História da educação no Brasil
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: AS CARACTERÍSTICAS DE SUA
CONSTITUIÇÃO
H
ISTORY OF EDUCATION IN
B
RAZIL
:
THE CHARACTERISTICS OF ITS
CONSTITUTION
Guilherme Herreira Alves
1
RESUMO:
Apresentam-se resultados parciais de pesquisa desenvolvida no Programa de s-
Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) campus de Marília, da
Universidade Estadual Paulista UNESP, vinculada à linha “Filosofia e História da Educação”,
em nível de mestrado. Visando contribuir para a compreensão do processo de consolidação das
pesquisas em História da Educação no Brasil, sem fazer uma cronologia, enfoca-se em apresentar
as principais características históricas que estimularam e permitiram que as pesquisas dedicadas à
temática ganhassem espaço nos meios científicos nacionais. Por meio de uma abordagem histórica,
centrada em pesquisa documental e bibliográfica, a análise preliminar possibilita constatar o
processo de constituição do campo da História da Educação no Brasil, tomada inicialmente como
uma disciplina e, após um longo período, consolidando-se enquanto campo de pesquisa vinculado ao
desenvolvimento da universidade brasileira e Programas de Pós-Graduação e, ao mesmo tempo,
fortalecido pelas diversas iniciativas de entidades e associações, grupos de pesquisa e pesquisadores
brasileiros que contribuíram para configurar esse campo de ensino e pesquisa.
Palavras-Chave:
História da Educação. Pesquisa. Institucionalização
ABSTRACT: Partial results of research developed in the Graduate Program in Education of the
Faculty of Philosophy and Sciences (FFC) - Marília campus, of the Universidade Estadual Paulista
- UNESP, linked to the line “Philosophy and History of Education”, at the master’s degree. Aiming
to contribute to the understanding of the process of consolidation of research in the History of
Education in Brazil, without making a chronology, it focuses on presenting the main historical
characteristics that stimulated and allowed research dedicated to the theme to gain space in national
scientific circles. Through a historical approach, centered on documentary and bibliographic
research, the preliminary analysis makes it possible to verify the process of constitution of the
field of History of Education in Brazil, initially taken as a discipline and, after a long period,
consolidating itself as a field of research linked to the development of the Brazilian university and
1
Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, campus de Marília com bolsa CNPq; e Graduado em Pe-
dagogia (2022) pela mesma faculdade. Licenciado em Filosofia (2016) pela FAJOPA- Faculdade João Paulo II.
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2022.n1.p59
ALVES, G. H.
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Graduate Programs and, at the same time, strengthened by the various initiatives of entities and
associations, research groups and Brazilian researchers that contributed to configure this field of
teaching and research.
Key words:
History of Education. Search. institutionalization
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A formação histórica do campo das pesquisas em História da Educação
no Brasil constituiu-se por meio de notáveis transformações desde o seu contexto
como disciplina até o momento em que o campo de pesquisa se organizou em
termos institucionais, conquistando maior visibilidade. Esse processo esteve
vinculado ao desenvolvimento das universidades brasileiras e Programas de Pós-
Graduação, além disso, a criação de entidades e associações, grupos de pesquisa e
pesquisadores brasileiros que estimularam as pesquisas historiográficas na área da
educação no Brasil. Desenvolver pesquisa histórica, significa
[...] recuperar a totalidade, é fazer com que o objeto apareça no emaranhado
de suas mediações e contradições; é recuperar como este objeto foi constituído,
tentando reconstituir sua razão de ser ou aparecer a s segundo seu movimento
de constituição, do qual fazem parte o pesquisador e sua experiencia social,
em vez de determiná-lo em classificações e compartimentos fragmentados
(VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1991, p. 10-11).
Le Goff (2003) considera que o documento “[...] será fundamentado
no fato histórico, ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador,
parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica” (LE GOFF, 2003, p.
526), e cabe ao historiador “[...] em tirar dos documentos tudo o que eles contêm
e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm (LE GOFF, 2003, p. 536).
