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DOI: https://doi.org/10.36311/2447-780X.2023.v9.e023003
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A LEI DE COTAS E SEUS IMPACTOS NO PERFIL DISCENTE DO
INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA
THE QUOTA LAW AND ITS IMPACTS ON THE STUDENT PROFILE FROM
FEDERAL INSTITUTE OF SANTA CATARINA
Thiago Teixeira
1
Cibele Mariot
2
RESUMO: Considerando a publicação da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, objetiva-se analisar
a Lei de Cotas e quais seus impactos no perfil discente do Instituto Federal de Santa Catarina, com foco
do estudo no curso Integrado ao Ensino dio. Para tanto, procedeu-se a uma pesquisa classificada
como descritiva, cujas técnicas utilizadas foram a análise bibliográfica e a comparação estatística de
dados secundários dos candidatos, obtidos dos processos seletivos de 2012 e de 2019. Desse modo,
observou-se que houve alteração no perfil dos discentes pesquisados, com destaque ao grupo formado
por pessoas de renda per capita familiar inferior a 1,5 salário-mínimo, o que permite concluir que a
aplicação da Lei de Cotas no Instituto Federal de Santa Catarina trouxe uma alteração significativa no
perfil do aluno candidato e ingressante no Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio, tornando esses
espaços mais acessíveis a grupos historicamente desfavorecidos.
Palavras-chave: Lei de cotas. Instituto Federal de Santa Catarina. Perfil discente.
ABSTRACT: This work aims at analyzing the Quota Act and its effects on the student profile from
Federal Institute of Santa Catarina. It takes as its ground Law 12.711 and focuses on technical learning
integrated into High School. For, a qualifying-descriptive research, by means of bibliographical review
and statistical comparison of secondary data of applicants of 2012 and 2019 selective processes, was set
forth. Changes in the profile of the students under consideration, with emphasis on the group within per
capita income corresponding to 1,5 minimum wage, were pointed out. The conclusion reached is that,
in assuring accessibility to historically disadvantaged groups, the Quota Act brought a substantial change
in the profile of applicant-entrant students of technical learning integrated into High School.
Keywords: Quotas act. Federal Institute of Santa Catarina. Student profile.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo visa analisar descritivamente como a aplicação da Lei 12.711, de 29 de
agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso de estudantes nas universidades federais (UF) e
1
Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico. Instituto Federal em Santa Catarina. Avenida Marcos Costa,
869, Bairro da Figueira, Urussanga-SC. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2957-5302, E-mail:
thiago.teixeira@ifsc.edu.br.
2
Mestra em Tecnologias da Informação e Comunicação. Instituto Federal de Santa Catarina . Avenida Marcos
Costa, 869, Bairro da Figueira, Urussanga-SC. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3341-9823. E-mail:
cibelemariot@gmail.com
| 2
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nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, alterou o perfil dos candidatos que
participaram do processo seletivo para ingresso na instituição, bem como dos estudantes que se
matricularam no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), com foco do estudo no curso
integrado ao ensino médio.
A Lei de Cotas reserva percentuais de vagas para: (a) alunos oriundos de escola pública,
(b) pessoas com renda familiar inferior a 1,5 salário-mínimo per capita, (c) pessoas
autodeclaradas pretos, pardos ou indígenas, e, (d) e pessoas com deficiência. Antes da referida
Lei, algumas universidades públicas (UPs)
3
possuíam seus próprios sistemas de cotas, porém,
foi com a promulgação da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que as reservas de cotas se
tornaram obrigação nas instituições federais, visando tornar mais justa a oferta do ensino
federal.
É notório que quando se fala em reservas de vagas, cotas, o acesso às universidades
federais é o que frequentemente as pessoas pensam, porém, a Lei de Cotas menciona
instituições federais, e nesse título enquadram-se os Institutos Federais (IFs), que também
ofertam ensino superior, porém têm no ensino técnico seu foco. No caso das universidades,
dada sua notoriedade, estudos (SANTANA; MEIRELES; CARVALHO, 2019;
SENKEVICS; MELLO, 2019
;
VIEIRA; SENKEVICS; ARENDS-KUENNING, 2019) que
afirmam a mudança do perfil discente.
