Escuta feminista e a revelação de violências invisíveis
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.8, p. 17-28, Edição Especial 2, 2022.
ESCUTA FEMINISTA E A REVELAÇÃO DE VIOLÊNCIAS INVISÍVEIS:
ANÁLISE DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIS NA UNESP
FEMINIST EAR AND INVISIBLE VIOLENCES REVELATION: ANALYSIS OF
STUDENT MOVEMENTS AT UNESP
Beatriz Jorge Barreto
1
RESUMO:
Diante do cenário de violências observado nos relacionamentos interpessoais em universidades,
constata-se que estudantes mulheres o as maiores vítimas dessas agressões. O período compreendido entre
2013 e 2019 foi marcado pelo crescimento no número de acusações e denúncias de violência registradas na
Ouvidoria da Unesp e, concomitantemente ao recrudescimento das agressões, ocorre intensa atuação dos
movimentos estudantis de resistência a essas práticas na universidade. Este artigo objetiva analisar as experiências
do Núcleo MAJU (2018) e do Movimento “Meu professor abusador” (2019), ambos compreendidos como
táticas institucionais de escuta feminista que, segundo Sara Ahmed (2021), são capazes de ouvir queixas, quebrar
barreiras e impedir que as violências se perpetuem de forma invisível e inaudível nas universidades. O artigo
é amparado pelas discussões, temas e conceitos abordados por Sara Ahmed nas obras Vivir una vida feminista
(2018) e Complaint! (2021). Os dados coletados e analisados são da pesquisa quantitativa realizada no início
de 2020, via plataforma GoogleForms, com 121 estudantes da UNESP de Marília. As análises apresentadas neste
artigo, demonstram como os movimentos estudantis de estragas-prazeres da UNESP-Malia, se tornaram
protagonistas no combate às recorrentes violências no campus, devido à falta de canais institucionais consolidados
de suporte legítimo e de confiança para as vítimas. Portanto, as coletividades realizam de forma efetiva o “ouvido
feminista”, a integração e acolhimento de estudantes, ao mesmo tempo que evidenciam e confrontam todas essas
problemáticas no ambiente universitário.
PALAVRAS-CHAVE:
Escuta feminista; Movimentos estudantis; Universidades; Violência.
ABSTRACT:
Given the scenario of conflicts and violence observed in interpersonal relationships in universities,
it appears that students and women are the biggest victims. The period 2013 2019 was marked by growth
in the number of accusations and complaints of violence registered at the Unesp Ombudsman’s Office and,
concomitantly, by the resurgence of aggression while there was intense action by students movements resistance
against these practices at the University. This article aims to analyze the experiences of the Núcleo Maju (2018)
and the Movement “Meu Professor Abusador” (2019), both understood as institutional tactics of feminist ear
that,
according to Sara Ahmed (2021), are able to listen to complaints break barriers, and prevent violence
from
becoming invisibly and inaudible in universities. This article is supported by the discussions, themes and concepts
addressed by Sara Ahmed in the works Vivir una vida feminista (2018) and Complaint! (2021). The data collected
and analyzed is from the quantitative research carried out in early 2020, via GoogleForms platform,
with 121
students from UNESP, in Marília. The analyzes presented in this article demonstrate how UNESP
Marília’s
kill-joys student movements have become protagonists in the fight against recurrent campus violence, due to the
lack of consolidated institutional channels for legitimate support and trust by victims. Therefore, the collectivities
effectively carry the function of the “feminist ear”, the integration and assistance of students, while
highlighting
and confronting all these problems in the University environment.
KEYWORDS:
Feminist ear; Student Movements; Universities; Violence.
1
Bacharel (2021) e Licenciada (2022) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho”, Faculdade de Ciências e Filosofia (FFC) de Marília. Pesquisadora e assessora do Grupo de Pesquisa
Cultura & Gênero, vinculado ao Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero UNESP/LIEG. Professora
de
Inglês e Sociologia do Cursinho Popular Angela Davis (São Paulo).
http://doi.org/10.36311/2447-780X.2022.v8esp2.p17
BARRETO, B. J.
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Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.8, p. 17-28, Edição Especial 2, 2022.
INTRODUÇÃO
Este presente trabalho pretende analisar a atuação dos movimentos estudantis,
que surgiram na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de
Marília, por meio de um cenário de conflitos e violências observado nos relacionamentos
construídos, no contexto das interações universitárias. Salienta-se que este texto foi produzido
durante o período de pandemia, no qual a pesquisadora encontrou-se distante dos espaços
físicos da instituição universitária, porém, foi capaz de apropriar-se das discussões, leituras
e debates do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG UNESP/Marília),
o qual investiga a problemática da manifestação da violência de gênero na universidade.
As pesquisas realizadas, traduzidas e analisadas neste artigo são produto da necessidade de
dar visibilidade e relevância às movimentações feministas dentro dos ambientes do ensino
superior, como lutas que têm sido travadas ao redor do mundo.
A perspectiva ampla da ocorrência das violências nas universidades, trazida
para análise neste texto, procura contextualizar e demonstrar como esse fenômeno não
está
isolado e não é exclusivamente de caráter do funcionamento nas instituições de ensino
superior no Brasil, mas uma realidade muito próxima de outros países do globo.
