subsidiar a intervenção coletiva e sistemática sobre a realidade e a constru-
ção de propostas de ação técnico-profissional voltadas à transformação social e
melhoria das condições de vida dos sujeitos aprendentes e dos povos do campo.
(IFPA, 2009, p. 24).
De acordo com Marinho (2016), a interdisciplinaridade no
curso funciona como a articulação entre o conhecimento científico e os
saberes populares com estabelecimento de diálogos, e o diálogo de saberes
como caminho incondicional para a ressignificação das práticas educativas,
possibilitando a compreensão da realidade dos educandos no contexto
social, de modo que a transformação social possa ser também um ato
educativo.
Segundo Projeto Pedagógico do Curso (PPC), a meta do curso
era formar 90 Técnicos em Agropecuária na perspectiva da agroecologia,
assentados/as da Reforma Agrária do Sudeste do Pará para atuar como
agentes de desenvolvimento local, através das suas comunidades, na
Assessoria Técnica e Social Ambiental (ATES), contribuindo para a (re)
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criação da matriz tecnológica da agricultura nas áreas de reforma agrária
da
região (IFPA, 2009). Contudo o número de educandos matriculados
que
cursaram mais de um semestre foi de 85, residentes em 17 municípios
das
regiões sul e sudeste do Pará, de 44 comunidades rurais, sendo que a
maioria das comunidades possuía apenas um educando (MARINHO,
2016).
A abrangência geográfica do curso ao mesmo tempo que permite
uma diversidade de experiências dos educandos do campo, proporciona
também diversos desafios inerentes a um percurso formativo onde os
educandos precisam de acompanhamento nas comunidades, e a distância
entre eles e as condições de acesso a essas comunidades na região são
desfavoráveis.
Ainda sobre o perfil dos educandos, Marinho (2016) discorre que
79% eram do sexo masculino, ou seja, uma predominância de homens no
curso. Que 45% possuíam faixa etária de 18 a 20 anos, representando um
público de jovens conforme se esperava no planejamento de construção do
curso.
O projeto de implantação desse curso tinha como proposta de
avaliação espaços denominados “seminários pedagógicos do projeto”, com
objetivo de avaliar o processo formativo dos/as educandos/as, reafirmar ou
propor novas diretrizes e estratégias metodológicas e acompanhar o trabalho
dos/as educadores/as, constituindo-se num fórum de debate do curso,
visando o alcance dos objetivos e das metas do projeto (IFPA, 2009). Essa
inserção, de acordo com Gomes (2021), ocorreu com diversos momentos
de formação nessa primeira turma do Curso Técnico em Agropecuária
Integrado ao Ensino Médio, em 2009, quando o coletivo composto dos
representantes dos movimentos sociais do campo desenvolvia atividades
com a turma por meio de seminários, reuniões, oficinas e assembleias
planejadas juntamente com a coordenação pedagógica do curso.
No tocante quanto ao perfil dos egressos desse curso, a proposta
do PPC desde o início, que foi um curso voltado para assentados da
reforma agrária do sudeste do Pará, era de formar profissionais capazes
de retornar para sua comunidade/localidade e contribuir na construção
coletiva, pautada nos princípios da educação do campo e agroecologia,
considerando suas especificidades tanto culturais, quanto humanas e de
produção, com uma formação de pensamento político versado na leitura
crítica da realidade da agricultura familiar camponesa, mobilizando o
seu meio para uma transformação social. Isso foi trabalhado a partir de
ações extensionistas dentro dos tempos comunidades durante o curso e é
acompanhado atualmente pelo Comitê Gestor Interno de Atendimento
aos Egressos (CGIPE) do CRMB.
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Vale ressaltar que desde a conclusão dessa turma, temos pesquisas
com esses egressos de servidores e membros externos da comunidade
acadêmica, como de Gomes (2021), que destacou como fundamental o fato
de 82% dos egressos residirem no campo (assentamentos, acampamentos
e vilas/comunidades rurais). Trabalhos como de Marinho (2016), que em
entrevista com os egressos, descreve a relevância da formação vivenciada,
na perspectiva de inserção no mundo do trabalho, e que gerou livro
consultado durante aulas das turmas posteriores.
A experiência da primeira turma do Curso Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, com ênfase em agroecologia,
trouxe a comunidade regional um marco da juventude camponesa na
construção de uma educação profissional do/no campo e foi o ponto de
partida para os avanços do CRMB.
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
Diante dos referenciais bibliográficos e documentais específicos
que tratam do processo em estudo da criação do Campus Marabá Rural
(CRMB) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
(IFPA), apresentamos o contexto histórico que envolve sua origem e a
influência política da comunidade local na origem deste Campus.