Assim, neste trabalho, o objetivo será identificar se houve alteração do perfil dos
candidatos e alunos ingressantes no IFSC. A pesquisa realizada pode ser classificada como
descritiva, e as técnicas utilizadas para o alcance do objetivo foram a análise bibliográfica e a
comparação estatística de dados secundários. Esses dados foram analisados a fim de averiguar
se houve mudança no perfil do candidato e do ingressante, e, para isso, foi realizada a
comparação do processo seletivo de 2012, último antes da Lei de Cotas, com o de 2019. O curso
técnico integrado ao ensino médio ofertado pelo IFSC é historicamente muito concorrido, por
isso a opção da escolha dessa modalidade para o estudo.
Foram analisados candidatos e alunos matriculados, e esses divididos em três grupos: 1
- se cursou todo ensino fundamental em escola pública; 2 - relativo à renda; 3 - questão racial.
Esses três grupos foram identificados a partir da Lei de Cotas, e para o grupo 1, é válido
3
As universidades públicas que tomaram a frente no processo foram: Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
a Universidade Federal de Brasília.
| 3
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acrescentar que todo ensino fundamental do candidato deve ter sido realizado em escola
pública; para o segundo, a linha de corte para considerar baixa renda é o valor citado na Lei,
que é renda per capita inferior a 1,5 salário-mínimo; o último grupo diz respeito a pessoas
autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas (PPI).
Diante disso, o texto se organiza em três seções. Na primeira, será contextualizada a Lei
de Cotas no Brasil, numa breve análise de como se concebeu tal política e quais suas
potencialidades. Em seguida, far-se-á uma apresentação da modalidade de ensino integrado ao
ensino médio, e serão apresentados os dados do último processo seletivo que ocorreu sem a Lei
de Cotas, 2012, e comparados com os do processo de ingresso de 2019. As considerações finais,
por sua vez, sintetizam as informações, os principais resultados e as constatações encontradas
na pesquisa.
2 A LEI DE COTAS NO BRASIL
O surgimento do sistema de cotas ocorreu no início da década de 2000, tendo como
pioneiras a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Federal de Brasília
(GERALDO; TANCREDI, 2012; VIEIRA; SENKEVICS; ARENDS-KUENNING, 2019). No
decorrer da década, várias UPs adotaram algum tipo de sistema de reserva de vagas ou cotas,
porém, foi com a publicação da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que esse sistema se
tornou obrigatório para as instituições federais de ensino.
O Brasil é considerado historicamente um país bastante tolerante com as desigualdades,
tanto que foi a última nação ocidental a abolir a escravidão, porém, neste século, a Lei de Cotas,
o Prouni
4
e o FIES
5
, foram algumas políticas de apoio para inclusão social (NEVES;
MARTINS, 2016). As desigualdades sociais e econômicas na sociedade brasileira promovem
uma série de injustiças no que diz respeito ao acesso a serviços públicos, entre eles o direito à
educação. Nesse sentido, faz-se necessário pensar em ações que rompam com esse problema
histórico e torne o Brasil um país mais justo.
A criação de políticas inclusivas não surge naturalmente, elas são frutos de pressões e
lutas oriundas da população. Para Lima (2011, p. 156) “as políticas de ações afirmativas m
4
O Prouni é um programa do governo federal que tem como objetivo a concessão de vagas para estudantes de
baixa renda em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
5
O FIES é um programa de financiamento estudantil destinado a financiar o curso de graduação de estudantes que
não têm condições de arcar integralmente com os custos de sua formação.
| 4
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sido entendidas como meio de beneficiar grupos socialmente desfavorecidos e ou discriminados
na consecução de recursos em distintos setores sociais”. Essas políticas podem ser consideradas
um conjunto de orientações governamentais que visam dar uma maior diversidade e
reconhecimento a minorias e grupos discriminados, a fim de buscar igualdade de oportunidades
e confrontar estruturas das desigualdades considerando os grupos mais vulneráveis à
discriminação.
A sociedade, quando se encontra diante de situações que não correspondem aos seus
anseios de democracia e justiça, tende a unir-se e buscar formas de resolver tais problemas.