Logo, o
artigo apresenta quais são as tendências situadas nos ambientes universitários ocidentais e
as problemáticas comuns enfrentadas na América Latina, Europa e Estados Unidos.
Evidenciam-se os padrões localizados nesses diferentes espaços universitários, ao
reproduzirem uma estrutura de poder desigual, violenta e opressiva.
O artigo objetiva contextualizar a extensão das práticas de violência nas
instituições de ensino superior, dando ênfase em como mulheres, em sua maioria, são
condicionadas a situações de vulnerabilidade e encontram amparo nas formas de combate
e luta. Nesse sentido, objetiva-se demonstrar como jovens estudantes passam a organizar-
se e adquirir uma identidade coletiva, frente a falta de apoio e suporte nas agendas de
prioridade das instituições de ensino superior, especificamente a da UNESP de Marília.
Portanto, o objetivo é analisar as experiências do Núcleo MAJU (2018) e do movimento
“Meu professor abusador” (2019), ambos compreendidos como táticas institucionais
de escuta feminista, pois capazes de ouvir queixas, quebrar barreiras e impedir que as
violências se perpetuem de forma invisível e inaudível na universidade.
Os conceitos e discussões apresentados são teorizados nas obras de Sara
Ahmed, uma acadêmica independente e escritora feminista britânica-australiana, que
trabalha na intersecção de estudos feministas, queer e raciais. Suas pesquisas observam
como corpos e mundos tomam forma e como o poder é protegido e desafiado tanto nos
espaços cotidianos, quanto nas culturas institucionais. As obras Vivir una vida feminista
(2018) e Complaint! (2021), contribuem para a compreensão do porquê manifestações
das violências nas instituições de ensino superior e como determinadas coletividades
resistentes se expressam pela tática do ouvir, a partir de técnicas consideradas feministas.
Após contextualizar a extensão das práticas de violência nas instituições de
ensino superior no ocidente e as condições de existência, especificamente, de mulheres
nesses espaços, este artigo aborda o histórico de violência da UNESP, uma das maiores
universidades públicas do país, e apresenta os dados de uma pesquisa financiada pelo
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Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) em 2019-2020. Por fim,
o artigo localiza, no contexto da efervescência da ocorrência, permanência e invisibilidade
das práticas de violência no campus da UNESP de Marília, alguns movimentos enquanto
coletivos políticos feministas de escuta. Estes movimentos são analisados como estragas-
prazeres feministas, pois instauram uma rebelião e obstaculizam a permissividade que
existe com relação à violência perpetrada nos ambientes universitários.
CONJUNTURA PLANETÁRIA DE VIOLÊNCIAS E COMBATES
ESTUDANTIS NAS UNIVERSIDADES
Para compreender os movimentos de combate à violência presente nas
instituições universitárias, especificamente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” campus de Marília, é necessário contextualizar e explicar a existência
desse atual cenário de conflitos nesses espaços. Nos últimos 10 anos, universidades
ocidentais vêm sendo marcadas pelo crescimento de acusações e denúncias da violência
ocorrida nos seus ambientes, de movimentos de resistência contra essas práticas e pela
atenção efetiva da mídia sobre os casos. Portanto, é possível afirmar que essas tendências
têm se alastrado por todo o planeta, evidenciando problemáticas comuns enfrentadas nos
ambientes das instituições de ensino superior da América Latina, Europa, Estados Unidos
e etc., como será demonstrado neste artigo.
As práticas de violência observadas em um campus de uma Universidade
brasileira, objeto de estudo desta pesquisa, demonstraram não ser eventos isolados e
restritos somente aos espaços dessa instituição. Isso significa que universidades ao redor
do globo apresentam uma atmosfera hostil para mulheres, pessoas LGBTQIA+, pretos e
pretas, na medida em que estas pessoas estão majoritariamente na posição dos vitimados
e desemparados nas situações de violência. De acordo com matéria publicada no site
Science, muitas universidades da região carecem de políticas formais para relatar, investigar
ou punir abuso ou má conduta sexual, ou não aplicam rigorosamente as políticas que
possuem” (WESSEL, Lindzi; ORTEGA, Rodrigo Pérez, 2020, p. 843, tradução nossa)
2
.
O cenário conflituoso nas universidades, as quais reproduzem desenfreadamente
e institucionalmente o machismo, racismo e LGBTQIA+fobia, acaba sendo desfavorável
para uma efetiva democratização justa e segura dos seus espaços. Segundo pesquisa de
2019 realizada em 100 universidades da América Latina por jornalistas da plataforma
Distintas Latitudes, 60% dessas instituições de ensino superior carecem de políticas para
lidar com denúncias de assédio sexual
3
(WESSEL, Lindzi; ORTEGA, Rodrigo Pérez,
2
Many universities in the region lack formal policies for reporting, investigating, or punishing abuse or sexual
misconduct, or don’t rigorously enforce the policies they do have (...).
