ANDRADE, R. A.; KELL, R. A.
Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília, v.8, n.1, p. 73-96, Jan./Jun., 2022
A função da teoria é conhecer a si mesmo (autoconhecimento) enquanto
sujeito e objeto do conhecimento
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, ou seja, a teoria é a forma que me identifico
enquanto ser genérico e pertencente a uma classe, portanto, a teoria é o momento
em que tomo conhecimento da minha existência real, enquanto parte de um
momento histórico concreto e determinado, isto é, enquanto classe produzida
pelo antagonismo social, que ao mesmo tempo é produto desse antagonismo e
sua negação. Porém, o simples fato de tornar consciente de si mesmo não muda a
condição objetiva, a teoria é necessária e só se torna materialmente efetiva quando
se apodera das massas. Lukács deixa isso muito claro quando afirma: o que faz
a dialética materialista ser revolucionária é a unidade entre teoria e prática
6
, ou
seja, a teoria é condição necessária para o passo seguinte, sem o qual há uma
reprodução da sua forma de existência reificada (LUKÁCS, 2003). Marx em seu
texto Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução afirma:
A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material
tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força
material quando se apodera das massas. A teoria é capaz de se apoderar das
massas tão logo demonstrar ad hominem, e demonstra ad hominem tão logo se
torna radical. Ser radical é agarrar a coisa pela raiz. Mas a raiz, para o homem,
é o próprio homem (MARX, 2013, p.157).
Lukács
complementa:
Essa mudança contínua das formas de objetividade de todos os fenômenos
sociais em sua ação recíproca, dialética e contínua, e o surgimento da
inteligibilidade de um objeto a partir de sua função na totalidade determinada
na qual ele funciona fazem com que a concepção dialética da totalidade seja a
única a compreender a realidade como devir social. É somente nessa perspectiva
que as formas fetichistas de objetividade, engendradas necessariamente pela
produção capitalista, nos permitem vê-las como meras ilusões, que não são
menos ilusórias por serem vistas como necessárias. As relações reflexivas dessas
formas
fetichistas,
suas
“leis”,
surgidas
inevitavelmente
da
sociedade
capitalista,
5 “A ideia de Lukács sobre a unidade – identidade de sujeito e objeto deu origem a não poucos equívocos. Longe
de defendê-la acriticamente, devemos, porém, chamar a atenção para o fato de que muitos críticos não miram
no verdadeiro alvo, terminando por criticar algo diverso do que Lukács realmente pensava. Em primeiro lugar,
a identidade de sujeito e objeto não constitui uma unidade (identidade) metafísica, mas dialética: ela contém
diversidades na identidade. Em segundo lugar, a identidade de sujeito e objeto é um resultado, e não o início da
evolução histórica: essa identidade surge graças à superação da reificação capitalista das relações sociais. Em ter-
ceiro lugar, Lukács não está interessado numa dialética abstrata e supra-histórica de sujeito e objeto no conjunto
da sociedade humana, mas sim na concreta dialética de sujeito e objeto na sociedade capitalista, na dialética da
consciência da classe burguesa e proletária. Finalmente, a identidade de sujeito e objeto não é um fato imediato,
mas sim mediatizado pela ação, pela práxis crítica e revolucionária” (SOCHOR, 1989, p.30-1)
6 “A práxis não é nem mero oposto da teoria, nem um simples critério da verdade. Tampouco é apenas contrário
da oposição contemplativa, embora esse momento seja sublinhado com particular força. Todos esses momentos
estão certamente contidos no conceito de práxis elaborado por Lukács; mas, ao mesmo tempo, práxis significa
muito mais: é a esfera própria do ser humano, algo que – do ponto de vista da realidade histórico-social – tem
um caráter ontocriativo e é produção e reprodução da vida social humana, a qual, por sua vez, é o elemento
fundamental da transformação do ser” (Idem, p.31)