Determinados grupos, classes, percebem que se encontram em condições desiguais, e lutam por
um maior espaço e reconhecimento na sociedade. Nesse sentido, Gohn (2008) afirma que os
movimentos sociais deixaram de ser somente operários. Movimentos identitários e culturais
ganharam força nas últimas décadas. Esses movimentos reivindicam melhores condições de
vida, como, por exemplo, acesso à educação. Algumas políticas públicas nascem desses
questionamentos. Gohn (2008) sustenta, ainda, que a política de cotas para UPs no Brasil surge
dos avanços conquistados pelo movimento negro.
A promulgação de uma Lei, como a de Cotas, o é um fato isolado que se origina da
vontade de um sujeito, ela é fruto de debates e discussões, e da comprovação da sua importância
para vencer barreiras impostas pela história, como por exemplo, a elitização que existia no
ensino superior brasileiro. Gomes e Moraes (2012) concluem que até meados da década de
1990, o ensino superior brasileiro apresentou as características de um sistema elitizado, pois era
altamente seletivo e destinado a incorporar membros das camadas sociais privilegiadas.
Nesse contexto de lutas, para assegurar alguns direitos que são negados a boa parte da
população, é interessante ressaltar que os movimentos sociais surgem como sujeitos políticos
que buscam modificar e moldar a sociedade. Para (MIGUEL, 2016, p. 182, tradução livre)
6
os
movimentos sociais são, sobretudo, sujeitos políticos, sempre têm feito valer a sua natureza
política, se entendermos a política como a capacidade de construir um novo imaginário político-
democrático e com ele novas formas de viver e se relacionar.
No Brasil, é comum que alunos do ensino dio de escolas particulares, ou de escolas
públicas, mas com boas condições financeiras, sejam os que posteriormente acessarão as UPs.
6
No original, em espanhol: Los movimientossocialesson, sobre todo, sujetos políticos, siemprehanhecho valer
sunaturaleza política, si entendemos la política como lacapacidad para construir nuevosimaginariospolítcos
democráticos y conellonuevas formas de vivir y relacionarse(MIGUEL, 2016, p. 182).
| 5
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Há, nesse caso, uma certa inversão, pois famílias com poder aquisitivo para manter seus filhos
em escolas particulares provavelmente teriam condições de assegurar a continuidade dos
estudos em instituições privadas de ensino superior, ao passo que o contrário seria verdadeiro,
ou seja, famílias sem condições financeiras, colocam seus filhos em escolas públicas, e teriam
nas UPs uma chance de acessar o ensino superior, e consequentemente buscar melhores
condições de vida.
Pode-se considerar, a partir do histórico da realidade social brasileira, que o acesso às
UPs
7
ficou, durante anos, praticamente restrito a alunos oriundos de escolas particulares. Por
outro lado, aos estudantes do ensino médio de escolas públicas restavam as universidades
privadas e os altos custos das mensalidades, sendo que, dessa forma, o acesso ao ensino superior
ficava em muitos casos atrelados à liberação de bolsas e financiamentos.
Assim como ocorre nas UPs, para entrar nos IFs a maioria dos alunos passa por um
processo seletivo, e devido a esse fato, existe a hipótese de que alunos oriundos de escola
pública, especificamente os de baixa renda, não conseguiam acessar esse espaço,
principalmente no que diz respeito ao ensino técnico integrado ao médio.
Havia, nas instituições federais de ensino, um percentual de autodeclarados negros,
pardos e indígenas, pessoas carentes e pessoas com deficiência, menor que o retrato social, o
que demonstrava que o acesso a essas instituições estava de alguma forma destinado a uma
parcela específica da sociedade. Fatos como esses estimularam os debates sobre a necessidade
de um sistema de cotas para assegurar a essas pessoas o direito à educação.
No final da década de 1990
8
, o tema cotas para UPs começou a ser discutido no meio
político. Em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), pela Lei 10.678, de 23 de maio de 2003. A Secretaria “nasce do reconhecimento
das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro”. O Poder Executivo enviou ao Congresso
em 2004 o Projeto de Lei n° 3.627, de 20 de maio de 2004, que versava sobre reservas de vagas.