3
Segundo a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que acrescentou um artigo (o Art. 216-A) ao Código Penal
Brasileiro, o crime de assédio sexual é definido como o de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem
ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
leis_2001/l10224.htm#:~:text=LEI%20No%2010.224%2C%20DE%2015%20DE%20MAIO%20DE%20
2001.&text=Altera%20o%20Decreto%2DLei%20n,sexual%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3-
%AAncias. Acesso em: 16 abr. 2023
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20
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2020, p. 843). Nesse sentido, movimentos estudantis e feministas têm ganhado força
na tentativa de combater e lutar contra práticas de violência presentes nesses ambientes,
como quando recorrem ao uso de táticas de apropriação das redes sociais para socialização
nessas situações. No xico, por exemplo, campanhas acadêmicas têm adotado a Hashtag
popular #MeTooAcademicos e, por toda América Latina, estudantes têm se apropriado das
redes sociais por meio da Hashtag #MePasóEnLaU (WESSEL, Lindzi; ORTEGA,
Rodrigo Pérez, 2020, p. 845).
Para compreender o alcance planetário dessa conexão de denunciantes através
das Hashtags, é preciso contextualizar o surgimento do movimento #MeToo, apropriado
e utilizado de diversas formas. A Hashtag apareceu pela primeira vez nas plataformas de
mídia social do Twitter e Facebook em 2017, como resposta às alegações de agressão sexual
contra o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, por parte das atrizes Ashley Judd
e Rose Mcgowan (CHANDRASHEKAR; LACROIX; SIDDIQUI, 2018, p. 1). Com
o passar do tempo, #MeToo passou a ser uma Hashtag muito utilizada e se tornou uma
ferramenta nas redes sociais para o compartilhamento das experiências de sobreviventes
da violência sexual e de gênero nos locais de trabalho, nas indústrias midiáticas, no
entretenimento, na política e, inclusive, na academia.
Em conformidade com as manifestações observadas nas mídias sociais,
Christine Fair, acadêmica sênior da Universidade de Georgetown em Washington (EUA),
publicou um artigo intitulado #HimToo: Um cálculo (Buzzfeed, 2017), o qual teve como
objetivo evidenciar, nomeando, todos aqueles que a abusaram ou perseguiram dentro
dessa instituição de ensino superior norte-americana. Segundo Chandrashekar, Lacroix
e Siddiqui (2018, p. 2), a Hashtag #HimToo se tornou, assim como #MeToo, um meio
de nomear e denunciar assédios, agressões ou qualquer violência sofrida nos espaços e
relacionamentos estabelecidos nas universidades.
As discussões sobre violência sexual e de gênero nos espaços de ensino superior
foram tomando dimensões maiores e alcançando mais países do globo. No Reino Unido, a
formação do lobby de pesquisa 1752 na Goldsmiths, Universidade de Londres, significou
uma peça-chave para o combate e a erradicação da conduta sexual de funcionários na
universidade. Nas redes sociais, depois de uma investigação realizada pelo jornal britânico
The Guardian, o assunto assédio sexual nas universidades britânicas” tornou-se um dos
trending topics do Twitter no país.
As movimentações estudantis e de mulheres, tanto pelas redes sociais quanto
pelos coletivos e ativismos presenciais, geram pressão e revelam violências recorrentes,
mas que antes encontravam-se invisíveis ou eram invisibilizadas. Os dados, pesquisas e
estatísticas proporcionam um olhar para uma parcela da realidade vivida por mulheres
Além dessa tipificação penal do crime de assédio sexual, pesquisadores têm realizado um trabalho de ampliar e
complexificar seu significado, devido à peculiaridade da sua manifestação nas relações construídas nos ambientes
universitários. Nesse sentido, o Projeto Educando para a Diversidade, convênio entre a UNESP e o Santander
Universidades, lançou um Guia de Prevenção ao Assédio sexista/sexual/identidade/expressão de gênero/orientação se-
xual, o qual cumpre com essa tentativa de alargar nosso entendimento com relação ao assédio sexual e protocolar
formas de prevenção, identificação e atuação perante situações de assédio, seja sexual, por gênero, por orientação
sexual ou por identidade e expressão de gênero. Disponível em: https://www2.unesp.br/portal#!/noticia/35482/
unesp-elabora-guia-para-prevencao-ao-assedio-na-universidade. Acesso em: 16 abr. 2023.
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nos campi universitários e são parâmetros importantes para este artigo, levados em
consideração nesta análise. Ademais, uma pesquisa feita pela Comissão da União Europeia,
em 2012, intitulada Gender-Based Violence, Stalking And Fear Of Crime, revela que mais
de metade das estudantes entrevistadas passaram por, ao menos, um caso de assédio sexual
durante o período em que estiveram na universidade: 68,8% no Reino Unido, 68% na
Alemanha e 54,2% na Espanha (LIMA; CEIA, 2022, p. 10).
Um estudo na Universidade Nacional de Colômbia, denominado Rompiendo el
silencio, realizado em 2016, traz à tona dados coletados de 1.602 estudantes de graduação
e pós-graduação. Esse estudo revelou que 54% das mulheres entrevistadas foram vítimas
de algum tipo de violência sexual, seja assédio ou estupro (LIMA; CEIA, 2022, p. 12).
O caráter internacional dessa condição de vivência nos espaços universitários,
explicita como a violência de gênero tende a seguir padrões em locais que reproduzem uma
estrutura de poder relacional e desigual. Essas formas de organização e socialização,
nas
instituições de ensino superior, produzem algumas práticas e comportamentos que
violam, estigmatizam, inferiorizam e marginalizam determinados corpos e existências. Os
argumentos, movimentos e dados abordados nesta primeira parte do artigo justificam a
relevância do tema, não somente no Brasil, pois as iniciativas feministas e estudantis de
combate às violências ocorrem no mundo todo.
HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA NA UNESP E RESULTADOS DA PESQUISA
PIBIC 2019-2020
Após contextualizar a extensão das práticas de violência nas instituições de
ensino superior ao redor do globo e as condições de existência, especificamente, de
mulheres nesses espaços, é necessário descrever e visibilizar os acontecimentos no Brasil.
Os movimentos feministas estudantis e os dados analisados neste artigo adquirem o seu
significado no contexto de um dos campi de uma das maiores universidades blicas do
país, a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), localizada
e distribuída em unidades pelo interior do Estado de São Paulo. Para compreender
a dimensão da ocorrência de violências tipificadas como assédio sexual, coerção,
desqualificação intelectual, agressão moral
4
e etc., em todos os campi, é preciso traçar um
histórico dos acontecimentos que marcaram essas práticas na UNESP.
4
Segundo a pesquisa “Violência contra a mulher no ambiente universitário”, realizada pelo Instituto Avon
com o Data Popular, foi possível definir seis grupos das violências que ocorrem de forma mais evidente nas
universidades. De acordo com especialistas, coletivos feministas e estudantes, esses grupos são: Asdio sexual
- Comentários com apelos sexuais indesejados / Cantada ofensiva / Abordagem agressiva; Coerção Ingestão
forçada de bebida alcoólica e / ou drogas / Ser drogada sem conhecimento / Ser forçada a participar em ativi-
dades degradantes (como leilões e desfiles); Violência sexual - Estupro / Tentativa de abuso enquanto sob efeito
de álcool / Ser tocada sem consentimento / Ser forçada a beijar veterano; Violência Física Sofrer agressão física;
Desqualificação Intelectual Desqualificação ou piadas ofensivas, ambos por ser mulher; Agressão Moral/
Psicológica - Humilhação por professores e alunos / Ofensa / Xingada por rejeitar investida / sicas ofensivas
cantadas por torcidas acadêmicas / Imagens repassadas sem autorização / Rankings (beleza, sexuais e outros) sem
autorização. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/biblioteca-digital/publicacao.php?autoria=Insti-
tuto%20Avon. Acesso em 16 abr. 2023.
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As manifestações de violência nas universidades brasileiras não estão isoladas
e distantes de instituições de outros países, como demonstrado neste trabalho. Esse
mesmo movimento ocorre nos diferentes campi da UNESP, que apesar de separados,
apresentam similaridades nos mecanismos de invisibilização, ocorrência dessas práticas
e nas resistências a elas. Em 2010, o “Rodeio das Gordas” ou “A Gorda do Rodeio
marcou a vida das instituições de ensino superior paulistas e comprovou a existência de
um histórico de violência em todos os campi da Universidade. Esse episódio ocorreu no
InterUnesp, um evento anual de comemoração, competição e integração de estudantes
universitários. Na cidade de Araraquara, foi então organizado esse Rodeio nos intervalos
das partidas dos jogos e das festas, nos quais estudantes homens, de mais de um campus
da UNESP, submeteram meninas julgadas gordas a situações de humilhação e violência
5
.
Pode-se afirmar que, em razão do que ocorreu em 2010 no InterUnesp, houve
uma transformação definitiva para e no corpo universitário paulista, nos anos que se
seguiram. O período compreendido entre 2013 e 2019 foi marcado pelo crescimento
no número de acusações e denúncias de violência registradas na Ouvidoria da Unesp
e, concomitantemente ao recrudescimento das agressões, houve intensa atuação dos
movimentos estudantis de resistência a essas práticas na universidade (POSSAS, 2018,
p. 7). Esses fenômenos também se deram devido à instauração, em 2014 e 2015, da
Comissão Parlamentar de Inquérito
6
, a qual teve como finalidade investigar as violações
dos Direitos Humanos e demais ocorridos no âmbito das Universidades do Estado de São
Paulo, nos chamados “trotes”, festas e seus respectivos cotidianos acadêmicos.
Tendo em vista o alargamento significativo no número de denúncias
encaminhadas ao órgão da Ouvidoria Geral da UNESP, no período analisado, poderia
supor-se que consequência disso é o aumento dos casos de violência. No entanto, de
acordo com os resultados obtidos pela pesquisa quantitativa realizada em 2020, existe uma
subnotificação dos casos de violência de gênero registrados na Ouvidoria, especificamente,
na do campus da cidade de Marília. A referida pesquisa de iniciação científica, intitulada
“O espaço acadêmico. A Ouvidoria/Ouvidorias o ‘ouvir especializado’”, financiada
pela
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), produziu um
levantamento de dados, via plataforma GoogleForms devido ao distanciamento social
causado pela pandemia da covid-19 optou-se por realizar esse levantamento através desse
recurso do Google , com 121 estudantes da UNESP/Marília, do total de mais de 2 mil
discentes dessa unidade.