Ao analisar o contexto histórico do Campus Rural de Marabá,
podemos refletir sobre a influência política comunidade local na origem
deste Campus, sendo fruto de uma conquista para educação do campo e
para os povos do campo, que iniciou bem antes da sua concretização de
sua sede definitiva, no ano de 2011, se estendeu por um longo e diversos
processos organizativos e construtivos das pautas reivindicatórias levantadas
pelos movimentos sociais.
Em seu contexto histórico, iniciado além do Sudeste Paraense,
com primeiras experiências de formação voltadas especificamente para
povo do campo no final de 1980 através do Centro Agroambiental do
Tocantins (CAT), com formação voltadas especificamente para agricultores
e agricultoras.
Tendo um longo percurso até a consolidação da educação no
campo no sudeste paraense, a Escola Família Agrícola (EFA) é fruto da
parceria entre os movimentos sociais, as universidades e o CAT. No ano de
2001, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) garantiu
o funcionamento da EFA. Temos também, como parte desse contexto
histórico, a Universidade Federal do Pará em parcerias com a FETAGRI
e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que oferece
suporte financeiro para garantia de diversos cursos.
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Posteriormente, com a crescente demanda de cursos e
mobilização dos camponeses para concretização da educação do campo,
estabeleceu-se uma parceria com Escola Agrotécnica Federal de Castanhal-
PA, hoje Campus de Castanhal do IFPA. No processo de ampliação dessa
conquista, foi criado o Fórum Regional de Educação do Campo (FREC),
composto pelas representações dos camponeses, instituições ligadas à
Igreja Católica, instituições públicas de ensino (UNIFESSPA, IFPA,
Secretarias Municipais de Educação) e extensão rural. Até então se criou a
escola agrotécnica federal de Marabá, em 2007, e posteriormente passou a
integrar a expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica
do IF’s, através da da lei 11.892 de 29/12./2008. A partir desta adesão a
Escola Agrotécnica de Marabá passou a ser chamada de Campus Marabá
Rural (CRMB), fazendo parte do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Pará-IFPA.
É evidente a grande influência dos Movimento Sociais do campo
no processo histórico da criação do CRMB. Durante anos, houve diálogos
entre os povos do campo, movimento sociais, comunidade civil organizada
e instituições públicas governamentais que compõe o território do sudeste
paraense. Esses diálogos foram essenciais para que pudesse ser concretizada
a oportunidade de jovens e adultos do campo terem acesso à educação que
considerasse a diversidade e as especificidades culturais, ambientais, sociais
e econômicas dessas populações.
Foram anos de lutas para se chegar a esta conquista, que é
considerada como um dos maiores símbolos de conquista e resistência da
luta dos povos do campo. Assim, desde a sua criação, o Campus Rural
de Marabá que pretende ser referência de experimentação de tecnologias
agroecológicas e contribuir com a elaboração e a implementação de
políticas públicas de Educação do Campo, a partir das discussões no
ensino, pesquisa e extensão com os povos do campo.
Como parte integrante do processo histórico, apresentamos
uma discussão sobre o primeiro técnico em agropecuária integrado ao
ensino médio, com ênfase em agroecologia, que teve sua construção no
ano de 2009. A temática mais recorrente da educação demandada pela
população do campo na região sudeste do Pará refere-se aos elementos
técnico-profissionalizantes da agropecuária. Nessa discussão, apresentamos
diversos atores sociais para a construção de uma proposta pedagógica do
curso. Destacamos a importância da ação coletiva dos movimentos sociais
e das instituições federais que influenciaram na construção do curso e do
CRMB, que tomaram proporções de políticas públicas para a agricultura
familiar.
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O Campus Rural de Marabá do IFPA permanece, atualmente,
em sua localização original na zona rural de Marabá, ocupando uma área de
354 hectares. O espaço conta com diversos prédios, incluindo salas de aula,
alojamentos, salas administrativas, bosques, unidades de produção,
refeitório, laboratórios e outros espaços que permitem o desenvolvimento
do ensino, pesquisa e extensão para as populações do campo. O campus se
destaca por oferecer educação pública e de qualidade em diversos níveis,
incluindo cursos Técnico Integrado, Técnico Subsequente, Tecnólogo,
Licenciatura, Cursos Técnicos Integrados para o público da Educação de
Jovens e Adultos, Formação Inicial Continuada (FIC), Especialização e
Capacitação de curta duração, com alcance em 14 municípios do Pará.
Todos os cursos são baseados em uma proposta pedagógica que leva em
consideração as especificidades culturais, ambientais, sociais e econômicas
das populações do campo.
Assim, o contexto histórico do CRMB é marcado por anos de
lutas dos povos do campo e teve grande influência dos sujeitos envolvidos
na sua construção. Até os dias atuais, o campus busca garantir a educação
do campo, com respeito aos saberes das populações locais.
REFERÊNCIAS
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Marabá Rural
. Marabá, PA, 2021.
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UNAMA. Belém, 2002.
Submetido em: 17/10/2022
Aprovado em: 24/05/2023
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