Tal projeto não caminhou (GERALDO; TANCREDI, 2012).
7
É preciso destacar que não vagas nas universidades públicas para todos os alunos oriundos de escolas
particulares, portanto, esses também migram para universidades privadas, sendo que em muitos casos, em razão
da proximidade de casa, torna-se até mais barato para as famílias manter o filho numa universidade privada.
8
A Deputada Nice Lobão apresentou, em 1999, o Projeto de Lei n° 73 que trata da reserva de 50% das vagas em
universidades para os egressos de escolas públicas.
| 6
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É notório que o assunto, reserva de vagas, divide opiniões, e pelo lapso temporal entre
as primeiras discussões sobre o tema e a aprovação da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012,
percebe-se que nossos representantes políticos não o viam como prioridade. É válido citar que
a aprovação desta lei no Congresso Nacional ocorreu após julgamento, pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), da ação de inconstitucionalidade impetrada pelo Partido Democratas (DEM),
contra o sistema de cotas para negros na Universidade Federal de Brasília, quando o STF
decidiu pela constitucionalidade deste sistema de reserva de vagas. (SANTANA; MEIRELES;
CARVALHO, 2019)
Em 28 de dezembro de 2016, foi sancionada a Lei 13.409, que alterou a Lei 12.711,
de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos
cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino. O texto legal ficou:
Art. 4º As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada
concurso seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta
por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino
fundamental em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50%
(cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com
renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que
trata o art. desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos,
pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em
proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos,
indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está
instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE. (BRASIL, 2012, grifo
nosso).
O primeiro filtro do sistema de cotas é se o aluno estudou integralmente o ensino
fundamental em escola pública. Após, um filtro relativo à renda, e ainda um percentual
dentro de cada grupo para alunos PPI e pessoas com deficiência.
No caso de um curso que tenha ofertado 40 vagas, a disposição ficada seguinte forma,
conforme Quadro 1, abaixo:
Quadro 1 – Exemplo da distribuição de vagas no IFSC.
40 vagas
20 vagas para ampla concorrência
20 vagas para cotas de escolas pública
10 vagas para renda ≤ 1,5 Salário Mínimo
10 vagas para renda ≥ 1,5 Salário Mínimo
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7 vagas Não
PPI
9
1 vaga PPI
1 vaga
PCD
10
PPI
1 vaga PCD
não PPI
1 vaga PPI
1 vaga PCD
PPI
1 vaga PCD
não PPI
FONTE: Edital de ingresso n.01/DEING/2020/1 (IFSC, 2019)
Na próxima seção será analisado como a Lei de Cotas alterou o perfil do candidato e
ingressante no IFSC.
3 A LEI DE COTAS E O PERFIL DO ALUNO DO CURSO TÉCNICO INTEGRADO
NO IFSC.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia têm sua origem na criação das
dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, por meio do decreto nº 7.566, de 23 de setembro de
1909, assinado pelo presidente Nilo Peçanha. Atualmente os IFs estão representados em todos
os Estados da federação, totalizando 656 campi (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2023).
O IFSC foi inaugurado em 1910, em Florianópolis, e atualmente conta com 22 campi
distribuídos pelo Estado da seguinte forma. No Sul: Araranguá, Criciúma, Garopaba e Tubarão.
No Vale do Itajaí: Gaspar e Itajaí. Na Grande Florianópolis: Florianópolis, Florianópolis
Continente, Palhoça, São José. No Oeste: Caçador, Chapecó, São Carlos, São Lourenço do
Oeste, São Miguel do Oeste e Xanxerê. No Planalto Serrano: Lages e Urupema. No Norte:
Canoinhas, Jaraguá do Sul Centro, Jaraguá do Sul Rau e Joinville. Vale ressaltar que esta
expansão ocorreu praticamente toda no século XXI
11
, tendo entre os anos de 2005 e 2015 o seu
ápice.
O curso integrado ao Ensino Médio é a modalidade de ensino em que a formação geral
é repassada ao aluno de forma integrada com a profissional, ou seja, no final do referido curso,
além do diploma de conclusão do ensino médio, o aluno recebe o certificado do curso técnico.