O formulário da pesquisa, aplicado em julho de 2020, foi divulgado no grupo
do Facebook dos estudantes da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília (UNESP,
5
Para mais informações, acessar reportagem do G1 intitulada Alunos suspeitos de criar ‘rodeio das gordas’ são
ouvidos na Unesp. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2010/11/alunos-suspeitos-de-criar-
-rodeio-das-gordas-sao-ouvidos-na-unesp.html. Acesso em 04 jun. 2023
6
A Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Ato N°56, de 2014, do Presidente da Assembleia Legislativa
de São Paulo, teve o objetivo de investigar estes ocorridos, o prazo de funcionamento foi de 120 dias e a data
de encerramento foi em março de 2015. Importante destacar que no ano de 2020 uma nova CPI foi instaurada
com a finalidade de “apurar denúncias de violência sexual praticada contra estudantes de instituições de ensino
superior no Estado de São Paulo, no último ano”, encerrada em dezembro do mesmo ano. Relatório final dis-
ponível em: https://www.al.sp.gov.br/alesp/cpi/?idComissao=1000000599
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FFC-Marília), respondido de forma anônima e teve um tipo de amostragem aleatória
e não-estruturada. Dessa forma, a pesquisa pretendeu revelar a percepção das pessoas
envolvidas no corpo universitário, com relação à atuação da Ouvidoria Local e à ocorrência
de violência nesse campus.
Observou-se com relação ao perfil das pessoas que responderam ao
questionário, que a maioria era discente do curso de Ciências Sociais (39,7%), seguido dos
de Fonoaudiologia (20,7%), Pedagogia (9,9%), Relações Internacionais (8,3%), Terapia
Ocupacional (6,6%), Biblioteconomia (5%), Filosofia (4,1%), Fisioterapia (3,3%) e
Arquivologia (2,5%). A idade dos respondentes da pesquisa corresponde à maioria com
ou entre 21-25 anos (54,5%), seguida das faixas de 17-20 anos (28,1%), 26-30 anos
(12,4%), 31-35 anos (2,5%), 41 anos ou mais (1,7%) e 36-40 anos (0,8%). As respostas
de
98 estudantes do gênero feminino, 22 do masculino e 1 não-binário, demonstram que
a maioria (66,1%) tem conhecimento sobre a existência do canal da Ouvidoria na
UNESP de Marília. Contudo, somente 5% afirma ter utilizado algum serviço desse órgão
institucional.
Dos 121 estudantes que responderam à pesquisa, 63,6% presenciou ou soube
de comportamentos ou atitudes machistas no campus de Marília, 58,7% de assédio moral/
psicológico, 56,2% da ocorrência de alguma situação de ptica de abuso de poder, 38%
da prática de assédio sexual, 29,8% de comportamentos ou atitudes LGBTQIA+fóbicas,
28,1% de comportamentos ou atitudes racistas e 23,1% nunca presenciou ou soube desses
abusos. A subnotificação dos casos de violência de gênero na UNESP está expressa ao
analisarmos que entre 2019 e 2020, a Ouvidoria Geral acatou 449 denúncias, na medida
em que somente no campus de Marília, 121 estudantes presenciaram ou souberam de
algum caso de violência apresentadas 332 vezes.
A pesquisa quantitativa possibilita analisarmos, categoricamente, a presença de
práticas de violência na UNESP de Marília. Ressalta-se que a percepção do corpo estudantil
com relação ao que ocorre nos próprios ambientes de estudo, convivência e lazer é alarmante,
dado que a maioria soube ou presenciou algum tipo de comportamento inadequado
dentro das relações estabelecidas nesse campus universitário. Em face desse estudo, observa-
se a falta de compromisso, amparo e responsabilidade das instituições de ensino superior e
seus respectivos instrumentos legais, no apuramento e na investigação dos casos de violência
em seus ambientes. Isso acontece quando a violência, que é dirigida mais para alguns corpos
do que para outros, torna-se tangível, mas o silêncio institucional prevalece.
Observando o cenário apontado neste artigo, a pesquisa revela que, apesar de
algumas iniciativas por parte da Ouvidoria Geral e da UNESP, como a instauração da
Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade
7
, as universidades, segundo
Ahmed (2018, p. 132), necessitam adotar, além desses compromissos simbólicos, normas
institucionais que, de fato, transformarão as condições de vivência em seus espaços.
As demandas e percepções estudantis são claras, ao converterem-se em
ativismos digitais, coletivos e movimentos feministas, assumindo a vanguarda na
7
Para saber mais, conferir no site: https://www.culturaegenero.com.br/avancos-na-unesp-em-2022-direitos-e-
-equidade-garantidos/
BARRETO, B. J.
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exposição e na luta contra práticas de violência na universidade. Os coletivos estudantis
representam a parcela de estudantes que sofre violência e, na mesma medida, deseja fazer
algo à respeito disso, pois passam a manifestar suas insatisfações diante da opressão pela
estrutura rígida burocrática-hierárquica da instituição. É nesse sentido que estudantes
veteranos e ingressantes passam a se reunir e a adquirir uma identidade coletiva frente à
falta de apoio e suporte nas agendas de prioridade das universidades, construindo uma
rede de apoio sólida e eficaz.