Assim, “[e]studar o passado é uma ação que não pode ser realizada diretamente,
mas somente de forma mediada por meio de vestígios da atividade humana, ao
que é atribuído o nome de fontes de informação históricas.” (ZAHLOUTH;
PAIVA, 2012, p. 45). Em vista disso, a produção do conhecimento histórico
[...] é capaz de aprender e incorporar essa experiência vivida, fazer retornar
homens e mulheres não como sujeitos passivos e individualizados, mas como
pessoas que vivem situações e relações sociais determinadas com necessidade
e interesse e com antagonismo. (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1991, p.
17-18).
Especificamente em relação à pesquisa histórica em educação, se
caracteriza, por ser “[...] um tipo de pesquisa científica, cuja especificidade
consiste, do ponto de vista teórico-metodológico, na abordagem histórica no
tempo do fenômeno educativo em suas diferentes facetas.” (MORTATTI,
1999, p. 73). Todos os avanços possibilitaram considerar que as pesquisas
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históricas em educação conquistaram seu espaço no campo acadêmico científico
e, sem sombra de dúvida, é fundamental conhecer esse trajetória, assim esse artigo
tem como objetivo contribuir para a compreensão do processo de consolidação
das pesquisas em História da Educação no Brasil, sem fazer uma cronologia,
enfoca-se em apresentar as principais características históricas que estimularam
e permitiram que as pesquisas dedicadas à temática ganhassem espaço nos meios
científicos nacionais.
DESENVOLVIMENTO
Desde a segunda metade do século XIX, é possível encontrar uma
produção de conhecimento que favoreceu o início de uma tradição historiográfica
sobre a educação brasileira; entretanto, o que se compreendia como História da
Educação ainda estava vinculado à história geral. Para Vidal e Faria Filho (2003),
essa tradição historiográfica tem início com a criação do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB)
2
, em 1839, quando foi possível identificar as
primeiras iniciativas de uma tradição historiográfica em educação que viriam
a contribuir com a elaboração desse campo no Brasil. O IHGE teve como
objetivos iniciais “[...] coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos
necessários para a história e a geografia do Império, respeitando uma postura
positivista de escrita da história” (VIDAL; FARIA FILHO, 2003, p. 41). Como
resultado, os sócios do IHGB contribuíram significativamente com as produções
acadêmico-científicas vinculadas à temática de ensino e educação em pesquisas
historiográficas.
Dentre pesquisadores e obras dessa época, destacam-se: Fernando de
Azevedo, autor de A cultura brasileira, de 1943; Frederico José de Santa-Anna
Nery, com destaque para L’instruction publique au Brésil, de 1884; Júlio Afrânio
Peixoto e sua obra Noções de história da educação, de 1933; José Ricardo Pires de
Almeida, escritor de L’Instruction publique au Brésil: histoire et legislation (1500-
1889), de 1889; e Primitivo Moacyr, com destaque para A instrução e o Império:
subsídios para a história da educação no Brasil, 1823-1853, publicado em três
volumes em 1936, 1937 e 1938
3
.
2
Segundo informações retiradas do site do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), “[...] [c]irculan-
do regularmente desde 1839, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro é uma das mais longevas
publicações especializadas do mundo ocidental. Destina-se a divulgar a produção do corpo social do Instituto,
bem como contribuições de historiadores, geógrafos, antropólogos, sociólogos, arquitetos, etnólogos, arqueólo-
gos, museólogos e documentalistas de um modo geral. Possui periodicidade trimestral, sendo o último mero
de cada ano reservado ao registro da vida acadêmica do IHGB e demais atividades institucionais.” (IHGB, 2022,
s/p). Disponível em: https://www.ihgb.org.br/publicacoes/revista-ihgb.html.
3
Sintetizo neste texto os principais autores e suas obras de maior destaque; todavia, não dúvida de que as
suas demais publicações contribuíram para entendimento e aproximações da produção em história da educação
em nosso país.
ALVES, G. H.
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entre os anos 1920 e 1950, aconteceram no Brasil diversos eventos
que favoreceram o fortalecimento das pesquisas que se propunham a estudar
a História da Educação brasileira, tais como “[...] a consolidação do Estado
nacional, a voga ascendente dos estudos brasileiros, a estruturação e expansão da
educação nacional e a centralidade do tema da educação nacional no imaginário
político-social” (MONARCHA, 2007, p. 57). Especialmente, a partir do final da
década de 1920, quando as disciplinas de História da Educação Geral e do Brasil
passaram a se tornar obrigatórias nos cursos de formação das escolas normais e, a
partir da década de 1930, nos cursos universitários.