Para fazer o curso integrado, o aluno precisa ter o ensino fundamental completo.
Na Lei 11.982, de 29 de dezembro de 2008, que criou os IFs no seu atual formato,
fica evidenciada a importância que se ao ensino técnico, de maneira especial aos cursos
integrados, conforme descrito abaixo:
Art. 7º. Observadas as finalidades e características definidas no art. 6o desta Lei, são
objetivos dos Institutos Federais:
9
Pessoa autodeclarada preta, parda ou indígena.
10
Pessoa com deficiência.
11
Até 1994 havia somente três campi do IFSC no Estado, sendo eles: Florianópolis, São José e Jaraguá do Sul.
| 8
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I - ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na
forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o
público da educação de jovens e adultos;
Art.8º. No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal, em cada
exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para
atender aos objetivos definidos no inciso I do caput do art. 7
o
desta Lei (BRASIL,
2008, grifo nosso).
O IFSC oferta cursos de formação inicial e continuada (FIC), cursos técnicos, cursos
superiores e pós-graduações. Considerando que o foco dos IFs são os cursos técnicos, são esses
cursos dos quais serão analisados os dados. E como o curso integrado é o mais concorrido,
optou-se por esse para verificar os impactos no perfil do aluno.
Os candidatos que se inscreveram para o processo seletivo 2019, preencheram um
questionário socioeconômico e também indicaram a qual cota desejavam concorrer. Assim,
foram extraídos dados do processo seletivo de 2012 e de 2019 e comparados no estudo os
seguintes grupos: 1- oriundos de escola pública, 2- autodeclarados preto, pardo ou indígena, 3-
possuidores de renda per capita inferior a 1,5 salário-mínimo na família. Além do perfil do
aluno ingressante, foi pesquisado também o perfil do candidato, pois se trabalha com a hipótese
de que a Lei de Cotas tenha servido como uma espécie de estímulo para as pessoas dos três
grupos pesquisados participarem do processo, uma vez que elas sabem que, ao menos, um
percentual reservado para elas.
Abaixo, o Quadro 2 mostra o percentual da participação dos três grupos analisados.
Quadro 2 – Número de candidatos inscritos no processo seletivo.
Número de candidatos
2012
2019
Oriundo de escola pública
4014
73,11%
6097
69,28%
PPI
961
17,50%
1983
22,53%
Renda inferior
1260
22,95%
3027
34,39%
Total
5490
8801
Elaborado pelo autor. FONTE: Ministério da Educação (2020)
12
12
O Sistema de Ingresso do Instituto Federal de Santa Catarina foi acessado por um servidor que repassou as
informações para o pesquisador.
| 9
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Em 2012, 73,1% dos candidatos eram oriundos de escola pública, em 2019, esse
percentual foi de 69,3%, ou seja, houve uma pequena redução da participação desse grupo.
Importante frisar que para esta pesquisa foi considerado somente os alunos que cursaram todo
ensino fundamental em escola pública, ou seja, se em um dos nove anos do ensino fundamental
o aluno cursou em escola particular, ele não entra nesse grupo de oriundos de escola pública.
Essa opção foi feita pois, para acessar a Lei de Cotas, o aluno deve ter cursado integralmente o
ensino fundamental em escola pública.
O percentual de PPIs que participaram do processo seletivo aumentou cinco pontos
percentuais, passando de 17,5% de 2012 para 22,5% em 2019. Como em 2012 não fazia
diferença alguma para o processo a questão racial, é possível que alguns candidatos não tenham
se preocupado em responder corretamente sobre sua cor. Por outro lado, também é possível que,
em 2019, pessoas pardas tenham optado por assim se autodeclararem, para concorrerem à
reserva de vagas destinadas à PPIs, tendo em vista que para esse tipo de reserva a condição é a
autodeclaração.