TICAS INSTITUCIONAIS DE ESCUTA FEMINISTA NA UNESP DE
MARÍLIA
No contexto universitário apresentado, nessa efervescência da ocorrência,
permanência e invisibilidade das práticas de violência no campus da UNESP de Marília,
alguns movimentos surgem como coletividades políticas ou táticas institucionais de escuta
feminista. De acordo com Sara Ahmed (2018, p. 73), as relações engendradas no contexto
das instituições de ensino superior, determinam, modelam e orientam corpos em um
sistema de tráfico. Nesse sentido, as universidades são transformadas em um sistema de
apoio, proteção e privilégios para os que ocupam lugares de prestígio e poder, que em sua
maioria são homens.
Na medida em que essa gica de direcionalidade, são criadas algumas
barreiras institucionais, os denominados muros, que tornam tanto o que é dito quanto o
que é feito, invisível e inaudível nas universidades (AHMED, 2021, p. 6). Segundo Ahmed
(2018, p. 161), os muros criam obstáculos e resistências administrativas, burocráticas e
institucionais que, com efeito, promovem segurança, lugar e posição às figuras masculinas
dominantes nos cargos de direção e docência nas universidades.
O lado oposto do sistema de apoio, denominado sistema de opressão, é aquele
enfrentado pelos que sofrem as consequências violentas das práticas discriminatórias e
abusivas nos ambientes universitários. Nesse contexto, a luta pela existência digna nas
universidades é travada de diversas formas e tem ecoado nesses espaços ao redor do globo.
Com isso, uma das táticas de luta assumidas é o ativismo dos movimentos feministas
emergentes de pautas e interesses em comum, os quais m ocupado as redes sociais e os
espaços físicos das instituições.
Em 2018, a UNESP de Marília presenciou o surgimento do núcleo MAJU,
um grupo independente e composto por estudantes mulheres de vários cursos,
assumindo um caráter interdisciplinar. O núcleo surgiu, inicialmente, com o intuito de
dar visibilidade ao caso do assassinato da estudante da UNESP de Ilha Solteira, Maria
Júlia Martins Quintino da Silva
8
e combater a violência perpetrada nos relacionamentos
estabelecidos nos ambientes universitários. Nesse sentido, o núcleo criou algumas
estratégias de promoção dos debates sobre as questões de gênero, com uma abordagem
ampla e feminista dentro da universidade. Na medida em que as atividades do núcleo
avançam, as integrantes passam a ser vistas como reclamantes (AHMED, 2021, p. 3) pelo
8
Para mais informações, acesse: https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/universitaria-
-morreu-com-cerca-de-15-facadas-em-ilha-solteira-diz-policia.ghtml.
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fato de localizarem as problemáticas de nero nesse espaço, como o que aconteceu em
uma palestra nas atividades da Ingressada de 2019, intitulada “Problemáticas de nero
na Universidade”.
Tendo em vista o surgimento dessas percepções do grupo, o núcleo decidiu
coletar depoimentos, via plataforma GoogleForms, de experiências estudantis envolvidas
em situações de assédio por parte de professores e alunos da UNESP de Marília. Segue
alguns dos depoimentos:
1- Ocorreu em uma festa da Unesp, em que alguns estudantes alcoolizados
tentaram beijar uma amiga à força. 2- Assédio vindo da universidade UNESP
por parte de um professor que ficou fazendo o envio de mensagens no
Whatsapp me assediando. 3-Professor sugeriu que se eu quisesse o certificado
de um evento deveria ir na casa dele buscar e que poderíamos tomar um vinho
juntos. Nunca denunciei e não busquei o certificado. Foi em 2015.
9
A partir dos relatos, verifica-se a dimensão da ocorrência da violência nos
ambientes universitários e a forma como o assédio é manifestado nas relações entre a
comunidade acadêmica, tanto nos momentos das festas quanto nas salas de aula entre
professores e estudantes com as alunas. Ao criar legitimidade de fala para as estudantes,
diferentemente daquilo que o órgão da Ouvidoria da UNESP foi capaz de realizar, o
núcleo MAJU foi responsável por orquestrar uma tática institucional de escuta feminista,
pois, de acordo com Sara Ahmed “a escuta feminista pode ser tanto um método de
pesquisa quanto uma tática institucional” (AHMED, 2021, p. 8-9, tradução nossa)
10
.
Nesse sentido, o caráter institucional da escuta feminista do núcleo revela sua capacidade
de ouvir aqueles silenciados e invisibilizados institucionalmente como uma tática de
inversão, ou mesmo subversão, daquilo que ocorre dentro da universidade:
Ouvir com a escuta feminista é ouvir quem não é escutado, no contexto de
que não somos ouvidas. Se somos ensinados a ignorar a escuta de algumas
pessoas, então a escuta feminista é uma conquista. s somos silenciadas por
aqueles que são ouvidos, mas nós podemos ser as “ouvidas”, o que significa
que a escuta pode ser uma conquista. (AHMED, 2021, p. 4, tradução nossa)
11
A sintonização do núcleo MAJU na tentativa de criar um espaço para um
avanço nos debates sobre gênero na universidade, revelou a capacidade desse coletivo
feminista de mulheres na conquista da confiança e lealdade na realização de uma queixa
ou denúncia. Essa ação feminista, como ondas na água, reverberou pelo campus de Marília
9
Depoimentos coletados via formulário enviado às estudantes de todos os cursos da UNESP Marília em 2018
e 2019, publicados na gina do Facebook do Núcleo. Disponível em: https://www.facebook.com/majunucleo/
posts/pfbid02g78Q8TdHGDPvZHtq69UxTBkq4RzfqgLyVpcN4bisnkW1tx6rASmWd4bYE2kX5G2Ul.