Entretanto, apesar da incorporação dessas disciplinas nos currículos
dos
cursos Normais e de Pedagogia, elas possuíam apenas um caráter de “[...]
disciplinas formadoras, isto é, ambas deveriam tratar do dever ser educacional, dos
valores humanos mais elevados, conhecimentos imprescindíveis aos futuros
professores.” (BUFFA, 2015, p. 04). Essas disciplinas foram influenciadas pelo
pragmatismo e justificavam-se em uma “[...] relação mecânica e direta que se
costuma estabelecer entre o passado, presente e o futuro. (LOPES; GALVÃO,
2001, p. 26). Para Carvalho (1998), assim que a História da Educação foi
instituída como disciplina nos cursos de formação escolar, é possível considerar
que o
[...] atrelamento originário da disciplina a objetivos institucionais de formação
de professores e pedagogos dificultou, até muito recentemente, a sua
constituição como área de investigação historiográfica capaz de autodelimitar
e de definir, com base em sua própria prática, questões e temas e objetos. Isso
tornou a disciplina frágil diante das demandas postas a partir de outros campos
de investigação sobre educação que hegemonizaram a produção da pesquisa
[...]. (CARVALHO, 1998, p. 330).
Para a concretização dessas reformas, principalmente as que se
relacionavam com a instituição dos conteúdos de história da educação geral e do
Brasil, intensificou-se a produção dos primeiros manuais destinados à História da
Educação
4
, que se propunham a apresentar a evolução da educação nos sistemas
de educacionais dos Estados nacionais e europeus, “[...] reservando-se para
o “caso brasileiro” um apêndice ilustrativo, no qual se sobrelevar os fatos que
concernem à “reconstrução educacional”, ou seja, ao chamado “movimento da
Escola Nova.” (MONARCHA, 2007, 54-55). Monarcha (2007) destaca também
a contribuição do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), criado em
1938 e que, entre seus objetivos, buscou estabelecer uma bibliografia e eleger
fontes históricas para o estudo da educação.
4
Para Monarcha destaca-se, “[...] por exemplo, Noções de História da Educação, de Afrânio Peixoto, História
da
Educação: evolução do pensamento educacional, de Raul Briquet, Pequena história da educação, de Fran-
cisca Peeters e Maria Augusta de Cooman; e Lões de história da educação: rigorosamente de acordo com
programa das escolas normais, de Teobaldo Miranda Santos. (MONARCHA, 2007, 54-55).
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No decreto-lei de criação do INEP, assinado por Getúlio Vargas e Gustavo
Capanema, competia a esse órgão federal, entre outros objetivos: “Organizar
documentação relativa à história e ao estudo atual das doutrinas e das técnicas
pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições educativas”,
propondo planos de “levantamento da bibliografia Pedagógica Brasileira, desde
os tempos coloniais”; e de “sistematização da documentação pedagógica do
país, nos seus diferentes aspectos de legislação, federal e estadual, movimento
escolar e fatos dignos de figurarem como subsídios para a história da
educação”. (MONARCHA, 2007, 54-55).
Lopes e Galvão (2001) ressaltam que apenas em 1960 e 1970 a História
da Educação inicia sua articulação para sua constituição enquanto campo de
conhecimento
5
. Nessas décadas, os estudos em História da Educação obtiveram
crescente ampliação, principalmente com o surgimento dos Programas de s-
Graduação em Educação no país: os primeiros foram o da PUC-Rio, em 1965,
e da PUC-SP, em 1969. Esses espaços passaram a se constituir como lugares de
“[...] prestígio acadêmico-científicos tanto pesquisa em história da educação
quanto pesquisas com abordagem histórica, desenvolvidas em outros campos e
especialidades da área de Educação e que enfocam temas e objetos a ela correlatos.”
(MORTATTI, 2012, p. 01).