No que diz respeito à participação de pessoas com renda per capita inferior a 1,5 salário-
mínimo, foi notado um aumento de 11,4 pontos percentuais, sendo que em 2019 esse grupo
correspondeu a 34,4% do total de inscritos. Em 2012 esse dado foi retirado do questionário
socioeconômico da inscrição na seção que perguntava acerca da faixa de renda. Como neste
ano essa questão também não influenciava na obtenção da vaga, é possível que tenham havido
preenchimentos errados. Porém, em 2019, esse dado foi encontrado na seção que questionava
se o candidato participaria da cota reservada à pessoa com renda per capita inferior a 1,5 salário-
mínimo, e assim, é provável que esse dado esteja bastante alinhado com a realidade, pois, para
esse grupo, no momento de matricular-se é necessário comprovar tal situação.
A seguir, o Quadro 3 informa os dados referentes aos alunos matriculados.
Quadro 3 – Número de matriculados
Matriculados
2012
2019
Oriundo de escola pública
401
63,85%
853
77,33%
PPI
69
10,99%
220
19,95%
Renda inferior
94
14,97%
479
43,43%
Total
628
1103
| 10
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Elaborado pelo autor. FONTE: Ministério da Educação (2020)
No que diz respeito aos matriculados, os dados mostraram um aumento percentual nos
três grupos pesquisados, indicando inclusive que os percentuais para os grupos ficaram maiores
que os reservados na Lei de Cotas.
Apesar de percentualmente o número de candidatos oriundos de escola pública ter
diminuído de 2012 para 2019, o percentual de matrículas para esse grupo aumentou na ordem
de 13,4 pontos percentuais, representando no último ano 77,3% das matrículas. Havia uma
hipótese nesse estudo de que o número de matriculados oriundos de escolas particulares fosse
mais representativo que o de escola pública em 2012. No entanto, mesmo sem a Lei de Cotas,
o número de matrículas de alunos oriundos de escola pública era maior: 63,9%. O que nos
faz concluir que o ensino técnico, mesmo gratuito e numa instituição federal, não é tão almejado
pelas classes sociais que têm condições de frequentarem escolas particulares, ou ainda, essas
classes preferem escolas de ensino médio que preparem exclusivamente para vestibulares, tanto
para universidades privadas quanto públicas.
O número de autodeclarados PPIs aumentou 8,9 pontos percentuais em relação ao
percentual de 11% de 2012. Praticamente 1/5 das matrículas realizadas em 2019 são de alunos
autodeclarados PPIs. Conforme previsto na Lei de Cotas, utilizando dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de matrículas PPIs no IFSC, em 2019,
deveria ser no mínimo 15,7%. Dessa forma, percebe-se que alguns autodeclarados PPIs têm
alcançado notas que o fizeram entrar pela ampla concorrência.
O grupo formado por pessoas com baixa renda foi o que teve o mais expressivo aumento
de 2012 para 2019, sendo que no primeiro ano, esse grupo correspondia a 15% das matrículas,
e em 2019, com a aplicação da Lei de Cotas, esse número passou para 43,4%. Pela Lei de Cotas,
no mínimo, 25% das matrículas deveriam abranger esse grupo, porém, como é possível notar,
há um percentual significativo de pessoas de baixa renda que entram pela ampla concorrência,
indicando que, provavelmente, esse seja o grupo que mais se dedica a conseguir essa vaga na
Instituição.
O Gráfico abaixo nos mostra o quanto a Lei de Cotas influenciou na mudança do perfil
do aluno do curso técnico integrado no IFSC referente aos três grupos estudados.
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Gráfico 1 – Número total de matrículas por grupo
Elaborado pelo autor. FONTE: Ministério da Educação (2020)
O número de matrículas realizadas respectivamente em 2012 e 2019, foi de 628 e 1103.
Esse aumento se deu em virtude da expansão do IFSC, principalmente no período
compreendido entre 2005 e 2015, e consequentemente a abertura de novos cursos na
modalidade integrada. É visível que os grupos que sofreram maior influência foram os PPIs e
os de renda inferior, sendo que para o primeiro grupo houve um aumento de três vezes o número
de matrículas, e para o segundo grupo esse aumento foi em torno de cinco vezes. Esses números,
conforme visto no gráfico acima, são significativos, pois o número de matrículas nem sequer
dobrou no período analisado.