Acesso em 04 jun. 2023
10
A feminist ear can thus be a research method as well as an institutional tactic.
11
To hear a feminist ear is to hear who is not heard, how we are not heard. If we are taught to tune out some
people, then a feminist ear is an achievement. We become attuned to those who are tuned out, and we can be
those, which means becoming attuned to ourselves can also be an achievement.
BARRETO, B. J.
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e amplificou o debate. Dessa forma, a visibilidade das problemáticas na Universidade
impulsionou o surgimento do movimento “Meu professor abusador”, no final de 2019.
Inspiradas pelo que havia ocorrido na USP (Universidade de São Paulo), mulheres do
corpo acadêmico da UNESP de Marília passaram a organizar encontros para debaterem
sobre a violência no campus.
As reuniões do grupo denominado Meu professor abusador” colocaram as
integrantes em estado de alerta e culminaram na escrita de uma carta de repúdio contra
atitudes machistas, assédios morais e sexuais e violências por parte dos docentes
12
. A carta
foi lida em uma das reuniões de um departamento do campus e causou grande impacto na
comunidade acadêmica da época. No entanto, apesar do posicionamento de repúdio do
departamento à Congregação da Faculdade, com relação a essas práticas de violência no
relacionamento entre docentes e discentes, o movimento perdeu força devido à pandemia
do Covid-19 e ao temor por represália e perseguição dentro da Universidade.
Segundo Sara Ahmed (2021, p. 8), uma queixa, usualmente, é compreendida
como a quebra de um vínculo de laços e conexões presentes em uma universidade ou em
um departamento. Nesse sentido, ao se tornarem estragas-prazeres feministas, o movimento
instaurou uma rebelião e obstaculizou a permissividade que existe com relação às práticas
de violência perpetradas por professores na instituição. O “Movimento meu professor
abusador” foi expressão de como a atitude de ouvir, articulada pelos interesses da causa
feminista, podem criar um espaço de partilha de queixas, reclamações e insatisfações.
De acordo com Ahmed (2021, p. 17), realizar uma denúncia é se tornar um
armazém de afeto negativo, um que esteja “vazando e vazando enquanto denuncia”, em
suas palavras. Logo, o acolhimento e a segurança proporcionados pelo grupo, fizeram com
que as denúncias não transbordassem ou expusessem as vítimas em situações exaustivas,
como obstinadamente acontece quando utilizados instrumentos legais e institucionais
por parte das universidades.
Portanto, a tica do “ouvir feministainstaurada pelo movimento demonstra
como o ato de denunciar, normalmente, resulta em uma experiência sobre o funcionamento
12
Conteúdo da carta ““Nós, mulheres graduandas da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, estudantes
de política e tantas outras ciências, entendemos que é passada a hora de uma grande mobilização frente aos
assédios morais, sexuais e verbais que sofremos na relação professor-aluna. Estando os professores em uma
posição de poder, nos encontramos submetidas a situações degradantes que muitas vezes nos impedem de fre-
quentar aulas ou qualquer outro espaço da faculdade. Desta forma, viemos ao **** anunciar o lançamento do
movimento “Meu Professor Abusador” na tentativa de denunciar e evidenciar a recorrência destes assédios. A
campanha será pensada e repassada aos outros departamentos para que tenhamos uma mobilização expressiva
visando abarcar o somente as relações professor-aluna mas também entre funcionários e os próprios alunos
frente ao crescente número de assédios, racismo e homofobia. Agradecemos o apoio ***** *********: “Desejo
expressar minha indignação pelos fatos apontados pelas estudantes. Sinto muita vergonha. Além do crescimento
do feminicídio no Brasil, dos abusos de meninas, vamos ver essa situação aqui também? Minha indignação é
maior ainda principalmente ao levarmos em consideração a condição de ascendência do professor na relação
professor/aluna. Sugiro veementemente que o assunto seja levado à Congregação por meio de uma carta desse
Conselho Departamental, à qual me disponho a escrever, propondo uma reação coletiva no Campus com o
objetivo de não negligenciarmos diante desse abuso”. Essa carta lida no departamento está documentada na
ata da reunião ordinária do Conselho Departamental do dia 08 de outubro de 2019. O documento pode ser
solicitado, por qualquer indivíduo, no Portal de Transparência do Sistema de Informações ao Cidadão Unesp.
Disponível em: https://www2.unesp.br/portal#!/transparencia/. Acesso em: 16 fev. 2023.