A partir de 1970, iniciou nos curso de Pedagogia uma disciplina
específica que tratava da da história da educação brasileira (LOPES; GALVÃO,
2001), provocando condições para com que as pesquisas em História da
Educação se tornassem mais comuns entre pesquisadores brasileiros. Durante
seu desenvolvimento, a disciplina de História da Educação esteve associada à
Filosofia da Educação, associação evidenciada até hoje nos cursos de Graduação e
de Pós-Graduação e acarretou com que as pesquisas desenvolvidas favorecessem,
sobretudo, “[...] a história das ideias pedagógicas e a fonte privilegiada para esse
tipo de investigação fosse obra de grandes pensadores. (LOPES; GALVÃO, 2001,
p. 28). Conforme Aranha (2006), sobre esse momento é possível considerar que
[d]urante muito tempo, porém, a disciplina de história da educação esteve
ligada à filosofia da educação nos cursos de nível secundário e superior
(magistério e pedagogia), sem merecer a autonomia e o estatuto de ciência
conferidos a disciplina como psicologia, sociologia e biologia. Além disso,
sofria frequentemente o viés pragmático que enfatizava a missão de interpretar
o passado para construir o futuro, com forte caráter doutrinário moral e
5
Dessa forma, um campo se configura enquanto tal por aproximações teórico-metodológicas pela ênfase em
alguns aspectos e pelas marcas discursivas em comum. Penetrar esse campo é movimentar-se por vários pontos
de entrada, o que depende do modo como o pesquisador coloca em articulação outros pontos possíveis de se- rem
indagados a partir do seu objeto de investigação, criando a imagem de uma rede em que fios se cruzam, se
rompem, se unem, o rejeitados (temporariamente), uns sendo valorizados em detrimento de outros; fios que
produzem combinações inúmeras e provisórias, o que a esse campo contornos imprecisos do ponto de vista
teórico-metodológico, das temáticas de interesse e das fontes, e permite sua interrogação pelos pesquisadores
situados e comprometidos com grupos de pesquisas também distintos. (FERREIRA; SILVA, 2012, p. 135)
ALVES, G. H.
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religioso, uma vez que a disciplina ficava a cargo de padres, seminaristas e
cristão em geral. (ARANHA, 2006, p. 25).
O adentrar da História da Educação aos cursos de pedagogia também
provocou “[...] uma tendência em explicar os fenômenos educativos do passado
em si mesmo, sem relação com outros aspectos das sociedades característicos da
mesma época.” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 31). Uma outra consequência foi a
abrangência de pesquisadores de formações diversificadas “[...] que, movidos por
uma curiosidade ou por um espanto que o presente educacional lhe provoca, busca
a pesquisa em História da Educação parte das respostas para suas inquietações.”
(LOPES; GALVÃO, 2001, p. 31).
Outra característica é a pluralidade na formação dos pesquisadores
em História da Educação, produzindo com que houvesse cada vez mais uma
“[...] heterogeneidade na produção da área, tanto do ponto de vista dos aportes
teóricos e metodológicos que baseiam as investigações, quanto os temas tratados.”
(LOPES; GALVÃO, 2001, p. 31). Deste modo, para formação de um “[...]
historiador competente, é preciso que o pesquisador tenha uma formação rigorosa
e específica, o que supõe, entre outras imposições, um mergulho no que é próprio
ao campo do outro.” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 31). Assim, o historiador
em educação deve conhecer seus objetos de investigação e os aportes teóricos e
metodológicos que configuram esse campo e que baseiam as investigações.
Na segunda metade do século XIX e, a partir dos meados dos
anos de 1980 no Brasil, houve uma crítica contra os pressupostos da história
tradicional positivista, provocando uma renovação nos estudos historiográficos.
A historiografia tradicional, com influência do positivismo, compreendia apenas
os documentos oficiais como portadores da verdade irrefutável, priorizando os
grandes momentos e personagens da história. Similarmente, a pesquisa em
História da Educação também recebeu influência do positivismo no século XX,
considerando também apenas as fontes oficiais escritas para produção de uma
História da Educação, sendo elas
[l]egislação e atos do poder executivo, discussão parlamentares, atas, relatórios
escritos por autoridades (presidentes de província, inspetores escolares etc.),
regulamentos, programas de ensino e estatísticas. Além dessas fontes, tinham
muita importância as próprias obras que os educadores ou pensadores mais
eminentes de cada época haviam escrito. Elas constituíam, nesses trabalhos, a
matéria-prima do trabalho do historiador. (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 80).