No próximo quadro podemos perceber que, a respeito do percentual de matrículas em
relação ao número de candidatos, houve um melhor aproveitamento dos três grupos analisados.
Quadro 4 – Percentual de matrícula em relação ao número de candidatos
Percentual de matrícula em relação ao número de candidatos
2012
2019
Oriundo de escola pública
10%
14%
PPI
7,2%
11,1%
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Renda inferior
7,5%
15,8%
Elaborado pelo autor. FONTE: Ministério da Educação (2020)
Do total de candidatos oriundos de escola pública em 2012, 10% conseguiram se
matricular, sendo que em 2019 esse número passou para 14%. Em relação aos PPIs, esse
percentual passou de 7,2% para 11,1% em 2019. no grupo baixa renda, em 2012, 7,5% dos
que se inscreveram no processo conseguiram se matricular, percentual esse que foi para 15,8%
em 2019.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo propôs investigar se a aplicação da Lei de Cotas para Instituições Federais
de Ensino foi acompanhada por alterações no perfil dos candidatos e alunos ingressantes no
IFSC, com foco no curso Técnico Integrado ao Ensino Médio.
Ao ser analisado brevemente o histórico da Lei de Cotas no Brasil, foi possível constatar
que uma política de ação afirmativa como essa não aparece naturalmente ao nosso ordenamento
jurídico. Ela é fruto de muita discussão e sobretudo de pressão de movimentos populares que,
ao sentirem-se injustiçados e sem acesso a certos espaços, iniciam tais debates e os colocam na
sociedade, fazendo com que a pauta seja assunto nas ruas e nos governos.
Nas UFs, antes de qualquer tipo de política de cotas, a presença dos grupos estudados
nesse artigo eram pequenas, e mudou significativamente após a política de cotas, e de maneira
especial após a Lei de Cotas. Era uma hipótese desse estudo que, devido ao processo seletivo
que para entrar nos IFs, a presença de alunos oriundos de escolas particulares seria maior
que de alunos de escolas públicas antes da Lei de Cotas, porém, mesmo antes da Lei, tanto o
número de candidatos quanto o de alunos matriculados, o percentual de estudantes de escolas
públicas era maior, o que pode ser explicado pelo fato de que alunos com excelentes
condições financeiras não têm interesse no ensino técnico.
A presença da Lei de Cotas fez com que o número de candidatos nos três grupos
pesquisados aumentasse, o que leva à conclusão que a Lei é uma forma de incentivo à
participação no processo seletivo pelas pessoas dos grupos pesquisados. Nesse caso, o grupo
formado por pessoas de baixa renda foi o que teve um maior aumento de inscritos na
comparação entre o processo seletivo de 2012 e 2019.
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Nos resultados obtidos na comparação entre os alunos matriculados, foi constatado um
aumento significativo para os três grupos, chamando atenção o aumento referente ao grupo PPI,
que em 2019 chegou a somar 1/5 das matrículas, e novamente o grupo formado por pessoas de
baixa renda, que totalizou o percentual de 43,4% das matrículas em 2019.
Mesmo admitindo uma certa fragilidade na fonte de dados dessa pesquisa, em razão de
os dados de 2012 talvez não refletir totalmente a realidade, devido ao fato de naquela situação
não fazer diferença a resposta do aluno, pode-se também inferir que dentro do grupo de alunos
de escola pública, uma certa divisão no que diz respeito à renda. O fato de ser de escola
pública não reflete obrigatoriamente uma condição econômica precária, e nesse sentido,
analisando os quadros, é possível concluir que antes da Lei de Cotas os alunos oriundos de
escolas públicas eram em sua maioria de famílias não consideradas de baixa renda, pois o grupo
que mais alterou foi o de formado por pessoas com renda per capita familiar inferior a 1,5
salário-mínimo.
Assim, os resultados indicam que a aplicação da Lei de Cotas no IFSC trouxe uma
alteração significativa no perfil do aluno candidato e ingressante no Ensino Técnico Integrado
ao Ensino Médio, fazendo com que as classes populares ocupassem esses espaços, atingindo
inclusive, percentuais maiores que os garantidos na Lei.
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