Escuta feminista e a revelação de violências invisíveis
Artigos/Articles
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das estruturas desiguais, opressivas e violentas nas instituições de ensino superior, quando
desafiadas e expostas. As iniciativas estudantis na UNESP de Marília e no mundo todo,
evidenciadas neste artigo, se tornaram protagonistas no combate às recorrentes formas
de violência no campus universitário, devido à falta de canais e normas institucionais
consolidadas de suporte legítimo e de confiança para as vítimas. Dessa forma, os coletivos
estudantis feministas conseguem instaurar de forma efetiva a escuta feminista, como tática
institucional, ao mesmo tempo em que evidenciam e confrontam todas as problemáticas
no ambiente universitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo pretendeu analisar e evidenciar o contexto de surgimento dos
movimentos estudantis na UNESP-Marília, como táticas institucionais de escuta feminista,
que ensejaram a revelação da ocorrência de formas de violências invisíveis e inaudíveis nos
espaços da instituição. O cenário atual de conflitos, presente nas universidades ocidentais,
vem sendo marcado pelo crescimento de acusações e denúncias da violência ocorrida em
seus ambientes, de movimentos de resistência contra essas práticas e pela atenção efetiva
da mídia sobre os casos. Essas tendências têm sido manifestadas por todo o planeta,
evidenciando problemáticas comuns enfrentadas nas instituições de ensino superior da
América Latina, Europa, Estados Unidos e etc., como foi demonstrado neste artigo.
Tendo em vista que universidades ao redor do globo apresentam uma atmosfera
hostil para mulheres, pessoas LGBTQIA+, pretos e pretas, constata-se que essas pessoas
constituem a maioria das timas e dos desamparados nesses espaços. No movimento da
tentativa de construir um local favorável para realização de uma efetiva democratização
justa e segura das instituições, os coletivos estudantis atuam enquanto protagonistas.
Para objetivar e visibilizar os movimentos estudantis de resistência nas universidades
brasileiras, esta pesquisa definiu como objeto de estudo a atuação dos coletivos feministas
na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP), especificamente do campus na cidade de Marília.
A análise do contexto de avanço das mobilizações estudantis contra a violência
instaurada nos relacionamentos nas universidades, foi realizada no período anterior à
pandemia de Covid-19. Observou-se, depois da propagação do vírus, a adoção de medidas
de distanciamento social, as quais causaram modificações na dinâmica de interação entre
as pessoas, de modo geral. Poder-se-ia hipotetizar que esse afastamento físico diminuiria
ou erradicasse com os casos de violência nas instituições de ensino superior. No entanto,
ao examinar os dados da Ouvidoria Geral da UNESP, constatou-se que em 2020 houve um
aumento de aproximadamente 72% do número de denúncias encaminhadas ao órgão, em
relação a 2019. Logo, é possível afirmar que os mecanismos e as práticas violentas
de
manutenção das hierarquias existentes nas universidades, mesmo na realização de
atividades remotas, ainda caracterizaram as relações constituídas nesses espaços.
O alargamento das denúncias encaminhadas aos órgãos responsáveis das
instituições de ensino superior não significa, necessariamente, uma maior atuação e
mobilização da universidade na resolução dos respectivos casos. Usualmente, as vítimas
BARRETO, B. J.
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que denunciam a violência sofrida, enfrentam os denominados muros institucionais,
os quais dificultam ou, ainda, impedem a averiguação e investigação desses episódios. Esse
fenômeno ocorre quando a violência, dirigida mais para alguns corpos do que para outros
nas universidades, torna-se tangível, mas o silêncio institucional prevalece. Logo, o caráter
institucional das ticas de escuta feminista dos movimentos estudantis revela sua
capacidade de ouvir aqueles silenciados e invisibilizados institucionalmente e de inverter,
ou mesmo subverter, o que usualmente ocorre dentro das instituições de ensino superior.
Na medida em que as problemáticas vivenciadas nas salas de aula, festas,
“trotes”, repúblicas e etc., são trazidas à tona pelos coletivos e movimentos estudantis, eles
são capazes de quebrar as barreiras institucionais, pois tudo aquilo que era dito ou feito,
passa a se tornar visível e audível nos espaços universitários. Portanto, reforça-se que, ao
realizarem a tática institucional da escuta feminista de relatos e queixas, os movimentos
evidenciam o modo de funcionamento da Universidade e das suas estruturas, as quais
posicionam determinados
corpos
em
lugares
desconfortáveis,
opressivos
e
violentos
e,
consequentemente, observam o alargamento da luta e do combate contra essas
circunstâncias pelas coletividades resistentes.
REFERÊNCIAS
AHMED, Sara. Complaint!. Durham: Duke University Press, 2021.
AHMED, Sara.
Vivir una vida feminista
. Barcelona: Edicions Bellaterra, 2018.
CHANDRASHEKAR, Karuna; LACROIX, Kimberly; SIDDIQUI, Sabah. Sex and power in the
University. Annual Review of Critical Psychology, vol. 15, 2018.
LIMA, Melina Moreira Campos; CEIA, Eleonora Mesquista. VIOLÊNCIA DE GÊNERO
NAS UNIVERSIDADES: um panorama internacional do problema. In: ALMEIDA, Tânia
Mara Campos; ZANELLO, Valeska. (Orgs.).
Panorama da violência contra mulheres nas
universidades brasileiras e latino-americanas.
Brasília: OAB Editora, 2022, p. 3 28.
POSSAS, Lídia Maria Vianna. Universidade e relações de gênero: novas estratégias de resistências à
cultura do estupro. Latin American Studies Association, Barcelona, 2018.
WESSEL, Lindzi; ORTEGA, Rodrigo Pérez. #Metoo Moves South.
Science
, vol. 367, 2020.
Submetido em: 08/03/2023
Aprovado em: 10/06/2022