62 Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.8, p.59-68, Edição Especial 2, 2022.
CARVALHO, N. S.
invadir a residência, se valendo de alguma falha na segurança ou a invadia pelo
acesso ao sótão, comum naquelas construções. Naquela época, suspeitava-se que
o agressor atacava em residências que já havia frequentado de alguma forma. Uma
vez invadido a casa, o agressor se apossava de facas ou outros objetos que poderia
ameaçar sicamente a vítima e se trancava em seu quarto, enquanto ela estivesse
dormindo. Muitas de nós, com medo, nos trancávamos em nossos quartos,
algumas dormiam com facas ou garrafas de vidro ao lado de suas camas. Mesmo
não conhecendo as identidades das vítimas, sabíamos ao menos que algumas
delas haviam deixado a cidade, não sabíamos muito sobre a continuidade de seus
estudos, ainda que houvesse a informação que uma ou outra aderira ao regime
domiciliar.
Além dos casos envolvendo estudantes da UNESP, havia ainda outros
contra estudantes de outras Universidades, residentes em bairros distintos, cujos
casos guardavam semelhança entre si: estupros ocorridos dentro das casas das
vítimas, em que o agressor utilizou objetos da própria residência para coação
física. Havia ainda um caso de estupro contra uma funcionária pública federal,
dentro de seu apartamento; o agressor, neste caso, teria escalado o edifício pelo
lado de fora e invadido sua unidade. Esses não eram os únicos casos de estupro
em Franca naquela época, mas chamavam atenção pela ritualística; além disso,
mesmo as unespianas não sendo as únicas vítimas e ter havido, naquela época, a
suspeita de que os vários casos parecidos não poderiam ter sido cometidos pelo
mesmo agressor, tanto a comunidade universitária quanto a mídia local e estadual
tratavam o caso como uma série de ações promovidas por apenas um indivíduo
batizado de “maníaco da UNESP”
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Esses estupros que marcaram a história
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da UNESP Franca ocorreram
entre 2000 e 2004. Ocorriam ainda outras situações de violência de gênero contra
mulheres no campus universitário, como homens se escondendo nos banheiros
femininos para nos observarem dentro das cabines sanitárias; havia também
um homem
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que andava de bicicleta pelas imediações do campus, com o rosto
coberto por uma camiseta, que assediava sicamente as mulheres, passando a
Esta denominação pode ser encontrada em notícias veiculadas pelos jornais Folha de São Paulo e Folha Ribeirão.
No veículo de imprensa CGN, da cidade de Franca, foi possível encontrar a denominação “Tarado da UNESP”.
Foi por meio da amostra de DNA coletada do lençol de uma das vítimas que a polícia civil identicou o
professor de dança que atuava no campus universitário, vinculado a um projeto de extensão da Universidade,
não sendo docente formal da instituição. Este é um dado relevante para pensarmos os aspectos relacionados à
responsabilidade institucional da Universidade, ainda mais em um contexto em que seu nome foi vinculado a
estupros em série. A identicação ocorreu no ano de 2005 e me lembro que todos os casos de estupro contra
as estudantes da UNESP foram imputados a ele, em um primeiro momento. Não me lembro de detalhes da
investigação nem da ação penal e por esta ter se dado na modalidade de processo físico, não tive ainda a chance
de consultar os autos para recuperar maiores informações. De todo modo, ele era alguém conhecido no campus
que se envolvia em atividades do cotidiano universitário.
Sabíamos que eram homens porque alguns daqueles que se escondiam no banheiro eram vistos, mas não me
lembro de nenhum ser capturado. Além disso, sobre o homem da bicicleta, também era visto, mas como man-
tinha o rosto coberto não era possível reconhecê-lo.