Entretanto, as pesquisas em História da Educação, influenciadas
por essa nova tendência historiográfica contemporânea, também passaram por
um processo de diversificação e renovação de suas referências historiográficas,
concepções teóricos-metodológicas e na ampliação de novos objetos e fontes.
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Lopes e Galvão (2001) consideram que essa renovação no campo da História
da Educação deve-se, principalmente, pela influência dos marxismos e da Nova
História.
No Brasil, a influência marxista na História da Educação se destacou,
principalmente, pelos estudos e produção de Althusser e Gramsci no final da
década de 1970 e nos anos de 1980. Conforme Lopes e Galvão (2001), essa
abordagem considerava que a análise histórica do fenômeno educativo só poderia
ser feita a partir das relações de classes, considerando os grupos sociais como
partes essenciais para o entendimento dos problemas de pesquisa, visando à busca
de uma práxis revolucionária. Dessa forma, almejava entender “[...] a educação,
considerada um fenômeno superestrutural, no interior das condições econômicas
das diferentes sociedades.” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 36).
A influência do marxismo e suas contribuições diretas na renovação dos
métodos históricos para as pesquisas aconteceram tanto no “[...] âmbito de suas
hipóteses gerais e cujo esforços principais tem por objetivo um problema dado: a
articulação entre a História e determinada ciência humana, ou a abertura de novos
campos históricos.” (BOIS, 2005, p. 331). Assim, esse fenômeno na historiografia
provocou nos pesquisadores uma nova concepção de como se compreender a
história, em que essa tornou a investigação mais complexa e, principalmente, “[...]
atenta às genealogias profundas dos vários fenômenos (sobretudo econômicos-
sociais), jogada através do entrelaçamento de muitos saberes e pronta a colher
conflitos e contradições, hegemonia e oposições.” (CAMBI, 1999, p. 25).
A Nova História possibilitou novos problemas de pesquisa no interior
da História da Educação, em que essa revolução provocada no campo da História
e possibilitou, posteriormente “[...] alargar os objetos, as fontes e abordagens
utilizadas tradicionalmente na pesquisa historiográfica, aos poucos influenciou
os historiadores da educação” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 39). Essa nova
corrente proporcionou uma nova perspectiva sobre os objetos de investigão,
ultrapassando o tratamento historiográfico tradicional que se limitava às
perspectivas econômicas, políticas ou demográficas no processo de escrita da
história.
Na História da Educação, essas tendências historiográficas provocaram também
uma verdadeira revolução na seleção dos objetos de pesquisa e na forma de
abordá-los. Temas como cultura e o cotidiano escolares, a organização e o
funcionamento interno das escolas, a organização e o funcionamento interno
das escolas, a construção do conhecimento escolar, o currículo e as disciplinas,
os agentes educacionais (professores, professoras, mas também os alunos e
alunas), a imprensa pedagógica, os livros didáticos etc. têm sido crescentemente
estudo valorizados. (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 40).
ALVES, G. H.
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A constituição dessa Nova História esteve intimamente ligada com a
Escola dos Annales, que surgiu com a publicação da revista científica Anais de
História Econômica e Social por Marc Bloch Lucien Febvre, na França em 1929.
Apesar de ter reconhecido todo conhecimento produzido por outras correntes
historiográficas ao momento, seus precursores fundaram a revista de Annales
com “[...] o explícito objetivo de fazer dela um instrumento de enriquecimento da
história, por sua aproximação com as ciências vizinhas e pelo incentivo à inovação
temática.” (BURKE, 2010, p. 08).
A Escola dos Annales propôs uma perspectiva de história mais ampla e a
possibilidade de novas fontes, deixando de considerar apenas os grandes nomes e
os grandes acontecimentos como marcos para a escrita da história. Assim, passou
a considerar a história em todas as atividades humanas e em todos os aspectos do
cotidiano para a constituição de uma narrativa elaborada a partir de uma história-
problema
6
(BURKE, 2010). Visando essa nova perspectiva, começou a entender
a história como um campo aberto para novas análises e novas possibilidades; por
isso, considerou a importância da interdisciplinaridade e da colaboração com as
demais ciências para sua escrita.
A Escola dos Annales marcou outras gerações de historiadores que
também contribuíram com a reflexão sobre os avanços da historiografia e que
marcaram as concepções dessa Nova História, passando por Lucien Febvre,
Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff, Emmanuel Le
Roy Ladurie, entre outros. Pode-se afirmar que a maior contribuição desse
movimento foi a expansão do campo da história por diversas áreas, abrangendo
sua constituição em novas perspectivas e para campos mais diversos e em áreas
inesperadas do comportamento humano e de grupos sociais.
A partir dessas renovações no campo historiográfico, na metade do
século XIX os “[...] historiadores começam a se interessar por uma história
sistemática e exclusiva da educação, antes apenas um apêndice da história geral.”
(ARANHA, 2006, p. 24). Essa nova perspectiva também afetou a historiografia da
educação, ampliando as possibilidades com que os historiadores passaram a
pesquisar a História da Educação, propondo novos tipos de perguntas, escolhendo
novos objetos de pesquisa e utilizando novas fontes históricas.
As novas fontes históricas se tornam mediadoras para a produção do
conhecimento histórico educacional, permitindo que o historiador se orientasse
na
busca de compreender o fenômeno desejado, que “[...] a história é sempre
ambivalente: o lugar que ela destina ao passado é igualmente um modo de dar
lugar a um futuro.” (CERTEAU, 1994, p. 93). A partir daí, as fontes históricas
passam a ser testemunhos que auxiliam o pesquisador a compreender determinados
6
Para Burker, o termo história-problema pode ser compreendida como “[...] uma história orientada por pro-
blemas, um slogan de Lucien Febvre, que pensava que toda História deveria tomar essa forma” (BURKE, 2010,
p. 147).
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fenômenos históricos para produção de uma narrativa que terá como resultado as
suas análises obtidas de suas fontes.
Ao abranger os novos objetos, procedimento e abordagens de pesquisas
que vinham sendo propagadas pelas novas correntes historiográficas nacionais
e internacionais em relação às novas fontes, métodos e práticas, as pesquisas
em educação passaram a desenvolver uma produção acadêmico-científica com
maior abrangência e complexidade no processo investigativo da história. Essas
novas possibilidades trouxeram para os pesquisadores da educação “[...] outras
possibilidades para além da narrativa linear dos acontecimentos e optou por
uma história‐problema que se atentasse para todas as atividades humanas [...].”
(IVASHITA, 2014, p. 04).
Desta forma, as pesquisas históricas em educação no Brasil foram
conquistando maior visibilidade, propiciando não somente uma análise dos
fatos históricos, mas, também, contribuindo para o entendimento sobre os
diferentes aspectos educacionais pelo viés histórico. A busca por novas formas
de escrita da história proporcionou “[...] simultaneamente como fonte primária
para compreensão do passado e pressupostos para explicação dos problemas do
presente, assim justificando e realimentando a elaboração de novas ‘propostas de
intervenção’”. (MORTATTI, 2012, p. 71). Essa procura passou a priorizar temas
ainda não explorados que “[...] foram gradativamente despertando interesses
dos pesquisadores, que passaram a acolher novos temas, novos objetos e novos
métodos de investigação, em decorrência da circulação das novas tendências
historiográficas.” (MORTATTI, 2012, p. 72).
Esse novo olhar para o modo de desenvolver pesquisas científicas
historiográfica, promoveu
“[...] múltiplas metodologias, diferenciadas por objetos, por seus processos
cognitivos, por instrumentos lógicos, de modo a fazer ressaltar o pluralismo
das abordagens e sua especificidade. Neste sentido, as fontes contribuem para
reconstrução da história da educação, pois através da análise dessas fontes, o
historiador fornece respostas para a compreensão dos fatos analisados. Cabe
ao historiador a interpretação das fontes e as teorias assumidas, pois esses são
momento cruciais no desenvolvimento da pesquisa, pois. [...] os documentos,
como alguns disseram, não falam por si, os historiadores obrigam que eles
falem, inclusive de seus próprios silêncios.” (DECCA; SAVIANI; LOMBARDI,
2006, p. 23).
Paulatinamente, os estudos sobre História da Educação, estimulados
pelas Universidades e Programas de Pós-Graduação, foram ganhando espaços e
provocando a formação das primeiras entidades e associações, grupos de pesquisa
e eventos científicos nacionais que abordaram a temática. Desta forma, esse
estímulo passou a promover um maior estudo sobre a historiografia educacional no
Brasil e na elaboração de trabalhos sobre História da Educação, fazendo com que
ALVES, G. H.
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o campo ganhasse mais autonomia. Entre os principais marcos que contribuíram
para a consolidação das pesquisas em História da Educação, é possível destacá-los
abaixo.
Em 1978, foi fundada a Associação Nacional de Pós-Graduação em
Educação (ANPEd) com a finalidade de “[...] conglobar programas de
pós-
graduação stricto sensu em educação, no intuito de desenvolver o ensino e
pesquisa, assim como, promover encontros para discussão e disseminação do
conhecimento.” (ANPEd, 20XX). A ANPEd desempenhou um papel importante
na junção de diversos pesquisadores e Programas de Pós-Graduação, tornando-se
um espaço de discussão e promovendo o debate teórico-metodológico sobre as
diversas temáticas em pesquisa sobre a Educação no Brasil.
No âmbito da discussão em torno da sistematização e problematização
da produção acadêmica sobre o campo científico histórico e educacional, em 1984
foi criado na ANPEd o Grupo de Trabalho (GT) de História da Educação
7
, com
propósito de proporcionar “[...] alicerces teórico-metodológicos que distanciasse
nossa área de estudos das grandes interpretativas alinhavadas no âmbito do ensino
da disciplina História da Educação.” (ALVES, p. 69). Os fins que motivaram
a criação deste GT proporcionaram esforços entre os pesquisadores para o
entendimento da escrita sobre História da Educação consolidada nos estudos
historiográficos e, principalmente, na discussão sobre a utilização de novas fontes
para a produção acadêmico-científico e para os novos rumos para a História da
Educação brasileira. Desse modo, esse GT propiciou uma grande contribuição
para o delineamento da História da Educação, em que
[...] percebe-se que este se propõe a problematizar e discutir como as pesquisas
da área estão sendo traçadas em âmbito nacional, no intuito de que a História da
Educação se firme cada vez mais como um campo científico educacional e
historiográfico pertinente frente ao entendimento das diferentes temáticas e
problemas que a educação enfrentou e ainda enfrenta no Brasil. (MARTIN;
PFISTER; BOLLIS, 2018, p. 128).
Nesse período, o professor Dermeval Saviani, ao iniciar as atividades
docentes no Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade
de Educação da UNICAMP em 1980, conciliando as pesquisas que desenvolvia
quanto à necessidade de orientação acadêmica, criou, em 1986, e institucionalizou,
em 1991, o Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no
Brasil” (HISTEDBR), sediado na mesma instituição. Com a proposta de
investigar a História da Educação tendo como fonte o marxismo, o HISTEDBR
passa a ser uma referência nacional e internacional para os estudos marxistas em
7
Os Grupos de Trabalho (GTs) da ANPEd são instâncias de agregação e socialização de conhecimento e
pesquisas, em que cada GT tem sua própria história e dinâmica. O GT História da Educação teve sua proposta
apresentada pelo Prof. Luiz Antônio Cunha, na Assembleia da 7a. Reunião Anual. (Cf. Boletim ANPEd, v. 8,
n. 1, jan.mar. 1986, p. 18)
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educação, articulando pesquisadores e possibilitando a interlocução com a área da
história da educação. Dermeval Saviani relembra as motivações e as características
teóricas adotadas no momento da criação do HISTEDBR:
Buscava-se, por esse caminho, superar a visão tradicional da história da
educação centrada nas idéias e instituições pedagógicas. Ficava indicado, pois,
que o enfoque considerado mais adequado para dar conta dessa perspectiva
de análise se situava no âmbito do materialismo histórico, quer dizer, a
concepção dialética tal como delineada pelas investigações levadas a efeito por
Marx as quais tiveram continuidade na obra de seus seguidores com destaque
para Engels, Lênin, Lukács e Gramsci. Isso, obviamente, sem desconhecer
a possibilidade e eventuais contribuições de outras formas de investigação
histórico-educativa. (SAVIANI; LOMBARDI, 2001 p. 1)
O HISTEDBR, segundo Dermeval Saviani (2001), teve como foco
investigar a História da Educação pela medição da Sociedade, possuindo como
eixo temático a História, Sociedade e Educação, considerando que a educação
está intrinsecamente articulada com a sociedade, e em que [...] a educação que,
por sua vez, não é tomada como uma mera abstração, mas enquanto parte de
uma totalidade social, geográfica e temporalmente determinada.” (LOMBARDI,
2006). Sua contribuição ao longo de três décadas tem estimulado a criação de
núcleos de pesquisas em torno de todo país, a produção e publicação acadêmico-
científica, tanto em âmbito nacional quanto internacional, e o desenvolvimento
de eventos científicos.
Em decorrência das urgências sobre a formação do campo da História da
Educação no Brasil e visando a necessidade da organização entre os pesquisadores e
a constituição dos primeiros grupos de pesquisa, foi criada, em 1999, a Sociedade
Brasileira de História da Educação (SBHE), o que possibilitou a interlocução entre
pesquisadores do país e a institucionalização do campo. A SBHE propôs, entre
seus objetivos, reunir os pesquisadores em História da Educação, fomentando
produções acadêmico-científicas e promovendo diferentes formas de divulgação
através de eventos, seminários, cursos, entre outros.
Um aspecto determinante para fundação da SBHE foi o surgimento
dos Congressos Ibero-Americanos de História da Educação Latino-Americana,
pois devido ao “[...] intercâmbio internacional, em especial com os países ibero-
-americanos, foi objetivando-se a necessidade de criação de uma entidade que
articulasse nacionalmente a área e a representasse nos foros internacionais.”
(SAVIANI et al, 2011, p. 25). Assim diante da necessidade de uma entidade
que representasse os historiadores brasileiros da educação a criação da SBHE
significou um fortalecimento do campo e “[...] um espaço defeso dos interesses da
comunidade brasileira de historiadores da educação e da pesquisa acadêmica junto
a agências de fomento e órgãos governamentais.” (SAVIANI et al, 2011, p.
43).
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Deste modo, essas iniciativas permitiram que a História da Educação
adquirisse autonomia e espaço enquanto campo do conhecimento, se constituindo
enquanto campo de estudos e de pesquisas. Assim, os historiadores em educação
buscam reafirmar com suas pesquisas “[...] a identificação com procedimentos
próprios ao fazer historiográfico, o que, sem dúvida, vem se afirmando como
diferença à prática enraizada nas Escolas Normais e às preocupações forjadas na
aproximação com a Filosofia [...]” (VIDAL; FARIA FILHO, 2003, p. 60).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de constituição do campo de História da Educação no
Brasil, tomada inicialmente como uma disciplina e, após um longo período, se
consolidando enquanto campo de pesquisa, foi vinculado ao desenvolvimento
da universidade brasileira e os Programas de Pós-Graduação e, ao mesmo
tempo, fortalecido pelas diversas iniciativas de entidades e associações, grupos
de pesquisa e pesquisadores brasileiros que contribuíram de modo significativo
para esse processo. Essa organização do conhecimento fez com que as pesquisas
em História da Educação encontrassem ampla difusão nos meios acadêmicos e
uma crescente divulgação de conhecimentos científicos por meio de publicações
e
debates em eventos relacionados à História da Educação.
Paralelamente, esse percurso não diminui os desafios contemporâneos
das questões que envolvem as pesquisas histórico-educacionais; todavia, o
exponencial crescimento do número de pesquisadores demonstra que, além do
interesse, a temática tem ganhado cada vez mais notoriedade junto à comunidade
científica. Por fim, é importante destacar que o historiador em educação deve
buscar uma escrita da história que tenha como objeto os processos educativos ao
eleger os critérios específicos para selecionar suas fontes históricas, procurando
entender os fenômenos por meio do diálogo entre o passado e presente.
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Submetido em: 02/08/2022
Aprovado em: 15/09/2022
ALVES, G. H.
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